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Chapolin Colorado: o herói latino-americano

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Agenda 18/02/2020 às 15:26

6 Super Sam: a personificação da intervenção estadunidense

A hegemonia estadunidense nos países subdesenvolvidos, sobretudo na América Latina (e, mais precisamente, em terras mexicanas) é simbolizada, no seriado Chapolin Colorado, através do personagem Super Sam, interpretado por Ramón Valdés, o qual fora criado a partir de uma amálgama entre Super-Homem e Tio Sam, ícone estadunidense.

Esse paradigma do poderio norte-americano é personificado em um herói que, trajado com uniforme tal qual ao do Super-Homem e cartola cujas cores predominnates são as mesmas da bandeira dos Estados Unidos da América (azul, vermelho e branco), fala espanhol com forte sotaque inglês e que, tal como o Chapolin, não possui quaisquer superpoderes. Apenas carrega consigo "a arma mais poderosa" (uma sacola de dinheiro) com o símbolo do cifrão que contém, nas suas palavras, “poquitos [dólares], pero muy poderosos”. Essa arma costuma ser utilizada para atingir a cabeça dos malfeitores ou do próprio Chapolin Colorado, já que ambos não se dão muito bem. Sempre que Super Sam utiliza sua arma, reproduz-se o som de uma caixa registradora. Referências simbólicas do herói que sugerem uma relação íntima entre os EUA e o capital.  E, o seu único bordão (“Time is Money. Oh Yeah!”) apresenta o caráter satírico contido também em Super Sam.

A figura de Super Sam aparece quatro vezes ao longo do seriado, especificamente nos Capítulos 34, 126, 183 e 201.

A estreia do herói na série aconteceu em 1973, em seu Capítulo 34, no episódio “Livrai-nos dos metidos, Senhor!” (De los metiches, libranos, señor!, no original). Nele, o criminoso soviético Dimitri Panzov, interpretado por Édgar Vivar, deseja se casar à força com uma camponesa já comprometida. Logo, ela entoa o bordão “Ó! E agora, quem poderá me ajudar?”, mas, para a sua surpresa, aparece o herói errado, Super Sam (e não Chapolin). Ao perceber o equívoco, a mexicana agradece a ajuda do estadunidense, mas insiste, dizendo preferir “um dos seus” (gracias, pero prefiro uno de los mios). Eis que finalmente surge a figura de Chapolin Colorado, tropeçando, como sempre.

Vale ressaltar que, sob a ótica de Roberto Bolaños, as representações e dinâmicas deste episódio têm o fito de representar os conflitos da Guerra Fria, senão vejamos: A invasão da ameaça comunista no México é simbolizada por Dimitri Panzov; Enquanto a presença invasiva em terras mexicanas da outra potência da Guerra Fria também está presente no episódio sob a figura de Super Sam.

Um herói bem educado, polido, sempre disposto a ajudar, cuja presença, contudo, é constantemente vista como inoportuna, por aparecer sem ter sido convidado e que insiste em ficar apesar de as vítimas deixarem claro sua preferência por um um herói nacional e latino-americano, em detrimento dos importados.

Deve-se enfatizar que a dinâmica entre Chapolin e Super Sam, tanto neste episódio quanto nos demais, não é a de inimigos – muito embora conflitem constantemente, almejando o protagonismo –  posto que sempre buscam a mesma causa, qual seja, a defesa e o bem-estar daquele(a) que pede auxílio.

Durante o episódio, Chapolin e Super Sam duelam para decidir quem protegerá a pobre senhorita.

A partir de uma análise com afinco da relação entre Chapolin e Super Sam, é forçoso concluir que “a ajuda estadunidense, ao mesmo tempo que recebe resistência da população local e por parte de Chapolin, de forma alguma é negada por completo” (RODRIGUES, 2015. p. 71).

A última cena do episódio é antológica. Com o soviético e o norte-americano dentro da residência da camponesa, Chapolin, acidentalmente, senta no detonador da bomba anteriormente plantada por Dimitri Panzov. A moradia explode com os personagens dentro, o que conota não só a resistência por parte do herói mexicano em relação às interferências estrangeiras, mas também evidencia o seu orgulho nacional. Momentos depois, do interior da casa, saem Dimitri Panzov e Super Sam, abatidos. O soviético sai usando cartola; o estadunidense, o típico chapéu russo.  Eis a resposta do povo mexicano às duas superpotências exploradoras: Fora do nosso país!

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Todavia, nesse aspecto, imperioso se faz destacar a mensagem a ser propalada mediante esse episódio: a URSS é concebida como uma presença indesejável e um inimigo a ser combatido a todo custo, ao passo que a presença dos EUA é vista com desconfiança, mas sem descartar uma possível e estratégica aliança com o país para se alcançar determinados fins, ou combater inimigos em comum. O que quer significar uma interferência a ser mantida até certo ponto, qual seja, enquanto lhe for conveniente.

No capítulo 126, intitulado “A velha mina abandonada prestes a desabar”(Historia de una vieja mina abandonada que data del siglo XVII y que está a punto de derrumbarse, no original), de 1976, vislumbra-se novamente a presença de Super Sam. No referido episódio, repete-se o mesmo argumento do capítulo 34, porém está localizado em uma mina de ouro. 

O intrigante é que, nesse episódio, a aparição de Super Sam apresenta como plano de fundo a trilha sonora de Yanke Doodle, uma canção símbolo dos Estados Unidos. 

Desta vez a ambição do super-herói anglo-saxão se torna evidente quando Chapolin, com o intuito de tentar despistar Super Sam, menciona que existe ouro na mina. Sendo que aquele, extremamente interessado, deixa de dar assistência à vítima para partir em busca do suposto ouro. No seu retorno, Chapolin questiona se o herói estadunidense encontrou ouro. Ao que Super Sam responde que não encontrou ouro, mas sim diamantes e mostra para ele. 

Outro argumento tendente a demonstrar a ambição desmedida de Super Sam gira em torno da disputa pela bolsa de diamantes, que muda de mãos várias vezes, visto que o malfeitor, interpretado por Carlos Villagrán, abandona seu interesse em forçar a mocinha, vivida por Florinda Meza, a se casar com ele, empenhando-se na caça à bolsa repleta de diamantes.

Segundo Aguasaco (2010, p. 72), “essa representação paródica da ambição colonialista incorporada no Super Sam [...] revela a incapacidade latino-americana de explorar recursos naturais de forma eficiente”.[4]

Em suma, a América Latina é representada como um território permeado de riquezas, contudo ainda não exploradas plenamente pelos latino-americanos. Nesse sentido, os norte-americanos, ambiciosos por natureza, não medem esforços para empreender os mais diversos meios exploratórios. Por essa razão, não satisfeitos em explorar apenas as suas matérias-primas, partem para explorar os recursos presentes em outros países.

No capítulo 183, denominado “Hospedaria sem estrelas” (Todos caben en un cuartito, sabiéndolos acomodar, no original), de 1977, Super Sam e Chapolin dividem um quarto de hotel (e inclusive o banheiro e a cama), contudo, sem que um perceba a presença do outro.

Algo no mínimo curioso está na distinção da bagagem que os heróis carregam: Chapolin chega no estabelecimento com apenas uma mala e a leva sozinho para o seu quarto; já Super Sam traz consigo seis pesadas malas e pede que o recepcionista do hotel carregue todas. Verifica-se, assim, que os excessos e o consumismo americano são especialmente satirizados nessa cena.

Para Aguasaco (2010, p. 74), além de compartilhar o mesmo espaço, o fato de um super-herói não ser visualizado pelo outro demonstra, de forma simbólica, a relação entre o México e os Estados Unidos. Mais do que o compartilhamento do mesmo quarto, banheiro e cama, em uma “intimidade silenciosa e escura”[5] representa uma relação exploratória de um pelo outro, na qual um herói (metrópole - Estados Unidos), literalmente, lucra e consome seis vezes mais do que o outro (colônia – México).

Assim, “América Latina e Estados Unidos entram em conflito: enquanto Chapolin fecha a janela do quarto, Super Sam a prefere aberta. Super Sam prepara seu café-da-manhã sozinho” (SANTOS, 2015, on-line) – representando o individualismo presente nos  norte-americanos –enquanto Chapolin devora o seu desjejum. Enfim, ocupando o mesmo quarto, os dois heróis, sem perceber, pernoitam na mesma cama, ilustrando a famosa frase do, na época, presidente mexicano Lázaro Cárdenas (1934-1940): “Pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”.

A quarta e última aparição do Super Sam se dá no capítulo 201, sob o título “A volta do Super Sam” (El retorno de Súper Sam, no original), de 1978.

Poucas Trancas, um malfeitor terrível interpretado por Rubén Aguirre, está à solta. Assustada, a mocinha, interpretada por Florinda Meza, invoca Chapolin, mas é Super Sam que, de forma intrometida, aparece. Depois, o Chapolin também aparece e os dois resolvem agir juntos para deter o bandido.

O primeiro ponto a ser destacado se encontra, logo no início, em uma cena na qual todos aparecem sentados em uma poltrona. Exaustivamente, Super Sam lê um relatório policial que contém todos os delitos praticados por Poucas Trancas. Por fim, ele conclui que o bandido também atacou o Chicago Express, invadiu o banco de Nova York e destruiu o museu de Washington. E Chapolin completa, utilizando-se de uma paródia satírica, dizendo que o procurado também passou uma parada na Avenida Juarez.

Ao mesmo tempo em que Chapolin eleva uma infração de trânsito ao nível de roubos e mortes (paródia da diferença material, em termos econômicos), assim como re-contextualiza a ação no centro da Cidade do México, uma das personagens faz uma definição emblemática de Super Sam, segundo a qual o herói estadunidense seria uma espécie de Chapolin Colorado, mas com conta bancária.

O quer significar que o lema de Super Sam não é proteger as "meninas bonitas", como defendido por ele no início do episódio, mas a propriedade privada, especialmente a sua. Enfim, ele não se preocupa com as vítimas, mas com o dinheiro (capital). Daí a razão pela qual, ao ler o relatório sobre Poucas Trancas, destacou os crimes contra  o seu patrimônio, a saber: Em desfavor dos EUA. Por sua vez, Chapolin é representado como o herói da coexistência civil, do bem geral, da urbanidade, que, mantendo sua preocupação com a vítima, deixa transparecer seu verdadeiro interesse, o qual não está focado no dinheiro (capital), mas na estabilidade social dentro de sua "nação".

Por derradeiro, o casal lembra que Poucas Trancas os trancou no armário, sendo que, depois, havia engolido a mesma e, por isso, gostariam de saber o que Chapolin fez para recuperá-la. Ele responde que "uma das maiores virtudes é saber como esperar". A partir daí, o espectador é levado a deduzir que o super-herói aguardou o criminoso evacuar para, então, resgatar a chave do armário e libertar o casal .

Consoante interpretado com brilhantismo por Aguasaco (2010, p. 76), enquanto o herói anglo-saxão trocara tiros com o criminoso até que o rendeu, “os latino-americanos cavam pacientemente entre os excrementos com um patriotismo paródico e exemplar.”[6] 


7 Conclusão

Como exposto anteriormente, a diferença existente entre o modelo de desenvolvimento estadunidense em relação ao da América Latina são uma marca da série El Chapulín Colorado e encontram uma  nuance especial nos episódios que envolvem Super Sam.

Um herói que trazia como escudo o seu coração. Afinal, ao desempenhar sua missão de socorrer vítimas de situações de perigo, vale dizer que Chapolin não fazia acepção de pessoas tampouco desrespeitara as figuras históricas que retratara satiricamente em seus episódios muito menos o seu público. Afirmativa essa que pode ser confirmada em “A despedida de Chapolin” (La ultima escena, no original), de 1979, tido como o último capítulo da série. Caracterizado por um compilado de momentos marcantes do seriado, em uma as cenas selecionadas, ao dialogar com piratas, Chapolin Colorado afirma:

“olha, eu vou continuar te ajudando somente para que vejam que o Chapolin Colorado ajuda a todo mundo. Inclusive, aos tarados, aos que não valem nada, bandidos, Chapolin Colorado é o único que ajuda qualquer um”. Em seguida, os atores Rubén Aguirre e Édgar Vivar reforçam com os seus depoimentos o que estes compreendem como as virtudes do personagem. O primeiro afirma que, a seu ver, Chapolin teve grandes virtudes e que este “brincava, mas jamais permitiu que se denegrissem as figuras históricas do México”. Vivar completa reiterando que o personagem “nunca feriu uma discriminação a raça, credo ou cor” (RODRIGUES, 2015, p. 57).

Através de uma maneira de fazer humor inteligente sem deixar de provocar gargalhadas em seu público, a receita presente na série representa uma experiência única na arte mexicana (e por que não dizer da América Latina?), na qual o seu criador, com maestria, soube dosar o equilíbrio entre o ser satírico sem desrespeitar os personagens históricos ali retratados ou os atores internacionais envolvidos na crítica nem aos seus telespectadores.

Razão pela qual, conquanto passados mais de quarenta anos do seu primeiro episódio, essa produção continua viva na lembrança bem como já faz parte da História cultural latina, sem embargo de ter se tornado uma lenda no seu país de origem, tendo já, inclusive, alçado voos mais altos quando, por exemplo, serviu de inspiração para o personagem "Bumblebee Man", o Homem Abelha, de "Os Simpsons", o qual é uma caricatura do super herói.

A respeito da criação de um super-herói autenticamente latino americano, de modo a operar como uma forma de mantença da identidade cultural, Alves (2012, p. 105) pondera que:

Preservar nossa identidade cultural é defender o direito de sermos donos do nosso próprio destino e garantia também de que poderemos construir nossa própria história. Só então poderemos passar de meros consumidores a produtores de cultura em caráter mundial.

Essa não é obviamente uma tarefa fácil, rápida ou simples, mas é um destino muito bonito, se o escolhermos para nós.

Destarte, muito embora não deixe de constituir uma criação da indústria cultural, o Polegar Vermelho (ou Vermelhinho) representa uma crítica às produções dessa mesma indústria cultural tendentes a “vender” a cultura estadunidense. Destarte, de forma satírica, empreende uma crítica assaz à intervenção  norte-americana não só em terras mexicanas, mas ainda em toda a América Latina, sem desrespeitar quaisquer dos envolvidos. Em suma, esse é o Chapolin!

Sobre a autora
Rosemary Gonçalves Martins

Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Nove de Julho – UNINOVE (2013). Especialista em Conflitos Internacionais e Globalização pela UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo (2019).

Informações sobre o texto

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