A citação, consoante o estabelece
o art. 213 do Código de Processo Civil, "é
o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado,
a fim de se defender", constituindo-se em elemento
indispensável à validade do processo, ensejador
da decretação de nulidade se acaso não concretizada
nos moldes em lei estatuídos.
Com singular objetividade, rememora o eminente
MOACYR AMARAL SANTOS (in, "Primeiras
Linhas de Direito Processual Civil" - São
Paulo: Saraiva, 1985 - p. 326/327) que "feita a citação
do réu, considerar-se-á constituído o processo,
formada a relação processual, qualquer que seja
o tipo de procedimento", asseverando, outrossim, que
"em suma, qualquer que seja a ação, haver-se-á
por completada a formação da relação
processual com a citação do réu. Tomando
o réu conhecimento da ação, completa-se a
relação processual".
Não tendo havido citação,
ou não tendo ela se processado de modo válido e
regular (CPC: art. 247), impõe-se
ao defendente, ao formular a sua contestação, argüir,
de plano, em preliminar, a "inexistência
ou nulidade da citação", a teor do que
preceituado se acha no art. 301, I, do CPC.
Exigência indispensável, portanto,
à formação de relação processual
válida e regular, poderá ela ser operacionalizada
de três modos distintos: pelo correio,
por oficial de justiça ou por edital
(CPC: art. 221).
Por edital, conforme previsão específica
contida no art. 231 do CPC, será ela processada
quando desconhecido ou incerto o réu, quando
ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar
ou, ainda, em outros casos expressos em lei como, verbi
gratia, na ação popular em que se permite
ao autor popular requerer a citação dos beneficiários
do ato lesivo por edital (Lei nº 4.717/65: art.
7º, II).
A citação por meio de oficial
de justiça será feita nas ações
de estado, quando o réu for pessoa incapaz ou pessoa
jurídica de direito público, nos processos
de execução, quando o réu residir
em local não atendido pela entrega domiciliar de correspondência,
ou, ainda, quando se frustrar a citação pelo
correio (CPC: art. 224).
Já o chamamento do réu por intermédio
da citação efetivada por via postal, tem
encontrado um tratamento nem sempre adequado na legislação
brasileira, a despeito de sua utilização eficaz
em determinadas esferas, como nas ações de alimentos
(Lei nº 5.478/68: art. 5º, § 2º)
e nos dissídios trabalhistas (CLT: art.
841, § 1º).
Com a redação que lhe foi imprimida
por ocasião de sua edição, a Lei nº
5.869, de 11-1-1973 (Código de Processo Civil) estabelecia
que "A citação pelo correio só é
admissível quando o réu for comerciante ou industrial,
domiciliado no Brasil" (art. 222). Possibilitava-se,
assim, o uso dessa modalidade simplificada de citação
apenas nos casos especificados, não se permitindo o seu
uso generalizado como instrumento de agilização
do processo civil.
Essa sistemática mereceu críticas
por ocasião da discussão do anteprojeto que gerou
o vigente Código de Processo Civil, registrando-se, na
época, pelo menos duas propostas de emendas que visavam
a lhe dar redação mais abrangente, possibilitando
sua plena utilização. Em ambos os casos, tais emendas
foram rejeitadas por se entender que, se aprovadas quaisquer das
redações sugeridas, restaria afetada a segurança
do ato de citação.
Prevaleceu, desse modo, a redação
que permitia a utilização desse meio apenas quando
o réu fosse comerciante ou industrial, domiciliado
no Brasil.
Após quase duas décadas completadas,
e verificando-se a falta de agilidade dos procedimentos cíveis
e a necessidade de cumprir-se de modo efetivo a função
jurisdicional, imprimiu-se, por intermédio da Lei nº
8.710, de 24 de setembro de 1993, nova redação
ao art. 222 que passou a dispor que "A citação
será feita pelo correio, para qualquer comarca do País,
...".
Com esse conteúdo, o dispositivo em comento
passou a dar como certo que a citação postal,
além de não sofrer os entraves decorrentes das limitações
territoriais impostas aos juízes em geral, dispensando,
assim, o uso de cartas precatórias, transformou-se
em modalidade básica e de utilização corrente.
Foram excluídas do alcance dessa regra,
no entanto, as ações de estado (v.g., separação
judicial, divórcio etc.), quando for ré pessoa
incapaz ou pessoa jurídica de direito público,
nos processos de execução, quando o réu
residir em local não atendido pela entrega domiciliar de
correspondência, ou, ainda, quando o autor a houver
requerido de outra forma.
Pode-se afirmar, contudo, que sequer se justificam
no contexto atual tais hipóteses de exceção
quando se tem um serviço postal altamente eficaz
e reconhecidamente eficiente, se prestando-se apenas a criar embaraços
à tramitação das demandas incluídas
no rol constituído pelas alíneas do art.
222 do CPC.
De todo modo, extremamente positiva e elogiável
é a alteração imprimida à sistemática
anteriormente vigorante, especialmente porque, sem maiores entraves
burocráticos ou atrasos decorrentes da demora na citação
por oficial de justiça, geralmente decorrente da
escassez de quadros, permite-se em curto espaço de tempo
e de forma bem mais econômica para os litigantes a citação
do réu ou interessado pela via postal.
Na prática, entretanto, constata-se que
algumas exigências para a validação da citação
postal têm sido feitas e, longe do que era esperado, vêm
servindo para emperrar ainda mais o curso das demandas, com acréscimo
dos custos para as partes, além de se constituir em elemento
de frustração da expectativa do cidadão de
ter ao seu dispor uma Justiça mais ágil.
É que, em decorrência da redação
do parágrafo único do art. 223 c/c.
o art. 215, ambos do CPC, vem-se preservando o aspecto
de pessoalidade da citação, exigindo-se que
a carta expedida pelo órgão judicial seja
diretamente entregue ao citando. No caso de pessoas
jurídicas, impõe-se que a entrega se faça
a pessoa com poderes de gerência geral ou de administração.
Nulidades têm sido reconhecidas e decretadas
pelo Judiciário ao observar-se que a citação
postal não foi recebida direta e pessoalmente pelo próprio
destinatário ou por pessoa com poderes bastantes e suficientes.
Nesse sentido, o aresto que vai a seguir transcrito: "O
due process of law tem como um de seus principais
fundamentos a regularidade da citação. Efetuada
esta na pessoa do empregado, sem poderes para representar a empresa
citanda, que não compareceu ao processo, e não comprovada
outrossim de modo inequívoco a ciência da demanda
pela ora embargante e recorrente, impõe-se decretar a procedência
dos embargos à execução e a nulidade do processo
de conhecimento" (STJ - 4ª Turma, REsp 16.125-0-SP,
rel. Min. Athos Carneiro, j. 16.2.93, deram provimento, v.u.,
DJU 22.3.93, p. 4.547).
A despeito da autoridade do ilustre relator do
acórdão referido, não se pode, permissa
venia, acolher essa orientação como sendo a
mais adequada ao alcance dos objetivos pretendidos com a reforma
recentemente introduzida ao Código de Processo Civil.
A prevalecer essa orientação, tem-se
que concluir, necessariamente, maxima data venia, que apenas
se retirou o mandado da mão do oficial de justiça
- servidor investido de competência legal, qualificado
e preparado para realizar tal ato - para transferi-lo ao carteiro
- pessoa preparada apenas para realizar entregas postais, mas
não afeto às dificuldades decorrentes das lides
forenses.
Significa dizer que nenhuma evolução
terá se operado de fato na processualística vigente,
já que não se empresta à citação
pelo correio o caráter ágil e simplificado que ela
deveria ter. Em realidade, não tendo ocorrido a entrega
direta e pessoalmente ao citando, ter-se-á que efetivar
o ato por intermédio de oficial de justiça,
retornando-se à sistemática que se buscou relegar
a plano secundário, utilizável apenas em casos específicos.
Atentos a essa orientação mais consentânea
com o escopo da reforma do CPC, alguns arestos vêm
negando a necessidade de citação postal pessoal,
aceitando a presunção do recebimento e criando para
o citando o ônus de produzir prova em sentido contrário.
Nesse sentido: "CITAÇÃO DE PESSOA JURÍDICA
PELO CORREIO. ART. 223, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC.
ENTREGA NO ENDEREÇO CERTO DA PESSOA JURÍDICA. PRESUNÇÃO
DO RECEBIMENTO. ÔNUS DA PROVA DO NÃO RECEBIMENTO
OU DO RECEBIMENTO TARDIO. O objetivo da citação
pelo correio, com AR, é simplificar, acelerar e baratear
o procedimento. Exigir-se a prova de que quem recebeu a carta
é representante legal da sociedade, ou pessoa por ele credenciada,
levaria à inviabilização da citação
de pessoa jurídica pelo correio. É que, normalmente,
os representantes legais das pessoas jurídicas não
recebem os carteiros nem assinam ar´s. O adequado, portanto, é
a presunção juris tantum do recebimento da citação
pelo correio, quando entregue no endereço certo da pessoa
jurídica, cabendo a esta a prova de que não recebeu
a citação, ou de que a recebeu tardiamente."
(TJDF - 1ª Turma Cível, Apelação Cível
nº 32.537/94-DF (Acórdão reg. 71.903), rel.
Des. MÁRIO MACHADO, j. 20.6.94, deram provimento,
v.u., DJU 24.8.94, p. 9.950).
Na mesma linha, considerações tecidas
em voto da lavra do eminente Desembargador WALDIR LEÔNCIO
JÚNIOR que, a despeito de haver acompanhado a Col.
3ª T. Cív. do Eg. TJDF em orientação
proferida contrariamente ao seu pensamento, entendeu oportuno
asseverar que "... acompanho a egrégia Turma, com
ressalva do meu ponto de vista pessoal, concessa venia, uma vez
que trilho com a doutrina segundo a qual, pela teoria da aparência,
uma vez entregue a correspondência no endereço do
citando, em se tratando de pessoa jurídica, ter-se-á
por válida a citação, pois é obrigação
do empregado dar destinação da correspondência
dentro da própria empresa. Não se trata de ponto
de vista isolado, mas adequado com a nova redação
do art. 223 do Código de Processo Civil." (TJDF
- 3ª T. Cív. - Ap. Cív. nº 39.230/96 -
Ac. reg. 85667 - julg. em 13.5.96 - DJU de 28.8.96, pág.
14.720).
Adotar-se essa orientação não
significará, em realidade, inovar-se em termos processuais,
privilegiando a presunção em detrimento da segurança
do ato. Os serviços postais, como anteriormente
já restou afirmado, desfrutam de confiabilidade suficiente
e garantem a regularidade da entrega, sem prejuízo para
o citando.
Esse proceder, que nada tem de inovador, é
adotado no âmbito do processo trabalhista, onde já
se firmou o entendimento de que "Presume-se recebida a
notificação, quarenta e oito horas depois de sua
regular expedição. O seu não recebimento
ou a entrega após o decurso desse prazo constituem ônus
de prova do destinatário" (TST - Súmula
16).
Em assim sendo, mais adequada ao ideal de Justiça
estará a orientação no sentido de que, expedida
a citação pelo correio, preocupação
única deverá nortear a atividade cometida aos carteiros,
qual seja a de realizar a entrega no endereço correto,
tomando o cuidado costumeiro de verificar se o destinatário
efetivamente nele é encontrável.
Nesses termos, não se deverá dele
exigir qualquer alteração no seu proceder, até
porque se assim se fizer estar-se-á pretendendo, de forma
ilegítima, outorgar-lhe competência que não
é sua e para a qual não se acha devidamente preparado.
Simplificar o processo é preciso para se
ter um procedimento ágil e mais econômico, não
havendo a mínima necessidade, para tanto, de novas leis
e regulamentos formalistas como é hábito pensar
e praticar em nosso país.
Airton Rocha Nobrega
Advogado inscrito na OAB/DF desde 04.1983, Parecerista, Palestrante e sócio sênior da Nóbrega e Reis Advocacia. Exerceu o magistério superior na Universidade Católica de Brasília-UCB, AEUDF e ICAT. Foi Procurador-Geral do CNPq e Consultor Jurídico do MCT. Exerce a advocacia nas esferas empresarial, trabalhista, cível e pública.
NÓBREGA, Airton Rocha Nobrega. Citação pelo correio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 23, 27 jan. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/796. Acesso em: 23 nov. 2024.