RESUMO: O Psicopata é o agente caracterizado por comportamentos delituosos, portador de transtornos antissociais e dissocias. Os delitos praticados por psicopata em geral são executados com requintes de crueldade, tendo em vista que este não tem afeição por outro ser humano. A psicopatia causa dissenso até mesmo entre os pesquisadores da Ciência Médica. No ordenamento jurídico brasileiro não há nenhum diploma legal que trate do assunto de forma específica, razão pela qual esses criminosos são tratados como presos comuns. Destarte, nota-se a existência de um limbo jurídico que dificulta aplicação do direito penal nos casos de agentes psicopatas. Nesse sentido, apresenta-se a problemática para julgar e aplicar a pena adequada para esses agentes psicopatas. Sem outra saída, a doutrina e a jurisprudência adotam as possibilidades a seguir: julgam como imputáveis, e aplica-se a pena privativa de liberdade, ou são reconhecidos como semi-imputáveis, e julgados com abatimento na pena, ou serão considerados inimputáveis e sofrerão uma medida de segurança. Neste artigo serão abordados os aspectos relativos à conceituação de quem é o psicopata, como ele se apresenta como perigo à sociedade, como o Direito Penal se comporta perante o psicopata, tentando abordar as perspectivas de solução para a correta aplicação e comprimento da pena, assim como para a elaboração de políticas públicas para a prevenção e tratamentos de portadores desse transtorno.
Palavras-chave: Psicopata; Direito Penal; Imputabilidade.
1 Introdução
A pesquisa visa a estudar o agente portador de psicopatia, bem como os crimes por eles cometidos, fazendo uma análise da aplicação do Direito Penal Brasileiro nos casos que envolvem esses agentes, observando a ação dos psicopatas sob o prisma das teorias do Direito Penal, com observância à culpabilidade e à imputabilidade. Posteriormente, examinar pelo prisma da ciência médica e psicológica as particularidades da psicopatia e suas características, para assim determinar quem é o psicopata. E, por fim, estudar a psicopatia com foco no Direito Penal e na jurisprudência no que se refere ao tratamento aplicado aos casos de crimes praticados por psicopatas.
O objetivo principal deste trabalho é detectar os possíveis impactos jurídicos das penas aplicadas aos portadores de psicopatia e analisar se a legislação penal pátria está preparada para aplicação das penas adequadas para esse tipo diferenciado de criminoso.
A presente pesquisa demonstra-se oportuna, visto que a psicopatia é um tema de ampla relevância para as ciências humanas e jurídicas, tendo em vista que os crimes cometidos por agentes com transtorno de personalidade antissocial são, comumente, crimes bárbaros e que causam grande comoção social e repercussão midiática. Nesse diapasão, o Direito vem se debruçando sobre o tema, visando a encontrar meios para sanar os questionamentos a respeito da psicopatia perante o Direito Penal.
Diante da problematizarão do tema, vários questionamentos são suscitados, como a falta de segurança no diagnóstico, a ineficácia dos tratamentos existentes, índices elevados de reincidências, crimes violentos e em série, assim como os arranjos usados para obtenção de benefícios dentro dos sistemas prisionais brasileiros. Com todos esses fatores, agregados a tantos outros que envolvem o tema, questiona-se de que forma a ciência penal brasileira está enfrentando o fenômeno da psicopatia? Quais os parâmetros adotados para estabelecer a existência ou não da imputabilidade do portador de psicopatia? Qual seria a alocação do agente psicopata no sistema penal?
Com base nesses questionamentos, o presente trabalho aborda o tema do psicopata perante o código penal brasileiro, com foco nos efeitos jurídicos em face dos crimes cometidos por agentes psicopatas, limitando-se na análise da aplicação do sistema penal brasileiro nos casos envolvendo esses agentes.
O sistema penal brasileiro vem demonstrando a fragilidade das normas penais nos casos de crimes cometidos por portador de psicopatia. Parte dos doutrinadores brasileiros consideram o agente psicopata um inimputável, sob alegação de ser este um doente de ordem psíquica, entendendo a psicopatia como transtorno de personalidade antissocial. O entendimento dessa parte da doutrina pátria é antagonista ao crescente consenso de que o portador de psicopatia tem plenas condições mentais lógicas e cognitivas de diferenciar o certo do errado, além de possuir a compreensão das consequências dos atos ilícitos que pratica. A doutrina médica psiquiátrica aponta o agente portador de psicopatia como um criminoso contumaz que deseja praticar atos ilícitos, não por doença mental, mas pelo prazer em transgredir as leis, pela incapacidade de ter empatia e pela total falta de respeito pelo sentimento de outros, além de sempre achar que sairá sempre impune, daí a razão pela qual sempre agem de forma sistemática, habitual e reiterada. Dessa forma, observa-se que não se trata o agente psicopata de um inimputável.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 A PSICOPATIA SOB A PERSPECTIVA DA MEDICINA
A psicopatia é um fenômeno que intriga a ciência médica, tendo em vista que as pesquisas científicas sobre o tema ainda são inconclusivas sob diversos aspectos. O tema ainda não encontrou uniformidade dentro da ciência médica sobre a definição do que é ser psicopata e suas causas, os métodos utilizados nos diagnósticos e possíveis tratamentos. Segundo Ana Maria Beatriz Barbosa (2014, p.37), por falta de um consenso médico definitivo, são diversas as nomenclaturas que se aplicam ao fenômeno, tais como: sociopatas, personalidades antissociais, personalidades psicopáticas, personalidades dissociais, entre outras.
O termo psicopatia encontra divergência inclusive entre as instituições de pesquisas, como a Associação de Pesquisa Americana (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION) (DSM-V, p.645), que trata o tema como Transtorno de Personalidade Antissocial; por outro lado, há a Organização Mundial da Saúde (CID-10), que descreve como Transtorno de Personalidade Dissocial. Contudo, independentemente da nomenclatura apresentada, o portador desse fenômeno é real, e suas ações trazem prejuízo para a segurança e ordem pública, necessitando de estudos urgentes e conclusivos para o tratamento do tema.
Dessa forma, manifesta-se para a ciência jurídica a necessidade concreta de se chegar a uma nomenclatura clara e objetiva, capaz de expressar as reais características e definições adequadas do portador de psicopatia, para que haja uma melhor aplicação dos conceitos jurídicos, especificamente do Direito Penal.
2.2 O PSICOPATA
O termo psicopata, em sua literalidade, dá uma conotação de doença mental, de uma patologia psíquica, devido à etimologia da palavra (do grego, psyche = mente; e pathos = doença) (SILVA, A., 2014, p. 37). Entretanto, até a atualidade, os estudos realizados no âmbito da ciência médica e psicológica não enquadram a psicopatia como uma doença mental, atribuindo a ela uma das espécies de transtorno de personalidade. Segundo Maria Ferreira Achá (2011), por mais que suas características sejam semelhantes ao (TPAS) Transtorno de Personalidade Antissocial, no entanto, seria apenas um diagnóstico da medicina, enquanto a palavra psicopata traz para ciência jurídica o meio de classificar esses agentes que apresentam comportamentos de insensibilidade afetiva e condutas antissociais em práticas criminais.
O primeiro estudo sobre o tema psicopatia foi publicado pelo renomado psiquiatra Hervey Cleckley, no livro The Mask of Sanity (A Máscara da Santidade), em que o autor afirma que a psicopatia era um tipo de problema muito conhecido e, por outro lado, era ignorado pela sociedade (Hare, 2013 p. 74).
No início do século XIX, o psiquiatra francês Philippe Pinel (1745-1826) foi um dos primeiros médicos sobre o tema. Segundo ele, o psicopata sofria de “Mania de Delírio”, atribuindo ao agente psicopata um comportamento de total e absoluta falta de remorso e inteira falta de contenção, sendo o padrão distinto do mal comumente cometido por homens comuns (Hare, 2013 p. 41).
Segundo Ana Beatriz Barbosa Silva (SILVIA, 2014, p.38), esses indivíduos não são considerados loucos, não apresentam nenhum tipo de desorientação, tampouco apresentam delírios ou alucinações. Continua a autora afirmando que os atos desses agentes não advêm de uma mente adoecida, mas de um raciocínio lógico, frio e calculista, ainda acrescidos da completa incapacidade de tratar outras pessoas como seres pensantes e com sentimentos.
Segundo a psicóloga, especialista em psicopatia, Dra. Mariana de Araújo Guedes (Segredos da Mente, 2016, p. 5), diferentemente do que comumente se acredita, esse transtorno de personalidade não gera perda do juízo da realidade. Assim, o psicopata não é um “louco”, não sofre de alucinações e delírios, como ocorre nos casos de esquizofrenia. Ainda, complementa a especialista que, ao contrário do esquizofrênico, o psicopata domina a realidade em seu favor, nem tampouco há alternância de períodos com e sem sintomas, como acontece nos casos de ansiedade e depressão.
Ocorre uma organização patológica da personalidade, decorrentes de falhas na estruturação do caráter. Esse transtorno envolve tanto características comportamentais desviantes quanto aspectos afetivos e nas relações. (SAEGREDOS DA MENTE, 2016, p. 5).
Segundo Robert D. Hare (HARE, 2013, p. 41), a psicopatia é um conjunto de elementos de traços da personalidade e de comportamento do indivíduo, enquanto o transtorno de personalidade antissocial é o comportamento criminoso antissocial. Dessa forma, haveria diferença entre ambos os conceitos, tendo em vista que a psicopatia não se trata apenas de um comportamento antissocial, mas sim de uma conduta criminosa, com extremo controle emocional, caracterizado pela completa ausência de remorso ou culpa.A psicopatia é caracterizada pela completa ausência de empatia por outro ser humano. A psicopatia pode ser classificada como “daltonismo moral”, conforme ensina o Professor da Universidade de Direito Penal Autônoma de Madrid, Manuel Cancio Meliá:
... la psicopatía consiste en uma completa ausencia de empatía, lo que conduce al psicópata a una disposición anormal que puede calificarse de “daltonismo moral”: los psisicópatas presentan una completa ausencia de frenos inhibitorios respecto dela realización de comportamientos socialmente desvalorados. (MELIÁ, 2013, p. 533).
De acordo com o pesquisador sobre psicopatia, Robert Hare,a definição de psicopata é:
Os psicopatas são predadores sociais que conquistam, manipulam e abrem caminho na vida cruelmente, deixando um longo rastro de corações partidos, expectativas frustradas e carteiras vazias. Sem nenhuma consciência ou sentimento, tomam tudo o que querem do modo mais egoísta, fazem o que têm vontade, violam as normas e expectativas sociais sem a menor culpa ou arrependimento. (Hare, 2013, p. 10).
Assim, como um indivíduo portador de daltonismo tem o poder cognitivo de aprender a distinguir as cores de um semáforo sem as enxergar de fato, e assim respeitar a sinalização de trânsito, o psicopata tem pleno domínio de suas emoções. Dessa forma, aprende a dialogar, a reproduzir expressões e gestos, manifestar sentimentos, sem que experimente realmente tais sentimentos.
De acordo com Ana Beatriz Barbosa Silva, eles são indivíduos frios, calculistas, inescrupulosos, dissimulados, mentirosos, sedutores e que visam apenas o próprio benefício. Segundo a autora, os psicopatas podem ser encontrados em todos os lugares do mundo, são de ambos os sexos, pertencem a todas as etnias, cultura, credo, em todos os níveis de classes sociais e financeiras, sendo esses os principais responsáveis por crimes cruéis e violentos.
O psicopata enxerga o ser humano de forma desfigurada, como uma ferramenta para beneficiá-lo ou proporciona-lhe prazer, de forma a ser usada e descartada sem qualquer encargo de consciência. Essa seria a essência do psicopata: o não reconhecimento da dignidade humana no outro, ou até mesmo o não reconhecimento da natureza humana. (Costa, 2014, p. 14).
2.3 TIPOS DE PSICOPATIA
A melhor definição da psicopatia é a evidente ação voluntária de violação das regras sociais e a prática de ações delituosas para satisfação própria, com a total ausência de arrependimento ou sentimento de culpa. Assim, criou-se o mito urbano de que psicopata é todo o indivíduo que mata com requintes de crueldades. Segundo Ana Beatriz Barbosa Silva (Silva, 2014, p.43), os psicopatas podem ser: golpistas, estelionatários, traficantes, empresários, políticos corruptos, assassinos cruéis, chamados de serial killer, com ações sistemáticas e repetitivas.
Mas, a verdade é que nem todo agente psicopata mata. Como também, nem todo aquele que mata é psicopata. Estudos psiquiátricos apontam a psicopatia em duas espécies diferentes. Sendo essa classificação ordenada pelo grau de potencialidade criminosa de cada espécie.
A primeira espécie são os psicopatas primários, são seres que não temem castigos, repreensão ou desaprovação. Demonstram terem uma hábil capacidade de dissimularem e controlarem seus instintos antissociais de forma a direcionarem suas condutas ou de outrem para a concretização de sua vontade finalística.
A segunda espécie são os psicopatas secundários, são os indivíduos que possuem um grau de psicopatia inferior à classe primária, pois são mais propensos a sentirem culpa. Essa classe é a mais comum, tendo em vista que a possibilidade de matar é mais remota. Essas pessoas conseguem responder aos seus freios morais, mas, não o suficiente para obstar a prática de ações cruéis, maus-tratos ou delitos diversos, pois não conseguem resistir à tentação.
Nesse sentido, os estudos da psicopatia apontam que esses indivíduos não se submetem às leis ou não as enxergam como obstáculos para a concretização de seus desejos. Por esse prisma, eles encaram a lei como uma simples barreira a ser ultrapassada.
São pessoas de comportamentos perigosos, não importando se são psicopatas primários ou secundários, sempre irão apresentar comportamentos danosos ao convívio social, o que pode mudar em relação ao grau de psicopatia apresentada são os modos operantes para exercer as atividades criminosas.
Um exemplo claro são os crimes de roubo, desvio de recursos públicos, estupros, extorsão, sequestro, tráfico de drogas, assassinatos, dentre outras formas de ações criminosas. Assim, se pode observar que, em sua maioria, os psicopatas não comentem um só tipo de atividade delituosa específica, mas, transitam pelas diversas modalidades de crimes, o que é denominado por Robert D. Hare como versatilidade criminosa. (SILVA, 2014, p. 102-103)
Segundo Ana Beatriz Barbosa Silva (SILVA, 2014, p.104), os psicopatas não saem para trabalhar, saem para caçar. Ela afirma que a grande maioria dos agentes psicopatas utilizam suas atividades profissionais para conquistarem poder e controle sobre suas “presas”. Complementa ainda a pesquisadora que essas ocupações os auxiliam em sua camuflagem social. Essa camuflagem faz com que passem despercebidos no convívio social por parecerem pessoas responsáveis em suas várias profissões.
Nesse diapasão, pode-se usar como exemplos: policiais que dirigem grupos criminosos, juízes que comentem os mesmos crimes que julgam; banqueiros que disseminam boatos no mundo financeiro; líderes religiosos que abusam dos fiéis financeiramente e, por vezes, sexualmente; políticos e chefes de Estado que utilizam o poder a seu proveito, tendo em vista que a política propicia um poder de massa que serve como ferramenta para que o psicopata faça a maior quantidade de vítimas possíveis.
Assim, o psicopata com o seu comportamento danoso à sociedade, pode cometer delitos de pequena importância como contravenções penais ao crime mais perverso que é o crime de corrupção, que resulta nas mortes de milhares de pessoas em virtude da falta das verbas desviadas em proveito próprio.
2.4 TEORIAS SOBRE A PSICOPATIA
Segundo Manuel Cancio Meliá, a psicopatia não pertence ao núcleo duro de doenças ou anomalias mentais que têm sido exaustivamente investigadas pelas pesquisas médicas sobre esse fenômeno. Isso é claramente observado tendo-se em vista que a psicopatia ainda não conseguiu entrar no cânon médico do DSM-V.
Segundo o pesquisador Robert D. Hare, existem pelo menos duas teorias que buscam explicar o gênesis da psicopatia. A primeira teoria, chamada de Teoria Biológica, preconiza que os fatores genéticos contribuem para que as bases do funcionamento biológico do cérebro formem um padrão estrutural diferente da personalidade básica do ser humano, assim, influenciando a forma de como esse indivíduo responde às experiências da vida social e sentimental, modificando o seu modo de interação social e da tratativa igualitária com outros seres humanos.
Para Hare (2013, p. 175), a Teoria Biológica afirma que, por fatores desconhecidos, as estruturas do cérebro do psicopata amadurecem em ritmo diferente de um ser humano normal. Essa característica específica do cérebro do psicopata sugere que a psicopatia é basicamente um reflexo de um atraso no desenvolvimento cerebral desse indivíduo.
Segundo a Dra. Cristiane Martin, neurologista e psiquiatra (SEGREDOS DA MENTE, 2016, p. 13 e 14), o transtorno de personalidade psicótico pode ter origens em anomalias da formação cerebral. De acordo com a especialista, as atividades cerebrais de agentes que apresentam distúrbios psicopatas são reduzidas nas áreas responsáveis pelas emoções, como é o caso do córtex pré-frontal, que é a estrutura cerebral que regula os sentimentos de culpa e empatia, que são ausentes nos psicopatas. Já em relação à capacidade cognitiva existe um aumento na região cerebral chamada de amígdala cerebral, também conhecida como “coração cerebral”, que proporciona ao agente psicopata uma alta capacidade de raciocínio. Destarte, os psicopatas tendem a serem mais racionais do que emocionais.
A segunda teoria é a Teoria Ambiental e Social, essa teoria fundamenta-se no fato de que a manifestação do fenômeno psicopático advém de resultado de traumas psicológicos sofridos pelo agente. Esses abusos poderiam causar graves danos psicológicos às pessoas que teriam maiores predisposição a agir de modo violento, mesmo ainda na juventude.
2.5 MÉTODOS DE TRATAMENTOS
Os estúdios do fenômeno da psicopatia, Robert D. Hare, Hervey e Milton Cleckley, criaram um questionário chamado de (Escala de Hare) para diagnosticar e classificar os portadores desse transtorno de personalidade. A escala de Hare é um método usado com base em um cheklist chamado (PCL-R) Pshychopathy Checklist Revised, que ainda hoje é considerada a melhor ferramenta para o “diagnóstico” do transtorno psicopático. Em diversos países, esse método é utilizado como meio de combate à violência, para medir a periculosidade dos indivíduos.
O PCL-R é composto por 20 itens que buscam classificar o grau de “psicopatia” do agente estudado em uma proporção de pontos com escala de 0 a 40. Essa ferramenta é utilizada principalmente por psiquiatras e psicólogos forenses.
A graduação da escala tem 2 fatores de pontuação: 1º – é caracterizado pela capacidade de utilização de métodos cruéis e grau de frieza nos crimes praticados pelo agente estudado; 2º – caracterizado pela falta do autocontrole, ausência dos freios morais e prática de atividade antissocial.
Os fatores de graduação são parâmetros para a distinção dos agentes portadores de psicopatia. Os indivíduos que se enquadrem no fator primário são considerados psicopatas instintivos, com predisposição natural a cometerem crimes cruéis. Já os de fatores secundários são considerados com atitudes de menor frieza e que em “tese” reflete um pouco mais sobre as consequências dos atos ilícitos praticados.
A pesquisadora Ana Beatriz Barbosa Silva ensina que os psicopatas são indivíduos que não demonstram freios morais ou capacidade de demonstrar sofrimento emocional, dessa forma, não seria possível tratamento de um sofrimento que não existe. Assim, todas as técnicas de tratamentos com psicoterapias são ineficazes. Segundo Hare, os tratamentos não demonstram eficácia:
Infelizmente, nada se agrega sobre o tratamento dessa condição, posto que até o momento não foi demonstrada a eficácia de quaisquer das aventuras terapêuticas empreendidas.(Hare, 2013, p. 9)
A psicopatia apresenta graus e formas diversas de manifestação. A manifestação como transtorno de personalidade e não de simples alteração comportamental de forma momentânea não tem cura. Entretanto, a convivência seria intransponível apenas nos casos mais graves de psicopatia, chamados de psicopatas primários. (SILVA, A., 2014, p. 173)
2.6 A PSICOPATIA EM FACE DO SISTEMA PENAL
É importante destacar a importância do Direito Penal, enquanto Ciência, tendo como objetivo a punição, prevenção e primordialmente a ressocialização de agentes criminosos. Segundo Cleber Masson (Masson, 2014, p. 22), o Direito Penal Brasileiro é o conjunto de princípios e leis destinados a combater o crime e a contravenção penal, mediante a imposição de sanção penal. (WELZEL, 2009, p. 64). O pesquisador Hans Welzel declara que o Direito Penal é fração do Direito que aplica os atributos do verbo da conduta criminosa, convergindo às punições e à norma.
Segundo Miguel Reale (2002, p. 30-31), o Direito é uma Ciência Cultural, para ele, o indivíduo no decorrer de sua vida adquire educação e conhecimentos, com o fim de dominar e transformar o meio em que vive, interagindo com frenética dialética social. Dessa forma, também é a Ciência Jurídica. O Direito, além de suas teorias e vestes dogmáticas, é uma realidade cultural e histórica e em constante transformação, integrada pela dinâmica de seus elementos, fato, valor e norma. (REALE, 2002, p. 336-337).
Dessa forma, a Ciência Jurídica, embalada por suas teorias e com foco em seus objetivos, integrada nas questões da dialética social, não poderia deixar de apreciar o fenômeno da psicopatia, tema esse controverso na ciência médica, mas que está intimamente ligado à ciência jurídica, mais especificamente no âmbito penal.
Em 1941, estudos realizados por Harvey Milton Cleckley, estudioso do fenômeno da psicopatia, tanto na Ciência Médica quanto na Ciência Jurídica, concluiu que não havia diferenciação de tratamentos aplicados aos portadores de psicopatia para os demais portadores de patologia mental. Desse modo, os agentes portadores de instabilidade moral e características antissociais eram considerados como loucos. Assim, ora eram tratados como inimputáveis por seus atos, ora eram caracterizados como criminosos. (Silva, 2014, p. 68).
A Ciência Médica ainda não conseguiu definir o conceito de psicopatia. Essa definição é de extrema importância para o universo jurídico-penal, especialmente no que diz respeito à classificação natural dos criminosos, assim como para o conceito de culpabilidade.
Segundo Fernando Capez (Capez, 2011, p. 325), a culpabilidade é a possibilidade de considerar alguém culpado pela prática de uma infração penal. Costuma ser definida como juízo de censurabilidade e reprovação exercido sobre alguém que praticou um fato típico e ilícito.
É nesse sentido que surge a necessidade de desassociar a figura do psicopata de um portador de doença mental. O portador de patologia mental enquadra-se na qualidade de inimputável, pois sua patologia encontra-se elencada no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-V).
Um dos principais elementos da culpabilidade é a imputabilidade, esse requesito é capaz de isentar a culpa, assim, se não há culpa, não haverá crime.
Os inimputáveis são aqueles indivíduos que são incapazes de compreender o caráter ilícito dos seus atos, seja esse entendimento absoluto ou relativo. Assim, no momento do cometimento do crime, esses não têm discernimento da gravidade ou potencialidade do ato, por esse motivo não são penalizados pelos seus atos e ficam sujeitos somente a medidas de segurança.
O artigo 26 do Código Penal Brasileiro prescreve:
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11/7/1984)
Segundo Fernado Capez:
O direito penal não pode castigar um fato cometido por quem não reúna capacidade mental suficiente para compreender o que faz ou de se determinar de acordo com esse entendimento. Não pune os inimputáveis (Capez, 2011, p.44).
Assim, a inimputabilidade tem em sua estrutura três elementos causais: doença mental, desenvolvimento mental incompleto e retardado; e ainda por elementos consequenciais como: incapacidade de discernir o caráter ilícito dos atos cometidos ou de determinar-se com esse entendimento.
Segundo o pesquisador Marco Antonio R. Nahum:
É pacífico entendimento criminológico que a prática de um crime resulta da soma da situação global de um indivíduo, com suas tendências criminais, em contraposição às resistências mentais e emocionais que possui. Vencidas estas resistências por fatores desencadeantes, haverá a prática do delito.(Nahum, 2010)
Segundo o entendimento de Marco Antonio R. Nahum, o crime é o resultado de fatores externos aplicados a fatores psicológicos da construção da personalidade. Assim, o indivíduo que possui o fator psicológico e social sadio manifesta um freio de contenção, de forma a não praticar o crime. Ao contrário, se os meios contensores forem fracos ou nulos, o indivíduo terá grande probabilidade de cometê-lo.
Assim, observa-se que a imputabilidade se enquadra a indivíduos que não possuem meios psicológicos de contensão. Por esse prisma, tal característica não se aplica a indivíduos psicopatas.Segundo o entendimento de Ana Beatriz Barbosa Silva, esses indivíduos são incapazes de estabelecer vínculo de culpa ou remorso e, por vezes, revelam-se agressivos e violentos. Robert D. Hare os classificam como “predadores sociais”. E Cancio Meliá os identificam como “daltônicos morais”.
Dessa forma, o conceito de psicopata alude que se tratam de indivíduos que possuem completo discernimento de seus atos ilícitos e plena capacidade de controlar seus impulsos e emoções.
Diante de todos esses elementos, apresenta-se ao sistema jurídico e penal a condição de elementos de culpabilidade para crimes cometidos por esses indivíduos. Entretanto, surge a indagação: se frente ao agente psicopata, as normas penais e o sistema penal brasileiro estão preparados para propiciar a pena e o condicionamento adequado a esse agente?
O sistema prisional brasileiro, na atualidade, vem inserindo o agente psicopata no mesmo sistema carcerário dos presos comuns, tal procedimento causa grande danos ao sistema, tendo em vista que esses agentes são extremamente danosos aos outros indivíduos.
Segundo Robert D. Hare (2013, p. 65), os presos psicopatas são mestres na dissimulação e aprendem a enganar as instituições penais em proveito próprio, criam de si mesmo uma imagem positiva, apresentado-se para outros detentos e para a direção dessas instituições como presos exemplares. Manuel de Juan Espinosa (2013, p. 580) explica que por esses motivos ele tem 2,5 vezes maior probabilidade em relação aos demais detentos de serem postos em liberdade.
No Brasil, o adjetivo psicopata vem sendo usado como meio de justificar uma doença mental e assim aplicar a substituição de pena a criminosos violentos por medida de segurança, sob a justificativa da imputabilidade do psicopata (Milhomem, 2011).
De acordo com Manuel Cancio Meliá (2013, p. 533), o fenômeno psicopata é uma questão antropológica, pois pode ser detectado em todas as épocas em uma proporção da população masculina na média de 0,5% a 1,5%. Esse fenômeno é constatado quase que predominantemente no sexo masculino.
Esses dados são complementados pela Psiquiatra Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva (2014, p. 54), que segundo a classificação da DSM-IV-TR, o Transtorno da Personalidade Antissocial é de cerca de 3% em homens e 1% em mulheres.
Segundo Manuel Cancio Meliá (2013, p. 533), no meio do sistema prisional, a proporção é de que 15% a 25% da população carcerária sejam composta de agentes psicopatas.
Dessa forma, é inegável a existência do problema assim como a sua complexidade. Há a necessidade de um olhar mais aprofundado do problema pela Ciência Penal, assim como políticas criminais adequadas ao enfrentamento do tema, como a alocação desses agentes em locais com estruturas adequadas, com cuidados diferenciados e favoráveis para a punição desses criminosos.
Segundo o marquês de Beccaria, Cesare Bonesana:
É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa legislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem-estar possível e preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possam causar, segundo o cálculo dos bens e dos males desta vida. (Cesare Beccaria, 1999, p. 125)
Diante do exposto, dentre outros fatores, observa-se que o modo como o sistema penal brasileiro tem tratado esses agentes psicopatas não se mostra o mais adequado. Assim, faz-se necessária uma definição jurídica quanto ao fenômeno da psicopatia.