1. Da aplicação supletiva e subsidiária do Código de Processo Civil à Lei nº 6.830/80 (LEF). Analogia. Interpretação sistemática.
É bastante conhecida a regra segundo a qual as normas do Código de Processo Civil aplicam-se subsidiariamente aos processos de execução fiscal. Tal preceito encontra-se positivado no art. 1º da Lei nº 6.830/80 (LEF). Nesse sentido, o STJ (REsp 1409688/SP) tem entendimento pacífico em favor da aplicação subsidiária do CPC ao rito das execuções fiscais.
Vale mencionar também a regra trazida pelo art. 1.046, §2º do CPC/2015, que impõe a aplicação supletiva das normas do Codex processual aos procedimentos regulados em leis especiais.
Destarte, é inexorável a conclusão a favor da aplicação supletiva e subsidiária das normas do CPC à LEF.
Sobre a distinção conceitual entre aplicação supletiva e subsidiária, o eminente processualista JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA[1] ensina que a diferença está em que a aplicação supletiva é mais ampla e tem lugar quando a lei é omissa, ao passo que a aplicação subsidiária é utilizada para se dar alcance maior a norma menos precisa.
A lição doutrinária, portanto, é no sentido de que o hermeneuta, ao ver-se diante de lacuna legal (aplicação supletiva) ou de norma que necessite ser melhor definida (aplicação subsidiária), valha-se das regras contidas em outro diploma legal a fim de dar solução ao caso concreto.
Com efeito, nos casos de lacuna legal, em que tem lugar a aplicação supletiva das leis, deve o intérprete valer-se dos conhecidos métodos de integração, quais sejam, a analogia, os costumes e os princípio gerais do Direito, conforme prevê o art. 4º do Dec.-Lei 4.657/1942 (LINDB).
Sobre a analogia, a doutrina da professora MARIA HELENA DINIZ[2] ensina que esse método tem por objetivo revelar normas implícitas no ordenamento jurídico e se aplica quando há semelhança entre o caso previsto e o caso não previsto na lei.
O ilustre professor TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR[3] aponta que a analogia é método que confere efetividade ao princípio da isonomia e sua utilização pressupõe que as semelhanças entre os casos sejam maiores que as diferenças.
Assim, constatada a lacuna, o exegeta se utiliza da analogia para suprir o vácuo normativo. Por sua vez, a escolha da norma aplicável é assunto que tange aos métodos de interpretação jurídica, dentre os quais merece destaque a interpretação sistemática.
Interpretação sistemática é aquela que leva em conta todo o sistema jurídico no qual a norma encontra-se inserida, observando-se as concatenações que ela estabelece com outras normas do mesmo sistema.
A interpretação sistemática impede, por exemplo, aplicar-se o parágrafo de um artigo de lei sem levar em consideração o seu caput, ou a seção e capítulo em que inseridos, sob risco de se chegar a soluções jurídicas não desejadas pelo sistema.
Sobre a interpretação sistemática e a vedação da leitura isolada dos dispositivos legais, o professor RIZZATTO NUNES[4] assevera que na interpretação de um artigo de lei deve-se levar em conta outros artigos de determinados setores do ordenamento jurídico.
Oportuno enfatizar que o próprio ordenamento jurídico esclarece que os parágrafos são normas que complementam as regras trazidas pelo caput, ou seja, possuem relação indissociável com outra mais ampla, e por isso não devem ser interpretados de forma isolada. É nesse sentido o que consta do art. 11, III, “c” da Lei complementar federal nº 095/98.
2. Das regras sobre honorários advocatícios previstas nos arts. 85 e 827 do CPC.
O Novo Código de Processo Civil trouxe alguns dispositivos que fornecem parâmetros ao julgador para que este fixe a verba honorária devida aos patronos da causa.
O art. 85, §3º do CPC prevê faixas de variação dos percentuais dos honorários entre 10% e 20%. Por outro lado, o art. 827 do CPC fixa os honorários iniciais/provisórios em 10%, percentual insuscetível de ser alterado por voluntarismo judicial. Eis o teor das indigitadas normas:
“Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
§ 1o São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.
§ 2o Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I - o grau de zelo do profissional;
II - o lugar de prestação do serviço;
III - a natureza e a importância da causa;
IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
§ 3o Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2o e os seguintes percentuais:
I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;
II - mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;
III - mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;
IV - mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;
V - mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.”
“Art. 827. Ao despachar a inicial, o juiz fixará, de plano, os honorários advocatícios de dez por cento, a serem pagos pelo executado.”
Importante analisar o conteúdo e o âmbito de aplicação de ambas as normas.
3. Do art. 85, §3º do CPC e dos honorários de sucumbência. Princípio da sucumbência. Aplicação aos processos de conhecimento e, quando sucumbente a Fazenda Pública, aos processos de execução fiscal.
Ab initio, necessário destacar que o art. 85, §3º, está inserido na Parte Geral, Livro III do CPC, motivo pelo qual trata-se de norma geral e que, portanto, deve ser aplicada nas hipóteses em que não haja norma específica em contrário.
O caput do art. 85 do CPC expressamente estabelece que a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
A leitura do dispositivo, sobretudo pela utilização dos termos “sentença”, “vencido” e “vencedor”, faz concluir que o propósito da regra é o de regular a fixação dos honorários advocatícios nos casos em que juiz profere uma sentença, de mérito ou não, em que se sagra vencedora uma das partes e vencida a outra.
Só se fala em “sentença”, nos termos do art. 203, §1º do CPC, nos casos em que o magistrado põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, ou quando extingue a execução, com fundamento nos arts. 485 e 487 do CPC.
Por outro lado, a referência a “vencido” e “vencedor” remete o exegeta à noção de sucumbência, êxito, derrota e improcedência, que somente ocorrem em processos em que o juiz necessita apreciar pedidos de julgamento de mérito, havendo, ao fim, o vencedor e o vencido (sucumbente).
A doutrina destaca que o art. 85 do CPC possui fundamento no princípio da sucumbência, e sucumbência “(...) traz inerente em si a ideia de perda, de derrota, de improcedência total ou parcial de um pedido ou de uma posição de resistência adotada em determinada ação judicial. (...) Predito art. 85, aliás, trata frontalmente do princípio da sucumbência, fazendo-o da seguinte forma: Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.”[5].
Desse modo, a aplicação do art. 85 do CPC, bem como do seu §3º, se limita aos casos em que a parte deduz demanda cujo pedido seja de julgamento de mérito, em que, ao fim o juiz profere decisão ou sentença declaratória, condenatória, constitutiva ou mandamental para acolher ou não o pedido e condenar o vencido (sucumbente) a pagar os honorários do vencedor.
Em outras palavras, a aplicação do §3º do art. 85 do CPC, restringe-se aos processos de conhecimento em que seja parte a Fazenda Pública, e aos processos de execução em que, ao final, em razão da apresentação de embargos à execução, ou exceção de pré-executividade, a Fazenda Pública seja sucumbente.
Nesse quadro, convém ressaltar que o enunciado 15 da ENFAM que dispõe que “Nas execuções fiscais ou naquelas fundadas em título extrajudicial promovidas contra a Fazenda Pública, a fixação dos honorários deverá observar os parâmetros do art. 85, § 3º, do CPC/2015” deve ser aplicado justamente à hipótese em que a Fazenda Pública é sucumbente no processo de execução fiscal, e não na fixação dos honorários iniciais/provisórios. O enunciado não trata da fixação inicial/provisória dos honorários iniciais na execução fiscal, mas sim da verba honorária definitiva, arbitrada ao final no caso de a Fazenda Pública sucumbir.
Aliás, não há sentido lógico em que, em uma ação de execução fiscal que acabara de ser proposta, o magistrado, já no despacho inicial, fixe os honorários iniciais pelas faixas previstas nos incisos do §3º do art. 85 do CPC, já que a escolha dos percentuais das faixas depende da observância ao §2º do artigo, que elege: o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
Em outras palavras, a fixação de honorários pelo §3º do art. 85 do CPC depende de um trâmite processual anterior, em que se avalie todo um arcabouço de circunstâncias relevantes à fixação, circunstâncias essas que ainda não existem no momento em que o juiz profere despacho inicial na execução fiscal.
Na fixação dos honorários iniciais/provisórios no processo de execução fiscal, porém, não se deve aplicar o art. 85, §3º do CPC, mas sim o art. 827, caput, do CPC, como se demonstra a seguir.
4. Do art. 827, caput, do CPC. Fixação dos honorários em 10% (dez por cento). Norma específica. Princípio da causalidade. Aplicação à ação de execução fiscal.
Por seu turno, o art. 827, caput, do CPC, que prevê a fixação dos honorários advocatícios provisórios em 10% (dez por cento) nos processos de execução, está localizado na Parte Especial, Livro II do CPC. Por isso, é norma específica dos processos de execução, devendo ser observada e aplicada em detrimento das normas gerais que disponham de modo diverso.
Diferentemente do que ocorre nas ações de conhecimento, os honorários advocatícios provisórios, fixados ab initio nos feitos executivos, não se vinculam a um julgamento de mérito ou ao princípio da sucumbência, mas sim ao princípio da causalidade. Isto é, os honorários são devidos porque o processo de execução poderia ter sido evitado se o devedor tivesse cumprido voluntariamente a obrigação cobrada.
Nesse sentido, EDUARDO DE AVELAR LAMY[6] salienta que no processo de execução os honorários não se vinculam a um julgamento de mérito, mas ao princípio da causalidade.
Para ROGÉRIO LISCASTRO TORRES DE MELLO[7], os honorários fixados na execução de título extrajudicial têm fundamento no princípio da causalidade, e não em uma sucumbência experimentada pelo executado.
Imperioso destacar que o art. 827, caput, do CPC determina que o magistrado fixe os honorários advocatícios em 10% (dez por cento), sem margem de discricionariedade alguma para fixação em percentual diverso. A norma é clara e impositiva ao não permitir que os honorários sejam fixados em percentual outro que não os 10% (dez por cento).
Sobre o assunto, o escólio do jurista ARAKEN DE ASSIS[8] é firme no sentido de que o juiz não pode se utilizar de outro percentual.
Em suma, os honorários de 10% (dez por cento) previstos no art. 827, caput, do CPC possuem fundamento no princípio da causalidade, e devem ser necessariamente fixados neste percentual.
Tendo em vista a lacuna legal na LEF a respeito de honorários advocatícios em favor do exequente, a aplicação supletiva e subsidiária do CPC ao rito das execuções fiscais, bem como o caráter de norma específica do art. 827, caput, do CPC aplicável aos processos de execução, chega-se à conclusão de que o art. 827, caput, do CPC aplica-se ao processo de execução fiscal na fixação dos honorários advocatícios iniciais/provisórios.
Nesse sentido, o TJGO[9] já entendeu que os honorários advocatícios iniciais do executivo fiscal devem ser fixados em 10 % (dez por cento) sobre o valor cobrado, aplicando-se o art. 827, caput, do CPC.
Não é isolada a posição adotada pelo TJGO acerca da fixação dos honorários iniciais em 10% (dez por cento) nos processos de execução fiscal pelo art. 827, caput, do CPC. Esse entendimento encontra ressonância em outros Tribunais de Justiça que já se defrontaram com a questão, como o TJRS[10], TJMS[11], TJSP[12] e o TJMG[13].
Contudo, não somente a aplicação supletiva e subsidiária do CPC é que fundamenta a utilização do art. 827, caput, em detrimento do art. 85, §3º no momento da fixação dos honorários na execução fiscal.
Com efeito, como já dito, a incidência do art. 827, caput, do CPC aos executivos fiscais, para fixação dos honorários provisórios, deve-se também pelo fato de ser norma específica dos processos autônomos de execução, e o art. 85, §3º do CPC, por outro lado, ser norma geral de fixação de honorários. Basta verificar que o art. 827 está localizado na Parte Especial, Livro II, Capítulo IV do CPC, que trata especificamente da Execução por Quantia Certa.
Prova de que o art. 827, caput, do CPC é regra específica e que possui autonomia suficiente para tratar dos honorários na execução é o fato de que o seu §2º traz critério próprio de majoração dos 10% (dez por cento) fixados inicialmente, não fazendo nenhuma referência ao art. 85, §2º do CPC. Diz, unicamente, que os honorários poderão ser elevados considerando o trabalho realizado pelo advogado do exequente.
Entendendo que o art. 827, caput, do CPC é norma específica e que deve ser aplicado às execuções fiscais em detrimento do art. 85, §3º do CPC, o TJMG[14] já julgou vários casos.
Além disso, pretender aplicar o art. 85, §3º do CPC à execução fiscal pela mera circunstância de que nele se faz referência à Fazenda Pública, é cometer o equívoco hermenêutico de interpretar isoladamente um parágrafo sem levar em consideração o seu caput, bem como todo o sistema do Código Processual Civil.
O §3º do art. 85 do CPC deve ser interpretado à luz do seu caput, de sorte que as faixas percentuais ali previstas devem ser aplicadas quando a Fazenda Pública for parte e tratar-se de processo de conhecimento, em que haja prolação de sentença e surja uma parte vencida e outra vencedora, de acordo com o princípio da sucumbência. Ou, até mesmo no processo executivo, mas somente quando a Fazenda Pública for sucumbente, ao final do litígio.
A corroborar o entendimento de que o art. 85, §3º do CPC não pode ser interpretado isoladamente, e que, por isso, não deve ser aplicados às execuções fiscais, o TJMG[15] se pronunciou.
Além disso, não há de se falar em falta de isonomia na fixação dos honorários pelo art. 827, caput, do CPC. Isso porque, não fazia parte da mens legislatoris do legislador do CPC/2015 a intenção de que houvesse total igualdade entre o particular e a Fazenda Pública quando fossem fixados honorários advocatícios.
Isto é, embora o legislador do CPC/2015 tenha corrigido algumas distorções do sistema processual relativamente à fixação dos honorários quando a Fazenda Pública for parte da demanda, ainda assim optou por não tratar de forma rigorosamente idêntica o particular e o ente público.
Ora, a própria ideia que subjaz às faixas contidas no §3º do art. 85, do CPC é a de que quando a Fazenda Pública vencer ou for vencida na demanda, os honorários não estarão adstritos ao intervalo de 10% a 20% (§2º, art. 85, do CPC), mas sim às faixas que, de forma escalonada (§5º, art. 85, do CPC), poderão resultar em percentual inferior a 10%. Caso a intenção do legislador fosse tratar de modo idêntico o particular e a Fazenda Pública, não teria instituído as faixas do art. 85, §3º, do CPC, bastaria a regra do art. 85, §2º, do CPC.
Essa circunstância demonstra que há ainda no sistema vigente uma proteção ao patrimônio público no momento da fixação dos honorários, o que afasta a argumentação de falta de isonomia quando se aplica o art. 827, caput, do CPC, na fixação dos honorários iniciais na execução fiscal.
5. CONCLUSÃO.
Conforme o exposto, em razão do disposto no art. 1.046, §2º do CPC e art. 1º da LEF, que ordenam, respectivamente, a aplicação supletiva e subsidiária do CPC ao processo de execução fiscal, o juiz, após constatar a lacuna normativa, deve valer-se da analogia como método de integração para identificar a regra a ser aplicada.
Na sequência, deverá interpretar o sistema de normas posto pelo CPC, utilizando os métodos de interpretação e escolher a regra que melhor atenda às exigências do caso.
Dentre esses métodos de interpretação, destacou-se a interpretação sistemática, que é aquela que considera todo o sistema em que está inserida a norma, separando as normas genéricas das específicas, e, também, interpretando-as de acordo com o seu caput, se houver, bem como levando em conta a Parte, Título, Capítulo e Seção em que se encontram.
Neste passo, é fundamental repisar que o exegeta não pode aplicar a norma genérica em detrimento da norma específica, tampouco pode interpretar um parágrafo isoladamente do seu caput, sob risco de se produzirem normas individuais não desejadas pelo sistema jurídico.
O resultado da confluência de todas essas diretrizes soluciona a discussão iniciada neste artigo, firmando a conclusão de que, nas ações de execução fiscal, o juiz deve fixar os honorários advocatícios iniciais valendo da regra do art. 827, caput, do CPC.