Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR): busca da segurança jurídica e da celeridade processual

Exibindo página 1 de 2

Entenda como funciona o IRDR e sua relação com os princípios da celeridade processual, segurança jurídica e isonomia processual.

INTRODUÇÃO

Na sociedade de massa e de consumo aumentarou, significativamente, a litigiosidade, e, por sua vez, não tão veloz assim, o judiciário se viu cada vez mais assoberbado em decorrência da vultosa demanda de processos, fazendo com que a sua grande maioria se arraste por anos e, por vezes, não sejam concluídos a tempo de satisfazer os interesses daqueles que o provocaram.

A demora nas decisões judiciais, bem como uma grande sensação de injustiça devido ao não julgamento dos processos, constituem o cerne deste novo instituto processual, visto que o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) tem como princípios norteadores o da segurança jurídica, celeridade processual e duração razoável do processo.

Nos anos de 2014, 2015 e 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu, respectivamente, cerca de 79.000, 93.000 e 89.000 processos, um número bastante elevado, fazendo com que aquele deixasse de atentar para assuntos de extrema relevância no âmbito da sociedade.

Segundo dados de 2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil ultrapassou a marca de 100 milhões de processos em tramitação, dentre os quais cerca de 75 milhões ainda aguardam definição.

Nesse sentido, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) pode contribuir e muito para a solução rápida de inúmeras demandas, visto que, após o julgamento de um processo “piloto” ou “causa modelo”, sua tese firmada servirá como base para as demais demandas.


1. O Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR)

Introduzido no ordenamento jurídico brasileiro em 2015, o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) está previsto na parte especial, livro III, capítulo VIII da Lei nº 13.105/2015, mais precisamente nos artigos 976 a 987 do Código de Processo Civil. Os princípios basilares do IRDR são aqueles voltados aos recursos repetitivos, quais sejam a economia processual, previsibilidade, segurança jurídica e isonomia entre os jurisdicionados.

Salienta Mendes e Rodrigues (2012, p.  205-206):

Que o incidente também possui o condão de concretizar os princípios da celeridade e da economia processual, além de contribuir para a racionalização da prestação jurisdicional, ao aliviar a carga de trabalho do Poder Judiciário.

Já para Theodoro Júnior (2016, p. 916-917), o IRDR cumpre dois objetivos, os quais são: abreviar e simplificar a prestação jurisdicional pelo Estado-juiz e unificar a jurisprudência, proporcionando desta forma segurança jurídica.

O conceito do IRDR é sintetizado por Câmara (2015, p. 725) no seguinte sentido:

O IRDR é um incidente processual destinado à através de um julgamento de um caso piloto, estabelecer um precedente dotado de eficácia vinculante capaz de fazer com que casos idênticos recebam dentro dos limites da competência territorial do tribunal soluções idênticas sem com isso esbarrar-se nos entraves típicos do processo coletivo.

Em vários países já é comum a utilização dos chamados “processos teste” ou “causas piloto”, os quais, após análise preliminar acerca de alguns requisitos, são escolhidos para serem julgados inicialmente e tornarem-se paradigmas para o fim de solucionar outras demandas ainda em trâmite ou que sejam posteriormente ajuizadas que apresentem similitude quanto ao seu objeto.

O instituto do incidente de resolução de demandas repetitivas foi inspirado em modelos de direito comparado, notadamente nos modelos americano, britânico e alemão, sendo que a técnica se inspirou particularmente em duas experiências: a Group Litigation Order do direito inglês e o Musterverfabren do direito alemão (MARINONE;  ARENHART; MITIDIERO, 2015, p. 577).

No direito estrangeiro, as ações coletivas têm sido de suma importância e vêm se fortalecendo progressivamente. Na Inglaterra, mais precisamente no ano 2000, seu código de processo civil tinha a previsão das decisões litigiosas de grupo Group Litigation order - GLO, em que o sistema se baseava num procedimento modelo - test claims (julgamento piloto) - o que depois de aplicado, reduziu consideravelmente o número de processos pendentes nas cortes inglesas.

No Código de Processo Civil Brasileiro de 2015 (NCPC), podemos dizer que a sua principal influência foi no procedimento-modelo alemão “Musterverfahren” (caso modelo), que também serviu de base para outros países. 

O “Musterverfahrem” foi inserido definitivamente no direito alemão em 01-01-1991 após a aprovação da inserção do parágrafo 93-A no âmbito da jurisdição administrativa. Depois disso, em 01-11-2005 foi adotado também no âmbito do mercado imobiliário, mediante a edição da Lei sobre procedimento-modelo nos conflitos jurídicos de mercado de capitais, e, em 2008, o legislador alemão o introduziu também no âmbito do Poder Judiciário em relação a litígios envolvendo temas previdenciários e de assistência social.                                             

1.1. Do cabimento do IRDR

Inicialmente, o cabimento dar-se-á nos casos em que se observe o risco da controvérsia no julgamento de demandas que versem sobre questão de direito e nas demandas em que seja observado o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, visto que o objetivo é de estabelecer um padrão uniformizado perante os entendimentos sobre determinados casos concretos, de modo que todos os outros procedimentos se vinculem ao principal.

Apesar de a lei brasileira não atribuir um número mínimo de processos, podemos utilizar como alicerce o que é determinado hoje no direito alemão, no qual o modelo fixou o limite em 20 processos postulando a mesma medida administrativa para instauração do IRDR.

Ao não estabelecer um número mínimo de processos, entende-se que legislador deu maior autonomia a todos os envolvidos, permitindo assim, inclusive, que tal incidente possa ser suscitado de ofício pelo próprio juiz ou pelo relator. Portanto, a única exigência deu-se no sentido de um número mínimo de processos necessários à instauração do incidente.

Importante ser ressaltado que a mera possibilidade da existência superveniente e hipotética de inúmeros processos que discutam a mesma questão jurídica não se afigura apta a autorizar a instauração do incidente em destaque. Faz-se necessária a concreta existência de tais demandas de processos, de forma a afastando qualquer possibilidade de um IRDR preventivo.

A questão repetitiva não precisa referir-se tão somente a questões de direito material, posto que igualmente preenche os requisitos de sua admissibilidade quando submeter ao crivo do Judiciário matéria de ordem processual.

Destarte, não basta a efetiva repetição de processos com o mesmo imbróglio jurídico, é preciso preencher alguns requisitos cumulativos, ou simultâneos, como faz menção a lei, de forma a evitar futuras lesões à isonomia e à segurança jurídica.

Cabe ainda esclarecer que o art. 976, § 3º, do Código de Processo Civil vigente, dispõe que “a inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado”. Assim, a decisão de inadmissão do incidente não importa em preclusão, sendo permitida a sua postulação supervenientemente.

Ressalte-se que os pressupostos de admissibilidade do IRDR, que se encontram elencados numerus clausus no caput do artigo 976, do Código de Processo Civil, deverão ser preenchidos simultaneamente, in verbis:

Art. 976.  É cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver, simultaneamente:

I - efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito;

II - risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

§ 1o A desistência ou o abandono do processo não impede o exame de mérito do incidente.

§ 2o Se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente e deverá assumir sua titularidade em caso de desistência ou de abandono.

§ 3o A inadmissão do incidente de resolução de demandas repetitivas por ausência de qualquer de seus pressupostos de admissibilidade não impede que, uma vez satisfeito o requisito, seja o incidente novamente suscitado.

§ 4o É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva.            

§ 5o Não serão exigidas custas processuais no incidente de resolução de demandas repetitivas.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Outro ponto importante de ser destacado é aquele expresso no §4º, do art. 976, do Código de Processo Civil, que versa sobre a existência de recurso especial ou extraordinário repetitivo sobre a mesma questão jurídica. A razão é a falta de interesse processual, pois a questão de direito, nesta situação, já será resolvida em instância superior e possuirá efeito vinculante em âmbito nacional. Sendo assim, não é plausível que tramite simultaneamente na esfera estadual incidente com idêntico objeto daquele em tramitação perante os tribunais superiores, sobretudo considerando a competência residual dos tribunais estaduais, exegese do artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal.

1.2. Do pedido e dos legitimados para a instauração do IRDR

Os legitimados para oficiar pleiteando a instauração do IRDR estão elencados no art. 977 do CPC, cuja demanda deverá ser encaminhada ao presidente do tribunal, o qual, por sua vez, determinará a sua distribuição e o seu encaminhamento ao órgão colegiado competente para decidir acerca da admissibilidade do IRDR:

Art. 977.  O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente de tribunal:

I - pelo juiz ou relator, por ofício;

II - pelas partes, por petição;

III - pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição.

Parágrafo único.  O ofício ou a petição será instruído com os documentos necessários à demonstração do preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente.

Mormente, há de se destacar que os legitimados para suscitar o Incidente estão enumerados em rol restrito.

O juízo de primeiro grau possui legitimidade para dirigir ex officio o pedido de instauração do incidente ao presidente do Tribunal. Neste caso, o Tribunal competente para julgar o IRDR igualmente possuirá competência para julgar os recursos advindos do incidente, o reexame necessário da matéria que o envolvam – nas hipóteses sujeitas ao duplo grau obrigatório de jurisdição - ou o mesmo as ações a ele concernentes de sua competência originária.

Outro legitimado previsto no mesmo inciso: o relator. Este, também de ofício, pode pleitear a instauração do IRDR, bastando que verifique se estão presentes os requisitos objetivos previstos no Código.

Conforme as disposições do Código de Processo Civil, a participação do Ministério Público é obrigatória durante a tramitação do procedimento. O órgão ministerial pode ser o requerente do Incidente, mas também atuará como fiscal da ordem jurídica a partir do momento em que o IRDR for admitido, pois por determinação expressa da lei, o relator deve intimar o Ministério Público, para que se manifeste caso queira.

No que tange a atuação do Ministério Público no IRDR, esclarece Leonel (2012, p. 183) que:

Ao atuar no incidente em análise, o órgão ministerial não se deverá limitar à tradicional oferta do parecer, mas sim a agir como se, verdadeiramente, ele mesmo fosse o autor de uma ação coletiva de grande relevo social. Deverá, por exemplo: (a) postular diligências que se fizerem necessárias para o melhor esclarecimento da questão a ser examinada; (b) ter vista dos autos e se manifestar especificamente e de modo consistente, sempre que surgir algum debate relativo ao procedimento, antes da decisão do relator ou do próprio Tribunal; (c) opinar relativamente aos pedidos de intervenção de interessados, tendo como perspectiva a pluralização do debate, mas também a ordem processual e a necessidade de rápida solução do incidente; (d) realizar sustentação oral na sessão de julgamento; e assim por diante, buscando sempre trazer, concretamente, elementos que iluminem os caminhos a serem seguidos pelo tribunal. Reitere-se: deverá agir, verdadeiramente, como se fosse autor zeloso de uma ação coletiva de extremo relevo social. Só assim o MP contribuirá para o aperfeiçoamento do sistema processual, através da adequada aplicação do novo instituto.

É bom esclarecer também que a desistência ou o abandono da causa não impedem o exame de mérito do incidente, uma vez tratar-se de entendimento igualitário dado aos recursos extraordinários ou especiais repetitivos, conforme preconiza o parágrafo único do art. 988 do NCPC, e assim sendo, o Ministério Público obrigatoriamente atuará como titular do incidente, atuando nele como parte.

Ademais, o disposto no §3º, do art. 976, do CPC estabelece que a rejeição do IRDR por ausência de seus pressupostos de admissibilidade não constitui óbice à sua instauração tão logo sanada a omissão.

Por derradeiro, questão não menos relevante é que o § 5º do art. 976, do CPC isentou o incidente do recolhimento de custas processuais.

1.3. Do julgamento do IRDR

O julgamento do incidente ficará a cargo do órgão indicado pelo regimento interno de cada Tribunal dentre aqueles responsáveis pela uniformização da jurisprudência, conforme dispõe o art. 978, da lei processual em comento:

Art. 978.  O julgamento do incidente caberá ao órgão indicado pelo regimento interno dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal.

Parágrafo único.  O órgão colegiado incumbido de julgar o incidente e de fixar a tese jurídica julgará igualmente o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente.

A implementação do IRDR demandou a estruturação e sistematização dos tribunais para receberem e julgar as demandas a ele relacionadas, bem como a necessidade de elaboração de normas de natureza administrativa de acordo com padrões estabelecidos pelo novo Código de Processo Civil.

Conforme bem explicado pelo professor Alexandre Câmara, “criou-se um microssistema para formação de precedentes”, uma vez que, após a admissibilidade e o devido julgamento do IRDR, vinculam-se todos os processos àquela respectiva decisão, razão pela qual é fundamental o estabelecimento dos padrões decisórios fixados.

Também tão importante para o processamento e julgamento do IRDR, cumpre aqui destacar os Enunciados de números 89 e 90 do fórum Permanente de Processualistas Civis, a saber:

Enunciado nº 89 - Havendo apresentação de mais de um pedido de instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas perante o mesmo tribunal todos deverão ser apensados e processados conjuntamente; os que forem oferecidos posteriormente à decisão de admissão serão apensados e sobrestados, cabendo ao órgão julgados considera as razões neles apresentadas.

Enunciado nº 90 – É admissível a instauração de mais de um incidente de resolução de demandas repetitivas versando sobre a mesma questão de direito perante tribunais de segundo grau diferentes.

É claro que, por ser tão recente, com o decurso natural do tempo, o instituto ainda poderá apresentar pontos controvertidos no que se refere à aplicabilidade e caberá à jurisprudência e à doutrina dirimi-los.

1.4.  Da publicidade do IRDR

O artigo 979, do CPC é bem claro quando aduz que a instauração do IRDR e o seu julgamento serão sucedidos da mais ampla divulgação, inclusive encaminhando suas teses firmadas, por meio de registro eletrônico, ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Observa-se que o legislador se preocupou em deixar consignada a palavra “ampla”, ou seja, é imprescindível que se dê publicidade a todos julgamentos do IRDR e que, sobretudo, a sua divulgação se dê por intermédio de todos os canais disponíveis de divulgação, uma vez que todos os demais processos repetitivos se vinculam ao “processo piloto” ou “causa modelo”, não deixando margem para futuras controvérsias jurídicas, o que por lógica, não iria de encontro com o que preconiza o IRDR, que é a isonomia e segurança jurídica. 

Os processos coletivos e as suas resoluções de litígios interessam a um grande número de pessoas envolvidas, ao passo que todas as suas decisões devam estar calcadas ao princípio da publicidade e da transparência.

O IRDR obrigou os tribunais a adotarem novos modelos de gestão dos seus bancos de dados a fim de que todos tenham acessos as suas teses de modo que não gere nenhum tipo de controvérsia.

No mesmo artigo, observa-se que o legislador determinou que se criasse um banco de dados com parâmetros mínimos de buscas, de modo que possa possibilitar a identificação dos processos abrangidos pelo incidente.

Art. 979.  A instauração e o julgamento do incidente serão sucedidos da mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça.

§ 1o Os tribunais manterão banco eletrônico de dados atualizados com informações específicas sobre questões de direito submetidas ao incidente, comunicando-o imediatamente ao Conselho Nacional de Justiça para inclusão no cadastro.

§ 2o  Para possibilitar a identificação dos processos abrangidos pela decisão do incidente, o registro eletrônico das teses jurídicas constantes do cadastro conterá, no mínimo, os fundamentos determinantes da decisão e os dispositivos normativos a ela relacionados.

§ 3o Aplica-se o disposto neste artigo ao julgamento de recursos repetitivos e da repercussão geral em recurso extraordinário.

O Código de Processo Civil, com pouco mais de um ano, trouxe diversas novidades com o intuito de tornar mais ágil o andamento da prestação jurisdicional, dentre elas a criação do Banco Nacional de Demandas Repetitivas e Precedentes Obrigatórios.

A plataforma, criada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) através da Resolução n. 235, determinou a criação de um sistema para integrar informações de IRDR e Incidentes de Assunção de Competência (IAC), que podem ser instaurados pelos tribunais de 2º grau em relação a demandas repetitivas ou de grande repercussão social.

1.5. Do processamento do IRDR

Uma vez admitido, o prazo para julgamento do IRDR é de um ano, e todos os processos serão suspensos até a definição do IRDR, sejam eles individuais ou coletivos, em tramitação no Estado (Tribunal de Justiça) ou na região (tribunal regional) ou ainda em território nacional (quando este estiver em tribunal superior), abarcando, inclusive, os juizados especiais, conforme enunciado n. 93 do Fórum Permanente de Processualistas Civis.

Enunciado n. 93 (FCCP) - (art. 982, I). Admitido o incidente de resolução de demandas repetitivas, também devem ficar suspensos os processos que versem sobre a mesma questão objeto do incidente e que tramitem perante os juizados especiais no mesmo estado ou região. (Grupo: Recursos Extraordinários e Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas).

Deste modo, a redação do artigo 980 do código de processo civil é bem clara ao estabelecer um prazo de suspensão de todos os processos sobrestados que estão aguardando a resolução da respectiva tese, ou seja, um ano, sendo prorrogável por decisão do relator.

Art. 980.  O incidente será julgado no prazo de 1 (um) ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus.

Parágrafo único.  Superado o prazo previsto no caput, cessa a suspensão dos processos prevista no art. 982, salvo decisão fundamentada do relator em sentido contrário.

Art. 981.  Após a distribuição, o órgão colegiado competente para julgar o incidente procederá ao seu juízo de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos do art. 976.

Por fim, quero salientar que, nesta fase, serão observados todos os requisitos de admissibilidade para o julgamento do IRDR, ou seja, a efetiva repetição de processos que envolvem a mesma questão de direito e o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, sendo estes comprovados com cópias de petições com suas respectivas iniciais ou no caso de relator, com seus respectivos recursos.

1.6. Da admissibilidade do IRDR

Uma vez admitido o incidente, todos os procedimentos que envolvam a mesma questão de direito, em tramitação na esfera estadual no âmbito dos tribunais de justiça ou na esfera federal no âmbito dos tribunais regionais, ficarão suspensos até a publicação da tese, sendo obrigatória a comunicação imediata aos órgãos jurisdicionais competentes da instauração do incidente.

É bom esclarecer também que é possível surgirem divergências acerca de algum processo específico, entendendo os envolvidos que aquela questão é diversa da submetida para análise do IRDR, e que, porventura, não deveria ser suspenso o processo, uma vez que não fora incluído nos processos sobrestados, aguardando a análise da tese.

Nesses casos, o interessado pode requerer ao próprio juízo ou ao relator que seu processo seja incluído ou excluído, cabendo agravo de instrumento ou agravo interno.

Uma vez admitido o IRDR e a suspensão de todos os processos envolvidos, pode o relator solicitar informações aos órgãos jurisdicionais envolvidos no incidente.        

Art. 982.  Admitido o incidente, o relator:

I - suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região, conforme o caso;

II - poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramita processo no qual se discute o objeto do incidente, que as prestarão no prazo de 15 (quinze) dias;

III - intimará o Ministério Público para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 (quinze) dias.

§ 1o A suspensão será comunicada aos órgãos jurisdicionais competentes.

§ 2o Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso.

§ 3o Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer legitimado mencionado no art. 977, incisos II e III, poderá requerer, ao tribunal competente para conhecer do recurso extraordinário ou especial, a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado.

§ 4o Independentemente dos limites da competência territorial, a parte no processo em curso no qual se discuta a mesma questão objeto do incidente é legitimada para requerer a providência prevista no § 3o deste artigo.

§ 5o Cessa a suspensão a que se refere o inciso I do caput deste artigo se não for interposto recurso especial ou recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente.

Após a distribuição do IRDR para o órgão judicial responsável nos termos do art. 930 do CPC, o relator observará se existe algum processo mais antigo versando sobre a mesma questão jurídica ou conexa, o que ensejaria sua prevenção com o devido encaminhamento para apensamento.

Importante ressaltar também que o CPC não deliberou acerca do contraditório prévio específico em relação à admissibilidade do IRDR, apenas atribuiu que ele pode ser suscitado de ofício pelo juiz ou provocado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou pelas partes. Com isso não estabeleceu expressamente que estes envolvidos possam se manifestar anteriormente à sessão sobre o pedido de instauração do IRDR.

Muitos doutrinadores defendem que nesse momento, ou seja, na discussão pelo colegiado da admissibilidade do IRDR, deve-se buscar o máximo de brevidade possível nesta fase de instauração a fim de evitar procrastinações.

Ainda na fase da admissibilidade, tem-se usado como base o disposto no art. 931 do CPC, aplicando-se o prazo de 30 dias para o relator analisar o incidente, elaborando assim o seu respectivo voto.

Art. 931.  Distribuídos, os autos serão imediatamente conclusos ao relator, que, em 30 (trinta) dias, depois de elaborar o voto, restitui-los-á, com relatório, à secretaria.

Recentemente o Superior Tribunal de Justiça (STJ) instaurou o seu primeiro IRDR e suspendeu todos os processos em tramitação no Brasil versando sobre norma de trânsito, mais precisamente aqueles que envolvem a Resolução do Conselho Nacional de Trânsito nº 543/2015, admitindo assim seu primeiro IRDR:

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) aceitou, pela primeira vez, o pedido de suspensão nacional de processos em decorrência de um Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) – admitido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Com a decisão do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, presidente da Comissão Gestora de Precedentes do STJ, ficam suspensos todos os processos que questionam se, ao editar a Resolução 543/2015, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) extrapolou ou não os limites de seu poder regulamentar. É que a resolução estabeleceu a obrigatoriedade de aulas em simuladores para quem vai tirar carteira de habilitação.

A suspensão nacional em decorrência de IRDR é uma inovação do novo Código de Processo Civil (CPC). Permite que, sendo admitido um incidente em qualquer tribunal, qualquer interessado – partes, Ministério Público, Defensoria, União – poderá requerer ao STJ ou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que o efeito suspensivo daquele IRDR admitido na origem seja ampliado para alcançar todos os processos em nível nacional. A ideia é evitar que decisões sejam proferidas de forma divergente nos diferentes tribunais.

Observa-se que neste caso, após à admissão do incidente, os processos ficaram sobrestados em todo território nacional em virtude de tratar-se de tribunal superior e suas decisões terem força tanto nas causas que envolvam a atribuição da justiça estadual quanto na federal.

1.7. Do procedimento do IRDR

A distribuição do IRDR será feita no tribunal de justiça competente, endereçado ao seu respectivo presidente nos termos do art. 929 do código de processo civil.

Após isso, sua distribuição se dará aos integrantes do órgão do competente definido pelo regimento interno para o julgamento do IRDR, podendo inclusive, serem separados de acordo com a matéria, conforme é hoje no Tribunal de Justiça do estado do Rio de janeiro, onde existem câmara cível e consumidor, destacando que o IRDR uma vez instaurado ele tem efeito suspensivo com relação aos demais.

Atento também para a possibilidade de prevenção em razão de IRDR instaurado anteriormente, em caso positivo, será aplicado o previsto no art. 1037, §3º, do CPC, considerando a antiguidade na distribuição de outro IRDR, acerca da mesma questão jurídica como base para a prevenção. Nesse sentido:

O procedimento do incidente de resolução de demandas repetitivas é, de certo modo, bifásico. Em um primeiro momento, haverá a apreciação da sua admissibilidade. No segundo, caso superado o primeiro, ocorrerá o julgamento propriamente dito da questão jurídica suscitada, com a formulação da tese jurídica vinculativa. Em ambas as fases o julgamento será colegiado (GONÇALVES, 2017).

Observa-se, do ensinamento acima, que o legislador criou rígidos mecanismos de controle acerca do procedimento de instauração do IRDR, sendo todos os casos submetidos ao colegiado.

Também quero destacar que nessa fase de admissibilidade o relator parece estar sujeito o que dispõe o art. 931 do CPC, no sentido de se aplicar o prazo de trinta dias para analisar o incidente, elaborando o seu voto.

Art. 983.  O relator ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia, que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida, e, em seguida, manifestar-se-á o Ministério Público, no mesmo prazo.

§ 1o Para instruir o incidente, o relator poderá designar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria.

§ 2o Concluídas as diligências, o relator solicitará dia para o julgamento do incidente.

Após esta fase, o relator explanará acerca do objeto do incidente de resolução de demandas repetitivas, podendo sustentar todos os legitimados conforme o que se estabelece no art. 984.

Art. 984.  No julgamento do incidente, observar-se-á a seguinte ordem:

I - o relator fará a exposição do objeto do incidente;

II - poderão sustentar suas razões, sucessivamente:

a) o autor e o réu do processo originário e o Ministério Público, pelo prazo de 30 (trinta) minutos;

b) os demais interessados, no prazo de 30 (trinta) minutos, divididos entre todos, sendo exigida inscrição com 2 (dois) dias de antecedência.

§ 1o Considerando o número de inscritos, o prazo poderá ser ampliado.

§ 2o O conteúdo do acórdão abrangerá a análise de todos os fundamentos suscitados concernentes à tese jurídica discutida, sejam favoráveis ou contrários.

Art. 985.  Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada:

I - a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região;

II - aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do tribunal, salvo revisão na forma do art. 986.

§ 1o Não observada a tese adotada no incidente, caberá reclamação.

§ 2o Se o incidente tiver por objeto questão relativa a prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada.

  Em relação ao processamento do IRDR é bom destacar que contra o acórdão que julgar o mérito do incidente, cabe recurso especial ou recurso extraordinário, respeitando a existência de violação de lei federal ou da Constituição Federal, sendo possível, interpor o presente a parte envolvida no incidente, o Ministério Público ou Defensoria Pública.

 Ainda no que concerne a não aplicação da tese jurídica firmada por um Tribunal, esta caberá reclamação para o mesmo tribunal competente, de acordo com o art. 985, §1º do CPC, tendo em vista a força vinculante do julgamento do IRDR.

1.8. Da revisão da “tese” firmada no IRDR

A revisão da tese será estabelecida por regimento interno de cada tribunal, uma vez que o mesmo não está regulado em lei, contudo o código de processo cível estabelece que:

Art. 986.  A revisão da tese jurídica firmada no incidente far-se-á pelo mesmo tribunal, de ofício ou mediante requerimento dos legitimados mencionados no art. 977, inciso III.

Art. 987.  Do julgamento do mérito do incidente caberá recurso extraordinário ou especial, conforme o caso.

§ 1o O recurso tem efeito suspensivo, presumindo-se a repercussão geral de questão constitucional eventualmente discutida.

§ 2o Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito.

Assim, é bom salientar que a revisão de ofício da tese jurídica firmada poderá acontecer quando da análise de outro feito pelo mesmo órgão julgador do IRDR. Há também a possibilidade de suscitar a revisão da tese em procedimento autônomo, no qual qualquer membro do tribunal ou órgão colegiado possa provocar, assim como o Ministério Público ou Defensoria Pública.

Pode admitir também, a possibilidade de ser revista a tese em um outro IRDR da mesma questão jurídica, conforme entendimento do enunciado nº 473 FPPC in verbis:

Enunciado nº 473 – FPPC - (art. 986) A possibilidade de o tribunal revisar de ofício a tese jurídica do incidente de resolução de demandas repetitivas autoriza as partes a requerê-la. (Grupo: Precedentes, IRDR, Recursos Repetitivos e Assunção de competência).

Deste entendimento, tal requerimento de revisão pode ser formulado pelas partes, pelo Ministério Público ou pela Defensória Pública.

Sobre os autores
Henrique Lopes Dornelas

Doutorando em Direito – PPGD-UNESA, Mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Mestre em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (PPGSD/UFF), Especialista em Direito Tributário (UCAM), Especialista em Direito Público (UGF), Prof. do Curso de Direito da Universidade Estácio de Sá (UNESA) e do Centro Universitário Gama e Souza (UNIGAMA). Advogado inscrito na OAB/RJ sob o nº 152.682. hldornelas@gmail.com

Joel Marinho Palácio Júnior

Bacharel em Direito pela Faculdade Gama e Souza (FGS) Bacharel Administração de Empresas pelas Faculdades Integradas de Jacarepaguá (FIJ) Técnico do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP/RJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DORNELAS, Henrique Lopes; PALÁCIO JÚNIOR, Joel Marinho. Incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR): busca da segurança jurídica e da celeridade processual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6094, 8 mar. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/79657. Acesso em: 25 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!