Apêndice I – Aspecto Médico-Legal: A Diagnose da Morte – Introdução à Tanatologia Forense
O Direito Sucessório possui um fator bastante importante, comum a todos os seus Institutos próprios: A morte. Todo e qualquer aspecto deste ramo do Direito tem alguma relação com a inexorável conseqüência da existência humana.
Sobre isso, a Medicina Legal possui um assunto que é bastante importante quando se fala em Sucessões: O momento da morte, o instante em que se cessou a vida e, conseqüentemente o instante em que se abre a sucessão do de cujus, confirmada pela pronta apresentação do Atestado de Óbito.
Tal assunto recebe o nome de Tanatologia Forense, que estuda a morte e suas conseqüências jurídicas. O Seu nome advém do grego Thanatos 57 , que simbolizava, para aquele povo, tanto o guardião das portas do mundo dos mortos, como o próprio ato inevitável de morrer.
Neste apêndice, vamos tecer alguns comentários acerca dos critérios atuais para a definição de morte, bem como do diagnóstico de morte através dos sinais tradicionais.
A definição mais sucinta de morte é aquela que a considera como a "cessação total e permanente das funções vitais", definição essa admitida pela lei até bem pouco tempo atrás. Tal definição não mais atende aos anseios da nova medicina legal, na medida em que não se pode mais conceber que um corpo somente pode estar em dois estados 58 – vivo ou morto.
Muito pelo contrário, hoje conhecemos conceitos mais modernos, como a morte encefálica (ou cerebral), o estado de coma, o transplante de órgãos e tecidos. Em nenhum destes, pode-se dizer com absoluta certeza que o corpo está morto, da mesma forma, não se pode dizer que está vivo.
Em virtude disso, há uma premente necessidade de reformular-se um novo conceito de morte, juridicamente bom o suficiente para suprir tal anseio. Sobre essa nova definição, o professor titular da disciplina de Medicina Legal nos cursos de Direito e Medicina na Universidade Federal da Paraíba, Genival Veloso de França 59 , produz um novo conceito de morte, verbis:
" A morte é uma realidade complexa, ligada ao mistério do homem e que determina o fim de sua unidade biológica. Conceitua-se, dentro dos padrões tradicionais, como a cessação dos fenômenos vitais, pela parada das funções cerebral, respiratória e circulatória. No entanto estas funções não cessam todas de uma vez, resultando daí uma certa dificuldade para se determinar com precisão o exato momento da morte."
"Não há um sinal patognomônico 60 até surgirem os fenômenos transformativos 61 no cadáver, por que, na realidade, a morte não é um momento ou um instante, mas um processo gradativo que não se sabe quando se inicia nem quando termina.(...)"
Como o próprio autor afirmou, a morte se verifica com certeza mediante a observação cuidadosa e criteriosa de fenômenos post mortem típicos. Se dividem em fenômenos abióticos e transformativos. Os abióticos tem relação com o próprio corpo recém falecido, ou com os primeiros microrganismos que se instalam no cadáver. Os transformativos dizem respeito a microrganismos ou fenômenos mais complexos que se instalam no cadáver, de modo a deforma-lo ou transforma-lo, fenômenos que evidenciam a putrefação.
Existem dois tipos de fenômenos abióticos: os imediatos, conseqüência da própria cessação das funções vitais do corpo, e os mediatos, que advém da instalação dos primeiros fenômenos cadavéricos.
Os fenômenos abióticos imediatos ocorrem logo após a morte, entretanto, não conferem absoluta certeza, se apresentados isoladamente. Se caracterizam por:
Perda da Consciência, na medida em que o sujeito não responde mais à chamadas ou solicitações externas;
Perda da Sensibilidade, o sujeito não sente mais dor, tato, calor, frio, enfim, está abolida qualquer sensibilidade geral ou especial;
Parada Respiratória;
Parada Circulatória;
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Cessação da Atividade Cerebral, confirmada por eletroencefalograma (EEG) isoelétrico (sem variações, quando a linha do EEG fica reta).
Já os fenômenos abióticos mediatos (consecutivos) ocorrem algum tempo depois da morte real. Se apresentam como:
Extrema desidratação do cadáver, causado por fungos que se instalam com a cessação e estagnação da circulação sanguínea. O cadáver desidratado sofre uma diminuição de peso e uma leve dessecação da pele e dos lábios, deixando aquela com um leve aspecto de pergaminho amarelado e este com um aspecto duro e escuro.
Esfriamento (algor mortis), como a circulação do sangue mantém a temperatura normal do corpo enquanto vivo, quando esta cessa, a termodinâmica comum faz com que o corpo, agora sem energia, iguale a sua temperatura à do ambiente, que vai retirando cada vez mais calor do corpo. A velocidade do resfriamento varia de acordo com o índice de massa corpórea e a idade do corpo, a forma de morte também influencia. Pessoas mais gordas resfriam mais lentamente, crianças e pessoas idosas resfriam mais rapidamente.
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Manchas de hipóstase sanguínea (livor mortis), somente não aparecem em casos de hemorragia generalizada. Tais manchas surgem em virtude do sangue estagnado descer para as partes mais baixas do cadáver, que variam conforme a posição do mesmo. Então, quando este sangue força as paredes internas dos vasos sanguíneos, tende a atravessa-las e se instalar nas camadas da pele. Começam a surgir de 2 a 3h depois da morte.
Rigidez cadavérica (rigor mortis), uma rigidez que se instala e se esvai gradativamente em todo o corpo. Começa surgindo no rosto, na mandíbula e no pescoço, depois no tórax, membros superiores, e por último os inferiores. Depois desaparece nessa mesma ordem. Trata-se de um fenômeno físico-químico, resultante da coagulação das células dos músculos, combinada com a desidratação do corpo, fortalecida pela falta de suprimento de oxigênio para as ditas células, que faz com que as fibras musculares (miosinas) se contraiam, reagindo ao ácido láctico formado pela supressão do oxigênio 62, causando a mórbida rigidez.
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Espasmos cadavéricos, que são contrações abruptas de certa parte do corpo, que contraria a ordem de rigidez normal do rigor mortis, é um fenômeno bastante raro e não muito bem explicado. Tais espasmos surgem em pessoas que foram mortas de maneira abrupta, então o corpo, como numa tentativa de se fixar, se contrai na mesma posição em que foi surpreendido pela morte. Trata-se, ainda, de um mistério para a medicina o fato do corpo, morto, "tentar" manter a posição em que foi surpreendido pelo momento derradeiro. Contudo, já começam a surgir possíveis explicações fisiológicas para o fenômeno, pois após muitas pesquisas, acredita-se atualmente que os espasmos são causados por um órgão do cérebro chamado diencéfalo, cuja função é ser o receptor da adrenalina 63, que, ao receber tal hormônio, trata de enviar os movimentos de reflexo para o corpo, contudo, não pode este se movimentar, posto que fora surpreendido pela morte. Isso (o não-movimento), de alguma forma, causa uma lesão do diencéfalo 64, que envia, mais uma vez, os comandos reflexivos para o corpo, que se movimenta abruptamente. Nota: São mais comuns os espasmos localizados que atuam em apenas alguns músculos, ocasionados pela pouca geração de energia pelo córtex cerebral algumas horas depois da morte, ou pelo próprio dessecamento das fibras musculares
Não convém, no presente estudo, versar sobre os fenômenos transformativos post mortem, em virtude do fato de fugirem à matéria aqui estudada, mantém estes maior relação com Direito Penal. Para nós, somente é importante o diagnóstico preciso e certo de morte.
Enfim, mors omnia solvit 65 .
Apêndice II – Transmissão Mortis Causa de Crédito: Recebimento de valores devidos ao de cujus. Análise da Lei nº 6.858/80
No dia 24 de Novembro de 1.980, o Congresso Nacional publicou a lei nº 6.858/80, que, em parcos 4 artigos, tentou dispor sobre o pagamento aos dependentes ou sucessores, de valores não recebidos em vida pelos seus respectivos titulares.
Logicamente, em apenas 4 artigos, seria humanamente impossível regular um direito de tamanha magnitude.
Em virtude disso, alguns meses depois, em 26 de Março de 1.981, foi emitido um Decreto Presidencial de nº 85.845/81, que passou, desse dia em diante, a regulamentar a legislação. Devemos lembrar que, qualquer interpretação desse Decreto deve ser feita à luz da Lei nº 6.858/80, posto que é regulador desta.
Para sabermos quais os valores que, segundo este Decreto, se transmitem do de cujus aos herdeiros ou dependentes, devemos observar o seu artigo 1º, verbis:
"Os valores discriminados no parágrafo único deste artigo, não recebidos em vida pelos respectivos titulares, serão pagos, em quotas iguais, aos seus dependentes habilitados na forma do artigo 2º.
Parágrafo único. O disposto neste Decreto aplica-se aos seguinte valores:
I – quantias devidas a qualquer título pelos empregadores a seus empregados, em decorrência de relação de emprego;
II – quaisquer valores devidos, em razão de cargo ou emprego, pela União, Estado, Distrito Federal, Territórios, Municípios e suas Autarquias, aos respectivos servidores;
III – saldos das contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de Participação PIS/PASEP;
IV – restituições relativas ao imposto de renda e demais tributos recolhidos por pessoas físicas;
V – saldos de contas bancárias, saldos de cadernetas de poupança e saldos de contas de fundos de investimento, desde que não ultrapassem o valor de 500 (quinhentas) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional e não existam, na sucessão, outros bens sujeitos a inventário."
Entretanto, se faz necessário, para receber o valor devido ao de cujus, que o herdeiro interessado se apresente no órgão devedor munido de um documento fornecido pela Instituição de Previdência Social (INSS) 66, atestando que o interessado é herdeiro ou dependente do de cujus, e, em virtude disso, tem direito, nos termos da Lei nº 6.858/80, a receber o valor devido, segundo os ditames do art. 2º, verbis:
"A condição de dependente habilitado será declarada em documento fornecido pela instituição de Previdência ou se for o caso, pelo órgão encarregado, na forma da legislação própria, do processamento do benefício por morte."
Segundo o que dispõe o artigo 3º do referido Decreto, após o herdeiro habilitado conseguir a referida declaração junto a Instituição de Previdência Social, deverá o órgão devedor efetuar o devido pagamento aos dependentes ou sucessores habilitados, vejamos:
"À vista da apresentação da declaração de que trata o artigo 2º, o pagamento das quantias devidas será feito aos dependentes do falecido pelo empregador, repartição, entidade, órgão ou unidade civil ou militar, estabelecimento bancário, fundo de participação ou, em geral, por pessoa física ou jurídica, quem caiba efetuar o pagamento."
O pagamento, em tese, será feito aos devidos herdeiros.
Entretanto, na falta de dependentes habilitados diretamente, terão direito ao recebimento dos valores os sucessores do de cujus titular do crédito, previstos na legislação civil, desde que estejam devidamente indicados em alvará judicial expedido a requerimento do interessado.
Essa forma de conseguir o pagamento é mais comum do que a que necessita a declaração o INSS, uma vez que, na medida em que se descobre um crédito do de cujus, o juiz que aprecia o Inventário (ou Arrolamento) poderá expedir o devido Alvará Judicial em nome dos sucessores, para que o valor seja pago e vá à colação.
Por força do art. 6º do Decreto regulamentador, sempre que quaisquer cotas forem atribuídas à menores, estas deverão ficar depositadas em caderneta de poupança até que o menor complete 18 anos, salvo autorização judicial para a aquisição de Imóvel em seu favor, ou gastos com seu sustento e educação. Em outras palavras, o valor ficará constrito, da seguinte forma:
"As quotas a que se refere o artigo 1º, atribuídas a menores, ficarão depositadas em caderneta de poupança, rendendo juros e correção monetária, e só serão disponíveis após o menor completar 18 (dezoito) anos, salvo autorização do juiz para aquisição de imóvel destinado a residência do menor e de sua família ou para dispêndio necessário à subsistência e educação do menor."
Sempre que não houverem dependentes do de cujus, os valores se reverterão para os devidos órgãos devedores, em outras palavras, a dívida será "perdoada".
Esse Decreto finaliza dizendo que caberá ao Banco Central do Brasil, ao BNH e à CEF, e outros órgãos descentralizados da Administração Pública o devido cumprimento do Decreto, para que gere os seus devidos fins, conforme o art. 8º, verbis:
"Caberá ao Banco Central do Brasil, ao Banco Nacional da Habitação, à Caixa Econômica Federal, ao Banco do Brasil S.A. e aos demais órgãos e entidades da Administração Federal, Estadual e Municipal, nas respectivas áreas de competência, orientar e fiscalizar o cumprimento deste decreto pelas pessoas físicas e jurídicas responsáveis pelo pagamento dos valores de que trata o artigo 1º."
A curiosidade fica por conta do art. 9º, que dá mais uma competência ao extinto "Ministro Extraordinário para a Desburocratização", vejamos:
"Ao Ministro Extraordinário para a Desburocratização caberá acompanhar e coordenar a execução do disposto neste decreto, assim como dirimir as dúvidas suscitadas na sua aplicação."