3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
De maneira geral, pode-se concluir que existem diversas definições de transtorno antissocial - denominadas neste estudo de psicopatia - levando em conta o dissenso da Ciência médica em encontrar a correta definição para esse agente delituoso.
Os métodos utilizados por psicopatas são os mais diversos possíveis, desde o crime mais simples ao mais complexo e com maior número possível de vítimas. Assim, pode-se aferir que os métodos por eles utilizados para a prática de crimes fazem frente às ferramentas disponíveis. Tudo isso, por meio da ação consciente, eles criam estratégia para o cometimento dos crimes de forma articulada e prática, e, para isso, utilizam as ferramentas que estão ao seu alcance, como a sedução, oratória, força, poder, entre outros meios ardilosos. Desse modo, cometem crimes que variam de pequenos golpes, passando por estupros e assassinatos em série, chegando à forma mais danosa que é a morte de milhares pelo uso da política.
Do prisma teórico, levando em consideração as referências bibliográficas descritas ao longo deste artigo, pode-se aferir três problemáticas fundamentais nas pesquisas demandadas sobre o psicopata: a primeira faz referência à ausência formal do conceito médico-jurídico de quem é psicopata; a segunda, trata sobre os dois tipos de psicopatia existentes – primários e secundários; e a terceira sobre a classificação de culpabilidade do crime cometido pelo psicopata no sistema criminal brasileiro.
No que tange ao conceito de psicopatia, não há consenso entre os estudiosos da Ciência Médica para a conceituação formal do transtorno, tendo em vista que a abordagem da classificação que deveria ser centrada em um gama de critérios que definem a psicopatia como doença ou transtorno não está elencado no rol do DSM-V e do CID-10, que deveriam atribuir os requisitos clínicos para os psicopatas, tratando, assim, o comportamento típico de agente psicopata com transtorno antissocial e dissocial.
Segundo o DSM-V, a definição de transtorno antissocial é:
A característica essencial do transtorno da personalidade antissocial é um padrão difuso de indiferença e violação dos direitos dos outros, o qual surge na infância ou no início da adolescência e continua na vida adulta. Esse padrão também já foi referido como psicopatia, sociopatia ou transtorno da personalidade dissocial. Visto que falsidade e manipulação são aspectos centrais do transtorno da personalidade antissocial, pode ser especialmente útil integrar informações adquiridas por meio de avaliações clínicas sistemáticas e informações coletadas de outras fontes colaterais.(DSM-V, p.645)
Já o CID – 10 descreve o transtorno dissocial como:
Transtorno de personalidade caracterizado por um desprezo das obrigações sociais, falta de empatia para com os outros. Há um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas. O comportamento não é facilmente modificado pelas experiências adversas, inclusive pelas punições. Existe uma baixa tolerância à frustração e um baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência. Existe uma tendência de culpar os outros ou de fornecer racionalizações plausíveis para explicar um comportamento que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade. Personalidade (transtorno da): amoral, antissocial, associal, psicopática, sociopática.
Essa definição é de extrema importância para o universo jurídico-penal, especialmente no que diz respeito à classificação natural dos criminosos, assim como para o conceito de culpabilidade.
A análise dos estudos da psicopatia nas últimas décadas vem trazendo grandes avanços científicos, causando impactos relevantes no que concerne às investigações da psicopatia; capitaneada por Robert D. Hare (1991), que analisou o fenômeno da psicopatia em diferentes contextos forenses e clínicos, abrangendo realidades diferentes.
Essa pluralidade de pesquisas trouxe a lume os indicadores que melhor definem o transtorno de personalidade, assim, possibilitando relacionar os indicadores de personalidade antissocial e dissocial com a figura do psicopata, em seus aspectos conceituais e empíricos. Isso torna possível traçar pelo menos em “teste” um perfil psicopático para referenciar possíveis crimes cometidos por esses agentes. Robert D. Hare Hervey e Milton CLeckley criaram um questionário propondo a chamada de Escala de Hare para diagnosticar e classificar os portadores desse transtorno de personalidade.
Tal classificação atribui duas categorias de psicopatia – primário e secundário. Sendo o primeiro o mais danoso, pois não possui freios morais. Assim, são capazes de cometerem crimes cruéis sem que tenham o menor sentimento de culpa ou arrependimento. Segundo Manuel Cancio Meliá, os psicopatas são “daltônicos morais” por não terem empatia ou qualquer sentimento pelo ser humano, mas com pleno domínio de suas emoções, dessa forma, aprende a dialogar, a reproduzir expressões e gestos, manifestar sentimentos, sem que experimente realmente tais sentimentos.
A segunda categoria é considerada pela Psiquiatra Ana Beatriz Barboza Silva, como sendo a menos danosa, que compreende os agentes que possuem o mínimo de freio moral e são responsáveis por pequenos delitos, mas de forma sistemática e repetitiva. Entretanto, mesmo sendo em grau inferior podem se tornar tão perigosos como a primeira classe.
Para Hare (Hare, 2013, p. 9), a psicopatia não é uma doença, e por essa condição, evidentemente, não existe cura, para ele, as tentativas terapêuticas para encontrar um melhor método de tratamento foram ineficazes.
Para a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva, os psicopatas são indivíduos que não demonstram freios morais ou capacidade de demonstrar sofrimento emocional, dessa forma não seria possível tratamento de um sofrimento que não existe.
Assim, afere-se que a ausência de tratamento dá-se devido à falta absoluta de patologia, assim, não se pode afirmar que o psicopata é um doente mental. Tal análise é fundamental na seara criminal, tendo em vista a classificação de culpabilidade e imputabilidade do agente psicopata.
Para Fernado Capez (Capez, 2011, p.44), o direito penal não se aplica aos portadores de doença mental, tendo em vista que esses não podem determinar o caráter ilícito dos seus atos.
O artigo 26 Código Penal Brasileiro isenta de pena o agente que apresentar doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, por não entender o caráter ilícito dos atos praticados.
Desse modo, o conceito de psicopata alude que se trata de indivíduos que possuem completo discernimento de seus atos ilícitos e com plena capacidade de controlar seus impulsos e emoções, assim sendo, no momento da prática dos atos ilícitos, como contravenções penais e crimes, ele possui plena consciência dos seus atos.
Assim, vale relembrar o conceito de crime no aspecto analítico ensinado por Fenando Capez (CAPEZ, 2014, p. 134): é aquele que busca, sob um prisma jurídico, estabelecer os elementos estruturais do crime. Quais sejam: fato tipo, ilícito e culpável. Por essa ótica, só será possível determinar um crime se ele for composto pelos três requisitos deste. Fernado Capez conceitua o fato típico como fato material que se amolda perfeitamente aos elementos constantes do modelo previsto na lei penal, que são: conduta, resultado, nexo causal e tipicidade.
A conduta no entendimento de Fernando Capez é:
a ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dirigidaa uma finalidade. Os seres humanos são entes dotados de razão e vontade. A mente processa uma série de captações sensoriais, transformadas em desejos. (CAPEZ, 2014, p. 136 e 137)
Destarte, se a conduta é uma ação ou omissão humana, consciente e voluntária, a ação praticada por pessoa doente mental é considerada inconsciente e involuntária, não se adequando a essa definição, assim o doente mental seria considerado inimputável na sua conduta.
Sendo desse modo, fica a pergunta que precisa ser respondida pela ciência médica e aplicada na ciência jurídica: o psicopata por não se encaixar no rol de doenças mentais do DSM-V e do CID – 10, e por ter pleno gozo de suas funções cognitivas é considerado imputável?
De acordo com Manuel Cancio Meliá (2013, p. 533), o fenômeno psicopata é uma questão antropológica, pois pode ser detectada em todas as épocas em uma proporção da população masculina na média de 0,5% a 1,5%. Esse fenômeno é constatado quase que predominantemente no sexo masculino.
Esses dados são complementados pela Psiquiatra Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva (2014, p. 54), que segundo a classificação da DSM-IV-TR, o transtorno da personalidade antissocial é de cerca de 3% em homens e 1% em mulheres, sendo esses dados de amostras retiradas do convívio comunitário. Essas taxas têm maiores prevalências associadas aos contextos forenses e penitenciários. Desse percentual, a minoria é composta pelos psicopatas classificados como primários, o tipo mais grave do transtorno, ou seja, aqueles capazes de crimes cruéis e violentos, cujo índice de reincidência delituoso é elevado. (SILVA, 2014,p. 56)
O índice pode parecer pequeno, a princípio 4% da população. À primeira vista parece ser ínfimo, mas em uma cidade como Fortaleza (Ceará), que segundo dados do IBGE, em 2018, tinha uma população estimada em 2.643.247milhões de habitantes, assim a cada cem pessoas, quatro delas estão praticando atos reprováveis ou criminosos, em graus variáveis de periculosidade. E por média estimativa, existiria em Fortaleza cerca de 105.730 pessoas com transtorno antissocial, ou seja, psicopatas.
Nesse sentido, é de extrema importância o aprofundamento dos estudos sobre o fenômeno da psicopatia, sobre como conhecer suas características, meios de intervenção e aplicação penal. Assim, talvez possibilite a diminuição das reincidências criminais, pois esses agentes por serem criminosos sistemáticos e contumazes, reincidem mais do que os criminosos comuns.
É importante conhecer as características da psicopatia para intervir nesse tipo de população, encontrada, em maior número, nas instituições prisionais. Dessa forma, talvez seja possível diminuir as reincidências criminais, pois já está comprovado que indivíduos diagnosticados como psicopatas têm maiores chances de reincidir em crimes, em relação aos que não possuem o diagnóstico desse transtorno de personalidade.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A psicopatia vem sendo um mistério a ser desvendado pela ciência médica quanto à causa e ao tratamento. As inúmeras pesquisas sobre o assunto vêm aumentando o conhecimento da ciência sobre o tema, mesmo assim, tais informações ainda são insuficientes para pelos menos caracterizá-la com doença mental.
A Ciência Médica entra em divergência sobre a conceituação provisória da psicopatia como doença mental. Esse antagonismo é atribuído à dificuldade de atestar o limite patológico ou normal do portador de psicopatia.
Na Ciência Jurídica, existem diferentes entendimentos sobre o tema controvertido, alguns entendem que o psicopata é um doente mental, portanto, inimputável, sendo passível apenas de mandado de segurança. Tal tese é constantemente suscitada por advogados de defesa. Outros atribuem que são transtornos de ordem patológica mental temporária, como um surto psicótico, assim sendo, aplicável a semi-imputabilidade; e, por derradeiro, há aqueles que entendem que a psicopatia não é uma doença mental, mas um traço falho de personalidade, descartando a possibilidade de uma enfermidade e atribuindo a esse agente a imputabilidade.
O Código Penal Brasileiro não faz referência ao psicopata, mas a doutrina pátria atribui à psicopatia causa de semi-imputabilidade, atribuindo a ela o status de transtorno de ordem psíquica ou mental.
Nesse sentido, os delitos cometidos por agentes psicopatas são considerados crimes imputáveis, dessa forma, são tratados como presos comuns, não tendo diferenciação para os outros criminosos. Entretanto, o índice de reincidência dos portadores de psicopatia é superior aos demais, tendo em vista o caráter sistemático e contumaz que esses comentem seus crimes, que são característicos do transtorno antissocial. Nesse diapasão, observa-se a necessidade da adequação das normas penais e do sistema penitenciário brasileiro na tratativa desses agentes.
Desse modo, mostra-se necessário a realização de exames forenses criminológicos no processo penal, quando o criminoso for suspeito do transtorno de personalidade antissocial – psicopata. Pode-se, assim, ser aplicado o teste desenvolvido por Hare, o PCL-R, por profissionais qualificados, psicólogos e psiquiatras forenses.
Com a média de 4% da população com transtorno de psicopatia, o sistema penal brasileiro não se mostra adequado para apenar esses agentes de forma definitiva, em virtude de vedação constitucional, tendo em vista que esses sempre reincidem.
Nesse sentido, não se visualiza um fim para essa discussão. Não se tem uma definição da ação correta a se tomar nos casos de crimes cometidos por psicopatas, ficando a cargo dos magistrados, que por sua vez se vêm perdidos sem saber como proceder, por não ter referências médicas sobre o assunto, que assim influenciam na ordem jurídica.
Por fim, o tema necessita de mais estudos para melhor conhecer suas formas de manifestações, causas e possíveis tratamentos; com o intuito de uma melhor aplicação da pena, como para o desenvolvimento de políticas públicas para minimizar a incidência do transtorno de personalidade antissocial – psicopata.