A regra geral é de que não existe obrigatoriedade de forma para a contratação, mas sim a voluntariedade para que exista o negócio jurídico. Porém, existem casos em que a lei excepciona a regra geral.
A lei civil impõe forma em determinados tipos de negócios jurídicos. O descumprimento da forma invalida o negócio jurídico.
Uma hipoteca constituída através de um instrumento inválido nulifica a garantia real uma vez que não poderá subsistir sem o referido instrumento, nem por outra maneira poderá ser provada. E como o instrumento é essencial à constituição e à prova do ato negocial, com a sua nulidade ter-se-á a do negócio. Os direitos reais como o penhor, anticrese e hipoteca são instituídos por lei (artigo 1.419 do Código Civil) e não podem ser criados ou alterados pelas partes.
A hipoteca é direito real de garantia e não há outra forma jurídica de vincular bem imóvel ao cumprimento de uma obrigação assumida. Por ser direito real, OBRIGATÓRIA a emissão de ESCRITURA PÚBLICA nos casos em que o valor do imóvel for superior a 30 (trinta) salários mínimos, como prevê o artigo 108 do Código Civil.
Dita norma baliza forma indispensável à produção dos efeitos pretendidos sempre que o negócio se referir a direitos reais sobre imóveis:
Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Tal regramento permite instrumento particular quando o valor do imóvel não ultrapassar a 30 (trinta) vezes o maior salário mínimo vigente.
E as demais hipóteses em que é possível prescindir da escritura pública para a validade do negócio jurídico que envolva imóveis são:
“a) os contratos de que forem partes o Banco Nacional da Habitação ou entidades que integrem o Sistema Financeiro da Habitação (Lei 4.380/64, art. 61 §5º, no tít. CONTRATOS IMOBILIÁRIOS); b) os compromissos de compra e venda, cessões de compromisso de compra e venda e promessas de cessões de direitos relativos a imóveis, loteados ou não, urbanos ou rurais (Dec. lei 58/37, art. 22 c/c art. 11-caput, e Lei nº 6.766/79, art. 26, ambos no tít. PROMESSA DE COMPRA E VENDA E LOTEAMENTO; Lei 4.380/64, art. 69, no tít. CONTRATOS IMOBILIÁRIOS); c) o penhor de direito (art. 1.452), de veículos (art. 1.462), industrial (art. 1.448), mercantil (também art. 1.448) ou rural (art. 1.438) pode ser constituído mediante instrumento público ou particular; d) todos os atos relacionados com a cédula hipotecária (Dec. lei 70/66, art. 26, no tít. CÉDULA HIPOTECÁRIA); e) as alienações a que se refere a Lei 8.025/90, art. 2º-V; f) os contratos de venda e compra de imóvel com alienação fiduciária (Lei 9.514/97, no tít. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA, art. 38); g) os contratos de aquisição de imóvel objeto de arrendamento residencial (Lei 10.188/01); h) as cessões de posse feitas, nos parcelamentos populares, pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas entidades delegadas (Lei 6.766/79, art. 26 §3º, introduzido pela Lei 9.785/99, no tít. PROMESSA DE COMPRA E VENDA E LOTEAMENTO); i) as convenções de condomínio edilício podem ser feitas por escritura pública ou por instrumento particular (art. 1.334 §1º); j) a promessa de compra e venda pode ser feita por instrumento público ou particular (art. 1.417).” (BONDIOLI, Luis Guilherme A.; FONSECA, João Francisco N. da, GOUVÊA, José Roberto F.; NEGRÃO, Theotonio. Código Civil e legislação em vigor. 32 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 83).
Assim sendo, ressalvadas as exceções legais, nenhum negócio envolvendo direitos reais sobre imóveis pode ser realizado sem escritura pública, sob pena de ser tido como não realizado, por inobservância da forma prescrita em lei, essencial à validade do negócio, não podendo, inclusive, e a toda evidência, ser registrado no Cartório do Registro de Imóveis, por submissão ao princípio da legalidade.
Descumprida essa exigência, a constituição da garantia é inválida, nos termos dos artigos 104, III, 107 e 166, IV do Código Civil:
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer: (...) III - forma prescrita ou não defesa em lei.
Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: (...) IV – não revestir a forma prescrita em lei; (...).
Tal vício caracteriza nulidade absoluta, decorrente de um grave defeito, que não pode ser reparado ou convalidado pelo tempo e cujo prejuízo é presumido. Um negócio nulo é como se nunca tivesse existido desde sua formação, pois a declaração de sua invalidade retroage ao seu início. Isso porque as exigências não observadas visam a garantir a ordem pública e não o mero interesse das partes.
Outrossim, como preconiza o artigo 168, em seu parágrafo único, a nulidade absoluta não poderá ser suprida pelo juiz, ainda que a requerimento dos interessados, sendo também insuscetível de ratificação ou de confirmação. Assim, a negociação deve ocorrer por meio de escritura pública, em obediência à forma descrita no artigo 108 do Código Civil. Se não obedecer a referida forma, deve ser reconhecida a sua nulidade absoluta, com efeito ex tunc.
Uma hipoteca constituída através de um instrumento inválido nulifica a hipoteca uma vez que não poderá subsistir sem o referido instrumento, nem por outra maneira poderá ser provada. E como o instrumento é essencial à constituição e à prova do ato negocial, com a sua nulidade ter-se-á a do negócio. Nesse sentido:
Apelação cível. Ação de obrigação de fazer. Alegação de que o imóvel foi adquirido pelo réu, sem a transferência da titularidade do bem para seu nome. Vendedores continuam recebendo cobrança e execução fiscal referente a IPTU. Sentença de improcedência. Cerceamento de defesa e ausência da designação de audiência de conciliação. Realização de audiência de conciliação não constitui ato obrigatório. Partes que não estão impedidas de transigir a qualquer momento. Cerceamento de defesa não caracterizado. Causa madura para o julgamento. Prova exclusivamente documental para o julgamento da lide. Juiz dispunha de elementos suficientes para formar sua convicção. Incidência dos artigos 370 e 371, CPC. Desnecessidade da produção de outras provas. Mérito. Inexistência de escritura pública de compra e venda comprovando a alienação imobiliária. Concretização da realização de compra e venda de bem imóvel que se faz por escritura pública. Interpretação do artigo 108 do Código Civil. Sem escritura sequer há possibilidade de registro imobiliário. Sentença mantida. Resultado. Recurso não provido. (TJSP; Apelação Cível 0050910-68.2009.8.26.0114; Relator (a): Edson Luiz de Queiróz; Órgão Julgador: 9ª Câmara de Direito Privado; Foro de Campinas - 6ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 03/09/2019; Data de Registro: 03/09/2019) (grifo nosso)
OBRIGAÇÃO DE FAZER – CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA DE LOTE – FALTA DE PROVA DA QUITAÇÃO DO PREÇO – INSTRUMENTO PARTICULAR QUE NÃO OBSERVOU A FORMA LEGAL DE ESCRITURA PÚBLICA – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 108 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 – AUSÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO DOS CONDÔMINOS NA TRANSAÇÃO IMOBILIÁRIA NOS TERMOS DO ARTIGO 1314 DO CC/2002 – AÇÃO EXTINTA – DECISÃO MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO. (TJSP; Apelação Cível 0006864-52.2012.8.26.0481; Relator (a): Erickson Gavazza Marques; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro de Presidente Epitácio - 1ª. Vara Judicial; Data do Julgamento: 30/01/2019; Data de Registro: 11/02/2019) (grifo nosso)
DECLARATÓRIA C/C INDENIZATÓRIA. Insurgência da autora contra sentença de improcedência. Autora que teria recebido dois imóveis como doação, em valor superior a trinta salários mínimos, de sua inquilina, vizinha e amiga, atualmente falecida. Negócio jurídico nulo. Doação que deveria ser instrumentalizada por escritura pública (arts. 108 e 541 doCC). Precedentes. Nulidade que não permite convalidação (art. 166, IV e art. 169 do CC). Provas testemunhal e grafotécnica que não eram suficientes para validar a doação. Inexistência de cerceamento de defesa. Sentença mantida. Recurso desprovido. (TJSP; Apelação Cível 1028707-65.2017.8.26.0001; Relator (a): Carlos Alberto de Salles; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional I - Santana - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 04/12/2018; Data de Registro: 04/12/2018) (grifo nosso)
COMPRA E VENDA – AÇÃO DE COBRANÇA – Contrato de compra e venda de imóvel celebrado entre particulares – Cerceamento de defesa – Inocorrência. Aplicação do livre convencimento motivado – Prova documental suficiente ao desfecho da lide - Alegação de que parte dos valores foram pagos através de FGTS e, para pagamento da outra parte, fora realizado contrato verbal – Quitação dada através do próprio contrato, não havendo que se falar em saldo devedor – Imóvel que possui valor acima de 30 salários mínimos, devendo-se observar a forma prescrita em lei – Inteligência do artigo 108 do CC – Escritura pública na qual consta a quitação de todos os valores devidos - Prova documental que se sobrepõe à prova oral – Multa por litigância de má-fé mantida, haja vista a alteração da verdade dos fatos (art. 80, II, do CPC) – Sentença mantida – RECURSOS DESPROVIDOS. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 1016433-84.2018.8.26.0114; Origem: Comarca de Campinas; Relator: Fabio Henrique Podestá; Órgão julgador: 5ª Câmara de Direito Privado TJ SP; Data do julgamento: 10/04/2019; Data de publicação: 11/04/2019) (grifo nosso)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. EXECUÇÃO AJUIZADA COM FULCRO NO ARTIGO 784, V DO CPC. NULIDADE DA CLÁUSULA INSTITUIDORA DA GARANTIA REAL (HIPOTECA). NECESSIDADE DE INSTRUMENTALIZAÇÃO POR ESCRITURA PÚBLICA. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 108 DO CÓDIGO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE, ADEMAIS, DE ENQUADRAMENTO DA EXECUÇÃO NO DISPOSTO NO ARTIGO 784, III DO CPC. CONTRATO NÃO SUBSCRITO POR DUAS TESTEMUNHAS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTO DOTADO DE EFICÁCIA EXECUTIVA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO, COM A EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.723.240-7; Origem: 6ª Vara Cível de Londrina; Órgão julgador: 13ª Câmara Cível TJ PR; Relator: Juiz de Direito Substituto em 2º Grau LUIZ HENRIQUE MIRANDA em substituição à Desembargadora JOSÉLY DITTRICH RIBAS) (grifo nosso)
APELAÇÃO – AÇÃO REIVINDICATÓRIA – PEDIDO JULGADO PROCEDENTE PARA DECLARAR NULA PERMUTA DE IMÓVEIS REALIZADA POR CONTRATO VERBAL. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO POR FALTA DE INTERESSE – ALEGADA OCORRÊNCIA DE CONFISSÃO FICTA E FATOS INCONTROVERSOS – REJEIÇÃO – NÃO CONSOLIDAÇÃO DE TAIS INSTITUTOS. PRETENSÃO DE CONDENAÇÃO DO RÉU ÀS PENAS POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – IMPROCEDÊNCIA – CONDUTA DA PARTE RÉ QUE NÃO SE ENQUADRA EM QUALQUER DOS INCISOS DO ARTIGO 17 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DECADÊNCIA – REGRA DO ARTIGO 1.649 DO CÓDIGO CIVIL – PRAZO CONTADO A PARTIR DA SEPARAÇÃO JUDICIAL DO CASAL – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO PELO RÉU DA DATA EM QUE OCORREU A CITADA SEPARAÇÃO – ÔNUS QUE LHE CABIA (CPC, 333, II). NEGÓCIO JURÍDICO COM VÍCIO QUE GERA A NULIDADE – SITUAÇÃO QUE NÃO CONVALESCE COM O DECURSO DO TEMPO. OUTORGA MARITAL – REQUISITO EXPRESSO PARA A VALIDADE DO ATO – ARTIGO 1.647 DO CÓDIGO CIVIL – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE CIÊNCIA DO AUTOR SOBRE O NEGÓCIO REALIZADO E DE SUAMANIFESTAÇÃO DE CONCORDÂNCIA. TESE DE VALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO REALIZADO DE FORMA VERBAL ENTRE AS PARTES – IMPROCEDÊNCIA – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 108 DO CÓDIGO CIVIL – DESOBEDIÊNCIA A FORMA PRESCRITA EM LEI – NULIDADE RECONHECIDA – EXEGESE DO ARTIGO 166, INCISO IV, DO CÓDIGO CIVIL – VÍCIO DE FORMA QUE IMPEDE A PERPETUAÇÃO DO CONTRATO. SENTENÇA MANTIDA NOS SEUS EXATOS TERMOS. RECURSO NÃO PROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 1202129-3; Origem: Comarca de União da Vitória - 1ª Vara Cível; Relator: Desembargador Rui Portugal Bacellar Filho; Revisor: Desembargador Fernando Wolff Filho) (grifo nosso)
EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA. 1. CONTRATO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – ENTREGA DE PARTE DE IMÓVEL RURAL – IMPOSSIBILIDADE – ÁREA NÃO DELIMITADA – INADEQUAÇÃO DO MEIO EXECUTÓRIO – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. 2. CONTRATO PARTICULAR DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – TRANSFERÊNCIA DE DIREITO REAL SOBRE BEM IMÓVEL – IMPOSSIBILIDADE – ART. 108 DO CÓDIGO CIVIL – ESCRITURA PÚBLICA – FORMALIDADE ESSENCIAL – RECURSO DESPROVIDO. 1. O objetivo específico da execução para entrega da coisa certa é a obtenção de bem, razão pela qual se exige, na hipótese dos autos, prévia delimitação da parte do imóvel rural a ser entregue pelos executados, pena de impossibilidade jurídica do pedido. 3. A escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visam à transferência de direitos reais sobre bens imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo, nos termos do artigo 108 do Código Civil. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 944304-9; Origem: Comarca de Guarapuava – 2ª Vara Cível; Relator: Desembargador Luís Carlos Xavier) (grifo nosso)
Enfim, hipoteca que não obedeça à forma prescrita pelo artigo 108 do Código Civil é um instrumento sem valor, que não possui eficácia executiva, o que, assim sendo, inviabiliza qualquer processo de execução forçada.