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Estudos sobre o Poder Executivo

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Agenda 19/03/2006 às 00:00

O Executivo neotestamentário

            A realeza de Jesus não é enfatizada nos evangelhos nem nas cartas paulinas. Isso constitui uma parte da transformação do messianismo do Antigo Testamento, que apresenta uma figura incompleta da realidade de Jesus.

            O título é dado a Jesus em Mt 2, 2:.. ."Onde está o rei dos judeus recém-nascido? Com efeito, vimos sua estrela no seu surgir e viemos homenageá-lo"

            De fato, o caráter de rei que Jesus possui é a chave de toda essa narrativa, que tem como principal objetivo mostrar a verdadeira realeza de Jesus, destituída da pompa externa e reconhecida somente por alguns gentios.

            Jesus antes aceita do que reclama o título, no seu diálogo com Pilatos: "És tu o rei dos judeus? Jesus declarou: Tu o dizes" (Mt 27, 11; Mc 15,2; Lc 23,3).

            João (18, 33-39) oferece uma versão mais longa desse diálogo: "Meu reino não é deste mundo. Se meu reino fosse deste mundo, meus súditos teriam combatido para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas meu reino não é daqui". O intuito joanino era tornar claro o caráter universal da realeza de Jesus.

            Nas narrativas da paixão encontram-se outras alusões que demonstram a crença popular, também aceita pelos soldados que executaram Jesus, de que ele queria restaurar a monarquia de Israel: "Salve, rei dos judeus!"; "Quereis que vos solte o rei dos judeus?"; "Eis o vosso rei!" (Mt 27, 29.37.42; Mc 15.9.18.26.32; Lc 23, 37s; Jo 19, 3.14.19-21).

            Quando Natanael exclamou: "Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel", o título de rei de Israel combinado com o de Filho de Deus (Jo 1, 49) professa a crença no caráter messiânico de Jesus.

            O título de rei torna-se visível na procissão de ramos em Jo 12, 13 ("Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor e o rei de Israel"), mas não se encontra no relato desse episódio nos evangelhos sinóticos.

            Essa diferença não é importante, já que o incidente reflete explicitamente a vinda do rei em Zc 9, 9: "Exulta muito, filha de Sião! Grita de alegria, filha de Jerusalém! Eis que o teu rei é justo e vitorioso, humilde, montado sobre um jumento"...)

            O rei aqui é humilde e, por isso, Jesus aceita a identificação. Não se tem certeza – há até motivo para dúvidas – se aqueles que o aclamavam compreendiam plenamente o sentido de um tal rei.

            Paulo, em 1 Cor 15, 24s, volta ao assunto: "A seguir virá o fim, quando ele entregar o reino a Deus Pai, depois de ter destruído todo o Principado, toda a Autoridade, todo o Poder".

            Esse texto paulino exibe a realeza de Jesus. Mas ela aí é claramente escatológica, consumada depois da conquista de todos os seus inimigos.


O Poder Executivo

            Expressão de conteúdo incerto, ora exprime a função (CF, art. 76), ora o órgão (cargo e ocupante, CF, art. 2º). Envolve poderes, faculdades e prerrogativas da mais variada natureza. Trata-se de órgão constitucional (supremo) que desempenha a prática de atos de chefia de estado, de governo e de administração.

            Maurice Duverger, in Institutions politiques et droit constitutionnel, PUF, Paris 1970, vol I/135 e ss, mostra que o Executivo reveste na prática as mais diversas formas. Assim é que existem o executivo monocrático (rei, imperador, ditador, presidente), o executivo colegial (dois homens com poderes iguais, como os cônsules romanos), o executivo diretorial (grupo de homens em comitê), como era na ex-URSS e ainda é na Suíça) e o executivo dual (próprio do parlamentarismo, um Chefe de Estado e um Conselho de Ministros, ou seja, um indivíduo isolado e um comitê).

            Sua função tradicional é administrar o Estado de acordo com as leis elaboradas pelo Poder Legislativo.

            Em sua origem, dentro do modelo clássico de menor intervenção possível do Estado na ordem econômica e social, possuía dupla missão: defesa externa e segurança interna. Com a passagem do Estado liberal para o Estado social e a sua maior intervenção na ordem econômica, o Poder Executivo passou a acumular cada vez mais tarefas.

            Foi assim que passou para o Estado o comando da atividade econômica, a realização de obras de infra-estrutura e de atividades de assistência social, bem como uma ampla iniciativa legislativa nos mais variados temas.

            Concretamente, é sua atribuição o governo e a administração do Estado. Governo, como o conjunto de órgãos que tomam decisões políticas fundamentais. Administração, como o conjunto de órgãos que implementam essas decisões.

            No nosso direito constitucional, ele é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado (CF, art. 76). Na classificação de Duverger, temos um executivo monocrático, exercido por um só indivíduo.

            O Brasil adotou o presidencialismo como sistema de governo (ADCT, art. 2º). Auxiliado pelos Ministros de Estado (CF, art. 76), o Presidente da República acumula as funções de Chefe de Estado (representação externa e interna do Estado) e Chefe de Governo (liderança política e administrativa dos órgãos de Estado). Eleito com mandato fixo, não depende de maioria política no Congresso Nacional para investir-se no cargo ou nele permanecer.

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            A razão disso é que os constituintes recusaram adotar para o Brasil o sistema de governo parlamentar. Remeteram a um plebiscito a realizar-se em 7 de setembro de 1993 a decisão de manter o presidencialismo ou acolher o parlamentarismo (ADCT, art. 2º).

            O plebiscito, que de verdade se realizou, não na data inicialmente prevista (21/04/93), concluiu, por grande maioria de votos pela manutenção da República presidencialista.


Eleição e mandato no Executivo

            Preenchendo as condições constitucionais de elegibilidade (CF, art. 14, § 3º), o presidente da república é eleito simultaneamente com um vice-presidente.

            A eleição realizar-se-á em primeiro turno, no primeiro domingo de outubro e, em segundo turno, se houver, no último domingo de outubro, do ano anterior ao do término do mandado presidencial vigente (CF, art. 77).

            Ficou consolidado o direito de o povo eleger o presidente da república pelo sufrágio universal e voto direto e secreto (CF, art. 14). Igualmente foi mantido o princípio da maioria absoluta para a eleição presidencial (CF, art. 77, § 2º). Reputa-se eleito presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos.

            Não alcançando essa maioria, far-se-á uma segunda eleição, isto é, um segundo turno de votação, concorrendo apenas os dois candidatos mais votados, tendo-se como eleito aquele que conseguir a maioria dos votos válidos (CF, art. 77, § 3º)

            São expressões equivalentes "maioria de votos válidos" entre dois candidatos (CF, at. 77, § 3º) e "maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos" (CF, art. 77, § 2º).

            A eleição em dois turnos tem por finalidade assegurar que a pessoa eleita para o cargo de presidente da república, de primordial importância para o Estado, tenha obtido a maioria dos votos válidos. Essa eleição por maioria absoluta não significa necessariamente que seja realizada em dois turnos. Se um dos candidatos obtiver já no primeiro turno mais da metade dos votos, excluídos os em branco, será considerado eleito para o cargo de presidente da república. A eleição em dois turnos mantém a universalidade do sufrágio direto e secreto, pois os eleitores que não tenham participado do primeiro turno de votação poderão votar no segundo.

            O princípio da maioria absoluta é que levou os constituintes a determinarem que, se, antes do segundo turno, ocorrer morte, desistência ou impedimento legal de candidato, convocar-se-á, dentre os remanescentes, o de maior votação (CF, art. 77, § 4º)

            Isso visa evitar conchavos entre os candidatos mais votados, de modo que um concordasse em desistir, com o que o outro seria considerado eleito, mesmo sem satisfazer o princípio da maioria absoluta.

            Se todos os candidatos desistirem, a Constituição não aponta a solução. Mas se tivermos em mente que o princípio é o da maioria absoluta, e não dos dois turnos, parece plausível admitir a anulação da eleição, que resultara fraudada.

            O eleito conquista um mandato de quatro anos (CF, art. 82), do qual tomará posse, no dia primeiro de janeiro do ano seguinte ao de sua eleição, perante o Congresso Nacional.

            A duração do mandato do presidente da república tem variado na história constitucional brasileira. Já foi fixado em seis anos (CF de 1937 e emenda nº 8/77 à de 1969), em cinco (CF de 1946 e 1969) e em quatro (CF de 1891, 1934, 1967 e 1988).

            A emenda constitucional nº 16/97 inovou na ordem constitucional brasileira, ao admitir a reeleição do presidente da república para um único período subseqüente (CF, art. 14, § 5º).


Decorrências da presidência

            A eleição do presidente implica automaticamente a do vice-presidente com ele registrado, que sequer é votado.

            Ao vice cabe substituir o presidente, nos casos de impedimento, suceder-lhe no caso de vaga e auxiliá-lo, sempre que por ele convocado para missões específicas (CF, art. 79, parágrafo único).

            Outros substitutos são o presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal, que serão chamados, se ocorrer o impedimento concomitante do presidente e do vice, no caso de vacância de ambos os cargos (art. 80).

            Pelo exercício de seus mandatos, eles têm direito a estipêndios mensais, em forma de subsídios em parcela única e fixados pelo Congresso Nacional (art. 49, VIII), que manda observar o art. 39, § 4º, sendo determinada a observância do teto, que são os subsídios dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

            Depois da posse, os dois mais altos mandatários da nação podem perder os respectivos cargos para o qual foram eleitos.

            Havendo condenação proferida pelo Senado Federal, por dois terços dos votos, em processo de impeachment, pela prática de crime de responsabilidade, após ter sido admitida a acusação pela Câmara dos Deputados, também pelo quorum qualificado (arts. 51, I, 52, I e parágrafo único, e 85), haverá cassação.

            Igualmente, quando houver condenação proferida pelo Supremo Tribunal Federal pela prática de crime comum (art. 102, I, b).

            Se acontecerem casos de morte, renúncia, perda ou suspensão dos direitos políticos e perda da nacionalidade brasileira, haverá extinção.

            O Congresso Nacional poderá declarar a vacância do cargo, na hipótese de não tomarem posse dos cargos para os quais foram eleitos, se decorridos dez dias da data fixada (art. 78, parágrafo único).

            Como a data fixada é primeiro de janeiro e o prazo vence a onze de janeiro, contando-se a partir do dia seguinte, ou seja, dois de janeiro, inclusive, (arts. 78 e 82), o não comparecimento no prazo indicado, salvo motivo de força maior, vale como renúncia, que é ato unilateral, que não depende de aceitação pelo Congresso Nacional para produzir seus conseqüentes efeitos jurídicos. A hipótese então é de extinção do mandato, e o ato congressual de seu reconhecimento é meramente declaratório.

            O artigo 83 declara que não poderão eles, sem licença do Congresso Nacional, se ausentar do país por período superior a quinze dias, sob pena de perda do cargo.

            A competência para aplicar a pena de perda do cargo é do Congresso Nacional. Só a ele cabe dar a licença (arts. 49, III, e 83).

            A ausência do país, por mais de quinze dias, salvo motivo de força maior, equivale a renúncia. Trata-se de extinção de mandato, não cabendo sua declaração a nenhum órgão jurisdicional, por cuidar-se de questão política.


As atribuições do Executivo

            O presidente da República deve exercer o poder dentro dos limites estabelecidos pela carta política, sob pena de afastamento pela prática de crime de responsabilidade.

            São múltiplas as suas atribuições. A CF (art. 84) consigna as privativas e de prática diuturna. Existem outras, no entanto, em decorrência de sua posição constitucional.

            Como Chefe de Estado, mantém relações com Estado estrangeiro, celebra tratados, convenções e atos internacionais (incisos VII, VIII), nomeia ministros dos tribunais superiores, por ser função de magistratura suprema (inciso XIV), nomeia um terço dos membros do Tribunal de Contas da União, órgão não executivo (inciso XV), declara a guerra e celebra a paz (incisos XIX e XX).

            Como Chefe do Governo, nomeia e exonera os ministros de Estado, inicia o processo legislativo, sanciona e promulga leis, veta projetos de lei, decreta o estado de defesa, o estado de sítio e a intervenção federal, remete mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional, concede indulto e comuta penas (incisos I, III, IV, V, IX, X, XI e XII).

            Como Chefe da Administração, exerce a direção superior da administração federal, organizando o seu funcionamento e extinguindo as funções ou cargos públicos, nomeia o Advogado-Geral da União, órgão do Poder Executivo, presta contas ao Congresso Nacional, referentes ao exercício anterior, provê e extingue cargos públicos federais (incisos II, XVI, XXIV e XXV).

            Entre as suas atribuições, destaca-se a de "expedir decretos e regulamentos" para a fiel execução das leis (inciso IV, última parte).

            A faculdade de regulamentar é atribuída também aos chefes do Poder Executivo nas demais esferas de poder político (governadores e prefeitos), por disposições semelhantes das respectivas constituições estaduais e leis orgânicas municipais.

            Se o regulamento é o ato normativo expedido pelo Poder Executivo, não pode contrariar leis nem criar direitos e obrigações.

            Somente a lei pode criar obrigações, em razão do princípio constitucional da legalidade: "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" (art. 5, II).

            A lei depende da Constituição (art. 59, II, III e IV). Nela encontra o seu fundamento de validade. Ao contrário, o regulamento depende da lei, onde se encontra a sua base de legitimidade (inciso IV).

            Apesar de ser também norma abstrata e geral, difere o regulamento da lei, por não importar em modificação da ordem jurídica.

            O meio pelo qual o presidente da República pratica os atos de sua competência é o decreto. Todos os seus atos inclusive os regulamentos, que contêm disposições gerais, são editados na forma de decretos. Entre eles estão a organização e funcionamento da administração federal e a extinção de funções ou cargos públicos (inciso VI, alíneas a e b).


Responsabilidade do Executivo

            Não existe governante irresponsável nos regimes democráticos. Nem há democracia representativa sem eleição. As autoridades eleitas para exercitar o governo devem responder pelo uso que dele fizerem. Como diz Paulo Brossard de Souza Pinto, in O impeachment, pág 9, Livraria do Globo, 1965, "governo irresponsável, embora originário de eleição popular, pode ser tudo, menos governo democrático".

            No sistema parlamentarista, a responsabilidade do governo apura-se perante o Parlamento, com o voto de desconfiança ou a moção de censura.

            No presidencialismo, o próprio presidente é responsável, ficando sujeito a sanções de perda do cargo por infrações definidas como crime de responsabilidade, apuradas em processo administrativo pelas Casas do Congresso Nacional.

            Esses crimes serão infrações políticas, quando atentarem contra a existência da União, contra o livre exercício do Poder Legislativo, contra o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais, contra a segurança interna do país (CF, art. 85, I-IV). Serão crimes funcionais, no caso de atentarem contra a probidade da administração, a lei orçamentária e o cumprimento das leis e das decisões judiciais (art.85, V-VII).

            O procedimento para julgamento dos crimes de responsabilidade começa com a sua denúncia, que pode ser apresentada por qualquer cidadão (lei 1079/50, art. 14). Compete à Câmara dos Deputados o juízo de admissibilidade da acusação, com o quorum qualificado de 2/3 dos votos (art. 51, I e 86).

            Admitida a acusação, cabe ao Senado Federal, sob a presidência do presidente do Supremo Tribunal Federal, o processo e julgamento do mérito da acusação (art. 52, I e 86). O Senado Federal atua, nesse caso, como órgão judicante, com o objetivo de assegurar uma direção imparcial e técnica a um órgão de composição essencialmente política.

            A Constituição estabelece duas sanções para os condenados pela prática de crime de responsabilidade: a) perda do cargo e b) inabilitação por oito anos para o exercício de função pública (art. 52, parágrafo único). É isso que caracteriza o chamado impeachment.

            A idéia subjacente era a de que "com inabilitação" importava numa conseqüência advinda da decretação da perda do cargo. Mas o Senado Federal, no caso Collor de Mello, deu outra interpretação ao texto, de onde proveio a compreensão de que a renúncia ao cargo, durante o processo de julgamento, não implica a sustação deste, que prosseguirá para confirmar a inabilitação pelo prazo indicado.

            Deu-se à perda do cargo pela renúncia o mesmo efeito da perda por decisão do juízo político. No caso Collor de Mello, o Senado teve que se pronunciar precisamente, porque a renúncia se dava exatamente no momento do julgamento e cumpria verificar, à falta de precedentes, se o processo se encerrava ou se prosseguia o julgamento.

            A decisão foi no sentido de que o julgamento prosseguia e, em prosseguindo, concluiu, como não poderia ser diferente, pela inabilitação, considerando esta decorrente da perda do cargo pela renúncia.

Sobre o autor
Máriton Silva Lima

Advogado militante no Rio de Janeiro, constitucionalista, filósofo, professor de Português e de Latim. Cursou, de janeiro a maio de 2014, Constitutional Law na plataforma de ensino Coursera, ministrado por Akhil Reed Amar, possuidor do título magno de Sterling Professor of Law and Political Science na Universidade de Yale.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Máriton Silva. Estudos sobre o Poder Executivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 991, 19 mar. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8108. Acesso em: 24 nov. 2024.

Mais informações

Texto baseado em série originalmente publicada no "Jornal da Cidade", de Caxias (MA), entre 27/11/2005 e 02/04/2006.

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