I – DOS FATOS
Observo o noticiário do jornal O Globo, em 29 de janeiro do corrente ano:
“Duas semanas depois de anunciar uma força-tarefa com militares para ajudar a regularizar o atendimento,Rogério Marinho confirmou ontem que o governo convidará servidores aposentados para trabalhar no INSS. O secretário explicou que isso será feito por meio de contratação temporária, que requer autorização legislativa. Por isso, o governo vai editar uma medida provisória (MP) para tratar do assunto.
O plano inicial do governo era acionar apenas sete mil militares, mas a proposta foi alvo de críticas do TCU, que entendeu ser inconstitucional selecionar apenas profissionais das Forças Armadas. Agora, o governo afirma que tanto civis quanto militares serão contabilizados no contingente de sete mil funcionários temporários a serem contratados, e que a distribuição entre os dois grupos dependerá do interesse desses servidores diante dos editais de seleção.
Ainda de acordo com Marinho, o governo deve limitar o adicional desses servidores ao valor já previsto pelos militares, de 30% a mais sobre os vencimentos — cerca de R$ 2.070. Isso vale para quem for atuar no atendimento ao público nas agências. Para quem for cuidar da análise e concessão do benefício, o pagamento será por produtividade, isto é, por benefício deferido ou indeferido.”
II – A ADMISSÃO DE TEMPORÁRIOS
Para se tornar servidor ou empregado público, é necessário a aprovação em concurso público. É uma regra fundamental que visa a garantir a impessoalidade no trato com a coisa pública.
Essa mudança representa a vontade do constituinte em moralizar o serviço público, passando a haver planejamento e programação para a contratação de pessoal, pelos diversos órgãos e entidades da Administração Pública, em todas as esferas (Federal, Estadual e Distrital). A previsão do concurso público já era prevista em Cartas anteriores, mas foi a partir da Constituição Federal de 1988, que se observou um considerável avanço nesse campo.
A regra é a admissão do servidor público mediante concurso. No entanto, o texto constitucional prevê duas exceções a essa regra fundamental: trata-se dos incisos II, in fine e IX do art. 37 da Constituição, nos seguintes termos:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
No regime especial de contratação de pessoal temporário que prevê o art. 37, inc. IX da CF/88, lei específica de cada entidade administrativa (União, Estado e Município) estabelecerá de contratação por tempo determinado.
Sobre a natureza da relação jurídica, verifica-se que a Constituição a caracterizou como contratual de caráter funcional, diverso dos contratos administrativos de terceirização de serviços, tendo em vista haver um vínculo de subordinação direta da Administração com o servidor.
Sobre os pressupostos para atender o regime especial, Carvalho Filho (Manual de Direito Administrativo. São Paulo, SP: Atlas, 2013.) cita três, quais sejam, (i) determinabilidade temporal, (ii) temporariedade da função e (iii) excepcionalidade do interesse público.
É preciso que a lei, ao disciplinar esse tipo de contratação, estabeleça regras que assegurem a excepcionalidade da medida, evitando que se transforme em regra geral, a exemplo do que ocorreu na vigência da Constituição anterior, e determine as hipóteses em que a seleção é exigível”. Observe-se o julgamento da ADI 3.430/ES.
O STF entende que as leis que autorizam contratações temporárias não podem fixar hipóteses abrangentes e genéricas, sem especificar a contingência fática que, presente, indicaria a exigência de um estado de emergência. Desta forma, não basta que a lei simplesmente atribua ao Chefe do Executivo interessado na contratação a competência para estabelecer os casos em que a mesma seria possível.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme nesse sentido:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA QUE DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE. POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR. INCONSTITUCIONALIDADE. ADI JULGADA PROCEDENTE. I - A contratação temporária de servidores sem concurso público é exceção, e não regra na Administração Pública, e há de ser regulamentada por lei do ente federativo que assim disponha. II - Para que se efetue a contratação temporária, é necessário que não apenas seja estipulado o prazo de contratação em lei, mas, principalmente, que o serviço a ser prestado revista-se do caráter da temporariedade. III - O serviço público de saúde é essencial, jamais se pode caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste razão à Administração estadual capixaba ao contratar temporariamente servidores para exercer tais funções. IV - Prazo de contratação prorrogado por nova lei complementar: inconstitucionalidade. V - É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de não permitir contratação temporária de servidores para a execução de serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância e interesse social nesses casos. VI - Ação que se julga procedente. (ADI 3.430, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 12- 8-2009, Plenário, DJe 23-10-2009.
As atividades ordinárias e permanentes dos órgãos públicos devem ser desempenhadas por servidores devidamente concursados. Essa foi à opção do constituinte, promovendo o princípio da isonomia, bem como a meritocracia. Cabe lembrar, que o concurso público é uma importante conquista da sociedade brasileira, que apesar da referida norma está prevista em constituições pretéritas, somente com a Constituição de 88 que houve o respeito sistemático desse dispositivo.
Ligado a tal situação está o fato de que a contratação temporária não poderia servir para a instalação de serviços novos. É o que preleciona o Min. Carlos Veloso, no voto proferido no julgamento da ADI 1.219/PB:
Celso Antonio Bandeira de Melo versou o tema. Examinando a cláusula “excepcional interesse público” e os demais requisitos da contratação, escreveu que, desde logo, não se coadunaria com sua índole, contratar pessoal senão para evitar o declínio do serviço ou para restaurar-lhe o padrão indispensável mínimo seriamente deteriorado pela falta de servidores. (...) Em segundo lugar, cumpre que tal contratação seja indispensável; vele dizer, induvidosamente não haja meios de supri-la com remanejamento de pessoal ou redobrado esforço dos servidores já existentes. Em terceiro lugar, sempre na mesma linha de raciocínio, não pode ser efetuada para a instalação ou realização de serviços novos, salvo, é óbvio, quando a irrupção de situações emergentes os exigiria e já agora por motivos indeclináveis, como os de evitar a periclitação da ordem, segurança ou saúde. Em quarto lugar, descaberia contratar por esta via para cargo, função ou emprego de confiança, que isto seria a porta aberta para os desmandos de toda espécie. (Regime Constitucional dos Servidores da Administração Direta e Indireta. Ed. R.T., 2ª ed., 1991. pp. 82-83).
Entendo, pois, com o devido respeito, que a legislação a ser editada na matéria, por medida provisória, observados os seus pressupostos constitucionais, e na devida urgência, atenda aos pressupostos constitucionais aqui cogitados.
De toda sorte, o tempo e a necessidade do serviço estão aí para determinar essa contratação temporária para atender ao interesse público.