Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Honorários de sucumbência

Agenda 01/03/1999 às 00:00


          Prescreve o art. 23 do novo Estatuto da Advocacia e da OAB – Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, que "os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor", pondo, assim, um ponto final, de modo enfaticamente, à aguerrida discussão que até então se travava a respeito da destinação dos honorários da sucumbência.

Os Tribunais Superiores, interpretando esse dispositivo, têm sido unânimes em que, por se tratar de matéria de ordem pública e de cunho eminentemente processual, tal dispositivo é de aplicação imediata, excluídas quaisquer outras normas que disponham em contrário.

O legislador atuou com sensatez, sem qualquer dúvida, visto que a pessoa jurídica, fosse ela um Sindicato ou uma empresa, por mera ficção de direito, detinha a assistência ou representação, mas o ônus do trabalho intelectual, científico e doutrinário não lhe poderia ser atribuído, sob pena de se relegar a pessoa do advogado a um nada amorfo e disforme.

Lamentavelmente, no entanto, entre nós mortais há quem, desrespeitando a lei, fazendo pouco caso da manifestação dos Tribunais Superiores (STF e STJ) e da farta doutrina, ignorando o trabalho sério, dedicado, zeloso e ético do advogado, passe por cima da lei, relegue-a a plano secundário, e tacanhamente, como juiz, decida nos moldes do costume antigo, como se a lei vigente não tivesse operacionalidade. Admitir que o cidadão investido das funções de julgador ignore a lei, seria absurdo, mas a triste verdade é que isso existe, para vergonha da laboriosa classe dos operadores do direito que somos todos nós – juizes e advogados, iguais constitucionalmente, devendo-se, ambos, reciprocidade de tratamento.

Não podemos concordar com certas posições de determinados juízes, tão somente porque são juízes, se elas ofendem a lei, ferem a Constituição e desrespeitam os direitos líquidos e certos. O que lamenta-se é a caturrice de se ignorar a lei, como se ela não existisse, consabido que a ninguém é dado desconhecê-la, muito menos a quem tem o dever de, representando o Estado, aplicá-la aos casos concretos. Se ao homem comum não é dado desconhecer a lei, o que se dizer desse homem quando ele incorpora a figura do Juiz?

Dizíamos num outro trabalho que a essência do regime democrático repousa na existência de uma Justiça forte, independente e livre. Não há registro na história dos povos que diga o contrário. Sempre que os déspotas quiseram concentrar em si o poder de mando, escravizar o povo, locupletar-se do Erário e encarnar o Estado, destruíram o Poder Judiciário e fecharam o Legislativo. Mas, para isso, os próprios membros do Judiciário deram-lhes motivo. Daí nosso temor, pois quando um Juiz ignora a lei, pisoteia a Constituição, transfigura-se num autêntico déspota, é que se aproxima o instante do perigo iminente e não temos mais nenhum motivo para crer que o Poder Judiciário ou um dos seus órgãos esteja forte como deve ser para proteção do povo. O Judiciário deve ser o último bastião das liberdades, mas se alguns dos seus integrantes começa a dar sinais de despotismo, urge que esse integrante seja cortado da grande árvore, e para isso a lei criou o órgão especial.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Entre nós tivemos, há exatamente um ano, um triste exemplo de um Judiciário doente quando o TST, passando por cima da lei, pisoteando a Constituição, desrespeitando todos os princípios democráticos de direito, afastou do exercício todos os juizes do nosso TRT, sem o devido processo legal, manu militari como se vivessemos ainda sob o império do AI-5, instaurando entre nós, até os dias que correm, o império da ilegalidade e do absurdo, fazendo com que o Tribunal aprecie e julgue, em segunda instância, inconstitucionalmente constituído.

Esse péssimo exemplo do TST parece haver contaminado alguns dos membros dessa magistratura especializada, ainda que em pequeno número, mas o suficiente para enegrecer a história da Justiça do Trabalho na Paraíba, decidindo arbitrariamente, como se as leis existentes não servissem para nada e contrariando o vetusto princípio do "dá-me os fatos e te darei o direito" que deve imperar no mundo processual trabalhista.

Digo com o eminente Hélio Cavalcanti Barros no seu "Direito Alternativo" que "Se as leis são injustas, mudem-se as leis. Caso sejam inconstitucionais, que assim sejam declaradas. Não cabe ao juiz deixar de aplicá-las de acordo com sua ideologia, consciência e critério, apoiado em uma suposta justiça social. Deve caber ao legislador a tarefa de corrigir a injustiça através da derrogação da lei má, mas não ao juiz recusar-lhe aplicação em nome de uma justiça ideal."

Queiram ou não certos juizes neófitos, mas a imperatividade do art. 23 do Estatuto da Advocacia e da OAB, que destina os honorários da sucumbência ao advogado, está plenamente em vigor, e queiram ou não esses mesmos juizes (parecem até juizes de fandango, ainda que poucos, mas sem qualquer cerimônia de pisotear a lei, numa vergonha de fazer corar anjo de mausoléu), Corte haverá capaz de repor a verdade da lei em seu devido lugar, mesmo porque o juiz não detém poder nenhum. Poder quem detem é o Povo, soberano nas Nações democráticas. O juiz é um mero e acidental aplicador do direito. Poder quem detém é o povo, pois nele repousa o poder originário. Acima da vontade do juiz está a lei, e enquanto aceitarmos o tipo de Judiciário que temos, sem que ao povo seja dado escolher seus integrantes, nossa democracia estará aleijada, doente, enfeada, como no dizer do eminente jurista e caro amigo Antônio Álvares da Silva, juiz togado do TRT da 3ª Região, para quem "o poder permanente é a ditadura", e a ditadura do Poder Judiciário no Brasil há de acabar um dia, a fim de que, nesse dia, "o menos democrático dos Poderes" possa ser chamado realmente de Poder.

Sobre o autor
Ismael Marinho Falcão

advogado e jornalista em João Pessoa (PB), professor de Direito no Centro Universitário de João Pessoa

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FALCÃO, Ismael Marinho. Honorários de sucumbência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 29, 1 mar. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/786. Acesso em: 19 mai. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!