Notas
01 Para uma análise mais pormenorizada da questão, cf. o artigo de MATTOS, Ana Letícia Queiroga de. Apontamentos críticos à ponderação de valores adotada pelo Supremo Tribunal Federal. In CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza (org.). O Supremo Tribunal Federal revisitado: o ano judiciário de 2002. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. P. 67-118.
02 A ciência moderna conhece seus próprios limites. As ambições do Iluminismo relacionadas a uma racionalidade extremada há muito cederam espaço para uma concepção de ciência que se sabe precária. Para tanto, cf. CARVALHO NETTO, Menelick de. Racionalização do ordenamento jurídico e democracia. Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte, v. 88, p. 81-108, dez. 2003, Imprensa Universitária da UFMG.
03 O conceito de autopoiesis foi elaborado por Humberto Maturana, biólogo chileno, que buscava explicar a organização de organismos vivos. "Un sistema vivo, según Maturana, se caracteriza por la capacidad de producir y reproducir por sí mismo los elementos que lo constituyen, y así define su propria unidad: cada célula es el producto de un retículo de operaciones [...] internas al sistema del cual ella misma es un elemento; y no de una acción externa" (CORSI, ESPOSITO e BARALDI, 1996, p. 31-32).
04 "La distinción entre operación/observación está en la base del planteamiento constructivista de Luhmann [...] y de la extensión del concepto de autopoiesis [...] a los sistemas constitutivos de sentido. Partiendo de esta distinción se pueden combinar en efecto la absoluta determinación de las operaciones autopoiéticas con la contigencia de la observación.
Con operación se entiende la reproducción de un elemento de un sistema autopoiético con base de los elementos del mismo sistema, es decir, el presupuesto para la existencia del sistema mismo. No existe por tanto un sistema sin un modo aun la distinción justo/erróneo es un esquema observativo con sus propios límites y con el propio punto ciego y no garantiza una particular adecuación con el mundo" (CORSI, ESPOSITO e BARALDI, 1996, p. 119-120). A observação é uma operação do sistema, consistente numa distinção. Toda distinção se estabelece com relação ao sistema e ao ambiente; se o sistema aponta para ele mesmo, cuida-se de uma auto-referência; se para o ambiente, hetero-referência. A auto-observação é uma distinção aplicada a ela mesma.
05 Para a teoria dos sistemas, a comunicação não é uma ação. É uma operação social de três momentos: ato de comunicar – informação – compreensão. A comunicação é algo improvável, já que a correspondência entre o ato de comunicar e a compreensão é impossível. No marco de uma teoria dos sistemas, não existe consenso. Para tornar a questão ainda mais problemática, há a complexidade (excesso de possibilidades) da comunicação. O que se pode fazer é reduzir tal complexidade por meios de comunicação.
06 Para tanto, cf. HABERMAS, Jürgen. Facticidad y validez: sobre el derecho y el Estado democrático de derecho en términos de teoria del discurso. Trad. Manuel Jimenez Redondo. Madrid: Trotta, 1998. Na versão para o português, cf. HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
07Função, em Luhmann, não é um efeito a ser buscado, mas um esquema regulador de sentido, que organiza um âmbito de comparação de efeitos equivalentes (MANSILLA in LUHMANN, 2002, p. 29)
08 "La diferenciación no se observa tan sólo entre el sistema y un entorno con el transfondo de lo indeterminado del mundo [...]. Es observable también al interior de un sistema (Systemdifferenzierung o de manera más simple Differenzierung). La diferenciación de un sistema consiste en la aplicación de la formación de un sistema a sí misma: se trata de una forma reflexiva y recursiva de construcción de sistema que replica, al interior del sistema mismo, la diferencia sistema/entorno" (CORSI, ESPOSITO e BARALDI, 1996, p. 57).
09 Há uma vasta bibliografia discutindo tal ampliação de poderes e os perigos nos quais ela incide. De forma sumária, pode-se cf. DWORKIN, Ronald. O Império do direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 1999; GÜNTHER, Klaus. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação. Trad. Cláudio Molz. São Paulo: Landy, 2004; HABERMAS, Jürgen. Facticidad y validez: sobre el derecho y el Estado democrático de derecho en términos de teoria del discurso. Trad. Manuel Jimenez Redondo. Madrid: Trotta, 1998 (em especial, o capítulo VI).
10 O movimento do realismo jurídico se projetou nos idos das décadas de 1920 e 1930 nos Estados Unidos, tendo como primeiro divulgador Oliver Wendell Holmes. As doutrinas do realismo jurídico teriam o intento de afastar a suposta pureza do Direito e demonstrar sua íntima vinculação à política. O realismo jurídico, nas palavras de Morton Horwitz, produziria um ceticismo salutar e seria mais adequado para descrever um sistema de Direito que, nos EUA, se construiu muito por contribuição do trabalho dos juízes de interpretar e aplicar a Constituição. A máxima que sintetiza as idéias do realismo jurídico pode ser encontrada na posição do Juiz Presidente da Suprema Corte, Charles Evan Hughes, que alegava ser a Constituição o que os juízes dizem que ela é (MARTINS in VIEIRA, 2002, p. 215-228).
11 Uma vez que os sistemas são auto-referentes e autopoiéticos, a assimetrização de um paradoxo evita que as operações do sistema se voltem sobre si próprias, sem referência a algum outro elemento. Nesse espectro, é preciso notar que um paradoxo tem uma função criativa na teoria luhmanniana. "Las paradojas se crean cuando las condiciones de posibilidad de una operación son al mismo tiempo a las condiciones de su imposibilidad [...]. Las paradojas surgen cuando el observador, que en cuanto tal señala algunas distinciones, hace surgir la cuestión de la unidad de la distinción que está utilizando [...]. Toda distinción es inherentemente paradójica, precisamente porque los dos dados que la constituyen siempre están presentes contemporáneamente: el uno en cuanto lado indicado, el otro como el lado que debe ser sobreentendido como lado al cual se hace referencia" (CORSI, ESPOSITO e BARALDI, 1996, p. 123-124)
12 A expressão hard cases se refere aos casos difíceis ou casos para os quais não há uma decisão no passado que possa orientar a decisão no presente, ou mesmo que a regulamentação sobre eles seja de caráter duvidoso ou nem chegue a existir. H.L.A. Hart resolve o problema desses casos atribuindo um poder discricionário aos juízes para resolvê-los. Ronald Dworkin enfrenta a questão através de sua teoria da integridade do direito e com o recurso a princípios jurídicos. Cf. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002; HART, H.L.A. O conceito de direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.
13 "O conceito de irritação (irritabilidade) aponta para o fato de que a causa do acoplamento estrutural dos sistemas acoplados reage de maneira distinta ao que se refere à celeridade às irritações [...]. Os acoplamentos estruturais com seu duplo efeito de inclusão/exclusão fazem mais a concentração da irritabilidade. O mesmo que preparam no âmbito de suas possibilidades para as contingências" (CHAI, 2004, p. 62-63).
14 Na filosofia de Leibnitz, substância simples ativa, de que todos os corpos são feitos.
15 Cf. SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
16 Cf. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformada. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
17 Günther procede à diferenciação entre discursos de justificação ou fundamentação e discursos de aplicação, diferenciando conseqüentemente validade de adequabilidade. Cattoni de Oliveira (2002, p. 85) bem evidencia os conceitos: "Os discursos de justificação jurídico-normativa se referem à validade das normas, e se desenvolvem com o aporte de razões e formas de argumentação de um amplo espectro (morais, éticas e pragmáticas), através das condições de institucionalização de um processo legislativo estruturado constitucionalmente, à luz do princípio democrático [...].
Já discursos de aplicação se referem à adequabilidade de normas válidas a um caso concreto, nos termos do princípio da adequabilidade, sempre pressupondo um "pano de fundo de visões paradigmáticas seletivas" ".
18 Klaus Günther e Jürgen Habermas apropriam-se da concepção principiológica da teoria de Kohlberg acerca dos estágios de desenvolvimento moral para inseri-la no direito. Segundo Kohlberg, o desenvolvimento moral da criança compreende três estágios: pré-convencional, convencional e pós-convencional. "No nível pré-convencional o indivíduo não chega a compreender que as regras e valores se baseiam em tal acordo, e as reificam. No nível pós-convencional, os indivíduos percebem que estes acordos, por seu turno, baseiam-se em princípios que, inclusive, podem fundamentar a alteração destes acordos. O nível pós-convencional, que aqui nos interessa de modo mais direto, é dividido em dois estágios: o estágio 5 (nível do contrato social ou da utilidade e dos direitos individuais) e o estágio 6 (nível dos princípios éticos universais). O que difere ambos estágios é que o estágio 5 tende a ver tais princípios como intrínsecos à sociedade e a conceber um escalonamento rígido e prévio entre estes princípios. Já o estágio 6 reconhece que estes princípios podem ser postulados (ou reivindicados) universalmente, mas que não existe um escalonamento rígido e prévio entre os mesmos (...)" (GALUPPO, 2002, p. 192/193).
19 "Los programas se definen en general como conjuntos de condiciones para la corrección. Con referencia a los códigos [...], los programas son aquello que establece los criterios para la correcta atribución de los valores de tales códigos, de tal manera que un sistema que se oriente hacia ellos [...] pueda alcanzar complejidad estructurada y controlar el propio proceder [...].
Los programas compensan la rígida condición binaria del código, que permite tomar en consideración únicamente dos valores, introduciendo en la decisión criterios extraños a éste [...]." (CORSI, ESPOSITO e BARALDI, 1996, p.131-132)
20 É preciso salientar que Maus não distingue, tal qual Habermas, discurso éticos de morais e de pragmáticos, tomando o termo moralidade num sentido que, no último, melhor se expressaria por eticidade.
21 Maus se refere ao livro de Alan Barth, Prophets with honor: great dissents and great dissenters and Supreme Court. Nova York, 1974.
22 Para os convencionalistas, "[...] a força coletiva só deve ser usada contra o indivíduo quando alguma decisão política do passado assim o autorizou explicitamente, de tal modo que advogados e juízes competentes estarão todos de acordo sobre qual foi a decisão, não importa quais sejam suas divergências em moral e política." (DWORKIN, 1999, p. 141)
23 "O pragmático adota uma atitude cética com relação ao pressuposto que acreditamos estar personificado no conceito de direito: nega que as decisões políticas do passado, por si sós, ofereçam qualquer justificativa para o uso ou não do poder coercitivo do Estado. Ele encontra a justificativa necessária à coerção na justiça, na eficiência ou em alguma outra virtude contemporânea da própria decisão coercitiva, e acrescenta que a coerência com qualquer decisão legislativa ou judicial anterior não contribui, em princípio, para a justiça ou virtude de qualquer decisão atual." (DWORKIN, 1999, p. 185)
24 A eqüidade requer a existência de procedimentos políticos que distribuem o poder político adequadamente (DWORKIN, 1999, p. 200); não tem o significado da eqüidade grega, mas muito mais o de imparcialidade. A justiça pede aos legisladores e juízes que distribuam recursos materiais e protejam a liberdade sempre de modo a alcançar um resultado moralmente aceitável. O devido processo se refere aos procedimentos corretos para julgar algum cidadão (DWORKIN, 1999, p. 200). Por fim, "Os juízes que aceitam o ideal interpretativo da integridade decidem casos difíceis tentando encontrar, em algum conjunto coerente de princípios sobre os direitos e deveres das pessoas, a melhor interpretação da estrutura política e da doutrina jurídica de sua comunidade" (DWORKIN, 1999, p. 305).
25 "Na última seção pretendo defender a tese de que o sistema legal de uma sociedade tem que ser interpretado como um paradigma de um sistema de normas válidas, em última análise, coerente. De acordo com esta sugestão, um sistema jurídico pode ser criticado pelos mesmos dois tipos de motivos, como no caso das normas morais: as normas jurídicas têm que ser válidas no sentido de uma teoria do discurso e o sistema coerente de normas jurídicas pretende dar uma resposta adequada a todos os casos". (GÜNTHER, 2000, p. 98)
26 Alguns intérpretes de Dworkin tendem a aproxima-lo de Alexy, dizendo sim que ele permite uma ponderação do juiz quanto ele está diante de um conflito entre princípios (DWORKIN, 2002, p. 44). Antes de mais nada, é preciso asseverar que tais intérpretes tem por base a própria compreensão que Alexy tem de Dworkin e que pode ser encontrada em Derecho y razón práctica (1993). Não concordo com tal visão. A distinção entre regras e princípios, em Dworkin, não é uma distinção morfológica; ela depende do caso concreto, dos sinais característicos que ele revela. Tanto é assim que não é possível estabelecer uma lista dos princípios mais importantes para uma comunidade, nem simplesmente querer chamar tal norma de um princípio ou uma regra sem estar diante do caso concreto. Além disso, o termo "ponderação" em Dworkin não significa balanceamento, mas reflexão, algo que um autor herdeiro do giro hermenêutico pode pretender sem se contradizer (Cf. ALEINIKOFF, Alexander. Constitutional law on the age of balancing. The Yale Law Journal, vol. 96, n. 5, abril de 1987.). Outro ponto importante é que ele rechaça veementemente uma axiologização do direito ao aceitar a tese da resposta correta, que pressupõe uma outra tese, a da bivalência (DWORKIN, 2001, p. 176).