5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após décadas de aprofundamento das dívidas por parte dos entes federativos e da própria União, como demonstra o percurso histórico da economia brasileira, surge a necessidade de regular tais processos através da legislação nacional. Desta forma, a Constituição de 1988 previa a edição de uma lei que regulamentasse tais endividamentos, fato que deu origem à atual Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/2000). Além de acolher a expectativa constitucional, desempenha um outro papel igualmente significativo no contexto brasileiro, qual seja, de institucionalizar o ajuste fiscal.
Ao verificar se a LRF está sendo um instrumento de equilíbrio e prudência fiscal por parte das prefeituras municipais do Estado do Rio Grande do Sul, a pesquisa constatou uma surpreendente eficiência, pois suas propostas estão sendo realizadas na maioria dos casos. Desta forma, tem sido importante para conter os exageros cometidos pelos representantes públicos, tornando os governos responsáveis e transparentes, por meio de ação planejada que possibilita prevenir riscos e garantir desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas.
Por outro lado, a motivação da LRF transcende ao universo jurídico. Os resultados obtidos pela pesquisa, embora satisfatórios sob o ponto de vista do fulcro da Lei, denotam – infelizmente – uma falha estrutural da sociedade brasileira: a necessidade quase orgânica do processo legislativo. Em outras palavras, os princípios da moralidade administrativa e da gestão responsável e eficiente dos recursos públicos deveriam estar difundidos no inconsciente de todos os administradores, não necessitando de previsão legal. Contudo, o alto índice de corrupção e a desconfiança generalizados exigem justamente o contrário.
Enfim, embora a Lei de Responsabilidade Fiscal não se apresente como instrumento suficiente para o equilíbrio financeiro do país, acredita-se que ela seja parte fundamental dentro do conjunto de outras iniciativas necessárias. Cabe à sociedade traçar as novas diretrizes, não apenas econômicas, que definam as regras fundamentais no trato equilibrado dos recursos públicos.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
BUCHANAN James M.; WAGNER, Richard E. Democracy in Deficits. Virginia: Academic Press, 1999.
GREMAUD, Amaury Patrick. Economia Brasileira Contemporânea. 4. ed. São Paulo: Altas, 2002.
LONDERO, Daiane. O Comportamento Fiscal dos Municípios do Estado do Rio Grande do Sul e a Lei de Responsabilidade Fiscal: uma Análise Empírica. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 2004 (Relatório Final de Projeto de Pesquisa PIBIC/CNPq).
LOPREATO, Francisco Luiz Cazeiro, O Colapso das Finanças Estaduais e a Crise da Federação. São Paulo: Unesp-Unicamp, 2002.
ROGOFF, Kenneth; SILBERT, Anne. Elections and macroeconomy policy cycles. Review of economic studies, n. 55, p. 1-16, 1988.
ROGOFF, Kenneth. Equilibrium political budget cycles. The American economic review, v. 80, n.1, mar. 1990.
TAVARES, Martus. Fazendo o dever de casa com responsabilidade. Disponível em: www.federativo.bndes.gov.br/if_informes>. Acesso em: 20. agosto de 2003.
TER-MINASSIAN, Teresa. Intergovernamental Fiscal Relations in a macroeconomic prespective: on Overview. Fiscal federalism in theory and practivem. Washington: IMF, 1997.
Notas
01
Francisco Luiz Cazero Lopreato, O Colapso das Finanças Estaduais e a Crise da Federação. São Paulo: Unesp-Unicamp, 2002.02
Amaury Patrick Gremaud, Economia Brasileira Contemporânea. 4. ed. São Paulo: Altas, 2002.03
Ibid., p. 392.04
Daiane Londero, O Comportamento Fiscal dos Municípios do Estado do Rio Grande do Sul e a Lei de Responsabilidade Fiscal: uma Análise Empírica. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 2004 (Relatório Final de Projeto de Pesquisa PIBIC/CNPq). p. 29.05
O rol de princípios constitucional-administrativos existentes no Direito Brasileiro é imenso, e discorrer minuciosamente sobre cada um ultrapassa em boa parte os objetivos deste artigo. Desta forma, optou-se por tratá-los de forma sistemática, presumindo-se que o leitor já tenha um certo conhecimento sobre eles. Para maiores esclarecimentos, consultar Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004.06
Vale ressaltar que a legislação brasileira recebeu a influência também de inúmeros outros modelos de responsabilidade fiscal. Um bom exemplo vindo dos Estados Unidos é a famosa Lei Gramm-Rudman-Holings (1985) em que foram criados os mecanismos de "sequestration" (corte automático – presente nas metas fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias do Brasil) e "pay-as-you-go" (controle das despesas obrigatórias de caráter continuado – é a própria essência da LRF). Na União Européia, o Tratado de Maastricht instituiu normas gerais para os países interessados em utilizar o euro, como a meta de 1,5% da taxa de inflação e a estabilidade da taxa de câmbio por pelo menos dois anos. Na Nova Zelândia, há a Fiscal Responsability Act (1994), considerada o modelo de transparência fiscal para o FMI. Na América Latina, restam duas referências: na Argentina, a Ley de Responsabilidad Fiscal (Lei n. 255.152/99); no Peru, a Ley de Prudência e Transparência Fiscal (Lei n. 272458/1999).07
Teresa Ter-Minassian, Intergovernamental Fiscal Relations in a macroeconomic prespective: on Overview. Fiscal federalism in theory and practivem. Washington: IMF, 1997.08
Martus Tavares, Fazendo o dever de casa com responsabilidade. Disponível em: www.federativo.bndes.gov.br/if_informes>. Acesso em: 20. agosto de 2003.09
A explicação mais provável para a queda nesse período é a de que os prefeitos, temerosos com as mudanças rígidas introduzidas pela LRF, que passariam a vigorar no ano seguinte, anteciparam-se em ajustar as contas de seus municípios.10
Poderia acontecer, por exemplo, a hipótese de alguns municípios muito ricos apresentarem um bom desempenho, enquanto a esmagadora maioria dos demais mantivessem a má-gestão de seus orçamentos. Neste caso, é muito possível que o déficit total caísse, passando a ilusória idéia de que a LRF estava sendo eficaz para todos os municípios.11
James M. Buchanan e Richard E. Wagner, Democracy in Deficits. Virginia: Academic Press, 1999. p. 195.12
Kenneth Rogoff e Anne Silbert, Elections and macroeconomy policy cycles. Review of economic studies, n. 55, p. 1-16, 1988.13
Kenneth Rogoff, Equilibrium political budget cycles. The American economic review, v. 80, n.1, Mar 1990. p. 21.14
Antes da LRF, havia previsão para gastos com despesa de pessoal na Lei Complementar n. 96/1999, denominada Lei Rita Camata II, aprovada pelo Congresso Nacional. Ocorre que os Poderes Legislativo e Judiciário ficavam fora do alcance dessa lei. Agora, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, isso mudou e os limites são aplicados a todos os Poderes e às três esferas de governo.15
Neste caso, se o excesso ultrapassar a 95% dos limites, o Poder ou órgão estará sujeito a uma série de proibições relativas a despesas com pessoal (art.22 da LRF), dentre outras, a impossibilidade de conceder vantagem, aumento, reajuste ou remuneração a qualquer título (salvo determinação judicial ou legal), bem como a criação de cargo, emprego ou função. Independentemente disto, o art. 23 enuncia que algumas providências deverão ser tomadas sucessivamente e até a medida em que bastem: (I) reduzir em pelo menos 20% as despesas com cargos em comissão e função; (II) exonerar servidores não estáveis; (III) se as medidas anteriores não forem suficientes, determinar a perda do cargo pelos servidores estáveis que os ocupem (a exoneração dos servidores estáveis está determinada na Lei 9.801/99).16
Argumenta-se que o art. 20 da LRF, sem qualquer previsão constitucional, prefixou os montantes percentuais máximos do Legislativo (incluindo o Tribunal de Contas), Judiciário, Executivo e, destacadamente, o Ministério Público da União e dos Estados, assim como o Legislativo e Executivo Municipais, ferindo de modo grosseiro, a autonomia destas pessoas. Ver Celso Antônio Bandeira de Mello, op. cit., p. 244.17
Nesse sentido, o art. 21 parágrafo único da LRF declara nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento de despesa com pessoal expedido nos 180 dias anteriores ao final mandato do titular do respectivo Poder ou órgão, sob pena de reclusão de um a quatro anos, a teor do art. 359-G do Código Penal. Essa disposição é de fundamental importância para a moralidade da administração pública, visto que impede práticas de ilusão fiscal promovidas por alguns governantes que, perto da eleição, contratavam servidores à revelia como estratégia para angariar votos.18
Antigamente, os municípios apresentavam os gastos com pessoal, mas não eram obrigados a demonstrar a RCL, o que impossibilitava deduzir o valor percentual dos gastos. Com a LRF, que prima pela publicidade da administração pública, os prefeitos são obrigados a divulgar todas as informações, sob pena de crime de responsabilidade.19
Ressalta-se apenas que, de acordo com o § 2° do art. 169 da Constituição, se o teto continuar excedido, serão imediatamente suspensas todas as transferências voluntárias para o município. Além disso, vale mencionar também que, nos termos do art. 167 inciso X da CF/88, estão vedadas a transferências voluntária de recursos e a concessão de empréstimos, mesmo que por antecipação de receita, pelos Governos Federal, estaduais e suas instituições financeiras para pagamento com despesas com pessoal (ativo, inativo e pensionista) dos Estados, Distrito Federal e Municípios.