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Uma reflexão sobre os crimes hediondos na modalidade da conatus

Agenda 18/02/2006 às 00:00

            De acordo com a Lei 8.072/90, com a redação dada pela Lei 8.930/94, são hediondos os seguintes crimes, consumados ou tentados:

            Homicídio simples, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente; homicídio qualificado; latrocínio de que resulta morte; extorsão qualificada pela morte, extorsão mediante seqüestro; estupro (art. 213 e sua combinação com o art. 223, caput e parágrafo único, do CP); atentado violento ao pudor (art. 214, na mesma combinação anterior); epidemia com resultado morte; genocídio e a falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (inciso VII-B, do art. 1° da L 8.072/90,acrescentado pela L 9.695/98).

            Os crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo não comportam anistia, graça, indulto, fiança ou liberdade provisória. Além disso, a pena, nesses crimes, é cumprida integralmente em regime fechado (art. 2°, I, II, § 1°).

            Assim, o indivíduo condenado por quaisquer dos crimes supra elencados, seja forma consumada ou tentada, deverá, em tese, cumprir sua pena no regime integralmente fechado, consoante disposição legal.

            Dissemos em tese, pois desde já desejamos consignar que não desconhecemos a existência de alguns entendimentos no sentido de autorizar a progressão do regime prisional, não obstante tratar-se de delitos capitulados como hediondos e que tais decisões, via de regra, começaram a surgir após o advento da Lei de Tortura, que menciona que o regime para o cumprimento da pena será inicialmente o fechado. Em outras palavras: admite a progressão, considerando que ao utilizar o termo "inicialmente fechado", legitima a interpretação da possibilidade da progressão penal, analogicamente também aos crimes hediondos. Há, lado outro, entendimentos que mesmo tratando de crimes hediondos ou a eles assemelhados (em algumas modalidades e sob certas condições: v.g. art. 12 da Lei 6368/76), desde que a pena aplicada não seja superior a quatro anos, é de se possibilitar ao condenado, a substituição, nos termos do artigo 44 do CP, por penas alternativas.

            Adentrando agora ao nosso tema (Crimes Hediondos modalidade da tentativa), sabemos que o crime pode ser consumado ou tentado, nos termos do art. 14 do Código penal.

            Diz-se o crime:

            Consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal.

            Tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstância alheias à vontade do agente.

            Nos ensinamentos de Damásio E. de Jesus a tentativa (conatus) constitui ampliação temporal da figura típica. Trata-se de um dos casos de adequação típica de subordinação mediata. A sua punibilidade se estabelece em face do disposto no art. 14, II, do CP, que tem eficácia extensiva, uma vez que por força dele é que se amplia a proibição contida nas normas penais incriminadoras a fatos que o agente não realiza de forma completa, pois apenas pratica atos dirigidos à realização perfeita do tipo. O art. 121, que descreve o homicídio, não define a tentativa. Para que o ato executório anterior a consumação seja punível, preciso é que a figura típica se estenda até ele através da norma de ampliação temporal prevista na Parte Geral do CP. Então, o comportamento humano recebe o atributo de fato típico por intermédio da adequação indireta, em face da incidência de duas normas: uma da Parte Geral e outra, de caráter incriminador, prevista na Parte Especial. A primeira, de natureza extensiva, cria novos mandamentos proibitivos, transformando em puníveis fatos que, de outra forma, não cairiam sob a incidência da segunda. Assim, as duas normas ensejam a punição não somente de quem mata, mas também de quem tenta matar. Sem a norma de extensão a tentativa de homicídio seria fato atípico por força do princípio da reserva legal (CP, art. 1°). Por isso, a tentativa não constitui crime autônomo: é a realização incompleta da figura típica.

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            São elementos da tentativa: a) o início de execução do tipo; b) não consumação do crime por circunstâncias alheias à vontade do agente.

            Exigindo a lei atos de execução, não aceitou a teoria subjetiva ou voluntarista, que se contenta com a exteriorização da vontade através da prática de atos preparatórios; nem com a sintomática, que se satisfaz simplesmente com a periculosidade subjetiva manifestada. Foi aceita a teoria objetiva, exigindo um início típico de execução.

            O segundo elemento da tentativa é a não consumação do crime por circunstâncias alheias à vontade do agente. Não obstante a vontade inicial do sujeito em realizar o crime, o iter pode ser interrompido por dois motivos: a) pela sua própria vontade (desistência voluntária e arrependimento eficaz): b) pela interferência de circunstâncias alheia a ela (a tentativa é punível).

            Embora, nossa lei não diferencie a tentativa perfeita e a tentativa imperfeita, doutrinariamente, diz-se que a tentativa perfeita ocorre quando a fase da execução do crime é integralmente realizada pelo agente, mas o resultado não se verifica por circunstâncias alheias à sua vontade e a tentativa imperfeita quando o próprio processo executório do crime é interrompido por circunstâncias alheias à vontade do agente.

            Na primeira, tentativa perfeita, o crime é subjetivamente consumado em relação ao agente que o comete, mas não o é objetivamente em relação ao objeto ou pessoa contra o qual se dirigia.

            Na segunda hipótese (tentativa imperfeita), ao contrário, o agente não exaure toda a sua potencialidade lesiva, isto é, não chega a praticar todos os atos de execução necessários à produção do resultado, por circunstâncias alheias à sua vontade.

            Ensina, ainda Damásio E. de Jesus que, embora a lei não faça diferença entre as duas modalidades, recebendo ambas tratamento igualitário no que pertine à aplicação da pena em abstrato (art. 14, § único), quando, entretanto, da imposição da sanção em concreto, o juiz deve levar em conta a existência de uma das espécies para a dosimetria (art. 59, caput).

            Entretanto, temos, smj, que a Lei 8.072/90 e disposições posteriores no que tange a considerar como hediondos os crimes não só na forma consumada, mas também na modalidade da conatus, está a merecer um estudo mais percuciente, mormente no que tange ao REGIME PRISIONAL INTEGRALMENTE FECHADO, via de regra, imposto ao sentenciado.

            Não podemos concordar que o regime prisional nos crimes hediondos ou a ele assemelhados, na modalidade da CONATUS, o regime deva ser também o integralmente fechado, mesmo porque a rigor sequer o delito houve.

            Conseguimos ver aí, alguma incongruência.

            Temos que o legislador quando da elaboração da Lei 8.072/90, ao listar os delitos elencados no art. 1° em seus incisos, objetivou punir os agentes infratores com maior rudeza e severidade (não propiciando por ex: a liberdade provisória e impondo o regime integralmente fechado), em razão da própria HEDIONDEZ ou se preferirem a REPUGNâNCIA que vislumbrou estar presentes nesses delitos denominados ou considerados hediondos.

            A propósito, consigne-se, que a definição de crime hediondo não é da doutrina ou mesmo da jurisprudência, advém de própria Lei 8.072/90 que elencou um rol taxativo previsto em seu artigo 1º. Neste sentido, nas palavras do Ministro Jobim "a nominação de hediondo é uma conseqüência da forma de tratamento, e não de um essencialismo entre ser ou não ser hediondo, ser ou não ser mais grave" (HC. 81.288 SC, STF, Pleno, j. 28.11.2001).

            Pois bem. E quando abrangeu também aos delitos tido como hediondos, a figura da conatus, agiu bem?

            Temos que o caso está a merecer, no mínimo, uma reflexão.

            Vejamos:

            Como já salientamos, em nosso intróito, a tentativa não constitui crime autônomo: é a realização incompleta da figura típica. Exigindo a lei atos de execução, não aceitou a teoria subjetiva ou voluntarista, que se contenta com a exteriorização da vontade através da prática de atos preparatórios; nem com a sintomática, que se satisfaz simplesmente com a periculosidade subjetiva manifestada.

            Assim, se o objetivo da Lei, foi punir mais severamente a própria hediondez assim considerada como existente nos delitos que julgou por bem elencar, e, considerando que na hipótese da conatus, o crime não se consumou, via consequencial a hediondez também não (ainda que tentada pelo agente).

            Destarte, temos que nessas hipóteses não há em que se falar de crime hediondo ou de qualquer outro designativo assemelhado, haja vista que o crime não restou perpretado. E, sendo assim, o regime prisional (integralmente fechado) por óbvio não pode também se sustentar.

            Temos assim que a Lei 8.072/90, está a merecer, sob esse enfoque da tentativa, uma revisão de seu artigo 2°, incisos I e II e em principal do parágrafo 1°, pois assim estará dando a devida adequação com o espírito de todo o sistema penal, que tem como política criminal, não causar ao réu gravames excepcionais.

            Assim, feitas tais considerações, data máxima vênia, temos que no que pertine a figura da conatus, a Lei 8.072/90 está a merecer reforma, ou no mínimo, como dito alhures, reflexões.

            Exemplificando imaginemos um réu que em razão de um bárbaro crime por ele praticado (morte por asfixia ou tortura), portanto homicídio consumado por certo sua conduta criminosa está a merecer o qualificativo da hediondez.

            Imaginemos, entretanto, um réu condenado por tentativa de homicídio qualificado ou tentativa de estupro. Estaria sua conduta, levando em conta as ponderações supra referidas, a merecer o designativo de crime hediondo (afinal a hediondez não ocorreu, ainda que fosse essa a intenção do agente)? Deve-se aplicar o regime integralmente fechado nessas hipóteses?

            Seja como for, com a máxima vênia, considerando ser o Direito dinâmico por excelência, tenho que o caso estaria a merecer ao menos uma reflexão e quiçá até mesmo uma reavaliação no que pertine a conatus nos crimes tidos como hediondos, afinal "o homem que não muda de opinião, que não revê suas idéias, é tal como fosse um rio de águas paradas, cria répteis em seu espírito".

Sobre o autor
Tarcísio Marques

Membro do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos e Sociais - IBRAJS, Juiz de Direito titular da 2ª. Vara da Comarca de Andradas Juiz Eleitoral da 13ª. Zona, Pós Graduado em Direito Processual Penal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Tarcísio. Uma reflexão sobre os crimes hediondos na modalidade da conatus. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 960, 18 fev. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7986. Acesso em: 5 nov. 2024.

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