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Estabilização da tutela provisória de urgência antecipada quando requerida em caráter antecedente

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Agenda 07/02/2020 às 11:59

O presente trabalho pretende analisar a estabilização das tutelas provisórias de urgência antecipadas quando requeridas em caráter antecedente.

1 INTRODUÇÃO

O novo Código de Processo Civil de 2015 buscou simplificar o sistema das tutelas designando como gênero as Tutelas Provisórias, as quais se dividem em duas espécies: Tutelas de Urgência e de Evidência. As Tutelas de Urgência, por sua vez, de natureza cautelar ou satisfativa, podem ser concedidas em caráter antecedente ou incidental.

Entretanto, provavelmente a maior inovação prevista no novo Código, quanto ao instituto, foi a possibilidade da estabilização das tutelas provisórias de urgência, de natureza antecipada, requeridas em caráter antecedente, que será objeto do presente estudo.

A nova sistemática da estabilização harmoniza-se com os fins buscados pelo CPC de 2015, que zela pela duração razoável do processo, pois possibilita que as tutelas de urgência antecipadas, concedidas e não recorridas pelo réu, se tornem estáveis, promovendo ao autor da demanda a satisfação do seu direito, sem a necessidade de um pronunciamento final e definitivo por parte do magistrado, permitindo um possível encurtamento do processo.É neste panorama que o presente trabalho insere-se.

Através do estudo aprofundado do artigo 304 do Código de Processo Civil vigente, abordaremos a tutela provisória da forma como está prevista no referido artigo, analisando as suas subdivisões e características, bem como a fungibilidade entre as medidas de urgência.

Será estudada a técnica de estabilização através das suas características e pressupostos, fazendo uma análise completa do artigo 304.

Ainda, será abordada a relação entre a estabilidade oferecida à tutela de urgência concedida em caráter antecedente e a coisa julgada, apresentando algumas correntes e entendimentos doutrinários acerca do tema.

2 TUTELA PROVISÓRIA

Não raro, o provimento jurisdicional almejado pelas partes ultrapassa em muito o tempo considerado razoável, trazendo prejuízos ao judiciário e às próprias partes, que podem ver seu direito perecer enquanto aguardam a decisão judicial do seu pedido, mesmo quando muitas vezes ele é evidente e requer urgência na sua apreciação.

A fim de dar guarida à urgência pretendida, o legislador criou técnicas processuais diferenciadas, como é o caso da tutela provisória.

2.1 Características

A Tutela Provisória possui subdivisões que serão abordadas durante o presente estudo. Porém, antes disso, cumpre esclarecer as principais características da tutela provisória, extraídas do comparativo doutrinário acerca do assunto, que comumente diverge em delimita-las. São elas a) sumariedade, b) provisoriedade ou precariedade, c) divisão do tempo, d) concessão a qualquer tempo, e) recorribilidade, f) efetivação, g) responsabilização.[1]

A sumariedade da cognição pressupõe uma análise superficial do juíz, a qual é baseada apenas em indícios da existência do direito pleiteado e não da certeza desta existência.

Nas palavras de Fredie Didier Jr. acerca da sumariedade, esta “se assenta em análise superficial do objeto litigioso e, por isso, autoriza que o julgador decida a partir de um juízo de probabilidade”.

Outra característica conferida à tutela provisória é a provisoriedade ou também chamada de precariedade.

Significa dizer que a tutela provisória pode a qualquer tempo ser reexaminada pelo juiz que proferiu a decisão, tendo mantida a sua eficácia enquanto não for revogada ou substituída pela tutela definitiva conservará sua eficácia ao longo do processo, ressalvada a possibilidade de decisão judicial em sentido contrário.

  Como acentua Arruda Alvim que “as medidas de urgência são, todas, provisórias, pois dependem de confirmação por uma sentença de mérito superveniente.”

Já a divisão de tempo refere-se pressupõe uma situação de perigo, de fundado receio de que o transcurso do tempo, frente a uma ocorrência emergencial, cause danos à efetividade do processo ou ao direito em debate, necessitando de medidas destinadas a combater os efeitos nocivos do tempo sobre o processo, de modo a, por intermédio do provimento jurisdicional provisório, conservativo (cautelar) ou satisfativo, equacionar a distribuição entre as partes do ônus do tempo necessário para se alcançar a solução definitiva da demanda. (Gomes e Rezende, 2015, p. 183).[2]

No que concerne ao momento em que são concedidas, as tutelas provisórias podem ser concedidas a qualquer tempo e grau de jurisdição, mesmo na sentença ou após ela, enquanto ainda pendente de definitividade a decisão judicial. Conforme escrevem Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:[3]

Além de poder ser concedida liminarmente ou depois da oitiva do réu, a “tutela provisória” pode ainda ser prestada ao longo de todo o procedimento comum e mesmo na própria sentença.

[...]

“Em suma: enquanto pendente decisão definitiva, estando presentes os pressupostos legais, é possível obter decisão mediante a técnica antecipatória.”.

Outra característica fundamental é a recorribilidade, que pressupõe que toda e qualquer decisão que trate das tutelas provisórias será recorrível, a princípio, por Agravo de Instrumento conforme taxativa do artigo 1.015 do CPC, ou por Apelação quando a tutela provisória é concedida na sentença.

As duas últimas características são a efetivação das tutelas provisórias e a responsabilização da parte beneficiada.

A efetivação das tutelas provisórias estabelecida no artigo 297 do CPC, dispõe que o juiz poderá determinar toda e qualquer medida que considere adequada para a efetivação da tutela provisória concedida, independentemente de ser ela fundada em urgência ou evidência, antecipada ou cautelar.

Desse modo, efetivada a tutela provisória, através das medidas autorizadas no artigo 297 e 519 do CPC, o postulante responde objetivamente pelos danos que daí resultem à parte contrária decorrentes da tutela provisória que, posteriormente, mostrou-se equivocada, responde objetivamente a parte que a postulou.

Nesse caso, a responsabilidade pelos prejuízos causados é objetiva, independendo da comprovação de culpa ou dolo, se a sentença posteriormente foi de improcedência, a parte não prover os meios para citação do requerido no prazo legal, ocorrer a cessação da eficácia da medida ou for reconhecida pelo magistrado a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor.

Em razão da responsabilidade objetiva para reparação de eventuais danos causados à parte contraria, pode o magistrado exigir que o postulante da tutela preste caução dos danos a serem suportados pela parte em face de quem a tutela provisória será requerida, com a ressalva prevista no artigo 300 §1º do CPC, para o economicamente hipossuficiente, uma vez que poderia obstaculizar o acesso à Justiça assegurado nos incisos XXXV e LXXIV do art. 5º da CF.

2.2 Classificação

Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, as tutelas provisórias foram subdivididas em tutelas provisórias urgência e evidência. Entre as duas espécies é comum a provisoriedade das decisões que as concedem.

A tutela de evidência pode-se conceituar como sendo uma tutela jurisdicional sumária satisfativa, fundada em um juízo de alta probabilidade ou de quase certeza da existência do direito que prescinde da urgência.

Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior[4] "A tutela da evidência não se funda no fato da situação geradora do perigo de dano, mas no fato de a pretensão da tutela imediata se apoiar em comprovação suficiente do direito material da parte".

No sentido de combater os impactos do tempo no processo, não havendo que se falar em urgência, a tutela provisória de evidência estaria fundamentada na efetividade e na isonomia.

Nesse sentido Marcelo Abelha Rodrigues ensina[5]

“É cediço que todo processo, por mais célere que pretenda ser, precisa de tempo para nascer, se desenvolver e morrer. É o que se denomina de tempo fisiológico. Assim, durante esse período, pelo menos em tese, o autor busca a modificação da sua situação jurídica, uma vez que espera que a tutela jurisdicional seja concedida a seu favor. Já o réu, durante esse período, resiste à pretensão do autor, pretendendo que, quando o processo chegar ao fim, sua situação jurídica seja exatamente a mesma que tinha quando o processo foi iniciado. Logo, se a modificação da situação jurídica só se operar quando houver o fim do processo, certamente que o tempo fisiológico do processo terá sido suportado pelo autor, e, em especial, injustamente, se no final a tutela jurisdicional lhe for concedida. É com essa visão, se isonomia na distribuição do tempo no processo, que deve ser encarado, compreendido e aplicada a tutela provisória da evidência.”

Já as tutelas de urgência são subdivididas em cautelares e antecipadas.

Na tutela provisória de urgência cautelar não se antecipada um provimento jurisdicional, mas sim assegura um direito de uma parte.

O rol exemplificativo do artigo 301 do CPC, dispõe que a tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para assegurar um direito.

Ao contrário da tutela provisória de urgência cautelar, a tutela provisória de urgência antecipada nada mais é do que a antecipação do provimento jurisdicional fim da decisão do juízo acerca do caso posto em testilha, que pode ser concedida tanto liminarmente quanto incidentalmente, podendo também ser revogada ou modificada a qualquer tempo.

Pode-se incorrer na falsa impressão de que a antecipação do provimento jurisdicional fim faz coisa julgada, o que não é verdade, sobretudo porque está pautada em cognição sumária, significando que não é algo exauriente e, necessariamente, precisará de todo tramite processual para sua conversão em tutela definitiva, a qual, com o trânsito em julgado, faz coisa julgada material.

A tutela provisória de urgência antecipada poderá ser incidental ou antecedente, sendo esta última o objeto do presente estudo.

2.3 Fungibilidade

Comumente ocorrem situações fáticas no dia a dia do aplicador do direito, o qual se vê em dúvida a respeito da natureza do provimento jurisdicional adequado para a tutela do direito, se cautelar ou antecipatório.

Diante dessa problemática, o CPC/2015 dispôs em seu artigo 305, parágrafo único, que caso o autor pleiteie medida cautelar que tenha natureza de medida antecipada, ainda sim o juiz deverá seguir o procedimento desta e não daquela.

Ainda que o dispositivo legal disponha apenas quanto a fungibilidade das tutelas cautelares e antecipadas requeridas em caráter antecedente, em homenagem aos princípios da economia processual e da duração razoável do processo, pareceu o legislador querer também que o mesmo se aplique aos provimentos requeridos incidentalmente.

3 TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPADA ANTECEDENTE

Trata-se, na verdade, de um instituto inovador no direito processual civil Brasileiro, que foi definida por Humberto Theodoro Júnior[6] como “[...] toda medida urgente pleiteada antes da dedução em juízo do pedido principal, seja ela cautelar ou satisfativa”.

Trata-se de uma inovação trazida pelo novo código que possibilita que a satisfação do direito ocorra mesmo antes da propositura da ação, enquanto no diploma de 1.973, as medidas de caráter antecipatório deviam ser requeridas no início ou durante o trâmite do processo principal.

Quanto aos requisitos, são três os necessários à sua concessão: (I) Urgência contemporânea à propositura da ação; (II) Exposição do direito que se busca realizar; (III) Perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.

O primeiro pressupõe que a parte necessita de um futuro provimento jurisdicional fim sem mesmo ter promovido a petição inicial ainda.

Já a exposição do direito nada mais é do que o conhecido fumus boni juris, que no caso é aplicado com relação à lide demonstrada na medida antecedente, de modo que reste caracterizado a procedência no direito que a parte lhe titula como detentora.

Por fim, o não menos conhecido periculum in mora, que pressupõe um perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo no caso da não concessão daquele provimento naquele momento.

Como é provisória, a tutela antecipada de urgência pode ser revista qualquer tempo, em decorrência do aprofundamento da cognição e da vinda de novas provas aos Autos. Esta característica foi objeto de comentário de Cássio Scarpinella Bueno[7]:

“Não obstante, e justamente por causa de sua característica, a provisoriedade, a tutela aqui estudada pode ser revogada ou modificada “a qualquer tempo”. A expressão, extraída do caput do art. 296, deve ser compreendida de acordo com o sistema do próprio CPC de 2015: a revogação ou modificação da tutela provisória pressupõe aprofundamento de cognição e, ainda quando for tomada de ofício pelo magistrado, prévio contraditório (arts. 9º e 10).”

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Acerca da competência territorial da tutela antecipada antecedente, simplificam Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero[8]:

“Na linha com o seu caráter interinal, a tutela sumária deve ser requerida ao juiz da causa, não dando lugar a um incidente processual ou a um processo autônomo. É um ato do procedimento. Apenas quando antecedente dará lugar a um processo autônomo, o qual posteriormente será complementado por outro processo destinado à tutela definitiva do direito. A competência, no entanto, não varia – o juízo competente para conhecer o pedido de “tutela provisória” é o juízo competente para prestar tutela jurisdicional ao direito de forma definitiva.”

Acerca da competência, Marcelo Abelha[9] também escreve que:

“A regra não poderia ser mais clara, pois se se tratar de pedido incidental no curso do processo, então o pedido de tutela provisória deverá ser dirigido ao próprio juízo da causa, mas se for requerida em processo antecedente, isto é, antes de ser proposta a demanda principal, então deve ser requerida no respectivo juízo onde se pretenderá discutir ou satisfazer o referido direito.

Tratando-se de competência originária e/ou derivada no âmbito dos tribunais, prevalece a regra de que ela será requerida ao órgão jurisdicional com competência para apreciação definitiva do mérito da demanda ou do recurso.”

Ainda, outra novidade trazida pelo novo diploma é a possibilidade de deduzir unicamente o pedido de tutela antecipada de urgência, postergando a apresentação do pedido principal, quando a urgência for contemporânea à propositura da causa.

Assim escreve Cássio Scarpinella Bueno:

“De acordo com caput do art. 303, quando a urgência for contemporânea à “propositura da ação”, ou seja, à época do protocolo da petição inicial (art. 312), o autor pode limitar-se a apresentar petição inicial em que requeira a tutela antecipada – conquanto deva indicar o pedido de “tutela final” (que só pode ser a tutela jurisdicional pretendida sobre o interesse perseguido em juízo, mesmo e independentemente da tutela antecedente) -, e na qual exponha a “lide” (a controvérsia com a parte contrária, que justifica o pedido de tutela), o direito que pretende realizar, além do perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.”

Nas palavras de Arruda Alvim, é inegável a aproximação do novo regime das tutelas antecipadas ao que já dispunha o código anterior, mas que era voltado, unicamente, às tutelas cautelares:

“De certa forma, mas com algumas reservas, o procedimento da tutela antecipada antecedente se assemelha com o que ocorre nas medidas cautelares preparatórias do CPC/1973 (arts. 796 e 806). O autor deve sumarizar seu pedido, comprometendo-se a futuramente mover a ação correspondente sob risco de revogação da medida de urgência. Guardadas as devidas proporções, o mesmo ocorre aqui.”

Tendo seu procedimento disciplinado pelos artigos 303 e 304 do CPC, a tutela de urgência antecipada antecedente será requerida quando o autor pretende adiantar a satisfação do direito material antes de requerer a tutela definitiva. Nesse caso, na petição inicial deverá constar o pedido de tutela antecipada e a designação do futuro pedido de tutela final, a exposição da lide e do direito que busca efetivar e, por fim, o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Uma vez concedida a tutela, deverá o autor promover o aditamento da petição inicial, no prazo de 15 (quinze) dias, complementando os argumentos e confirmando o pedido de tutela definitiva, sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do artigo 303, §2º.

Assim escreve Ester Camila Gomes Norato Rezende[10]:

“No novo Código de Processo Civil, no entanto, o pedido principal é deduzido na mesma relação jurídico-processual inaugurada pela pretensão de urgência, pela via do aditamento da petição inicial, que representará cumulação de pedido, não sendo necessário, pois, instalar nova relação, como se verifica na regulação da medida cautelar antecedente no Código de Processo Civil de 1973. (2015, p, 203).”

Cássio Scarpinella Bueno lembra que deve ser observado que o valor da causa deve ser aquele do pedido final:

“A petição inicial elaborada pelo autor, no caso de a tutela antecipada ser requerida antecedentemente, deverá também indicar o valor da causa levando em consideração “o pedido de tutela final” (art. 303, § 4º) e manifestar sua vontade de valer-se do “benefício previsto no caput deste artigo” (art. 303, § 5º).”

Caso ocorra a concessão da tutela o réu não interpuser o respectivo recurso, será possível a estabilização da tutela provisória de urgência antecipada. Nessa hipótese, o processo antecedente será extinto, porém a medida antecipatória continuará em vigor e produzindo efeitos enquanto não for reformada, invalidada ou revista através de uma ação autônoma.

4 ESTABILIZAÇÃO      DAS      TUTELAS     PROVISÓRIAS      DE      URGÊNCIA ANTECIPADA, QUANDO REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE

O Código de Processo Civil de 2015 modificou o sistema das medidas de urgência no país, autorizando que as tutelas de antecipadas sejam concedidas em caráter antecedente, hipótese em que também será possível a sua estabilização, permitindo que a medida satisfativa do direito material, concedida com base em uma cognição sumária, continue a produzir efeitos mesmo que o processo antecedente seja extinto sem um pronunciamento definitivo.

Essa técnica já era adotada no país pelo Código de Processo Civil de 1.973, como no caso de julgamento antecipado quando ocorria revelia.

Desse modo, constata-se que a hipótese da estabilização da tutela antecipada é calcada na inércia do requerido, que não se levanta contra a decisão que a concede.

Este poderá obstar a estabilização interpondo recurso contra a decisão que concedeu a tutela antecipada, que no caso é o agravo de instrumento.

Desse modo, caso a parte sucumbente não recorra da decisão que concede a tutela antecipada, sua conduta será caracterizada como inerte, conduzindo à estabilização, tornando desnecessário que o autor adite a inicial nos termos do art. 304, se este assim entender, visando a composição definitiva da lide.

4.1 Análise do artigo 304 do CPC

O Código de Processo Civil vigente disciplina a técnica no artigo 304 do seu diploma.

Percebe-se pela análise do dispositivo, que a primeira condição para o emprego da estabilização será a necessidade de a tutela concedida ser provisória  de urgência e antecipada (satisfativa), bem como tenha sido requerida em caráter antecedente.

Daí extrai-se que a aplicação da técnica não ocorrerá para as tutelas provisórias de urgência requeridas em caráter incidental, as tutelas provisórias de urgência cautelares e as tutelas provisórias de evidência.

Portanto, caso a tutela de urgência seja concedida incidentalmente, quando já instaurada a discussão do mérito, não há que se falar em estabilização. Nas palavras de Guilherme Lunelli[11]:

“Por opção legislativa, a estabilização da tutela só ocorrerá nos casos de concessão antecedente da medida. Assim, caso a tutela seja concedida de forma incidental, não há como se falar na sua estabilização. Aparentemente, o principal escopo da estabilização é dispensar o desenrolar processual se a parte já obteve a satisfação de seu direito.”

 O caput do artigo 304 estabelece que as tutelas passíveis de estabilização serão aquelas concedidas nos termos do artigo anterior.

Assim, considerando o §5º do artigo 303, outra condição necessária para a estabilização, portanto, é a de que o autor deve expressar na petição inicial o seu interesse em usufruir dos benefícios da tutela antecedente.

Por esse motivo, a tutela antecipada concedida em caráter antecedente é a única capaz de se estabilizar. No entanto, além de expressar o que pretende se valer da tutela antecedente, deverá o autor deixar claro que tem interesse na estabilização da tutela.

Não se pode presumir e o obrigar o autor a se contentar com a tutela estabilizada, pois tem o direito de se sujeitar aos riscos e custos inerentes ao prosseguimento do processo para exercício de cognição exauriente, diante do seu legítimo interesse em obter uma tutela final.

Já a última condição é de que o réu, citado e intimado, não tenha interposto o recurso da decisão que deferiu a tutela provisória.

Desse modo, analisando literalmente o dispositivo, a única forma possível de se evitar a estabilização seria com a interposição do recurso cabível, que no caso seria o agravo de instrumento, quando a decisão for proferida em 1º grau de jurisdição.

Em que pese o código utilizar a expressão “recurso‟, parte da doutrina entende que esta não é a opção mais acertada, já que o novo CPC estaria “positivando verdadeiro incentivo à ampliação de recursos” e, com isso, corre-se o risco de enfrentarmos uma piora no congestionamento do Poder Judiciário e um aumento do tempo de duração do processo.

Para essa parcela, o agravo não seria única forma de o réu escapar da estabilização da decisão que concedeu a tutela de urgência e, em consequência, da extinção do processo.

A apresentação de contestação ou de pedido de suspensão de segurança ou de reconsideração, desde que realizados no prazo em que dispõe a parte para recorrer, também poderiam ser meios adequados e aptos a impedir a estabilização.

Se considerarmos que um dos propósitos do novo diploma é zelar pela efetividade da prestação jurisdicional e pela duração razoável do processo, o cumprimento de tais diretrizes se tornaria mais difícil se abarrotarmos os tribunais com recursos, que podem inclusive ser vazios, infundados e de caráter protelatório.

Além do mais, a própria Exposição de Motivos do Anteprojeto do novo CPC expressou preocupação em combater o excesso de recursos, principalmente no que toca aos agravos de instrumento, por isso gera certa estranheza que o réu seja obrigado a recorrer para reprimir a estabilização.

Desse modo, além da interposição do agravo, a apresentação, pelo réu, de uma resposta quanto à concessão da tutela antecipada deveria ser capaz de evitar a estabilização da medida, pois estariam representando a não satisfação do réu com a estabilização, bem como sua vontade em prosseguir com o processo, para, ao final deste obter uma tutela definitiva.

Entretanto, em entendimento diverso acerca do tema, Arruda Alvim é enfático ao afirmar que, a seu ver, é sempre necessária a interposição de recurso a fim de que a estabilização seja impedida. Segundo escreve, é insuficiente, para tanto, qualquer outra manifestação do réu:

Em primeiro lugar, é preciso questionar se quando o Código se reporta a recurso, quer significar apenas o agravo de instrumento, já que há previsão específica para esta hipótese no art. 1.015, I, do CPC/2015. Em princípio, a redação do dispositivo é bastante clara, e parece ser adequada uma interpretação restritiva para impedir que outras manifestações do réu que signifiquem a quebra da sua inércia e impugnação da decisão que  concedeu a medida podem evitar a extinção do processo. Note-se, no entanto, que o CPC/2015 não exige o provimento do recurso, mas sua mera interposição – quer, portanto, uma atitude qualificada do réu. Não serve, para impedir a estabilização, mero requerimento; é necessário recurso, que nem sempre será o agravo de instrumento. Pense-se, por exemplo, na tutela provisória urgente antecedente que não for concedida em primeira instância. Se o autor interpuser agravo de instrumento, a eventual decisão monocrática do tribunal pode ser impugnada através de agravo interno (art.1.021 do CPC/2015) para que não se estabilize. O mesmo vale para a reclamação (art. 988), que ostenta natureza de sucedâneo recursal, quando a decisão impugnada contrariar jurisprudência vinculante. Por outro lado, se o réu se antecipar e desde logo oferecer sua contestação, essa atitude não deve servir para evitar a estabilização e a extinção do processo.

Em sentido contrário, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero[12]:

“É claro que pode ocorrer de o réu não interpor o agravo de instrumento, mas desde logo oferecer contestação no mesmo prazo – ou, ainda, manifestar-se dentro desse mesmo prazo pela realização da audiência de conciliação ou de mediação. Nessa situação, tem-se que entender que a manifestação do réu no primeiro grau de jurisdição serve tanto quanto a interposição do recurso para evitar a estabilização dos efeitos da tutela. Essa solução tem a vantagem de economizar o recurso de agravo e de emprestar a devida relevância à manifestação de vontade constante da contestação ou do intento de comparecimento à audiência. Em ambas as manifestações, a vontade do réu é inequívoca no sentido de exaurir o debate com o prosseguimento do procedimento.”

Parece mais acertado que o réu maneje o recurso adequado, em homenagem ao “princípio da precaução”, evitando assim perder o prazo para interposição do recurso competente impedindo a estabilização, até que se pacifique na jurisprudência a indicação do procedimento adequado.

Mais um ponto a ser analisado consiste em que a estabilização da tutela antecipada somente importa na extinção da ação caso abarque toda a matéria a ser posta em Juízo, vale dizer, caso a tutela antecipada coincida com a tutela definitiva. Caso contrário, ou seja, caso a tutela definitiva pretendida seja apenas parcialmente antecipada, natural que a ação trilhe seu curso, até apreciação de todo o mérito da demanda.

Sobre o tema, escreve Guilherme Lunelli:

“Dissemos regra geral, pois, conforme já abordamos, a tutela antecipada requerida em caráter antecedente poderá ser total ou parcial. Pode o autor realizar pleito antecedente de urgência, mas almejar, quando do aditamento, trazer pedidos de outra natureza que aquele antecipado. Com efeito, o juiz somente extinguirá o processo quando a tutela antecipada estabilizada constituir a única pretensão final apontada pelo autor. Existindo pleitos outros, a questão estabilizada permanece indiscutível, mas o processo deve seguir seu regular trâmite para o julgamento das demais questões. Nesse caso, o juiz deverá extinguir parcialmente o processo no que toca a tutela estabilizada e, no que concerne aos demais pedidos, prosseguir com a marcha processual.”

Conclui-se que, cumpridas as condições, a decisão que concede a tutela antecipada antecedente se estabilizará e o processo será extinto.

Com a estabilização, tanto o réu quanto o autor, poderão interpor uma nova ação pretendendo reformar, invalidar ou rever a tutela satisfativa, buscando exaurir a cognição.

Porém, o direito de ajuizar nova ação, com o intuito de discutir o direito que foi satisfeito de forma antecedente, será extinto no prazo decadencial de dois anos, contados da ciência da extinção do processo antecedente.

Alcançado este prazo de dois anos, os efeitos da medida satisfativa antecedente estarão estabilizados, não prevendo o CPC outro método para impugná-los.

Como a estabilização não importa em coisa julgada, não há que se falar em ação rescisória, e, consequentemente, em julgamento colegiado. A ação destinada a rever a decisão que concedeu a antecipação, e se estabilizou, será de competência do próprio Juízo que a concedeu e tramitará pelo rito comum. Nas palavras de Guilherme Lunelli:

 No entanto, merece atenção o fato que, não fazendo a tutela estabilizada coisa julgada, não falaremos aqui em ação rescisória, mas, sim, em uma demanda que tramitará pelo procedimento comum. Não se exige, portanto, julgamento colegiado: diante da prevenção, tal feito será de competência do próprio juízo que concedeu a tutela estabilizada.           

 Desse modo, segundo o entendimento do autor, extrai-se do texto do artigo 304, §6° que apenas que durante o prazo de dois anos não ocorrerá a coisa julgada, nem a possibilidade de propor ação rescisória, pois cabe a propositura da ação de modificação.

 Por outro lado, outra parte da doutrina entende que não é possível a formação da coisa julgada. Dierle Nunes e Érico Andrade[13] entendem que após o decurso do prazo de dois anos não se teria a formação da coisa julgada, pois esta seria a leitura extraída do artigo 304, §6º, que é claro ao estabelecer que a decisão de cognição sumária não faz coisa julgada. Além disso, atentam os autores que nos ordenamentos francês e italiano, as decisões de cognição sumária não se tornam imutáveis.

5 ESTABILIDADE X COISA JULGADA

Uma das características das tutelas provisórias, como já diz o próprio nome, é a sua provisoriedade, que consiste na necessidade de um provimento definitivo que a revogue ou a confirme, uma vez que fruto de cognição sumária.

Entretanto a adoção da técnica da estabilização mostra-se como uma exceção a tal regra, uma vez que as medidas que  satisfazem  o  direito  concedidas nos termos dos artigos 303 e 304 do CPC de 2015, serão aptas a produzir efeitos por tempo indeterminado, uma vez que sua eficácia não cessará enquanto não for reformada, invalidada ou revista (artigo 304, parágrafo 3º), regra esta que acaba por atenuar a provisoriedade, pois havendo a possibilidade de não ser prolatada decisão definitiva, o provimento que se estabilizou estará apto a tutelar, por si só, a matéria discutida em juízo.

No entanto, estabeleceu o CPC, de forma expressa, em seu artigo 304, parágrafo 6º, que “a decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes”.

Como se sabe, a coisa julgada, no direito brasileiro, foi transformada em garantia fundamental, de forma a consagrar a segurança jurídica no nosso ordenamento conforme estabelece a Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, inciso XXXVI que: “A Lei não prejudicará o direito adquirido, o ato perfeito e a coisa julgada”.

Tal instituto garante segurança ao ordenamento ao impor definitividade às decisões finais proferidas judicialmente, ao passo que impossibilita que estas sejam rediscutidas, alteradas e desrespeitadas, tanto pelas partes, quanto pelo próprio poder judiciário, tornando-se imutáveis.

Essa imutabilidade pode se dar dentro do processo em que foi proferida a decisão, coisa julgada formal, ou para além dele, coisa julgada material.

A primeira consubstancia-se na imutabilidade da decisão judicial proferida, que ocorre após o esgotamento das vias recursais ou após o decurso do prazo dos possíveis recursos cabíveis. A coisa julgada formal, ou trânsito em julgado, origina- se da irrecorribilidade da decisão judicial, que se limita ao processo em que foi deferida, ou seja, trata-se de um evento endoprocessual. Desse modo, por relacionar-se à sentença puramente como ato do processo, recai tanto sobre as sentenças terminativas como sobre as definitivas.[14]

Já na outra ponta, a coisa julgada material mostra-se como um fenômeno mais abrangente, já que a decisão judicial, proferida após cognição exauriente, torna-se indiscutível e inalterável tanto no processo em que foi proferida, quanto em qualquer outro, gerando, portanto, efeitos endo e extraprocessuais. Importante salientar que para alcançar a coisa julgada material, pressupõe-se a coisa julgada formal.[15]

Já no que diz respeito aos efeitos produzidos pela coisa julgada, são classificados como negativo, positivo e o preclusivo[16].

O primeiro, efeito negativo, impede que a matéria já decidida seja julgada novamente como questão principal em outro processo.

No tocante ao efeito positivo, este se caracteriza pela impossibilidade observância da questão ser julgada em outro processo, ainda que se trate de questão incidental num segundo processo. Nesse caso, o juiz deste último processo não poderá modificar nem decidir de forma idêntica a questão em que figurou como questão principal no primeiro. Noutros termos, o julgador da segunda ação estaria vinculado ao que foi decidido na primeira.

No que diz respeito ao efeito preclusivo da coisa julgada, após o trânsito em julgado da decisão, “todas as alegações e defesas que poderiam ter sido formuladas para o acolhimento ou rejeição do pedido reputam-se arguidas e repelidas; tornam- se irrelevantes todos os argumentos e provas que as partes tinham a alegar ou produzir em favor da sua tese”. Com a eficácia preclusiva, as alegações que poderiam ter sido suscitadas, não poderão ser rediscutidas com o propósito de contornar a decisão que se encontra imunizada pela coisa julgada.

Na doutrina Brasileira, há divergências sobre a natureza da estabilização da decisão após o decurso do prazo decadencial de dois anos, dividindo-se parte da doutrina entre a possibilidade da formação da coisa julgada e parte que entende que não há formação da coisa julgada.

A primeira corrente a ser tratada defende que há a formação da coisa julgada. Para Bruno Garcia Redondo:

Estabilização, modificação e negociação da tutela de urgência antecipada antecedente: principais controvérsias.

A sentença do processo antecedente trata-se de uma extinção com resolução do mérito, logo é definitiva. Porém, o seu trânsito em julgado ocorrerá somente após o decurso do prazo de dois anos para a propositura da ação de modificação da decisão.

Para o autor, após esse prazo, a estabilidade se torna imutável, e o debate sobre o direito material se torna impossível, havendo formação da coisa julgada material, sendo cabível somente a proposição de ação rescisória.

O autor destaca ainda que o entendimento de que a coisa julgada material está ligada à cognição exauriente não é adequada, pois o conceito do que seria exauriente é controverso e não se mostra mais adequada a nova sistemática processual.

Vale destacar o mesmo entendimento trazido por José Roberto Bedaque:

Concedida a tutela antecipada, a cognição plena fica na dependência da provocação de qualquer das partes. Não formulado pedido nesse sentido, a consequência será a definitividade da providência concedida em caráter sumário.[17]

Que foi quem integrou a comissão responsável por desenvolver a proposta do projeto de lei 186/2005 que não fora aprovado no congresso nacional, onde o autor afirmou a possibilidade da decisão que concedeu a tutela de urgência, fundada em cognição sumária, se estabilizasse produzindo coisa julgada material e podendo ser alvo de ação rescisória.

O autor defendeu que a formação da coisa julgada seria possível, pois, mesmo que fundada em cognição sumária, antes de a tutela se estabilizar, o réu teria prazo o suficiente para se manifestar, logo não estaria ferindo princípios constitucionais.

Ademais, destacou que no Brasil, havia uma hipótese, muito próxima da estabilização, de decisão fundada em cognição sumária que estaria apta a se tornar definitiva, o julgamento à revelia (artigo 330, I, CPC/1973), que sem a realização do contraditório e com produção probatória limitada, em função da inércia do réu, produzia coisa julgada material. Logo a possiblidade de estabilização da tutela de urgência e sua imutabilidade não seriam tão novas para ordenamento brasileiro.

Aqui cabe fazer uma ressalva a afirmação do autor.

Quando concede a medida de urgência, o juiz não estará declarando a existência do direito, mas baseado na probabilidade de sua existência, apenas antecipará os seus efeitos práticos. Nesse sentido, a estabilização não pode ser comparada totalmente às hipóteses de julgamento antecipado da lide quando há revelia, pois, neste, ainda que a decisão esteja fundada em cognição sumária, haverá a declaração de inexistência ou existência do direito do autor.

A segunda parte da doutrina entende que não é possível a formação da coisa julgada.

Daniel Mitidiero, que afirma que a coisa julgada é própria da cognição exauriente, por isso, considerando o direito a um processo justo, não é possível a constitucionalidade das tutelas antecipadas concedidas em caráter antecedente estabilizadas forme coisa julgada:[18]

“Sendo a obtenção de uma decisão justa umas das finalidades do processo civil no Estado Constitucional, o que remete para a necessidade de construirmos procedimentos orientados à sua busca, parece-nos que a limitação do direito ao contraditório e do direito à prova ínsita à sumarização procedimental e material da ação antecedente atua e sentido contrário à busca por uma decisão justa – e, pois, desmente uma das razões de ser da necessidade de um processo justo. A eficácia bloqueadora do direito fundamental ao processo justo, portanto, impede que se tenha como constitucional a formação de coisa julgada na tutela antecipada requerida de forma antecedente no caso de transcurso do prazo legal sem o exaurimento da cognição”.

Extrai-se portanto, que após o decurso do prazo de dois anos não se teria a formação da coisa julgada, pois esta seria a leitura extraída do artigo 304, §6º, que é claro ao estabelecer que a decisão de cognição sumária não faz coisa julgada e, ainda que decaindo o direito de propor a ação autônoma prevista pelo artigo 304, §2º, do CPC/2015, a estabilização será definitiva, apesar de não ser acobertada pela coisa julgada, gerando uma estabilidade dos efeitos da decisão.

A relação direta entre a coisa julgada material e a cognição exauriente também é afirmada por Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes[19]:

“Nesse sentido, a estabilização da tutela antecipada gera um efeito idêntico ao efeito negativo da coisa julgada, pois a única forma prevista pelo CPC/2015 para questionar a decisão é através de uma demanda que tenha como pedido a revisão, reforma ou invalidação da tutela, logo a estabilização impede que uma ação idêntica àquela que foi extinta seja proposta novamente. No entanto, quanto à função positiva da coisa julgada, a ela não haveria efeito correspondente na estabilização.”

O autor destaca aqui que a função positiva é decorrente do conteúdo declaratório da decisão, que não poderá voltar a ser discutido em outras demandas, pois estará o juiz vinculado a ele. Como na estabilização não há a declaração do direito, apenas a sua satisfação, não há que se falar nesse efeito positivo. Ademais, o CPC/2015 não atribuiu esses efeitos às decisões estabilizadas.

Pode-se concluir, portanto, que aceitar que as decisões estabilizadas alcancem o fenômeno da coisa julgada, seria aceitar também os efeitos advindos desse instituto, o que significaria dizer que as decisões estabilizadas não mais poderiam ser discutidas de forma incidental em outro processo, dado o efeito positivo da coisa julgada.

Entretanto não é razoável que o direito de ação, previsto constitucionalmente (artigo 5º, XXXV, CF/1988), seja impossibilitado e retirado das partes por uma decisão de cognição sumária, que reflete uma mera possibilidade de um direito, que não declara sua existência ou inexistência, uma vez que não houve o exercício pleno do contraditório, da ampla defesa e que a produção probatória foi limitada.

Sendo assim, as consequências da relação entre a cognição exauriente e a coisa julgada, partirão, portanto, do entendimento adotado por Leonardo Greco, no sentido de que a cognição será exauriente quando o contraditório for pleno, no sentido concreto. Em consequência, a formação da coisa julgada também deveria se fundar, portanto, no exercício pleno desse contraditório. Esse entendimento é o que reflete maior compromisso com a efetivação dos direitos constitucionais processuais, inclusive quanto à segurança jurídica.

Desse modo, parece lógico que a segurança jurídica que a coisa julgada visa oferecer para as partes, decorra de uma decisão em que o grau de profundidade da cognição seja o mais alto possível, caso contrário há o risco de tornar imutável uma decisão que pode ser injusta. Esse grau será atingido com a cognição exauriente oriunda do concreto exercício do contraditório e ampla defesa.

Conclui-se portanto, que a melhor hipótese e que melhor se adequa ao Estado Democrático de Direito, que deve estar fundado na efetivação dos direitos fundamentais, é de que as decisões que concedem as tutelas de urgência satisfativas em caráter antecedente, não são capazes de formar a coisa julgada e em consequência não é possível ajuizar uma ação rescisória para revê-las.

Passado o prazo de dois anos para reformar, rever ou invalidar as decisões concedidas nos termos dos artigos 303 e 304 do CPC/2015, estaremos diante de uma estabilização qualificada ou sui generis, pois apesar de não haver outros métodos previstos para impugnar essa decisão, esta restará estabilizada de forma qualificada, no entanto, após o decurso do prazo bienal para interpor a ação autônoma para invalidar, rever ou reformar a decisão, a matéria poderá ser discutida de forma incidental em outas demandas, como no caso das perdas e danos citado anteriormente. Devendo as partes se atentar e observar os prazos prescricionais aplicáveis ao direito material buscado.

Por fim, a compreensão do tema vai além da interpretação dos dispositivos legais que tratam da estabilização das tutelas antecipadas, a análise a ser feita deve ser baseada nos princípios constitucionais pertinentes ao processo, atentando para a concretização do acesso à justiça, bem como do devido processo legal, consubstanciado na ampla defesa e no contraditório, garantias essas que além de previstas pela Constituição foram tratadas expressamente pelo Código de Processo Civil de 2015.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir da análise da sistemática trazida pelo novo CPC, no tema das tutelas provisórias, foi possível perceber que a possiblidade de se conceder as tutelas de forma antecedente, bem como sua estabilização mostram-se como instrumentos interessantes para oferecer maior efetividade e celeridade ao processo, ainda que apresentem certas incongruências, uma vez que protegem o direito e as partes dos malefícios do tempo, pois é capaz de dimensionar de forma prática o litígio, sem a imposição do prosseguimento de um processo de cognição exauriente.

Entretanto, o CPC de 2015, ao não explicitar de forma clara e objetiva o que ocorrerá com essa decisão após o decurso do prazo próprio para propor ação capaz de modifica-la, abriu espaço para divergências acerca da possibilidade, de nessa hipótese, a decisão ser acobertada pelo instituto da coisa julgada.

Porém, após a análise das diferentes correntes, entendeu-se que a garantia da tutela jurisdicional efetiva, inscrita na Constituição (art. 5º, inciso XXXV), impõe que as partes tenham no processo a mais ampla possibilidade de demonstrar a existência do seu direito.

Logo acobertar as decisões que concedem as tutelas provisórias de urgência antecipadas em caráter antecedente pela coisa julgada, deixando de observar os princípios que regem o processo civil brasileiro, como o devido processo legal, contraditório e ampla defesa, o que não é constitucionalmente adequado, pois a cognição exauriente é inafastável para a formação da coisa julgada material.

Extrai-se, portanto, que as decisões que concedem as tutelas provisórias de urgência antecipadas em caráter antecedente, quando estabilizadas e após o decurso do prazo de dois anos para interpor a ação para sua reforma, revisão ou invalidação, não estará sob o manto da coisa julgada material. Estar-se-ia diante de uma estabilização qualificada ou até mesmo sui generis, pois ainda que inexistam meios para impugnar a decisão estabilizada, o conteúdo veiculado pela decisão poderá ser rediscutido em outras ações autônomas.

Sendo assim, as alterações nas tutelas de urgência e evidência, que foram trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, serão capazes de atingir os propósitos buscados pela nova legislação, principalmente e celeridade e efetividade, sem que atinjam a concretização do devido processo legal.

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Sobre o autor
Rafael Novakoski Arruda

Graduado pela Universidade Católica do Sudoeste do Paraná (UNICS) no ano de 2010, iniciou na advocacia no ano de 2011 atuando principalmente nas áreas cíveis, trabalhistas, consumidor e família. Cursou a Escola da Magistratura do Paraná - EMAP na cidade de Pato Branco no ano de 2011. Possui especialização em Direito Processual Civil pela faculdade de Pato Branco (FADEP) concluída em 2019. É especialista em Direito e Processo do Trabalho pela faculdade Mater Dei concluída no ano de 2020.

Informações sobre o texto

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