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A areia movediça da PEC sobre prisão em segunda instância:

sob as masmorras do clerical-fascismo

Cláusula pétreas não são de pedra à toa. Mas parece que são flexíveis às declarações de vontade da barbárie...

Nossa tese é de que mudanças constitucionais reduzindo garantias e direitos fundamentais são abjeta Violação Constitucional e típico objeto do Estado de Exceção. Posto que, como capítulo consagrado da CF88 e defendido por cláusulas pétreas, as garantias e os direitos fundamentais não podem ser abdicados, e muito menos abolidos, por instituição autocrática que se apodere do Poder Político. Portanto, clara deve ser a interpretação e a defesa garantística do Positivismo Constitucional sufragado na Carta Política de 1988, separando-se claramente “o joio do trigo”, removendo-se as nuvens espessas e escuras de quem se arvora em intérprete constitucional a cometer desatinos de violação democrática e negação republicana do Texto Constitucional de 1988.

Não há outra forma válida – validada pela correta leitura ortográfica, em que se diz, sem desdizer – para lermos a Constituição. Não cabe a alegoria do lusco-fusco, das sombras intermediadas pela interpretação, especialmente na “leitura” que busca o desfazimento constitucional. Para o bem da Verdade Republicana, toda e qualquer Leitura Constitucional tem que se pautar pela garantia da integridade dos direitos constitucionais assegurados na condição jurídica de fundamentais. Ou temos a democracia real pautada pela CF88 ou só restará a metáfora de uma Carta Política violentada pelo oportunismo jurídico.

A expressão fascismo vem de “fascio”: alianças ou federação que incorporam o “feixe de varas” utilizado pelos magistrados da Roma antiga para celebrar o poder do Estado. Na prática, com Mussolini, forjou-se um Estado Tripartite: representação patronal, representação trabalhista e mediação estatal. Como organização política, o fascismo forjou-se a partir dos “fasci di combatimento” ou unidades de combate. Sua doutrina era a ação: política e violenta. Formaram-se, então, milícias paralelas às forças públicas de segurança.

1. Nacionalismo: lendas e mitos ou explicações ideológicas irracionais sobre a origem da nacionalidade reforçam a geração de inimigos nacionais.

2. Totalitarismo (auto + cracia) e Corporativismo: para se criar um Estado Orgânico (sem dissensão social) é necessário controlar os direitos dos cidadãos.

3. Militarismo: as forças policiais são forças de repressão social.

4. Segurança Nacional: convertida em fetiche, a Segurança Pública é elevada à potência superior, até que se confunde plenamente com a Segurança Nacional. As massas são condicionadas para o conflito armado.

5. Desprezo ao Direito: especialmente os direitos humanos são desacreditados, levando-se o povo a naturalizar as exceções (“exceptio” da lei), execuções, torturas, banimentos, o encarceramento político. Pois, os adversários são convertidos em inimigos do Estado e os diferentes são aniquilados como “estranhos”. São estrangeiros em seu próprio país.

6. Anti-intelectualismo: a criação livre da estrita obediência à ideologia é rechaçada porque leva à crítica das bases mitológicas do Estado Orgânico.

7. Censura Prévia: sobretudo o cerceamento (receitas de bolo em primeira página de jornais) de ideias e ideais contrários ao sistema e modelo político.

8. Religião como ópio do povo: aproximam-se preceitos religiosos de ideologias de poder e aporias de violência. E então o Rei Davi é invocado e religiosos podem prestar continência à suástica – no extremo do nazismo (amplas fotos na internet).

Resumidamente: “Doutrina política do século XX baseada na exaltação nacionalista, no desprezo ao espírito democrático, na implantação de um regime ditatorial, na exaltação do Estado e no menosprezo pelo indivíduo” (Rojas, 2001, p. 476).

Metaforicamente, diremos o mesmo da seguinte forma: “Praticar olho por olho não é nossa honra” – está a dizer um Bei (hoje seria “uma Bei”) ao interpretar lições antigas do Islã, quiçá anteriores ao Alcorão. Realmente, em tempos de Clerical-fascismo, temos muito que aprender: “Estamos afundados até o queixo, mas a cabeça está pra cima?”; seremos capazes de separar “águias com águias, corvos com corvos?”; sob o terraplanismo fascista, “o mundo será tão pequeno a ponto das montanhas se encontrarem?”; se fecharmos os olhos ao fascismo hoje, os fascistas fecharão os nossos amanhã; é preciso lembrar aos fascistas violadores da CF88 que, "quem vive pela espada, morre pela espada", afinal “cobras não usam portas”; “orai e vigiai” o bezerro de ouro; vamos queimar em cinzas ou transformar o fogo fascista nas cinzas da história?

Afinal, “a existência é uma escola e todos são alunos” – nessa infindável escola de “fazer-se política”; declarando-se um tipo de amor à Carta Política, em combate ao “nojo ao Direito” e ao ódio constitucional, uma vez que retratamos “aquele que traz luz à escuridão, mesmo que estejamos de olhos fechados”; especialmente quando “não há nada em nossas mãos, exceto os sonhos e a esperança”.

Essas são algumas das questões que abordaremos nesse texto, como um tipo de principiologia às avessas, de trás para frente, do que não queremos que seja vocalizado na forma jurídica prevalecente. E, basicamente, não queremos as iminências pardas de poder abusivo. Para efeito didático, separamos o texto em três partes: 1) O aprofundamento (fascista) do Estado de Exceção que nos abate, ao menos, desde 2016 (ou antes disso, a contar da Lei Antiterror, de 2014); 2) O direito fundamental é assegurado por cláusula pétrea; 3) Uma PEC (sobre prisão em segunda instância) não aniquila as cláusulas pétreas constitucionais de 1988.


1. Princípio da Exceção

O Princípio de Exceção encontra justificativa, exatamente, para salvaguardar tanto o Princípio da Regularidade quanto a Razão de Estado. Assim, o cidadão médio é inclinado a observar e aceitar o Estado de Direito, as instituições republicanas e o próprio Princípio Democrático como mecanismos legítimos de controle social e de participação política. Em defesa dos valores públicos juridicamente positivados, alguns eventos sociais não são tolerados e contra eles se volta toda a força da exceção – o que o homem médio vê como instância reguladora “normal” da vida social: não estranhando os meios mais heterodoxos que lhe são aplicados. Por exemplo, em caso de guerra, a CF/88 admite pena de morte. Com essa perspectiva, o cidadão médio admite ser gerido por normas ou pela lógica da exceção, aquela que, via de regra, normalmente, veria com suspeição e desconfiança:

• “Normalmente, seguiríamos as regras; mas, neste caso, as regras devem se dobrar aos fatos e vamos tratar o caso de modo particular”.

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• “Particularmente, sigo as regras, mas vejo que o caso deve ser tratado de modo especial”.

 Pelo Princípio da Exceção, excepcionalmente, admite-se a suspensão da regularidade (realidade) e, então, o cotidiano passa a ser regulado de modo que, anteriormente, seria absolutamente irregular, isto é, o irregular é normalizado. A “normatização” do que é excepcional tem, portanto, dois efeitos paralelos e complementares: a) normatiza-se o uso de meios excepcionais nas relações de poder (Estado); b) “normaliza-se” o sentido de que o ocasional vá se vertendo em forma regular de mediar a vida civil (sociedade).

• “Regularmente, o caso seria visto pelo ângulo dos Princípios da Justiça e da Proporcionalidade; ocorre, todavia, que o caso se volta contra a Razão de Estado. Portanto, em defesa do valor maior representado pelos direitos do poder, para que não se tolere a intolerância ao Poder Político, não se aplica aqui o Princípio da Regularidade”.

 De tal modo, passa a ser “normal” – com eficácia e efeito de “normas cotidianas” – o que era basicamente acidental. Torna-se tão normal que a exceção não é mais vista como “anormal”. Normalizar, portanto, significa instituir normas para tornar aceitável como normal o que, até então, era indefinido ou definido como irregular. É assim que se regulariza na vida civil e na ordem política do Estado o que era “anormal”.

• O Princípio da Reciprocidade é a base civilizatória em que repousa o próprio direito internacional (ou cosmopolita, como querem alguns) e seria a salvaguarda jurídico-institucional de manutenção da harmonia entre as várias Razões de Estado. Todavia, como nos consideramos a única superpotência, nos reservamos o direito de agir “preventivamente”, independente da reciprocidade que outros possam julgar necessária ou oportuna.

Na metáfora, em suma, vemos que há um processo de culpabilização sem provas. É como se convivessem, ladeando-se, o mal-estar da razão, de acordo com os pesadelos do protótipo do permanente Estado de Exceção já transfigurado pela ação coordenada de juízes abnegados e resolutos em provar que Kafka estava equivocado em sua análise seca e impermeável acerca do Estado de Direito. Vejamos um pouco do conto Sobre a Questão das Leis:

"Nossas leis não são universalmente conhecidas, são segredo do pequeno grupo de nobres que nos domina. Estamos convencidos de que essas velhas leis são observadas com exatidão, mas é extremamente penoso ser governado segundo leis que não se conhecem [...] Além do mais é evidente que a nobreza não tem motivo algum, na interpretação, para se deixar influenciar pelo interesse pessoal em detrimento do nosso, pois as leis foram desde o início assentadas para os nobres, a nobreza está fora da lei e precisamente por isso a lei parece ter sido posta com exclusividade nas mãos da nobreza [...] Há um pequeno partido que realmente pensa assim e busca provar que, se existe uma lei, ela só pode rezar o seguinte: o que a nobreza faz é lei [...] Odiamos antes a nós mesmo porque ainda não podemos ser julgados dignos da lei [...] A rigor é possível exprimi-lo numa espécie de contradição: um partido que rejeitasse, junto com a crença nas leis, também a nobreza, teria imediatamente o povo inteiro ao seu lado, mas um partido como esse não pode nascer porque ninguém ousa rejeitar a nobreza. É nesse fio da navalha que nós vivemos. Certa vez um escritor resumiu isso da seguinte maneira: a única lei visível e indubitavelmente imposta a nós é a nobreza – e será que queremos espontaneamente nos privar dela?" (KAFKA, 2002, pp. 123-125).

Na alusão de Kafka às leis, vemos como o Estado de Exceção sempre rondou as portas (entreabertas?) do Estado de Direito, até tomá-lo de assalto quase que por completo. Este Estado Penal descrito por Kafka, como o mais novo tipo de Estado de Exceção, ainda soube/sabe transformar princípios em privilégios e – ao envolver, revolver problemas de mera governança em estatutos ou status de Estado – sinaliza que tem por objetivo editar leis que passem a discriminar inimigos e favorecer amigos simpáticos ao poder. Vê-se que a sociedade não está em seus planos e nem a fonte principal do Direito será as tão ímpares necessidades sociais – pois, só lhe convém, de fato, as necessidades do poder ou a Razão de Estado.


2. Direitos Fundamentais e Cláusulas Pétreas

Tanto os direitos fundamentais como as cláusulas pétreas estão previstos no texto da Constituição. Porém, assim como outras expressões que são veiculadas na Constituição, é preciso buscar o significado e o valor que possuem a partir da leitura que a doutrina proporciona e por um processo de interpretação. Poderiam ser citados diversos autores de respeitáveis doutrinas aqui, pessoas do Brasil e do exterior que enfrentam o tema: direitos fundamentais. Dessa forma, direitos fundamentais são o “conjunto de direitos pertencentes ao homem e positivados constitucionalmente, devendo-se incluir os direitos individuais, sociais, econômicos, culturais e coletivos” (TAVARES, 2012).

Canotilho (1993, p. 19) ao falar sobre a Constituição, já deixa clara a ideia de que os direitos fundamentais são “a raiz antropológica essencial da legitimidade da constituição e do poder político” e, continua asseverando, que a “importância das normas de direitos fundamentais deriva do fato de elas, direta ou indiretamente, assegurarem um status jurídico-material aos cidadãos (CANOTILHO, 1993, p. 111). Em uma visão jusnaturalista, os direitos naturais figuram como verdadeiros atributos da pessoa humana, de tal modo que “não são influenciáveis por fatores como o tempo e o espaço, particularmente pressupondo-se a ordem natural estabelecida pelo dogma da criação e do princípio, segundo o qual todos nascem livres e iguais em direitos” (RICCITELLI, 2007, p. 107).

No entanto, preferimos uma significação mais simples e que é suficiente para entender que os direitos fundamentais ocupam um lugar de destaque no ordenamento normativo e na sociedade. Assim, temos que os direitos fundamentais são o elemento central da Constituição e a condição de possibilidade para a construção de uma sociedade minimamente justa, livre e democrática. Os direitos fundamentais podem veicular diversas nuances de direitos, sendo individuais (vida, liberdade, propriedade), sociais (educação, saúde, trabalho) ou difusos: meio ambiente, probidade administrativa. É certo que, a fim de que a Constituição seja efetiva e possua força normativa, além de prever/prover os direitos fundamentais, é necessário que também ofereça mecanismos para garanti-los, sob pena de perder a sua razão de existência e se tornar em um documento simbólico ou semântico.

As cláusulas pétreas surgem, ao seu turno, como um mecanismo de garantia de existência dos direitos fundamentais, proibindo a alteração formal da Constituição tendente a abolir disposições aquilatadas como direitos e garantias individuais, que são nada menos que os direitos fundamentais e também as suas garantias. De acordo com o art. 60, § 4º da Constituição de 1988, são cláusulas a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais. 

Como se trata de uma norma de caráter protetivo, seu conteúdo deve ser interpretado de modo a maximizar sua eficácia, pelo que direitos fundamentais sociais e difusos também são abrangidos pela referida proteção. Mas afinal, não foi dito o que é uma cláusula pétrea. E, assim como a doutrina se mostra relevante para os direitos fundamentais, para as cláusulas pétreas não é diferente, sendo possível encontrar uma vastidão de autores que escrevem sobre o tema. Por isso é possível afirmar que “a vantagem de se viver em um Estado é a garantia, dada por ele, de que seus direitos fundamentais serão respeitados e preservados, evitando a lei do mais forte” (HACK, 2008, p. 68).

José Afonso da Silva trata do tema quando disserta sobre os limites materiais explícitos e implícitos do Poder Constituinte Derivado, tratando as cláusulas pétreas como o núcleo imodificável da Constituição, e, assim sendo, “a vedação atinge a pretensão de modificar qualquer elemento conceitual da Federação, ou de voto direto, ou indiretamente restringir a liberdade religiosa, ou de comunicação ou outro direito e garantia individual” (SILVA, 2005, p. 66-67). Karl Loewenstein (1979), ao abordar as disposições intangíveis da Constituição, estabeleceu que possuem a finalidade de proibir radicalmente a modificação de determinadas normas constitucionais, dividindo-as em duas categorias: (i) as medidas para proteger instituições constitucionais concretas e (ii) as medidas para garantir determinados valores fundamentais que não estão necessariamente expressos em disposições ou em instituições concretas, seguindo “implicitamente” a proteção da Constituição. Na primeira hipótese, trata-se de uma proibição jurídico-constitucional e, na segunda, a proibição de reforma visa proteger o “espírito”, o telos da Constituição (LOEWENSTEIN, 1979, p. 189).

Pois bem, cláusula pétrea é tudo aquilo que o Constituinte Originário previu como um valor especial e expressamente atribuiu uma barreira ao “constituinte derivado” para que não possa ser alterado. Isso significa dizer que, pela metáfora de Ulisses (amarrou-se ao mastro do barco para que sobrevivesse ao canto das sereias), a Constituição possui cláusulas pétreas para que os valores que dispõe e garante sejam protegidos oportunismo e do interesse político que ocupa o poder; exatamente, para que não ocorram retrocessos.


3. PEC não pode alterar cláusula pétrea

Para o Constituinte de 1988 não restou nenhuma dúvida quanto ao caráter protetivo do enunciado – mais forte do que um mero “sentido de exposição” –, e que se principia com o artigo 5º da Constituição Federal de 1988.

TÍTULO II

Dos Direitos e Garantias Fundamentais

CAPÍTULO I

DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 

Então, vale frisar que o TÍTULO II da CF88 (“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”) é enunciativo de direitos, tanto quanto é taxativo em se defender e recobrar os institutos das “garantias fundamentais”.

E fundamental não é o próprio fundamento, ou seja, sem o qual não se sustenta? Neste caso, é a própria Constituição que não se sustenta sem a garantia fundamental de que os direitos fundamentais serão garantidos em sua integralidade, mediante a imposição das cláusulas pétreas. Pois bem, neste caso, com a CF88 obtivemos duas garantias. Garantimos que houve robustecimento dos direitos fundamentais, em superação ao AI-5 do regime militar pós-64 – a exemplo da não-admissão de tribunais de exceção –, e garantimos que tais garantias não pudessem ser violadas por nenhum poder oportunista e passageiro.

Vejamos alguns desses exemplos, de direitos fundamentais vocacionados na defesa da democracia e em combate aos regimes autocráticos e oportunistas, sob o guarda-chuva do art. 5º da CF88:

XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;

Na sequência, o referido art. 5º da CF88 anuncia a proteção de princípios essenciais à democracia, instando ao destaque a sobrevida do Princípio da Presunção da Inocência: “todos são inocentes até que se prove em contrário”. Além do indivíduo não ter que provar sua inocência – que é o que subentende do que se lê e se aprende na primeira aula nos Cursos de Direito –, sendo acusado, processado – sob o assim chamado Princípio do Juiz Natural (art. 5º, LIII), e que exclui o Juiz de Exceção –, deverá encontrar resoluções e cautelas constitucionais que “garantam” sua defesa, sem sofrer os obstáculos de qualquer tipo de poder imperial que lhe possa abater antes do exercício de seu direito fundamental; isto é, constituir sua defesa.

Tanto este se confirmou no maior esforço do Constituinte de 1988 que ainda se tratou de atemorizar quem promovesse atentado aos direitos e às garantias fundamentais (inciso XLI, do art. 5º da CF88): “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”. Observando-se que as punições legais, neste âmbito, igualmente recaem ao Poder Público e aos seus agentes políticos e administrativos. Para tanto, no exercício do Princípio da Presunção da Inocência, o legislador constituinte de 1988 assegurou o direito de se recorrer das denúncias e das sentenças penais condenatórias. Exatamente para que o direito fundamental à Dignidade da Pessoa Humana – e ao contrário do que se fazia na Idade Média – fosse defendido implacavelmente, como Fundamento do Princípio Democrático. A primeira dessas garantias republicanas é direcionada à própria licitude do processo: (art. 5º, LVI) “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. Afinal, se o baluarte da coisa pública (República) é o Princípio da Honestidade, como se pode angariar a verdade em meio à ilicitude ou desonestidade processual?

Porém, o Constituinte de 1988 foi ainda mais longe, ao “garantir” a instrumentalidade necessária à formação do argumento essencial ao Princípio da Presunção da Inocência. O próprio direito de defesa seria o fundamento desse instrumental jurídico-judicial, como se vê no inciso LVII, do aludido art. 5º: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. A conclusão óbvia, neste curso de leitura da CF88, é que: qualquer ação ou interpretação contra a CF88 – reduzindo-lhe o esforço declaratório das garantias e dos direitos fundamentais – constitui-se em Gravíssima Violação da Constituição Federal de 1988. Nenhuma proposta de emenda constitucional, notável na redução dos direitos fundamentais, portanto, deveria sequer ser lida.

O crítico apressado diria que cairíamos num total imobilismo constitucional, fadados a reconstruir o passado? O crítico apressado e oportunista certamente cairia no canto da sereia, mas não com a anuência do Constituinte de 1988, pois, assegurou-se a capacidade de mudança ou de Mutação Constitucional, como informado no Art. 60, da F88: “A Constituição poderá ser emendada mediante proposta”. Todavia, mediante imposição de medidas de exceção não poderá ser modificada: “§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio”.

Por fim, para que não restasse dúvidas acerca da inadmissibilidade de revisão constitucional – sobretudo quanto aos Fundamentos do Princípio Democrático –, o Constituinte de 1988 revogou toda e qualquer possibilidade de se rever “para menos” a substância do pacto federativo, o direito de voto, a separação dos poderes e, ainda mais precisamente, os “direitos e garantias fundamentais”. Este é notadamente o escopo do § 4º, do art. 5º, da CF88: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir”. Descrito e especificado em seus incisos:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

Portanto, e por óbvio, não se emenda a CF88 – em qualquer artigo, parágrafo, inciso ou alínea –, de forma tendenciosa a abolir, abdicar, abduzir, reduzir, o alcance e a aplicação de garantias e de direitos fundamentais, salvo, no cometimento de Crime de Gravíssima Violação à Constituição Federal de 1988. Cláusula pétreas não são de pedra à toa, e não são de pedra porosa, são de rochedo em que a sereia não ascende. Dizemos isso por ser difícil, muito difícil, passar por esta travessia, evitando-se o canto da sereia; mas é possível, preciso e não há outra escolha nessa escola da política.


Referências bibliográficas

CANOTILHO, José Joaquim. Direito Constitucional. 6ª. ed. Coimbra: Almedina, 1993.

HACK, Érico. Direito constitucional: conceitos, fundamentos e princípios básicos. Curitiba: Ibpex, 2008.

KAFKA, Franz. O Veredicto/Na Colônia Penal. (4ª ed.). São Paulo : Brasiliense, 1993.

______ A metamorfose. 18ª reimp. São Paulo : Companhia das Letras, 1997.

______ O Processo. 9ª Reimpressão. São Paulo : Companhia das Letras, 1997.

______ Um artista da fome - A Construção. 2ª reimp. São Paulo : Companhia das Letras, 2002.

______ Narrativas do Espólio. São Paulo : Companhia das Letras, 2002b.

LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la constituición. Tradução de Eduardo Espin. 2ª. ed. Barcelona: Editora Ariel, 1979.

RICCITELLI, Antonio. Direito constitucional: teoria do Estado e da Constituição. 4. ed. Baurueri: Manole, 2007.

ROJAS, Andrés Serra. Diccionario de Ciencia Politica. v. I. Fondo de Cultura Económica – Facultad de Derecho/UNAM: Ciudad de México, 2001.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 25ª ed. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

TAVARES, André Ramos. Direitos Fundamentais. In: DIMOULIS, Dimitri. (coord.) Dicionário brasileiro de direito constitucional. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

Sobre os autores
Walter Gustavo Lemos

Advogado, formado em Direito pela Universidade Federal de Goiás (1999), mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2015) e mestrado em Direito Internacional - Universidad Autonoma de Asuncion (2009). Doutor em Direito Público pela UNESA /RJ (2020). Pós-doutorando em Direitos humanos pela Universidad de Salamanca. Atualmente é professor da FARO - Faculdade de Rondônia. Ex-Secretário-Geral Adjunto e Ex-Ouvidor da OAB/RO. OAB/GO 18814, OAB/RO 655A

Vinícius Scherch

Graduado em Direito pela Faculdade Cristo Rei, Cornélio Procópio - Paraná (2010). Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UNOPAR, Campus Bandeirantes - Paraná (2014). Graduado em Gestão Pública pela UNOPAR, Campus Bandeirantes-Paraná (2015). Mestre em Ciência Jurídica pela UENP -Jacarezinho. Advogado na Prefeitura Municipal de Bandeirantes - Paraná.

Sueli Cristina Franco dos Santos

Advogada (OAB/AC 4696), Bacharelada pela PUC/PR, Militante feminista

Rachel Lopes Queiroz Chacur

Advogada, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da UFSCar (PPGCAm/UFSCar)

Maria de Fátima da Silva Araújo Mendes

Bacharel em Administração de Empresas, Licenciatura em Língua Portuguesa, inglês e Literatura, Pós-Graduação em Língua Portuguesa, Professora na Rede Pública de Ensino/MG

Júnior César Luna

Filósofo e Mestre em Filosofia. Doutorando em Educação/PPGE – Universidade Federal de São Carlos.

Talitha Camargo da Fonseca

Jornalista e advogada com Pós-Graduação em Direito Público. Milita na advocacia privada e presta aconselhamento para o mandato da Deputada Leci Brandão.

Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEMOS, Walter Gustavo; SCHERCH, Vinícius et al. A areia movediça da PEC sobre prisão em segunda instância:: sob as masmorras do clerical-fascismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5984, 19 nov. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/77901. Acesso em: 22 nov. 2024.

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