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Aspectos dogmáticos da(s) teoria(s) da imputação objetiva

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Agenda 01/03/2006 às 00:00

5 A IMPUTAÇÃO OBJETIVA SEGUNDO CLAUS ROXIN

5.1. A TEORIA DO INCREMENTO DO RISCO

Antes de ter suas considerações aclamadas pela literatura especializada, Claus Roxin teve sua primeira proposta rejeitada pela doutrina alemã e espanhola ao publicar um artigo no qual trazia à tona questões relacionadas às "condutas alternativas adequadas ao direito". [108]

A teoria elaborada pelo autor, denominada teoria do incremento do risco, limitou-se inicialmente ao âmbito dos delitos culposos.

"O critério do incremento do risco foi reservado para a solução dos casos de comportamentos alternativos ajustados ao Direito." [109] Não se confunde a teoria do incremento do risco com a idéia geral proposta pelo autor como princípio do risco. A teoria do incremento do risco é uma teoria ad hoc que procura resolver um determinado grupo de casos. [110]

Sua teoria tenta resolver de forma diferenciada "os casos em que somente se pode demonstrar que provável ou possivelmente também tivessem ocorrido os resultados", comparando uma conduta hipotética que observava o risco permitido e a realizada pelo autor. Assim, se a conduta do autor incrementasse o risco de lesão em relação à hipoteticamente permitida, teríamos um tipo culposo consumado, enquanto, se não se incrementasse não se poderia imputar o resultado. Concluindo: "em caso de dúvida sobre se o risco não permitido se integralizou no resultado, este se imputa sempre que se constata que o autor criou um risco não permitido". [111]

Formulada de forma extrema essa teoria leva a conclusões precipitadas que infringem o princípio in dubio pro reo. [112] Por exemplo: um motorista que conduz a 53km/h, em uma área de limite de velocidade de 50km/h, e atropela um pedestre. Mesmo se não houver a certeza de que guiando-se a 50km/h o resultado seria evitado, ou o limite de velocidade teria reduzido o risco, entende-se que o motorista "matou" ou "lesionou". "O incremento do perigo além do permitido faz a balança se inclinar em favor da proteção dos bens jurídicos." [113]

Há uma idéia de responsabilidade ilimitada. Se uma pessoa se comporta de forma inadequada não se distingue em seu comportamento a parte típica e a parte permitida. Claus Roxin acaba incorrendo na idéia versarista nesses casos de dúvida quando "não se sabe se o risco típico se integralizou no resultado", isto é, não se distingue uma parte permitida e outra proibida e o autor acaba respondendo por todas as conseqüências de seu comportamento antijurídico. [114]

5.2 CRITÉRIOS DE APLICAÇÃO DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA

Claus Roxin, no início da década de 70, formula uma série de critérios normativos de imputação para os delitos de resultado (tanto os dolosos como os culposos) visando à construção de uma teoria da imputação objetiva desvinculada do dogma causal. [115]

Nas palavras de Antonio Luís Chaves Camargo: "Após os anos 70, os princípios e regras sistemáticas da imputação objetiva, vários critérios surgiram, determinantes da atribuição do resultado típico a uma ação exterior praticada pelo agente e com relevância jurídico penal." [116]

O ponto comum entre os critérios citados seria o princípio do risco, "com base no qual, partindo do resultado, o importante é saber se a conduta do autor criou ou não um risco juridicamente relevante de lesão típica de um bem jurídico". [117] Dessa forma, a imputação objetiva tem relação com a ação humana, a qual deve criar um risco juridicamente desvalorado que tem por conseqüência um resultado típico. [118]

Para o autor, mesmo havendo dolo, ações que não geram um risco juridicamente relevante não podem ser punidas pelo Direito Penal. Em outras palavras, "se o Direito Penal proíbe condutas para proteger bens jurídicos, é óbvio que só fará sentido proibir condutas que, de alguma forma, os ameacem, noutras palavras: condutas perigosas". [119] Se o autor não cria um risco juridicamente relevante não existe uma realização do tipo ainda que ele saiba e queira causar determinado resultado. [120]

Claus Roxin elaborou os seguintes parâmetros para a determinação do juízo de imputação objetiva: a diminuição do risco; a criação ou não-criação de um risco juridicamente relevante; o incremento ou falta de aumento do risco permitido; o âmbito de proteção da norma e o alcance do tipo.

5.2.1 Casos de diminuição do risco

Claus Roxin propõe o caso de A que ao perceber que uma pedra cairá sobre B, não podendo evitar que isto aconteça, afasta-o de tal modo que o dano causado sobre este seja menor. [121]

No caso exposto percebemos que houve uma diminuição do risco para o bem jurídico protegido. O agente não criou um risco modificando o curso causal para que a conseqüência seja mais favorável a este bem jurídico. Mesmo caracterizando-se um dano ao bem não há um desprezo pela proteção valorativa do ordenamento jurídico. [122]

As ações que diminuem o risco de lesão a um bem jurídico não podem ser típicas, não por uma mera falta de dolo ou culpa do autor, mas porque seria irracional punir ações que melhoram a situação do bem tutelado. Na mencionada hipótese, mesmo se na ação do autor estivesse presente o dolo de ferir o braço, e para isso necessitava-se desviar a pedra que estava na direção da cabeça, não há que se falar em tipicidade da ação. [123]

Outro exemplo relacionado à diminuição do risco é o do médico que não consegue evitar a morte do paciente, podendo apenas adiá-la.

Do ponto de vista finalista a atuação do agente estaria amparada por uma causa de justificação (estaria no âmbito da antijuridicidade). Claus Roxin contesta essa visão, já que excluir a ilicitude pressupõe a afirmação da tipicidade da conduta quando esta, na verdade, é irrelevante para o Direito Penal. [124] A imputação objetiva afasta do âmbito do Direito Penal essas ações determinadas pela diminuição do risco já que nelas não está presente a tipicidade. [125]

Destarte, nas situações em que a diminuição do risco refere-se a bens jurídicos diversos, teríamos a excludente de ilicitude. Basta olharmos para o exemplo proposto pelo próprio autor de um homem que joga uma criança pela janela de sua residência, a qual encontra-se em chamas, provocando lesões corporais de natureza grave, mas evitando sua morte pela ação do fogo. Dessa forma poderíamos afirmar a imputação objetiva do resultado no caso de recorrer ao estado de necessidade como causa de justificação da lesão. Entretanto, "a negação da imputação objetiva poderá ser mantida se se contempla a lesão à saúde ou à integridade física não como um aliud, mas como um minus em relação à morte da mesma pessoa". [126]

Para reconhecermos a diminuição do risco é necessário que este não seja substituído por outro de igual intensidade como no caso de uma pessoa que, para salvar outra de um desabamento, acaba empurrando-a de uma altura capaz de determinar-lhe o resultado morte. [127]

Além disso, o autor não pode ser o responsável pela criação do perigo ao bem jurídico, "ou pela obrigação, em qualquer de suas formas, de evitar o resultado". [128] Na ocorrência desta hipótese estaríamos diante de uma posição de garantidor do crime comissivo por omissão o que, no caso de ocorrência do resultado, não excluiria a imputação objetiva.

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A crítica apontada por doutrinadores em relação à diminuição do risco é a solução do conflito de interesses situada no tipo, quando, na visão desses autores, essa discussão deve estar situada no âmbito da antijuridicidade através das causas de justificação.

5.2.2 A criação ou não de um risco juridicamente relevante

Iniciaremos este ponto abordando o caso proposto por Claus Roxin, e já visto aqui anteriormente, do sobrinho que envia o tio a um bosque no meio de uma tempestade na esperança de que caia um raio e este venha a morrer, o que realmente acaba ocorrendo.

Para Claus Roxin em relação à "atividades normais e juridicamente irrelevantes da vida cotidiana, como passear pelo centro, tomar banho, caminhar pela montanha, os riscos mínimos socialmente adequados que deles derivam não são levados em conta pelo Direito, de modo que uma causação de resultado por eles provocada não é de antemão imputável." Essa concepção baseia-se na teoria da adequação e na idéia de dirigibilidade objetiva a fins desenvolvida por Karl Larenz e Richard Honig. [129]

No caso exposto, já que não houve a criação de um perigo não permitido por parte do sobrinho, não há se falar em ação típica. Não analisa aqui a existência ou não de dolo, a questão é puramente objetiva.

A diferença do pensamento de Claus Roxin e de Welzel é que este nega a existência de dolo no caso exposto, enquanto aquele nega a presença do delito de homicídio em vista do "alto grau de improbabilidade do curso causal". [130]

Segundo o autor, também é aplicável esse critério às hipóteses de desvio do processo causal. [131]

Claus Roxin dá como exemplo de hipótese de desvio do curso causal o caso de A atirar em B, com propósito de matar, ferindo-o, vindo o mesmo a morrer em conseqüência de um posterior incêndio no hospital em que estava internado. O doutrinador nega a existência de um homicídio doloso ou culposo ao negar a imputação objetiva. Vejamos:

Hans Welzel, no exemplo acima mencionado, conclui que mesmo que o resultado dependa da ação homicida de A, sua realização não foi finalmente visualizada por ele. Segundo o autor o que ocorreria aqui seria uma tentativa de homicídio, já que "o resultado típico não deve ser considerado como provocado dolosamente se se produz unicamente como conseqüência do encadeamento de circunstâncias inesperadas (desvio essencial do curso causal)". [132]

Claus Roxin concorda com a solução apresentada por Hans Welzel, porém não acata seus argumentos. Sustenta o autor que a criação do risco proibido derivada do disparo da arma de fogo "não desembocou na morte acidental posterior, porque o risco de que alguém que esteja em um hospital morra como decorrência de um incêndio é tão pequeno que deve ser juridicamente desconsiderado. [133]

Existe uma controvérsia em relação à admissão do critério do risco juridicamente relevante em relação aos crimes dolosos, haja vista que o referido critério abarca dois elementos dos tipos de injusto culposo, qual sejam, a previsibilidade objetiva e a observância do dever de cuidado. Os doutrinadores que criticam esse critério aduzem que:

Como a inobservância do dever de cuidado objetivamente devido é um elemento que pertence à antijuridicidade, não tem sentido algum inserir "a referência ao cuidado objetivamente devido para evitar a lesão dos bens jurídicos nos delitos dolosos de ação, pois neles a conduta vai dirigida pela vontade do autor a produzir a lesão ou o perigo do bem jurídico". [134]

De toda a explanação, conclui-se que a criação de um risco não permitido reúne dois requisitos: um ontológico (que seria a criação do risco) e outro axiológico (o risco não é permitido).

5.2.3 O aumento do risco permitido

Segundo Claus Roxin, alguns aspectos devem ser levados em consideração pelo julgador: a) deve verificar se houve a realização ou não de um risco não permitido; b) verificar se o resultado provocado pelo autor era compreendido no âmbito de proteção da norma; c) averiguar se a conduta do autor aumentou o risco permitido e se o comportamento conforme o direito evitaria o resultado.

O autor sugere o exemplo do industrial que fere o dever de cuidado ao entregar a seus subordinados, matéria-prima não desinfetada para seu manejo, provocando a morte de quatro deles. Mais tarde fica provado que, mesmo a correta desinfecção não teria evitado as mortes. [135]

Já analisamos o ponto de vista do autor nos casos em que não há certeza sobre o acontecimento do fato mesmo com a observância do dever de cuidado, em tópico anterior, ao analisarmos a teoria do incremento do risco. O doutrinador afirma que não havendo certeza se a ação produziu um aumento do risco deve-se punir, infringindo o princípio in dúbio pro reo. Atualmente, os defensores do critério do aumento do risco exigem a comprovação desse aumento.

Aqui, Claus Roxin nega a imputação objetiva já que o resultado teria sido produzido da mesma forma, com certeza, no caso de observância do cuidado objetivamente devido pelo sujeito. "No caso, a imputação do resultado está relacionada com a inobservância de um dever de cuidado, totalmente inútil, mantendo-se dentro do risco permitido a não desinfecção do material". [136]

5.2.4 O âmbito de proteção da norma

Toda norma tem um fim de proteção limitador do risco permitido. Esse fim, ou âmbito de proteção da norma deve ser observado nos casos de imputação objetiva.

Analisemos o seguinte exemplo, proposto por Hans-Heinrich Jescheck, de um ciclista que, conduzindo sua bicicleta à noite, seguido por outro ciclista, choca-se com um terceiro ciclista que vinha em direção contrária. O acidente poderia ser evitado caso o segundo ciclista, que estava logo atrás do primeiro, tivesse farol em sua bicicleta e iluminasse o da frente. [137]

Claus Roxin destaca que a omissão do primeiro ciclista originou o risco de uma colisão, o qual se realizou. Da mesma forma, o fato do segundo ciclista não possuir iluminação em sua bicicleta também originou o perigo do primeiro ciclista sofrer um acidente. A diferença entre as duas condutas reside no fato da norma de cuidado exigir a presença de iluminação na bicicleta, não para evitar choques de terceiros, mas sim para sua própria segurança. Dessa maneira, o resultado de lesão ao ciclista da frente não poderia ser imputado ao ciclista de trás.

O doutrinador sustenta que em casos semelhantes o resultado não seria imputável, pois o âmbito de proteção da norma "só abarca danos diretos". [138]

Alguns autores equivocam-se ao afirmar que seria esse o critério aplicável para afastar a imputação nos casos de colocação em perigo de um terceiro voluntariamente aceito por este, nos casos de autolesão e de provocação de suicídios. Dessa forma, eles não fazem a distinção entre o âmbito de proteção da norma e o alcance do tipo. O próprio Claus Roxin não fazia distinção entre os dois critérios, no início. Apenas recentemente recorreu à expressão alcance do tipo.

5.2.5 O alcance do tipo

Acabamos de observar: não há confundir o fim de proteção da norma com o alcance do tipo (ou finalidade de proteção do tipo). Enquanto o primeiro está no âmbito da criação de um risco juridicamente relevante, o segundo está no âmbito de realização do mesmo.

Roxin se utiliza da expressão alcance do tipo para esclarecer que, muitas vezes, a imputação pode fracassar porque o tipo não alcança os resultados característicos indicados no resultado produzido, uma vez que o tipo não se destina a evitar tais acontecimentos. [139]

Na maioria dos casos em que estão presentes a criação do risco não permitido e sua realização no resultado, tem-se que o fato é objetivamente típico. Contudo, quando o tipo penal não visava evitar o dano provocado pelo autor, também pode haver a exclusão da tipicidade. [140]

Apesar da aplicação deste argumento se dar principalmente no campo dos delitos culposos, Claus Roxin apresenta três grupos de casos onde há exclusão da imputação pela falta de alcance do tipo nos delitos dolosos, quais sejam: a contribuição a uma autocolocação dolosa em perigo; a heterocolocação em perigo consentida; e a imputação de um resultado a um âmbito de responsabilidade alheio.

a) a autocolocação em perigo consentida

Existe autocolocação em perigo "se alguém efetua condutas criadoras de um perigo a si mesmo ou se expõe a um perigo já existente". [141]

Analisemos o seguinte exemplo: A desafia B a atravessar um lago de gelo fino e quebradiço. B, ao aceitar o desafio, tenta atravessar o lago e acaba morrendo afogado devido ao rompimento do gelo. A deve ser responsabilizado por homicídio doloso ou culposo?

Claus Roxin baseia sua resposta em uma peculiaridade do Direito Penal Alemão: a participação em suicídio não é punível naquele ordenamento jurídico. No ordenamento jurídico nacional tal argumento não procede já que está tipificado em nosso Código Penal, no art. 122, o auxílio ao suicídio.

Para o doutrinador, "se o mais (a autolesão) pode ser realizado sem punição, com maiores motivos se deve deixar impune o menos (a autocolocação em perigo)". [142] Da mesma forma solucionaria-se o caso de A, policial, que sabe que sua namorada tem a intenção de suicidar-se e, por descuido, deixa uma arma no banco de seu carro. [143]

No mesmo sentido, não é imputável a um traficante a morte por overdose de um de seus clientes, que injetou a heroína comprada. O risco não tolerado e punível apresenta-se aqui pelo tráfico de drogas e não pelo homicídio. Até a adoção da teoria da imputação objetiva pelos tribunais alemães, punia-se o traficante pelo homicídio culposo. Atualmente reviu-se o posicionamento com a adoção do princípio da autocolocação da vítima em perigo.

Quando o autor estiver ciente de que a vítima não sabe dos riscos que sua conduta proporciona a eventual lesão será atribuída a ele como sua obra, esta será punível. [144]

É o caso do exemplo proposto pelos autores do médico contaminado por varíola que continua a exercer sua profissão expondo seus pacientes ao risco de contágio. Para Claus Roxin, o médico é responsável pela transmissão da doença a seus pacientes, já que o tipo de lesões culposas tem a finalidade de prevenir tais condutas. Em relação ao paciente que sabia que o médico estava doente e mesmo assim submeteu-se a tratamento com o mesmo, houve a realização do perigo criado pelo médico, mas o paciente se expunha conscientemente ao perigo. De acordo com o autor, há aqui uma autocolocação em perigo dolosa.

Claus Roxin também cita o exemplo da contaminação pelo vírus HIV. Para o autor se ambos conhecem o perigo de transmissão do vírus através do ato sexual à pessoa que transmitiu não poderá ser imputado o resultado, pois o outro consentiu em se autocolocar em perigo. "Caso diverso ocorrerá, havendo a imputação, se o doente de AIDS oculta sua enfermidade e mantém relações sexuais sem a devida proteção para evitar o contágio". [145]

b) a heterocolocação em perigo consentida

Aqui se analisam os casos em que a vítima não coloca-se em uma situação de perigo mas consente que uma terceira pessoa crie o risco para ela, tendo consciência do mesmo. É um tema amplo e bastante discutível, sendo necessária uma abordagem exclusiva sobre o assunto para maior compreensão.

Como exemplo podemos colocar em pauta o caso do acidente com o helicóptero do empresário João Paulo Diniz que resultou na morte da modelo Fernanda Vogel. O empresário deu ordens ao piloto para decolar no meio de uma tempestade, mesmo tendo sido advertido dos perigos (partindo do pressuposto que a decisão de decolar foi tomada por ambos, o empresário e a modelo).

Exemplo proposto por Claus Roxin é o do passageiro que, com pressa para chegar a determinado destino, pega um táxi e ordena que o condutor do veículo ultrapasse a velocidade máxima permitida e, em decorrência dessa velocidade, acontece um acidente em que o passageiro vem a falecer. [146]

Nos casos supra citados, "a atuação da vítima exclui a tipicidade do agente". [147] Ou, em outras palavras, o agir conjunto da vítima, atuando em interação com o agente exclui a tipicidade do fato.

Segundo a teoria da imputação objetiva o piloto do helicóptero do empresário João Paulo Diniz não deverá ser punido. Destarte, o ordenamento jurídico nacional segue outra teoria, advogando pela responsabilização penal do piloto. Assim, conclui-se que "as culpas não se compensam". Por esse ponto de vista o piloto responderia por homicídio culposo.

c) atribuição do resultado ao âmbito de responsabilidade alheio

O alcance do tipo não abarca os resultados que deveriam ser evitados por um terceiro, ou, em outras palavras, "de acordo com o entendimento de Roxin, a esfera de proteção jurídico-penal não abarca aqueles resultados cuja evitação cairia no âmbito de responsabilidade profissional de outra pessoa". [148] Dessa forma, quando determinada pessoa assume a responsabilidade de evitar o resultado, aquele que inicialmente a detinha não é mais o responsável caso este se produza.

Tomaremos como exemplo, caso proposto por Claus Roxin em que A dirige seu caminhão sem iluminação traseira e, por esse motivo, é interceptado por policiais em uma barreira. Para evitar colisões com carros que possam vir, um dos policiais coloca uma lanterna de luz vermelha na pista, atrás do caminhão, e ordena ao motorista que dirija-se ao próximo posto de gasolina, informando que uma viatura irá logo atrás protegendo o caminhão não iluminado. Ao retirar a lanterna da pista antes de partirem, um veículo atinge o caminhão provocando a morte do passageiro do mencionado veículo. [149]

Segundo o doutrinador, o resultado não pode ser imputado ao motorista do caminhão pelo fato dos policiais já terem assumido o controle da situação.

Da mesma forma resolvem-se os casos de erros médicos que agravam o estado da vítima lesionada por alguém. Exemplo: um motorista dirige de forma imprudente e ocasiona um acidente em que seu acompanhante tem a perna fraturada. O passageiro, ao ser levado ao hospital morre em decorrência de uma intervenção cirúrgica realizada de forma equivocada pelo médico.

Para Claus Roxin exclui-se a imputação, pois o médico substituiu ou não impediu a realização do perigo criado pelo autor. O autor não responde pela morte "se, no curso da operação, um corte errado leva à morte por hemorragia, se forem ministrados medicamentos contra-indicados e que, por isso, provoquem a morte, se, em virtude de um erro de anestesia, sobrevém parada cardíaca etc". Também não é imputado o resultado ao autor se o médico se recusa a tratar o paciente vindo este a morrer em virtude dos ferimentos. [150]

Luis Régis Prado diz que "ao ser o paciente conduzido ao hospital e atendido pelo médico, entra na esfera de responsabilidade deste, que cria e realiza um risco para sua vida". [151] Porém, se o médico atuar devidamente, no caso de uma lesão mais grave que uma simples perna quebrada, observando todos os cuidados, mas mesmo assim o paciente vir a falecer, o motorista responderia pelo delito de homicídio culposo. Isso ocorre, pois o médico não criou um risco mortal e sim não evitou o risco criado pelo motorista.

5.3 SÍNTESE – OS ELEMENTOS DO CRIME DE IMPUTAÇÃO OBJETIVA SEGUNDO CLAUS ROXIN

Claus Roxin apresenta um novo conceito de ação diferente do proposto por causalistas e finalistas. Sua idéia é de que a ação é uma "manifestação da personalidade, ou seja, tudo que se pode atribuir como centro anímico-espiritual a um ser humano". [152] Trata-se de um conceito funcional onde o elemento básico que abrange todos os tipos de ações (sejam elas culposas, dolosas, inconscientes ou inconscientes, ou omissivas) é a manifestação da personalidade. [153] Dessa maneira ficam excluídos do conceito de ação os pensamentos, as atitudes não exteriorizadas e a vis absoluta.

Além disso, apresenta uma nova concepção do tipo. No seu ponto de vista o tipo objetivo "contém, em geral, a descrição do sujeito ativo, de uma ação típica e do resultado que é punido". [154] A parte especial do Código Penal é responsável pela interpretação desses elementos e à parte geral cabe a apresentação de princípios que venham a reger a ação típica. Dentro ainda do tipo objetivo há uma subdivisão entre elementos descritivos (que são os que "revelam os processos naturais e anímicos cognoscíveis") e normativos (onde leva-se em conta o âmbito de proteção da norma, já visto aqui anteriormente). [155] O tipo subjetivo é representado pelo dolo e outros elementos subjetivos adicionais já apresentados pela teoria finalista da ação.

Apontamos anteriormente alguns pontos que, para Claus Roxin, são tratados no âmbito do tipo enquanto outros doutrinadores usam das causas de justificação para negar a antijuridicidade da conduta. [156]

Claus Roxin "atribui à culpabilidade uma idéia de prevenção, que substituiu pela função de responsabilidade no sentido de que esta categoria responde sobre a necessidade jurídico-penal da sanção ao caso concreto". Assim, a conduta que for típica e antijurídica merecerá uma pena "de acordo com os parâmetros do Direito Penal". [157] Essa pena, teria como base a responsabilidade. Para o autor a pena além do aspecto preventivo "deve indicar na pessoa do sujeito a necessidade e adequação da sanção a ser imposta". [158]

Quanto aos elementos do crime, na síntese esclarecedora de Schünemann, Roxin estabelece que a partir da função político-criminal da dogmática, o tipo é associado à determinabilidade da lei penal conforme o princípio do nullun crimen; a antijuridicidade, ao âmbito das soluções sociais dos conflitos e a culpabilidade, à necessidade da pena de considerações preventivas. [159]

Em síntese, "para que um resultado seja objetivamente imputado a determinado comportamento, faz-se necessário, portanto, que este importe em um risco juridicamente desaprovado que se realize no próprio resultado". [160] Além da necessidade de relação de causalidade entre uma pessoa e o resultado é preciso haver a criação e realização de um risco ou perigo não permitido abarcado pelo fim de proteção da norma e pelo alcance do tipo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Aspectos dogmáticos da(s) teoria(s) da imputação objetiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 973, 1 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8021. Acesso em: 5 nov. 2024.

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