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O papel do Judiciário na efetivação do direito fundamental à saúde:

a exclusão de militares temporários do Exército Brasileiro por incapacidade laboral

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Agenda 05/05/2020 às 15:10

4 O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO NA GARANTIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE DOS MILITARES TEMPORÁRIOS DO EXÉRCITO BRASILEIRO LICENCIADOS COM INCAPACIDADE LABORAL.

Luís Roberto Barroso traz uma reflexão dos livros de Bertold (1977) e John (1984) dizendo que a injustiça passeia pelas ruas com passos firmes e a insegurança é a característica da nossa era (Barroso, 2005).

De fato, no seio do Exército Brasileiro diante do regime precário dos militares temporários o que paira é a injustiça de se ver licenciado sendo portador de incapacidade laboral e a insegurança de não ter o tratamento médico até a efetiva cura e, não proporcionar a subsistência própria e da família.

Vivemos uma nova tendência de interpretação do ordenamento jurídico, o neoconstitucionalismo. Esse movimento ou postura teórica que se iniciou na Europa com a Constituição da Alemanha em 1949 e no Brasil com a Constituição Federal de 1988 tem como premissas mais importantes a compreensão da Constituição como norma jurídica fundamental, dotada de supremacia e a promoção constitucional da dignidade da pessoa humana, dos direitos fundamentais e do bem-estar social, sendo a eficácia dos valores constitucionais expansiva para todo o ordenamento jurídico (Cunha Jr, 2013, p. 40).

Em apertada síntese, Melo mencionando Prieto Sanchís, estimulado pelas teorizações de Robert Alexy, identifica traços dessa postura teórica que são “mais princípios que regras; mais ponderação que subsunção; mais Constituição que lei; mais juiz que legislador; e pela coexistência de uma constelação plural de valores, por vezes contraditórios, antes que homogeneidade ideológica” (WOLKMER e MELO, 2013).

Nesse desiderato, os princípios elencados na Constituição devem ser valorados e aplicados pela Administração Pública, bem como pelo Poder Judiciário no momento da interpretação da lei diante do caso concreto. Isto posto, no momento do licenciamento seja por término do tempo de serviço (ato vinculado) ou por conveniência do serviço (ato discricionário), caso a administração pública militar verifique que o mesmo possui incapacidade laboral, deve adotar a conduta de amparo do militar até a efetiva recuperação por meio da agregação/adição nos casos de incapacidade temporária e reforma em situação de incapacidade permanente.

O direito à saúde, ora suplicado pelos militares temporários licenciados com incapacidade laboral, encontra-se em um título específico (Título VIII) da Constituição que trata da ordem social, essa que como preceitua Cunha Jr, “tem como base o primado do trabalho, e como objetivo declarado o bem-estar e a justiça sociais” (Cunha Jr, 2013, p. 1247).

A Constituinte de 1988 consagrou a saúde como direito social fundamental (art. 6º da CFRB/88), que deve ser garantido pelo Estado mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução de doenças, outros agravos e a ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (Cunha Jr, 2013, p. 1250). Destarte, o Estado tem a obrigação constitucional de disponibilizar as ações e prestar todos os serviços necessários para garantir a saúde e efetiva recuperação dos militares temporários, eis que devido ao regime jurídico altamente precário, são pessoas hipossuficientes.

Da importância do neoconstitucionalismo como postura teórica que valora princípios e torna o poder judiciário protagonista na efetivação de direitos fundamentais, outro paradigma é a sujeição da administração ao princípio da juridicidade. Porquanto que anteriormente tinha-se o conceito de que a administração pública deve aplicar a lei de forma mecânica, porém essa visão já se encontra ultrapassada pela nova ordem constitucional, que dá importância vinculante e automática aos princípios elencados. Assim, o administrador público deve tomar atitudes por meio da aplicação da juridicidade, que nada mais é que a superação do paradigma da legalidade administrativa com a substituição da lei pela Constituição (Binenbojm, n.d., p. 14).

Diante dos vastos conceitos aqui empregados que garantem ao poder judiciário um ativismo na efetivação dos direitos fundamentais, no caso em análise o direito à saúde, o licenciamento de militares temporários com problemas de saúde é ato nulo, eis que não preenchem os requisitos de validade.

Nessa esteira, diversas ações judiciais são protocoladas buscando a reintegração com a consequente passagem à situação de agregado e adido para fins de remuneração alterações e tratamento de saúde até a efetiva recuperação ou mesmo a reforma nos casos de incapacidade definitiva. Nesse desiderato, o Superior Tribunal de Justiça vem pacificando o entendimento e efetivando o direito à saúde dos militares nessas condições. Vejamos:

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ADMINISTRATIVO. MILITAR TEMPORÁRIO. INCAPACIDADE NO MOMENTO DO LICENCIAMENTO. RECONHECIMENTO PELAS INSTÂNCIAS DE ORIGEM. SÚMULA Nº 7/STJ. REINTEGRAÇÃO PARA TRATAMENTO DE SAÚDE. POSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 83/STJ.

1. Reconhecido no acórdão recorrido, com amparo expresso em elementos de prova, que o autor, ao tempo de seu licenciamento do Exército, embora não incapacitado definitivamente, não se encontrava apto para as atividades militares, porquanto necessitaria ainda de assistência médica a fim de que pudesse recuperar sua higidez física, a alegação em sentido contrário, a motivar insurgência especial, requisita necessário exame dos aspectos fácticos da causa, com a consequente reapreciação do acervo fáctico-probatório, hipótese que é vedada em sede de recurso especial, a teor do enunciado nº 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

2. "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial." (Súmula do STJ, Enunciado nº 7).

3. No momento do seu licenciamento, encontrando-se o militar temporariamente incapacitado em razão de acidente em serviço ou, ainda, de doença, moléstia ou enfermidade, cuja eclosão se deu no período de prestação do serviço, tem o direito de ser reintegrado às fileiras de sua respectiva Força, para receber tratamento médico, até que se restabeleça (artigo 50, inciso IV, alínea "e", da Lei nº 6.880/80 e Portaria nº 816/2003 - RISG/Ministério da Defesa). Precedentes.

4. Agravo regimental improvido.

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL Nº. Nº 1.186.347 – S. Ministro HAMILTON CARVALHO; Primeira Turma; DJ 22/06/2010; DP 03/08/2010

MILITAR. ANULAÇÃO. LICENCIAMENTO. INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. ADIDO. REINTEGRAÇÃO PARA FINS DE TRATAMENTO DE SAÚDE. PRECEDENTES.

1. No caso dos autos, conforme se extrai do aresto recorrido, a autor foi licenciado dos quadros do Exército, tendo em vista a sua limitação física temporária, sem o adequado tratamento de saúde do qual teria direito.

2. Assim, mostra-se inegável, portanto, o direito do recorrente a reintegração dos quadros militares como adido para fins de tratamento de saúde. Isso porque, a jurisprudência desta Corte Superior entende que, em se tratando de militar temporário ou de carreira, em vista da debilidade física acometida durante o exercício de atividades castrenses, o ato de licenciamento é ilegal, fazendo jus, o servidor militar, a reintegração aos quadros castrenses para tratamento médico-hospitalar, a fim de se recuperar da incapacidade temporária.

3. Recurso especial provido.

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL Nº. 1.240.943 - RS. Ministro MAURO CAMPBEL MARQUES;

ADMINISTRATIVO. MILITAR TEMPORÁRIO. INCAPACIDADE. TRATAMENTO MÉDICO. REINTEGRAÇÃO. POSSIBILIDADE.

 1. O militar temporário ou de carreira que, por motivo de doença ou acidente em serviço, tornou-se temporariamente incapacitado para o serviço ativo das Forças Armadas, faz jus à reintegração como adido, para fins de tratamento médico adequado. Precedentes.

2. Agravo regimental improvido.

AgRg no REsp 1137594 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2009/0082201-9; Relator Ministro JORGE MUSSI; Quinta Turma; DJ 10/08/2010; DP 13/09/2010

Diante de todo esse estudo, vejamos quão importante é o papel do Poder Judiciário para a efetivação do direito fundamental à saúde, ordenando a reintegração do militar à saúde do militar temporário do Exército Brasileiro que embora esteja acometido por uma incapacidade laboral, é licenciado e excluído do serviço das armas por falta de observância dos princípios elencados na Constituição Federal por parte da administração pública militar, bastando que se comprove a eclosão da doença ou acidente durante o serviço ativo.


5 CONCLUSÃO     

Os militares temporários do Exército Brasileiro são, na sua maioria, jovens de 18 anos de idade que veem no serviço militar obrigatório uma oportunidade de trabalho digno para proporcionar a subsistência própria e da família.

A legislação aplicável a esta categoria de servidores da pátria é a Lei do Serviço Militar, que estabelece o período do serviço militar obrigatório de 12 meses, podendo ser prorrogados de forma voluntária anualmente até o máximo de oito anos.

A cada ano de efetivo serviço, o militar temporário passará por inspeções de saúde para verificar a sua aptidão para o trabalho e, se julgado apto, será engajado ou reengajado, caso contrário será licenciado, excluído, passando à situação de agregado, adido ou encostado. No entanto, conforme as decisões judiciais investigadas e aprendizado empírico, muitas vezes esses militares são licenciados portando incapacidade laboral independentemente se essa possui ou não relação de causa e efeito com o serviço.

Nesse contexto, onde a administração pública militar tende a aplicar a legalidade estrita em detrimento da juridicidade que a postura teórica neoconstitucionalista exige, sopesando os princípios elencados na Constituição Federal, é que se insere o papel do Poder Judiciário.

Desse modo, ressalta-se a importância do Poder Judiciário na efetivação do direito fundamental à saúde dos militares temporários que são licenciados com incapacidade laboral, bastando que se comprove a eclosão da incapacidade durante o período de prestação do serviço militar, para determinar a reintegração à Força, com a consequente passagem à situação de agregado e adido para fins de remuneração, alterações e tratamento de saúde até a efetiva cura, eis que o encostamento não garante toda a amplitude do direito à saúde.


REFERÊNCIAS

ABREU, J. L. N. de. Direito Administrativo Militar (E. Método, ed.). Rio de Janeiro. 2010.

BARROSO, L. R. NEOCONSTITUCIONALISMO E CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO  (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Revista de Direito Administrativo, 240(0), 1–42. 2005. Disponível em:  http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/43618/44695. Acesso em 01 jun 2019.

BINENBOJM, Gustavo. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO NO BRASIL: UM INVENTÁRIO DE AVANÇOS E RETROCESSOS. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº. 13, março/abril/maio, 2008. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp. Acesso em 01 jun 2019.

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BRASIL. Decreto nº 57.654, de 20 de janeiro de 1966 - Regulamenta a lei do Serviço Militar (Lei nº 4.375, de 17 de agôsto de 1964), retificada pela Lei nº 4.754, de 18 de agôsto de 1965. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D57654.htm. Acesso em 01 jun 2019.

BRASIL. Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980 - Dispõe sobre o Estatuto dos Militares. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6880.htm. Acesso em 01 jun 2019.

EXÉRCITO BRASILEIRO. Portaria nº 749, de 17 de setembro de 2012 - Altera dispositivos do Regulamento Interno dos Serviços Gerais - (RISG), aprovado pela Portaria do Comandante do Exército nº 816, de 19 de dezembro de 2003, e dá outras providências. Disponível em: http://www.3icfex.eb.mil.br/phocadownload/Legislacao/Arquivos/PORTARIA%20749,%20DE%2017%20DE%20SETEMBRO%20DE%202012.pdf. Acesso em 01 jun 2019.

CUNHA Jr, D. da. Curso de Direito Constitucional. 7a Ed. Salvador: Editora JusPodivm. 2013.

KAYAT, R. C. R. Inatividade Remunerada e Pensão dos Militares das Forças Armadas. Salvador: JusPODIVM. 2014.

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SILVA, R. M.. Direito Administrativo na Visão dos Tribunais (1a edição; Publicações Eletrônicas da Escola da AGU, ed.). 2013. Disponível em: http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateTexto.aspx?idConteudo=1 71677&ordenacao=16&id_site=7530. Acesso em 01 jun 2019.

WOLKMER, Antonio Carlos; MELO, M. P. As recentes evoluções do constitucionalismo na América Latina: Neoconstitucionalismo? Curitiba: Juruá. 2013.

Sobre o autor
Jamil Pereira de Santana

Mestre em Direito, Governança e Políticas Públicas pela UNIFACS - Universidade Salvador | Laureate International Universities. Possui pós-graduações em Direito Público (Constitucional, Administrativo e Tributário) pelo Centro Universitário Estácio e em Licitações e Contratos Administrativos pela Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera. Atualmente cursa especialização em Direito Societário e Governança Corporativa pela Legale Educacional. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio da Bahia. É 1 Tenente R2 do Exército Brasileiro e membro ativo na Comissão Nacional de Direito Militar da ABA (Associação Brasileira de Advogados), além de integrar a Comissão Especial de Apoio aos Professores da OAB/BA. Compõe o Conselho Editorial da Revista Direitos Humanos Fundamentais da UNIFIEO e da Editora Mente Aberta. Atua como Professor de Direito Administrativo na Múltipla Difusão do Conhecimento, onde também coordena o curso preparatório para a 2 fase do Exame da OAB em Direito Administrativo. Advogado contratado pelas Obras Sociais Irmã Dulce, com experiência em Direito Administrativo e Militar.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Jamil Pereira. O papel do Judiciário na efetivação do direito fundamental à saúde:: a exclusão de militares temporários do Exército Brasileiro por incapacidade laboral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6152, 5 mai. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/80613. Acesso em: 22 dez. 2024.

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