1.3 - Funções e vedações do Ministério Público
A CFRB/1988 foi a responsável por uma gigantesca dilatação das funções do MP, incumbindo-lhe a defesa da sociedade, em todas as esferas jurídicas, além de zelar pela preservação da moral e da probidade administrativa (PAULO; ALEXANDRINO, 2010). A CFRB em seu art. 129 traz um rol de funções do Ministério Público, que são
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição; V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva; VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior; VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas (BRASIL, 1988).
O rol apenas exemplifica, não exaurindo todas as atividades do Ministério Público, lembra Moraes (2010, p. 616) “que o rol é exemplificativo”, possibilitando ao Ministério Público exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade constitucional, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas. O próprio inciso IX do artigo 129 da CFRB/1988 é claro quanto a possibilidade do exercício de outras funções. Neste ponto, é relevante “lembrar que referidas funções institucionais só poderão ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação, salvo autorização do Chefe da Instituição” (LENZA, 2012, p.773).
O artigo 25 da LOMP traz outras atribuições do MP, sendo o órgão responsável por
I - propor ação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais, em face à Constituição Estadual; II - promover a representação de inconstitucionalidade para efeito de intervenção do Estado nos Municípios; III - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos; b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem; V - manifestar-se nos processos em que sua presença seja obrigatória por lei e, ainda, sempre que cabível a intervenção, para assegurar o exercício de suas funções institucionais, não importando a fase ou grau de jurisdição em que se encontrem os processos; VI - exercer a fiscalização dos estabelecimentos prisionais e dos que abriguem idosos, menores, incapazes ou pessoas portadoras de deficiência; VII - deliberar sobre a participação em organismos estatais de defesa do meio ambiente, neste compreendido o do trabalho, do consumidor, de política penal e penitenciária e outros afetos à sua área de atuação; VIII - ingressar em juízo, de ofício, para responsabilizar os gestores do dinheiro público condenados por tribunais e conselhos de contas; IX - interpor recursos ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 1993).
Aqui, o princípio da Imparcialidade possui vital importância, equilibrando a atuação ministerial, “pois deve defender os interesses da sociedade e fiscalizar a aplicação e a execução das leis. Por isso, pode impetrar habeas corpus, fiscalizar a ação penal privada e, quando as provas evidenciam a inocência do acusado, pleitear a improcedência da pretensão punitiva, pedindo a absolvição do réu” (MIRABETE, p.359, 2004).
Os membros do MP têm o dever de cumprir suas funções, já que em caso de omissão são responsabilizados administrativamente, podendo anular ações se sua atuação for obrigatória (MELO, 2008). Mazzilli (1996) afirma que o MP atua normalmente em funções típicas e peculiares, sendo estes a promoção da ação penal pública, a promoção da ação civil pública, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, o zelo pelos Poderes e serviços públicos e pelos direitos constitucionais. Afirma ainda a existência de funções atípicas, sendo estas estranhas às funções comuns do MP, a exemplo das atuações supletivas como patrocinador do reclamante trabalhista, assistente judiciário dos necessitados que não possuem assistência de órgãos próprios e na atuação substitutiva da defensoria pública. As funções atípicas são extremamente criticadas como um excesso na atuação do MP.
A CFRB/1988 traz uma série de vedações aos membros do Ministério Público, que apesar de serem proibições, possuem o fim de tornar mais forte a instituição, uma vez que as vedações se destinam a não por em risco a própria autonomia do órgão, sendo assim compulsórias (MENDES; BRANCO, 2011). No artigo 128, parágrafo 5º lista que é vedado ao Ministério Público
a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais; b) exercer a advocacia; c) participar de sociedade comercial, na forma da lei; d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério; e) exercer atividade político-partidária, salvo exceções previstas na lei (BRASIL, 1988).
Outra vedação é prevista no artigo 128, parágrafo 6º, “o qual impede o exercício da advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração” (CAPEZ, p.176, 2008).
Mazzilli (1996) explicita que, assim como os magistrados, os promotores não podem receber custas, percentuais ou honorários, seja como órgão agente ou interventor, substituto processual de particular ou órgão estatal, em nenhuma hipótese. Contudo há a possibilidade de em “[...] ações judiciais em que o Ministério Público seja vitorioso, o juiz condene o sucumbente em honorários, que serão carreados à pessoa política (União ou Estado- membro) a que se vincula o Ministério Público” (MENDES; BRANCO, p. 1043, 2011)
No tocante ao exercício da advocacia, não se pode falar que houve ofensa ao direito adquirido anterior à Constituição pois não há direito adquirido do funcionário público frente às mudanças do regime jurídico, portanto a vedação é absoluta e justifica-se pelo provável prejuízo ao exercício do cargo ou até mesmo uso dos poderes e influências garantidas pela função no exercício da advocacia, maculando a imparcialidade exigida aos membros do MP (MAZZILLI, 1996).
A vedação à participação em sociedade comercial se regula na forma da lei, portanto não é absoluta, dessa forma
[...] se proíbe a participação em sociedades de pessoas, até porque, pelo Código Comercial, o sócio de pessoas é comerciante. Assim não há vedação a que o membro do Ministério Público participe de sociedades de capital, como as sociedades anônimas; [...] tem-se corretamente negado a participação de membro o Ministério Público na direção de sociedade comercial, seja na gerência ou na administração de empresa industrial ou comercial. [...] o membro do Ministério Público não pode participar de sociedade comercial, exceto como quotista ou acionista, com maior razão não pode ser comerciante individual (MAZZILI, p. 169-170, 1996).
A vedação ao exercício de outra função não é absoluta, pois ressalva-se a função de magistério, que só poderá ser exercido se houver compatibilidade de horário entre as funções. (MORAES, 2010). A vedação contra o exercício de outra função pública é controversa, já que a própria lei prevê a participação do MP em organismos administrativos, conselhos de direitos humanos, comissões de trânsito, entorpecentes, além disso, órgão como assembleias, secretarias, câmaras, entre outros, solicitam o assessoramento do MP. Desde que estes órgãos não tratem sobre matéria do próprio MP, a atuação é permitida, pois não age como agente político (MAZZILI, 1986). Já o cargo de diretor em entidades de ensino é vedado pelo Conselho Nacional do Ministério Público, salvo quando se tratar de instituições próprias de formação do MP, já que há vinculo estatutário, mas não poderão ser remuneradas. (MORAES, 2010).
Apesar da ressalva da previsão legal nos casos de participação em política partidária, esta
[...] passou a ter natureza absoluta, não comportando mais qualquer exceção. Significa dizer que a inelegibilidade do membro do Ministério público passou a ser absoluta [...]. Com isso, os membros do Ministério Público não poderão mais filiar-se a partido político, tampouco disputar qualquer mandato eletivo, exceto se optarem pela exoneração ou aposentadoria do cargo (PAULO; ALEXANDRINO, p.716, 2010).
Tal vedação é justificada pela
[...] tradição legislativa [...], por se supor que [...] o envolvimento político-partidário numa comunidade, no Estado ou até País leva a aproximações, a composições, a favorecimentos recíprocos, a compromissos e envolvimentos com grupos, facções ou setores econômicos e políticos, [...] tráfico de influências e outras fontes ilegais de custeio de campanhas, [...] comprometendo a neutralidade e a independência funcional da instituição e de seus agentes (MAZZILI, p.174-177, 1996).
As sanções para a violação das vedações constitucionais são a suspensão do cargo para membros vitalícios e a demissão para membros não vitalícios, desde que proposta a ação judicial para perda do cargo (MAZZILLI, 1996).
REFERÊNCIAS
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