1. INTRODUÇÃO
O novo Código de Processo Civil de 2015 buscou simplificar o sistema das tutelas designando como gênero as Tutelas Provisórias, as quais se dividem em duas espécies: Tutelas de Urgência e de Evidência. As Tutelas de Urgência, por sua vez, de natureza cautelar ou satisfativa, podem ser concedidas em caráter antecedente ou incidental.
Entretanto, provavelmente a maior inovação prevista no novo Código, quanto ao instituto, foi a possibilidade da estabilização das tutelas provisórias de urgência, de natureza antecipada, requeridas em caráter antecedente, que será objeto do presente estudo.
A nova sistemática da estabilização harmoniza-se com os fins buscados pelo CPC de 2015, que zela pela duração razoável do processo, pois possibilita que as tutelas de urgência antecipadas, concedidas e não recorridas pelo réu, se tornem estáveis, promovendo ao autor da demanda a satisfação do seu direito, sem a necessidade de um pronunciamento final e definitivo por parte do magistrado, permitindo um possível encurtamento do processo.É neste panorama que o presente trabalho insere-se.
Através do estudo aprofundado do artigo 304 do Código de Processo Civil vigente, abordaremos a tutela provisória da forma como está prevista no referido artigo, analisando as suas subdivisões e características, bem como a fungibilidade entre as medidas de urgência.
Será estudada a técnica de estabilização através das suas características e pressupostos, fazendo uma análise completa do artigo 304.
Ainda, será abordada a relação entre a estabilidade oferecida à tutela de urgência concedida em caráter antecedente e a coisa julgada, apresentando algumas correntes e entendimentos doutrinários acerca do tema.
2. TUTELA PROVISÓRIA
Não raro, o provimento jurisdicional almejado pelas partes ultrapassa em muito o tempo considerado razoável, trazendo prejuízos ao judiciário e às próprias partes, que podem ver seu direito perecer enquanto aguardam a decisão judicial do seu pedido, mesmo quando muitas vezes ele é evidente e requer urgência na sua apreciação.
A fim de dar guarida à urgência pretendida, o legislador criou técnicas processuais diferenciadas, como é o caso da tutela provisória.
2.1. Características
A Tutela Provisória possui subdivisões que serão abordadas durante o presente estudo. Porém, antes disso, cumpre esclarecer as principais características da tutela provisória, extraídas do comparativo doutrinário acerca do assunto, que comumente diverge em delimita-las. São elas a) sumariedade, b) provisoriedade ou precariedade, c) divisão do tempo, d) concessão a qualquer tempo, e) recorribilidade, f) efetivação, g) responsabilização. 1
A sumariedade da cognição pressupõe uma análise superficial do juíz, a qual é baseada apenas em indícios da existência do direito pleiteado e não da certeza desta existência.
Nas palavras de Fredie Didier Jr. acerca da sumariedade, esta “se assenta em análise superficial do objeto litigioso e, por isso, autoriza que o julgador decida a partir de um juízo de probabilidade”.
Outra característica conferida à tutela provisória é a provisoriedade ou também chamada de precariedade.
Significa dizer que a tutela provisória pode a qualquer tempo ser reexaminada pelo juiz que proferiu a decisão, tendo mantida a sua eficácia enquanto não for revogada ou substituída pela tutela definitiva conservará sua eficácia ao longo do processo, ressalvada a possibilidade de decisão judicial em sentido contrário.
Como acentua Arruda Alvim que “as medidas de urgência são, todas, provisórias, pois dependem de confirmação por uma sentença de mérito superveniente.”
Já a divisão de tempo refere-se pressupõe uma situação de perigo, de fundado receio de que o transcurso do tempo, frente a uma ocorrência emergencial, cause danos à efetividade do processo ou ao direito em debate, necessitando de medidas destinadas a combater os efeitos nocivos do tempo sobre o processo, de modo a, por intermédio do provimento jurisdicional provisório, conservativo (cautelar) ou satisfativo, equacionar a distribuição entre as partes do ônus do tempo necessário para se alcançar a solução definitiva da demanda. (Gomes e Rezende, 2015, p. 183).2
No que concerne ao momento em que são concedidas, as tutelas provisórias podem ser concedidas a qualquer tempo e grau de jurisdição, mesmo na sentença ou após ela, enquanto ainda pendente de definitividade a decisão judicial. Conforme escrevem Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero:3
Além de poder ser concedida liminarmente ou depois da oitiva do réu, a “tutela provisória” pode ainda ser prestada ao longo de todo o procedimento comum e mesmo na própria sentença.
[...]
“Em suma: enquanto pendente decisão definitiva, estando presentes os pressupostos legais, é possível obter decisão mediante a técnica antecipatória.”.
Outra característica fundamental é a recorribilidade, que pressupõe que toda e qualquer decisão que trate das tutelas provisórias será recorrível, a princípio, por Agravo de Instrumento conforme taxativa do artigo 1.015 do CPC, ou por Apelação quando a tutela provisória é concedida na sentença.
As duas últimas características são a efetivação das tutelas provisórias e a responsabilização da parte beneficiada.
A efetivação das tutelas provisórias estabelecida no artigo 297 do CPC, dispõe que o juiz poderá determinar toda e qualquer medida que considere adequada para a efetivação da tutela provisória concedida, independentemente de ser ela fundada em urgência ou evidência, antecipada ou cautelar.
Desse modo, efetivada a tutela provisória, através das medidas autorizadas no artigo 297 e 519 do CPC, o postulante responde objetivamente pelos danos que daí resultem à parte contrária decorrentes da tutela provisória que, posteriormente, mostrou-se equivocada, responde objetivamente a parte que a postulou.
Nesse caso, a responsabilidade pelos prejuízos causados é objetiva, independendo da comprovação de culpa ou dolo, se a sentença posteriormente foi de improcedência, a parte não prover os meios para citação do requerido no prazo legal, ocorrer a cessação da eficácia da medida ou for reconhecida pelo magistrado a alegação de decadência ou prescrição da pretensão do autor.
Em razão da responsabilidade objetiva para reparação de eventuais danos causados à parte contraria, pode o magistrado exigir que o postulante da tutela preste caução dos danos a serem suportados pela parte em face de quem a tutela provisória será requerida, com a ressalva prevista no artigo 300 §1º do CPC, para o economicamente hipossuficiente, uma vez que poderia obstaculizar o acesso à Justiça assegurado nos incisos XXXV e LXXIV do art. 5º da CF.
2.2. CLASSIFICAÇÃO
Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, as tutelas provisórias foram subdivididas em tutelas provisórias urgência e evidência. Entre as duas espécies é comum a provisoriedade das decisões que as concedem.
A tutela de evidência pode-se conceituar como sendo uma tutela jurisdicional sumária satisfativa, fundada em um juízo de alta probabilidade ou de quase certeza da existência do direito que prescinde da urgência.
Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior4 "A tutela da evidência não se funda no fato da situação geradora do perigo de dano, mas no fato de a pretensão da tutela imediata se apoiar em comprovação suficiente do direito material da parte".
No sentido de combater os impactos do tempo no processo, não havendo que se falar em urgência, a tutela provisória de evidência estaria fundamentada na efetividade e na isonomia.
Nesse sentido Marcelo Abelha Rodrigues ensina5:
“É cediço que todo processo, por mais célere que pretenda ser, precisa de tempo para nascer, se desenvolver e morrer. É o que se denomina de tempo fisiológico. Assim, durante esse período, pelo menos em tese, o autor busca a modificação da sua situação jurídica, uma vez que espera que a tutela jurisdicional seja concedida a seu favor. Já o réu, durante esse período, resiste à pretensão do autor, pretendendo que, quando o processo chegar ao fim, sua situação jurídica seja exatamente a mesma que tinha quando o processo foi iniciado. Logo, se a modificação da situação jurídica só se operar quando houver o fim do processo, certamente que o tempo fisiológico do processo terá sido suportado pelo autor, e, em especial, injustamente, se no final a tutela jurisdicional lhe for concedida. É com essa visão, se isonomia na distribuição do tempo no processo, que deve ser encarado, compreendido e aplicada a tutela provisória da evidência.”
Já as tutelas de urgência são subdivididas em cautelares e antecipadas.
Na tutela provisória de urgência cautelar não se antecipada um provimento jurisdicional, mas sim assegura um direito de uma parte.
O rol exemplificativo do artigo 301 do CPC, dispõe que a tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para assegurar um direito.
Ao contrário da tutela provisória de urgência cautelar, a tutela provisória de urgência antecipada nada mais é do que a antecipação do provimento jurisdicional fim da decisão do juízo acerca do caso posto em testilha, que pode ser concedida tanto liminarmente quanto incidentalmente, podendo também ser revogada ou modificada a qualquer tempo.
Pode-se incorrer na falsa impressão de que a antecipação do provimento jurisdicional fim faz coisa julgada, o que não é verdade, sobretudo porque está pautada em cognição sumária, significando que não é algo exauriente e, necessariamente, precisará de todo tramite processual para sua conversão em tutela definitiva, a qual, com o trânsito em julgado, faz coisa julgada material.
A tutela provisória de urgência antecipada poderá ser incidental ou antecedente, sendo esta última o objeto do presente estudo.
2.3. FUNGIBILIDADE
Comumente ocorrem situações fáticas no dia a dia do aplicador do direito, o qual se vê em dúvida a respeito da natureza do provimento jurisdicional adequado para a tutela do direito, se cautelar ou antecipatório.
Diante dessa problemática, o CPC/2015 dispôs em seu artigo 305, parágrafo único, que caso o autor pleiteie medida cautelar que tenha natureza de medida antecipada, ainda sim o juiz deverá seguir o procedimento desta e não daquela.
Ainda que o dispositivo legal disponha apenas quanto a fungibilidade das tutelas cautelares e antecipadas requeridas em caráter antecedente, em homenagem aos princípios da economia processual e da duração razoável do processo, pareceu o legislador querer também que o mesmo se aplique aos provimentos requeridos incidentalmente.
3. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPADA ANTECEDENTE
Trata-se, na verdade, de um instituto inovador no direito processual civil Brasileiro, que foi definida por Humberto Theodoro Júnior6 como “[...] toda medida urgente pleiteada antes da dedução em juízo do pedido principal, seja ela cautelar ou satisfativa”.
Trata-se de uma inovação trazida pelo novo código que possibilita que a satisfação do direito ocorra mesmo antes da propositura da ação, enquanto no diploma de 1.973, as medidas de caráter antecipatório deviam ser requeridas no início ou durante o trâmite do processo principal.
Quanto aos requisitos, são três os necessários à sua concessão: (I) Urgência contemporânea à propositura da ação; (II) Exposição do direito que se busca realizar; (III) Perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
O primeiro pressupõe que a parte necessita de um futuro provimento jurisdicional fim sem mesmo ter promovido a petição inicial ainda.
Já a exposição do direito nada mais é do que o conhecido fumus boni juris, que no caso é aplicado com relação à lide demonstrada na medida antecedente, de modo que reste caracterizado a procedência no direito que a parte lhe titula como detentora.
Por fim, o não menos conhecido periculum in mora, que pressupõe um perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo no caso da não concessão daquele provimento naquele momento.
Como é provisória, a tutela antecipada de urgência pode ser revista qualquer tempo, em decorrência do aprofundamento da cognição e da vinda de novas provas aos Autos. Esta característica foi objeto de comentário de Cássio Scarpinella Bueno7:
“Não obstante, e justamente por causa de sua característica, a provisoriedade, a tutela aqui estudada pode ser revogada ou modificada “a qualquer tempo”. A expressão, extraída do caput do art. 296, deve ser compreendida de acordo com o sistema do próprio CPC de 2015: a revogação ou modificação da tutela provisória pressupõe aprofundamento de cognição e, ainda quando for tomada de ofício pelo magistrado, prévio contraditório (arts. 9º e 10).”
Acerca da competência territorial da tutela antecipada antecedente, simplificam Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero8:
“Na linha com o seu caráter interinal, a tutela sumária deve ser requerida ao juiz da causa, não dando lugar a um incidente processual ou a um processo autônomo. É um ato do procedimento. Apenas quando antecedente dará lugar a um processo autônomo, o qual posteriormente será complementado por outro processo destinado à tutela definitiva do direito. A competência, no entanto, não varia – o juízo competente para conhecer o pedido de “tutela provisória” é o juízo competente para prestar tutela jurisdicional ao direito de forma definitiva.”
Acerca da competência, Marcelo Abelha9 também escreve que:
“A regra não poderia ser mais clara, pois se se tratar de pedido incidental no curso do processo, então o pedido de tutela provisória deverá ser dirigido ao próprio juízo da causa, mas se for requerida em processo antecedente, isto é, antes de ser proposta a demanda principal, então deve ser requerida no respectivo juízo onde se pretenderá discutir ou satisfazer o referido direito.
Tratando-se de competência originária e/ou derivada no âmbito dos tribunais, prevalece a regra de que ela será requerida ao órgão jurisdicional com competência para apreciação definitiva do mérito da demanda ou do recurso.”
Ainda, outra novidade trazida pelo novo diploma é a possibilidade de deduzir unicamente o pedido de tutela antecipada de urgência, postergando a apresentação do pedido principal, quando a urgência for contemporânea à propositura da causa.
Assim escreve Cássio Scarpinella Bueno:
“De acordo com caput do art. 303, quando a urgência for contemporânea à “propositura da ação”, ou seja, à época do protocolo da petição inicial (art. 312), o autor pode limitar-se a apresentar petição inicial em que requeira a tutela antecipada – conquanto deva indicar o pedido de “tutela final” (que só pode ser a tutela jurisdicional pretendida sobre o interesse perseguido em juízo, mesmo e independentemente da tutela antecedente) -, e na qual exponha a “lide” (a controvérsia com a parte contrária, que justifica o pedido de tutela), o direito que pretende realizar, além do perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.”
Nas palavras de Arruda Alvim, é inegável a aproximação do novo regime das tutelas antecipadas ao que já dispunha o código anterior, mas que era voltado, unicamente, às tutelas cautelares:
“De certa forma, mas com algumas reservas, o procedimento da tutela antecipada antecedente se assemelha com o que ocorre nas medidas cautelares preparatórias do CPC/1973 (arts. 796. e 806). O autor deve sumarizar seu pedido, comprometendo-se a futuramente mover a ação correspondente sob risco de revogação da medida de urgência. Guardadas as devidas proporções, o mesmo ocorre aqui.”
Tendo seu procedimento disciplinado pelos artigos 303 e 304 do CPC, a tutela de urgência antecipada antecedente será requerida quando o autor pretende adiantar a satisfação do direito material antes de requerer a tutela definitiva. Nesse caso, na petição inicial deverá constar o pedido de tutela antecipada e a designação do futuro pedido de tutela final, a exposição da lide e do direito que busca efetivar e, por fim, o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Uma vez concedida a tutela, deverá o autor promover o aditamento da petição inicial, no prazo de 15 (quinze) dias, complementando os argumentos e confirmando o pedido de tutela definitiva, sob pena de extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do artigo 303, §2º.
Assim escreve Ester Camila Gomes Norato Rezende10:
“No novo Código de Processo Civil, no entanto, o pedido principal é deduzido na mesma relação jurídico-processual inaugurada pela pretensão de urgência, pela via do aditamento da petição inicial, que representará cumulação de pedido, não sendo necessário, pois, instalar nova relação, como se verifica na regulação da medida cautelar antecedente no Código de Processo Civil de 1973. (2015, p, 203).”
Cássio Scarpinella Bueno lembra que deve ser observado que o valor da causa deve ser aquele do pedido final:
“A petição inicial elaborada pelo autor, no caso de a tutela antecipada ser requerida antecedentemente, deverá também indicar o valor da causa levando em consideração “o pedido de tutela final” (art. 303, § 4º) e manifestar sua vontade de valer-se do “benefício previsto no caput deste artigo” (art. 303, § 5º).”
Caso ocorra a concessão da tutela o réu não interpuser o respectivo recurso, será possível a estabilização da tutela provisória de urgência antecipada. Nessa hipótese, o processo antecedente será extinto, porém a medida antecipatória continuará em vigor e produzindo efeitos enquanto não for reformada, invalidada ou revista através de uma ação autônoma.