Estabilização da tutela provisória de urgência antecipada quando requerida em caráter antecedente

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07/02/2020 às 18:53
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4. ESTABILIZAÇÃO DAS TUTELAS PROVISÓRIAS DE URGÊNCIA ANTECIPADA, QUANDO REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE

O Código de Processo Civil de 2015 modificou o sistema das medidas de urgência no país, autorizando que as tutelas de antecipadas sejam concedidas em caráter antecedente, hipótese em que também será possível a sua estabilização, permitindo que a medida satisfativa do direito material, concedida com base em uma cognição sumária, continue a produzir efeitos mesmo que o processo antecedente seja extinto sem um pronunciamento definitivo.

Essa técnica já era adotada no país pelo Código de Processo Civil de 1.973, como no caso de julgamento antecipado quando ocorria revelia.

Desse modo, constata-se que a hipótese da estabilização da tutela antecipada é calcada na inércia do requerido, que não se levanta contra a decisão que a concede.

Este poderá obstar a estabilização interpondo recurso contra a decisão que concedeu a tutela antecipada, que no caso é o agravo de instrumento.

Desse modo, caso a parte sucumbente não recorra da decisão que concede a tutela antecipada, sua conduta será caracterizada como inerte, conduzindo à estabilização, tornando desnecessário que o autor adite a inicial nos termos do art. 304, se este assim entender, visando a composição definitiva da lide.

4.1. ANÁLISE DO ARTIGO 304 DO CPC

O Código de Processo Civil vigente disciplina a técnica no artigo 304 do seu diploma.

Percebe-se pela análise do dispositivo, que a primeira condição para o emprego da estabilização será a necessidade de a tutela concedida ser provisória de urgência e antecipada (satisfativa), bem como tenha sido requerida em caráter antecedente.

Daí extrai-se que a aplicação da técnica não ocorrerá para as tutelas provisórias de urgência requeridas em caráter incidental, as tutelas provisórias de urgência cautelares e as tutelas provisórias de evidência.

Portanto, caso a tutela de urgência seja concedida incidentalmente, quando já instaurada a discussão do mérito, não há que se falar em estabilização. Nas palavras de Guilherme Lunelli11:

“Por opção legislativa, a estabilização da tutela só ocorrerá nos casos de concessão antecedente da medida. Assim, caso a tutela seja concedida de forma incidental, não há como se falar na sua estabilização. Aparentemente, o principal escopo da estabilização é dispensar o desenrolar processual se a parte já obteve a satisfação de seu direito.”

O caput do artigo 304 estabelece que as tutelas passíveis de estabilização serão aquelas concedidas nos termos do artigo anterior.

Assim, considerando o §5º do artigo 303, outra condição necessária para a estabilização, portanto, é a de que o autor deve expressar na petição inicial o seu interesse em usufruir dos benefícios da tutela antecedente.

Por esse motivo, a tutela antecipada concedida em caráter antecedente é a única capaz de se estabilizar. No entanto, além de expressar o que pretende se valer da tutela antecedente, deverá o autor deixar claro que tem interesse na estabilização da tutela.

Não se pode presumir e o obrigar o autor a se contentar com a tutela estabilizada, pois tem o direito de se sujeitar aos riscos e custos inerentes ao prosseguimento do processo para exercício de cognição exauriente, diante do seu legítimo interesse em obter uma tutela final.

Já a última condição é de que o réu, citado e intimado, não tenha interposto o recurso da decisão que deferiu a tutela provisória.

Desse modo, analisando literalmente o dispositivo, a única forma possível de se evitar a estabilização seria com a interposição do recurso cabível, que no caso seria o agravo de instrumento, quando a decisão for proferida em 1º grau de jurisdição.

Em que pese o código utilizar a expressão “recurso‟, parte da doutrina entende que esta não é a opção mais acertada, já que o novo CPC estaria “positivando verdadeiro incentivo à ampliação de recursos” e, com isso, corre-se o risco de enfrentarmos uma piora no congestionamento do Poder Judiciário e um aumento do tempo de duração do processo.

Para essa parcela, o agravo não seria única forma de o réu escapar da estabilização da decisão que concedeu a tutela de urgência e, em consequência, da extinção do processo.

A apresentação de contestação ou de pedido de suspensão de segurança ou de reconsideração, desde que realizados no prazo em que dispõe a parte para recorrer, também poderiam ser meios adequados e aptos a impedir a estabilização.

Se considerarmos que um dos propósitos do novo diploma é zelar pela efetividade da prestação jurisdicional e pela duração razoável do processo, o cumprimento de tais diretrizes se tornaria mais difícil se abarrotarmos os tribunais com recursos, que podem inclusive ser vazios, infundados e de caráter protelatório.

Além do mais, a própria Exposição de Motivos do Anteprojeto do novo CPC expressou preocupação em combater o excesso de recursos, principalmente no que toca aos agravos de instrumento, por isso gera certa estranheza que o réu seja obrigado a recorrer para reprimir a estabilização.

Desse modo, além da interposição do agravo, a apresentação, pelo réu, de uma resposta quanto à concessão da tutela antecipada deveria ser capaz de evitar a estabilização da medida, pois estariam representando a não satisfação do réu com a estabilização, bem como sua vontade em prosseguir com o processo, para, ao final deste obter uma tutela definitiva.

Entretanto, em entendimento diverso acerca do tema, Arruda Alvim é enfático ao afirmar que, a seu ver, é sempre necessária a interposição de recurso a fim de que a estabilização seja impedida. Segundo escreve, é insuficiente, para tanto, qualquer outra manifestação do réu:

Em primeiro lugar, é preciso questionar se quando o Código se reporta a recurso, quer significar apenas o agravo de instrumento, já que há previsão específica para esta hipótese no art. 1.015, I, do CPC/2015. Em princípio, a redação do dispositivo é bastante clara, e parece ser adequada uma interpretação restritiva para impedir que outras manifestações do réu que signifiquem a quebra da sua inércia e impugnação da decisão que concedeu a medida podem evitar a extinção do processo. Note-se, no entanto, que o CPC/2015 não exige o provimento do recurso, mas sua mera interposição – quer, portanto, uma atitude qualificada do réu. Não serve, para impedir a estabilização, mero requerimento; é necessário recurso, que nem sempre será o agravo de instrumento. Pense-se, por exemplo, na tutela provisória urgente antecedente que não for concedida em primeira instância. Se o autor interpuser agravo de instrumento, a eventual decisão monocrática do tribunal pode ser impugnada através de agravo interno (art.1.021 do CPC/2015) para que não se estabilize. O mesmo vale para a reclamação (art. 988), que ostenta natureza de sucedâneo recursal, quando a decisão impugnada contrariar jurisprudência vinculante. Por outro lado, se o réu se antecipar e desde logo oferecer sua contestação, essa atitude não deve servir para evitar a estabilização e a extinção do processo.

Em sentido contrário, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero12:

“É claro que pode ocorrer de o réu não interpor o agravo de instrumento, mas desde logo oferecer contestação no mesmo prazo – ou, ainda, manifestar-se dentro desse mesmo prazo pela realização da audiência de conciliação ou de mediação. Nessa situação, tem-se que entender que a manifestação do réu no primeiro grau de jurisdição serve tanto quanto a interposição do recurso para evitar a estabilização dos efeitos da tutela. Essa solução tem a vantagem de economizar o recurso de agravo e de emprestar a devida relevância à manifestação de vontade constante da contestação ou do intento de comparecimento à audiência. Em ambas as manifestações, a vontade do réu é inequívoca no sentido de exaurir o debate com o prosseguimento do procedimento.”

Parece mais acertado que o réu maneje o recurso adequado, em homenagem ao “princípio da precaução”, evitando assim perder o prazo para interposição do recurso competente impedindo a estabilização, até que se pacifique na jurisprudência a indicação do procedimento adequado.

Mais um ponto a ser analisado consiste em que a estabilização da tutela antecipada somente importa na extinção da ação caso abarque toda a matéria a ser posta em Juízo, vale dizer, caso a tutela antecipada coincida com a tutela definitiva. Caso contrário, ou seja, caso a tutela definitiva pretendida seja apenas parcialmente antecipada, natural que a ação trilhe seu curso, até apreciação de todo o mérito da demanda.

Sobre o tema, escreve Guilherme Lunelli:

“Dissemos regra geral, pois, conforme já abordamos, a tutela antecipada requerida em caráter antecedente poderá ser total ou parcial. Pode o autor realizar pleito antecedente de urgência, mas almejar, quando do aditamento, trazer pedidos de outra natureza que aquele antecipado. Com efeito, o juiz somente extinguirá o processo quando a tutela antecipada estabilizada constituir a única pretensão final apontada pelo autor. Existindo pleitos outros, a questão estabilizada permanece indiscutível, mas o processo deve seguir seu regular trâmite para o julgamento das demais questões. Nesse caso, o juiz deverá extinguir parcialmente o processo no que toca a tutela estabilizada e, no que concerne aos demais pedidos, prosseguir com a marcha processual.”

Conclui-se que, cumpridas as condições, a decisão que concede a tutela antecipada antecedente se estabilizará e o processo será extinto.

Com a estabilização, tanto o réu quanto o autor, poderão interpor uma nova ação pretendendo reformar, invalidar ou rever a tutela satisfativa, buscando exaurir a cognição.

Porém, o direito de ajuizar nova ação, com o intuito de discutir o direito que foi satisfeito de forma antecedente, será extinto no prazo decadencial de dois anos, contados da ciência da extinção do processo antecedente.

Alcançado este prazo de dois anos, os efeitos da medida satisfativa antecedente estarão estabilizados, não prevendo o CPC outro método para impugná-los.

Como a estabilização não importa em coisa julgada, não há que se falar em ação rescisória, e, consequentemente, em julgamento colegiado. A ação destinada a rever a decisão que concedeu a antecipação, e se estabilizou, será de competência do próprio Juízo que a concedeu e tramitará pelo rito comum. Nas palavras de Guilherme Lunelli:

No entanto, merece atenção o fato que, não fazendo a tutela estabilizada coisa julgada, não falaremos aqui em ação rescisória, mas, sim, em uma demanda que tramitará pelo procedimento comum. Não se exige, portanto, julgamento colegiado: diante da prevenção, tal feito será de competência do próprio juízo que concedeu a tutela estabilizada.

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Desse modo, segundo o entendimento do autor, extrai-se do texto do artigo 304, §6° que apenas que durante o prazo de dois anos não ocorrerá a coisa julgada, nem a possibilidade de propor ação rescisória, pois cabe a propositura da ação de modificação.

Por outro lado, outra parte da doutrina entende que não é possível a formação da coisa julgada. Dierle Nunes e Érico Andrade13 entendem que após o decurso do prazo de dois anos não se teria a formação da coisa julgada, pois esta seria a leitura extraída do artigo 304, §6º, que é claro ao estabelecer que a decisão de cognição sumária não faz coisa julgada. Além disso, atentam os autores que nos ordenamentos francês e italiano, as decisões de cognição sumária não se tornam imutáveis.


5. ESTABILIDADE X COISA JULGADA

Uma das características das tutelas provisórias, como já diz o próprio nome, é a sua provisoriedade, que consiste na necessidade de um provimento definitivo que a revogue ou a confirme, uma vez que fruto de cognição sumária.

Entretanto a adoção da técnica da estabilização mostra-se como uma exceção a tal regra, uma vez que as medidas que satisfazem o direito concedidas nos termos dos artigos 303 e 304 do CPC de 2015, serão aptas a produzir efeitos por tempo indeterminado, uma vez que sua eficácia não cessará enquanto não for reformada, invalidada ou revista (artigo 304, parágrafo 3º), regra esta que acaba por atenuar a provisoriedade, pois havendo a possibilidade de não ser prolatada decisão definitiva, o provimento que se estabilizou estará apto a tutelar, por si só, a matéria discutida em juízo.

No entanto, estabeleceu o CPC, de forma expressa, em seu artigo 304, parágrafo 6º, que “a decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes”.

Como se sabe, a coisa julgada, no direito brasileiro, foi transformada em garantia fundamental, de forma a consagrar a segurança jurídica no nosso ordenamento conforme estabelece a Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, inciso XXXVI que: “A Lei não prejudicará o direito adquirido, o ato perfeito e a coisa julgada”.

Tal instituto garante segurança ao ordenamento ao impor definitividade às decisões finais proferidas judicialmente, ao passo que impossibilita que estas sejam rediscutidas, alteradas e desrespeitadas, tanto pelas partes, quanto pelo próprio poder judiciário, tornando-se imutáveis.

Essa imutabilidade pode se dar dentro do processo em que foi proferida a decisão, coisa julgada formal, ou para além dele, coisa julgada material.

A primeira consubstancia-se na imutabilidade da decisão judicial proferida, que ocorre após o esgotamento das vias recursais ou após o decurso do prazo dos possíveis recursos cabíveis. A coisa julgada formal, ou trânsito em julgado, origina- se da irrecorribilidade da decisão judicial, que se limita ao processo em que foi deferida, ou seja, trata-se de um evento endoprocessual. Desse modo, por relacionar-se à sentença puramente como ato do processo, recai tanto sobre as sentenças terminativas como sobre as definitivas.14

Já na outra ponta, a coisa julgada material mostra-se como um fenômeno mais abrangente, já que a decisão judicial, proferida após cognição exauriente, torna-se indiscutível e inalterável tanto no processo em que foi proferida, quanto em qualquer outro, gerando, portanto, efeitos endo e extraprocessuais. Importante salientar que para alcançar a coisa julgada material, pressupõe-se a coisa julgada formal.15

Já no que diz respeito aos efeitos produzidos pela coisa julgada, são classificados como negativo, positivo e o preclusivo16.

O primeiro, efeito negativo, impede que a matéria já decidida seja julgada novamente como questão principal em outro processo.

No tocante ao efeito positivo, este se caracteriza pela impossibilidade observância da questão ser julgada em outro processo, ainda que se trate de questão incidental num segundo processo. Nesse caso, o juiz deste último processo não poderá modificar nem decidir de forma idêntica a questão em que figurou como questão principal no primeiro. Noutros termos, o julgador da segunda ação estaria vinculado ao que foi decidido na primeira.

No que diz respeito ao efeito preclusivo da coisa julgada, após o trânsito em julgado da decisão, “todas as alegações e defesas que poderiam ter sido formuladas para o acolhimento ou rejeição do pedido reputam-se arguidas e repelidas; tornam- se irrelevantes todos os argumentos e provas que as partes tinham a alegar ou produzir em favor da sua tese”. Com a eficácia preclusiva, as alegações que poderiam ter sido suscitadas, não poderão ser rediscutidas com o propósito de contornar a decisão que se encontra imunizada pela coisa julgada.

Na doutrina Brasileira, há divergências sobre a natureza da estabilização da decisão após o decurso do prazo decadencial de dois anos, dividindo-se parte da doutrina entre a possibilidade da formação da coisa julgada e parte que entende que não há formação da coisa julgada.

A primeira corrente a ser tratada defende que há a formação da coisa julgada. Para Bruno Garcia Redondo:

Estabilização, modificação e negociação da tutela de urgência antecipada antecedente: principais controvérsias.

A sentença do processo antecedente trata-se de uma extinção com resolução do mérito, logo é definitiva. Porém, o seu trânsito em julgado ocorrerá somente após o decurso do prazo de dois anos para a propositura da ação de modificação da decisão.

Para o autor, após esse prazo, a estabilidade se torna imutável, e o debate sobre o direito material se torna impossível, havendo formação da coisa julgada material, sendo cabível somente a proposição de ação rescisória.

O autor destaca ainda que o entendimento de que a coisa julgada material está ligada à cognição exauriente não é adequada, pois o conceito do que seria exauriente é controverso e não se mostra mais adequada a nova sistemática processual.

Vale destacar o mesmo entendimento trazido por José Roberto Bedaque:

Concedida a tutela antecipada, a cognição plena fica na dependência da provocação de qualquer das partes. Não formulado pedido nesse sentido, a consequência será a definitividade da providência concedida em caráter sumário.17

Que foi quem integrou a comissão responsável por desenvolver a proposta do projeto de lei 186/2005 que não fora aprovado no congresso nacional, onde o autor afirmou a possibilidade da decisão que concedeu a tutela de urgência, fundada em cognição sumária, se estabilizasse produzindo coisa julgada material e podendo ser alvo de ação rescisória.

O autor defendeu que a formação da coisa julgada seria possível, pois, mesmo que fundada em cognição sumária, antes de a tutela se estabilizar, o réu teria prazo o suficiente para se manifestar, logo não estaria ferindo princípios constitucionais.

Ademais, destacou que no Brasil, havia uma hipótese, muito próxima da estabilização, de decisão fundada em cognição sumária que estaria apta a se tornar definitiva, o julgamento à revelia (artigo 330, I, CPC/1973), que sem a realização do contraditório e com produção probatória limitada, em função da inércia do réu, produzia coisa julgada material. Logo a possiblidade de estabilização da tutela de urgência e sua imutabilidade não seriam tão novas para ordenamento brasileiro.

Aqui cabe fazer uma ressalva a afirmação do autor.

Quando concede a medida de urgência, o juiz não estará declarando a existência do direito, mas baseado na probabilidade de sua existência, apenas antecipará os seus efeitos práticos. Nesse sentido, a estabilização não pode ser comparada totalmente às hipóteses de julgamento antecipado da lide quando há revelia, pois, neste, ainda que a decisão esteja fundada em cognição sumária, haverá a declaração de inexistência ou existência do direito do autor.

A segunda parte da doutrina entende que não é possível a formação da coisa julgada.

Daniel Mitidiero, que afirma que a coisa julgada é própria da cognição exauriente, por isso, considerando o direito a um processo justo, não é possível a constitucionalidade das tutelas antecipadas concedidas em caráter antecedente estabilizadas forme coisa julgada:18

“Sendo a obtenção de uma decisão justa umas das finalidades do processo civil no Estado Constitucional, o que remete para a necessidade de construirmos procedimentos orientados à sua busca, parece-nos que a limitação do direito ao contraditório e do direito à prova ínsita à sumarização procedimental e material da ação antecedente atua e sentido contrário à busca por uma decisão justa – e, pois, desmente uma das razões de ser da necessidade de um processo justo. A eficácia bloqueadora do direito fundamental ao processo justo, portanto, impede que se tenha como constitucional a formação de coisa julgada na tutela antecipada requerida de forma antecedente no caso de transcurso do prazo legal sem o exaurimento da cognição”.

Extrai-se portanto, que após o decurso do prazo de dois anos não se teria a formação da coisa julgada, pois esta seria a leitura extraída do artigo 304, §6º, que é claro ao estabelecer que a decisão de cognição sumária não faz coisa julgada e, ainda que decaindo o direito de propor a ação autônoma prevista pelo artigo 304, §2º, do CPC/2015, a estabilização será definitiva, apesar de não ser acobertada pela coisa julgada, gerando uma estabilidade dos efeitos da decisão.

A relação direta entre a coisa julgada material e a cognição exauriente também é afirmada por Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes19:

“Nesse sentido, a estabilização da tutela antecipada gera um efeito idêntico ao efeito negativo da coisa julgada, pois a única forma prevista pelo CPC/2015 para questionar a decisão é através de uma demanda que tenha como pedido a revisão, reforma ou invalidação da tutela, logo a estabilização impede que uma ação idêntica àquela que foi extinta seja proposta novamente. No entanto, quanto à função positiva da coisa julgada, a ela não haveria efeito correspondente na estabilização.”

O autor destaca aqui que a função positiva é decorrente do conteúdo declaratório da decisão, que não poderá voltar a ser discutido em outras demandas, pois estará o juiz vinculado a ele. Como na estabilização não há a declaração do direito, apenas a sua satisfação, não há que se falar nesse efeito positivo. Ademais, o CPC/2015 não atribuiu esses efeitos às decisões estabilizadas.

Pode-se concluir, portanto, que aceitar que as decisões estabilizadas alcancem o fenômeno da coisa julgada, seria aceitar também os efeitos advindos desse instituto, o que significaria dizer que as decisões estabilizadas não mais poderiam ser discutidas de forma incidental em outro processo, dado o efeito positivo da coisa julgada.

Entretanto não é razoável que o direito de ação, previsto constitucionalmente (artigo 5º, XXXV, CF/1988), seja impossibilitado e retirado das partes por uma decisão de cognição sumária, que reflete uma mera possibilidade de um direito, que não declara sua existência ou inexistência, uma vez que não houve o exercício pleno do contraditório, da ampla defesa e que a produção probatória foi limitada.

Sendo assim, as consequências da relação entre a cognição exauriente e a coisa julgada, partirão, portanto, do entendimento adotado por Leonardo Greco, no sentido de que a cognição será exauriente quando o contraditório for pleno, no sentido concreto. Em consequência, a formação da coisa julgada também deveria se fundar, portanto, no exercício pleno desse contraditório. Esse entendimento é o que reflete maior compromisso com a efetivação dos direitos constitucionais processuais, inclusive quanto à segurança jurídica.

Desse modo, parece lógico que a segurança jurídica que a coisa julgada visa oferecer para as partes, decorra de uma decisão em que o grau de profundidade da cognição seja o mais alto possível, caso contrário há o risco de tornar imutável uma decisão que pode ser injusta. Esse grau será atingido com a cognição exauriente oriunda do concreto exercício do contraditório e ampla defesa.

Conclui-se, portanto, que a melhor hipótese e que melhor se adequa ao Estado Democrático de Direito, que deve estar fundado na efetivação dos direitos fundamentais, é de que as decisões que concedem as tutelas de urgência satisfativas em caráter antecedente, não são capazes de formar a coisa julgada e em consequência não é possível ajuizar uma ação rescisória para revê-las.

Passado o prazo de dois anos para reformar, rever ou invalidar as decisões concedidas nos termos dos artigos 303 e 304 do CPC/2015, estaremos diante de uma estabilização qualificada ou sui generis, pois apesar de não haver outros métodos previstos para impugnar essa decisão, esta restará estabilizada de forma qualificada, no entanto, após o decurso do prazo bienal para interpor a ação autônoma para invalidar, rever ou reformar a decisão, a matéria poderá ser discutida de forma incidental em outas demandas, como no caso das perdas e danos citado anteriormente. Devendo as partes se atentar e observar os prazos prescricionais aplicáveis ao direito material buscado.

Por fim, a compreensão do tema vai além da interpretação dos dispositivos legais que tratam da estabilização das tutelas antecipadas, a análise a ser feita deve ser baseada nos princípios constitucionais pertinentes ao processo, atentando para a concretização do acesso à justiça, bem como do devido processo legal, consubstanciado na ampla defesa e no contraditório, garantias essas que além de previstas pela Constituição foram tratadas expressamente pelo Código de Processo Civil de 2015.

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Sobre o autor
Rafael Novakoski Arruda

Graduado pela Universidade Católica do Sudoeste do Paraná (UNICS) no ano de 2010, iniciou na advocacia no ano de 2011 atuando principalmente nas áreas cíveis, trabalhistas, consumidor e família. Cursou a Escola da Magistratura do Paraná - EMAP na cidade de Pato Branco no ano de 2011. Possui especialização em Direito Processual Civil pela faculdade de Pato Branco (FADEP) concluída em 2019. É especialista em Direito e Processo do Trabalho pela faculdade Mater Dei concluída no ano de 2020.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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