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Aspectos dogmáticos da(s) teoria(s) da imputação objetiva

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Agenda 01/03/2006 às 00:00

7. DA POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA NO ORDENAMENTO JURÍDICO NACIONAL

No âmbito do nexo de causalidade, verificamos a aplicação da teoria da equivalência das condições pelo nosso legislador quando do estudo do art. 13 e de seus parágrafos 1º e 2º do Código Penal Pátrio.

Na Alemanha, onde estão os maiores expoentes em matéria de imputação objetiva, não verificamos tal peculiaridade. Sendo assim, indaga-se: Seria possível a aplicação dos fundamentos da imputação objetiva dentro do ordenamento jurídico nacional?

Essa indagação já encontra resposta dentro de nossa jurisprudência. Apesar da pequena, e muitas vezes equivocada, divulgação de tal teoria dentro da doutrina nacional, [219] (podemos citar poucas obras que traduzem fielmente o pensamento dos autores alemães), já temos antecedentes em nossos tribunais. [220]

7.1 CRÍTICAS À IMPUTAÇÃO OBJETIVA

Em nossa doutrina encontramos algumas críticas ao pensamento funcionalista.

Na visão de Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho o dolo representa um pressuposto da imputação objetiva visto que o tipo subjetivo é anterior ao tipo objetivo pois o segundo é o objeto do primeiro e apenas por razões didáticas o tipo objetivo deve ser explicado antes do tipo objetivo. Os autores aduzem que "é imperioso que se parta do tipo subjetivo para se saber qual o tipo objetivo efetivamente realizado, visto que este último não se trata de mera causação de um evento no mundo exterior, mas produto de uma ação finalista dirigida e controlada pelo sujeito". [221] Os funcionalistas dizem que o tipo objetivo não se trata somente de mera causação de um evento no mundo exterior. Para eles a realização do tipo objetivo não está limitada à causalidade.

7.2 A IMPUTAÇÃO OBJETIVA EM RELAÇÃO AO ART. 13 DO CÓDIGO PENAL

O objeto de estudo da imputação objetiva é a análise da relação entre um fato e um resultado, nos crimes de resultado (dolosos ou culposos) ou, quanto aos crimes formais e os de perigo (observadas suas peculiaridades), é a "constatação de um fato decorrente de um agir comunicativo que pode ser ligado a uma ação, no sentido de modificação exterior do mundo social". [222]

A relação de causalidade, como já visto anteriormente, não encerra o tipo objetivo como pensavam os causalistas. Dessa forma o art. 13 não pode ser encarado como um obstáculo à aplicação da teoria da imputação objetiva no ordenamento jurídico brasileiro.

Basta analisar com cautela: na teoria de Claus Roxin, os critérios por ele estabelecidos para constatar a imputação objetiva são a determinação do risco, o âmbito de proteção da norma, a proibição de regresso e a conduta da vítima. Esses critérios só serão aplicados se estiverem presentes:

a) a existência de uma ação que determinou um resultado, e a existência de um fato, de acordo com a teoria da equivalência das condições. No caso do Direito Penal brasileiro, é o art. 13 do Código Penal; b) a presença de um risco não permitido pelo sistema social; e c) o fato tenha característica de um tipo penal, na forma do ordenamento jurídico. [223]

O art. 13 do Código Penal pátrio abre a possibilidade para que se insiram novos pressupostos de imputação, ou de realização do tipo objetivo. "Uma vez constatada a presença de um fato com a comprovação dos itens descritos, passa-se à verificação, através da imputação objetiva, da possibilidade de reprovação deste fato que será imputado como decorrente da ação de determinada pessoa". [224] Para Antonio Luís Chaves Camargo não se deve abandonar a teoria da equivalência das condições ao utilizar a imputação objetiva como método de análise do fato típico relevante ao ordenamento jurídico-penal.

A imputação objetiva introduziu ao tipo, elementos normativos para atender aos fins do Direito Penal. A causalidade, como já demonstrado, nada mais é do que um pressuposto da imputação objetiva. Dessa forma, a adoção da teoria da equivalência das condições (conditio sine qua non) no art. 13 do Código Penal Nacional em nada influencia a recepção da teoria da imputação objetiva. O art. 13 não determina que a realização do tipo encerra-se na causalidade.

Ao redigir o § 1º do referido artigo, a idéia do legislador foi a de limitar o alcance da teoria da equivalência e, baseado nele, criou-se as teorias das concausas antecedentes, supervenientes e concomitantes.

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A imputação objetiva veio para facilitar a compreensão das diversas nuances do curso causal, imputando ao autor apenas o que resultar de sua obra. Da mesma forma que o caput do artigo, seu § 1º tampouco deve ser visto como um obstáculo à recepção da imputação objetiva em nosso ordenamento. [225]

Luís Greco conclui que a função do art. 13, § 1º do Código Penal é a de ser "o dispositivo com base no qual a moderna teoria da imputação pode encontrar um ponto de apoio legislativo expresso". [226] Dessa forma, o art. perde a função de ser o fundamento legal da (complexa) teoria das concausas.

Comprovar-se-á a possibilidade de aplicação de alguns aspectos da imputação objetiva em um julgado da 2ª Câmara Criminal de Belo Horizonte, o que demonstra que a teoria é um avanço no desenvolvimento de um novo Direito Penal, voltado aos novos paradigmas de uma sociedade que não pára de evoluir.

7.3 A APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA

Para analisarmos melhor a aplicação da teoria da imputação objetiva no âmbito nacional, é mister analisar três exemplos retirados da jurisprudência nacional e propostos por Luís Greco, na introdução da obra de Claus Roxin. [227] A análise dos julgados serve para que se demonstre a importância prática de tal teoria que, ainda que não acabada, já oferece à jurisprudência vários aspectos importantes e que já podem ser aplicados.

a) Um paciente, vítima de lesões corporais, é anestesiado com excessiva quantidade de éter sulfúrico. Como conseqüência vem a falecer em virtude de um choque anestésico que teve por conseqüência uma síncope cardíaca.

Aqui, o autor da lesão corporal foi condenado por homicídio consumado. O argumento apresentado pelo tribunal foi o de que, aplicando a teoria da equivalência das condições, não importa se os médicos foram imprudentes. [228] A aplicação da teoria da imputação objetiva nos levaria a uma solução mais justa. O risco não permitido criado pelo autor seria substituído pelo risco criado pelo anestesista. O resultado morte decorreu da realização deste segundo risco proibido (o anestesista não observou a lex artis inerente à sua profissão). Dessa maneira o autor da lesão corporal deve responder por tentativa de homicídio enquanto o anestesista responderia por homicídio culposo. O Tribunal de Justiça de São Paulo condenou o réu por homicídio, pois segundo a aplicação da teoria da equivalência das condições está presente o nexo de causalidade. Já foi visto anteriormente que para a teoria da imputação objetiva, o nexo de causalidade é só mais um elemento do tipo e não encerra o tipo objetivo. Os julgadores não observaram se houve ou não a realização de um risco não permitido e a realização do mesmo no resultado.

b) O réu fere culposamente uma pessoa, que sofria de diabetes, e essa vem a falecer. A perícia constatou que a lesão (fratura/luxação) poderia ser uma concausa.

O tribunal condenou o réu por homicídio culposo. O argumento dos julgadores foi que "pouco importa que a condição de diabético do ofendido haja concorrido para a produção do resultado com preponderância para a conduta dos apelantes". [229] Segundo o julgador as causas preexistentes e concomitantes relativamente independentes não excluem o resultado.

Aplicando a teoria da imputação objetiva, chegamos a uma solução diversa. A situação da vítima não era passível de previsão pela vítima em um momento ex ante do fato. Há o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado, visto que a conduta do réu, culposa, criou um risco de produzir lesões e se realizou no resultado, olhos postos na fratura/luxação que a vítima sofreu. Ocorre que o falecimento se deu, não pelo risco não permitido criado pelo autor da conduta e sim pela doença da vítima. Dessa forma, a morte da vítima não poderia ser atribuída ao autor da conduta por ser fruto do acaso, ou, em outras palavras, do infortúnio da vítima.

c) O réu dispara contra a vítima que vem a falecer, não em razão dos tiros, mas sim em virtude de uma parada cardíaca.

Os julgadores condenaram o réu por tentativa de homicídio pelo fato do mesmo desconhecer a doença da vítima. [230] Assim, o evento morte não pode ser imputado ao réu.

Apesar do resultado estar correto, o argumento usado pelos julgadores foi equivocado. O disparo da arma foi a causa do problema cardíaco sofrido pela vítima, já que, eliminando-se a conduta do autor, a vítima não viria a falecer. Qualquer outro julgador poderia argumentar que a conduta foi conditio sine qua non estaria presente o resultado.

Aplicando-se a imputação objetiva, a conclusão seria a mesma do tribunal, porém com sólidos argumentos, enquanto, no caso, o réu foi condenado por tentativa sem nenhuma explicação plausível. O risco não permitido criado pelo autor (da vítima vir a falecer por ferimentos decorrentes do projétil) não se realizou no resultado o que leva à conclusão que o réu deve ser condenado por homicídio culposo.


CONCLUSÃO

A Imputação Objetiva representa uma nova dogmática, revolucionária em vários aspectos, que procura solucionar de maneira concisa questões ainda sem resposta dentro do ordenamento jurídico-penal.

Ainda é cedo para afirmar que a Imputação Objetiva superou o Finalismo, afinal não se trata de uma teoria concluída já que, como vimos, são vários os caminhos metodológicos buscados por seus seguidores. Do funcionalismo radical proposto por Günther Jakobs à Política Criminal Funcionalista de Claus Roxin ainda há muitas diferenças e nuances que precisam ser compiladas em um único sistema, o que possivelmente ocorrerá no futuro. A Imputação Objetiva, apesar de ainda não ser uma teoria acabada já nos trouxe uma nova visão do tipo penal.

O Funcionalismo trouxe ao tipo novos elementos para que se possa afirmar, com maior precisão, a imputação de um resultado ao autor de determinada conduta. Graças a algumas idéias desenvolvidas por seus seguidores já não somos escravos das teorias do nexo de causalidade, que não nos traziam soluções plausíveis para os problemas de imputação. Pelo contrário, vislumbrou-se inclusive a possibilidade de aplicação dessa moderna teoria em nosso ordenamento jurídico sem alteração no texto do controverso art. 13 de nosso Código Penal. Como? Ora, na visão dos dois juristas alemães que foram apresentadas, percebeu-se claramente que o nexo causal não passa de um pressuposto da imputação objetiva.

O tipo subjetivo mantém a estrutura criada pelo pensamento Finalista ainda que não lhe seja dada tamanha importância.

Ambas as visões funcionalistas tem suas falhas, porém seus méritos também são evidentes. Não podemos mais nos limitar à idéia de que a missão do Direito Penal é a proteção dos bens jurídicos.

As críticas à Imputação Objetiva por vezes são válidas, outras não tem fundamento algum. De qualquer forma, a discussão acerca do tema em âmbito nacional pode levar renomados doutrinadores, estudantes de direito e juristas à construção de um sistema que se adapte perfeitamente em nosso ordenamento jurídico ao invés de apenas repetirmos a dogmática penal alemã.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Aspectos dogmáticos da(s) teoria(s) da imputação objetiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 973, 1 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8021. Acesso em: 25 dez. 2024.

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