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As contradições e imperfeições do Código de Trânsito Brasileiro

Agenda 14/04/2006 às 00:00

Que o atual Código de Trânsito Brasileiro trouxe mudanças significativas na regulamentação do trânsito em nosso país, é fato que não se pode negar. Que o aumento dos valores das multas e punições mais rigorosas fizeram com que os infratores sentissem de maneira mais contundente as conseqüências por suas condutas, não há dúvida alguma. Que tenha crescido o interesse pelo conhecimento sobre a legislação de trânsito, é constatação crescente entre nós, profissionais do trânsito.

Algo, no entanto, que, infelizmente, nos deixa frustrados na aplicação da legislação de trânsito são as diversas contradições e imperfeições da Lei nº 9.503/97, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, apesar de nossos legisladores terem usufruído de tempo suficiente para preparar o que veio a ser denominado por muitos como "um dos melhores Códigos de Trânsito do mundo", já que a Comissão Especial criada para elaborar o seu anteprojeto teve fundamento em Decreto assinado pelo Vice-Presidente da República, no exercício da Presidência, em 1991, o que resultou em um período de seis anos para sua proposição e tramitação no Poder Legislativo.

São tantas as contradições e imperfeições, ora óbvias, ora detectadas apenas pela aguçada observação, que não seria nenhum exagero concluir pela necessidade de revisão integral da Lei, aproveitando-se para incluir, na análise, os inúmeros Projetos que tramitam no Congresso Nacional, para alteração do Código de Trânsito.

As classificações das diversas infrações de trânsito, por exemplo, dão motivos de sobra para duvidar que tenha havido revisão final do texto legal, afinal, como aceitar que seja classificada como infração de natureza leve a prevista no artigo 169 – Dirigir sem atenção ou sem os cuidados INDISPENSÁVEIS à segurança? (grifei).

O que é mais grave para o trânsito: a condução de motocicleta com o farol apagado ou com a lâmpada queimada? Para o legislador, o esquecimento é pior do que a desídia, pois no primeiro caso classificou o artigo 244, IV como infração gravíssima (em que, além da multa, caberá suspensão do direito de dirigir) e, no segundo, estabeleceu, no artigo 230, XXII, apenas a multa de natureza média.

E a utilização das marcas de canalização (conhecidas como áreas zebradas)? Tanto o estacionamento, quanto o simples trânsito são proibidos, mas, ao contrário do que se deveria supor, o estacionamento é infração menos grave (artigo 181, VIII) do que o simples trânsito (artigo 193); enquanto no estacionamento a multa será de R$ 127,69, no trânsito sobre tais marcas temos multa de R$ 574,62.

A previsão de penalidades e medidas administrativas constitui outro aspecto em que nem sempre a lógica é valorizada: Se a medida administrativa de retenção do veículo tem o objetivo de possibilitar que a irregularidade seja sanada no local da infração e a penalidade de apreensão do veículo tem caráter mais punitivo, com a retirada do veículo de circulação, de um a trinta dias, conforme artigo 262, em qual das duas situações a seguir o agente de trânsito deveria autorizar o condutor do veículo a sanar a irregularidade no local da infração: a condução de veículo com a cor alterada ou a condução de veículo com a placa encoberta pelo engate para reboque? Se o leitor imaginou que o primeiro caso deveria acarretar a apreensão do veículo e o segundo apenas a retenção para regularização, levando-se em conta somente a facilidade de se resolver o problema, está redondamente enganado, pois os incisos VII e VI do artigo 230 do CTB (respectivamente) nos demonstram justamente o contrário.

Por se falar em retenção do veículo, alguém pode me dizer para que serve a retenção prevista no artigo 170 (Dirigir ameaçando os pedestres que estejam atravessando a via pública, ou os demais veículos)? Ou, então, por que a infração de estacionar na contramão de direção (artigo 181, XV) é a única infração de estacionamento em que não se prevê a remoção do veículo?

Também encontramos falhas na utilização de termos técnicos, pois, apesar dos conceitos trazidos pelo Anexo I do CTB, algumas infrações de trânsito comportam expressões inadequadas, como, por exemplo:

No artigo 183, temos a infração "Parar o veículo sobre a faixa de pedestres na mudança de sinal luminoso" (que, por sinal, é mais grave que a infração do artigo 182, VI, em que a parada ocorre propositalmente, para embarque ou desembarque de passageiros) – considerando-se o conceito de parada, natural que se tivesse optado, na redação deste artigo, a expressão utilizada no artigo 180 (Ter seu veículo imobilizado...).

No artigo 200, temos outro exemplo interessante, pois prevê, como infração, a ultrapassagem pela direita de veículo de transporte coletivo parado para embarque ou desembarque. Entretanto, conceitualmente, a manobra de ultrapassagem somente ocorre quando um veículo passa por outro que se DESLOCA no mesmo sentido e em menor velocidade, saindo e retornando à faixa de origem.

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E por qual motivo será que encontramos tantas expressões para significarem a mesma coisa, quando se trata, por exemplo, do veículo que está em movimento na via pública? Ou será que há diferenças entre Dirigir (artigos 162 e 252), Conduzir (artigos 230, 232, 235 e 244), Transitar (artigos 184, 186, 187, 188, 193, 194, 218, 219, 223, 231 e 237) e Quando o veículo estiver em movimento (artigos 185 e 250)?

Quando um condutor é condenado por delito de trânsito, deve ocorrer a suspensão do seu direito de dirigir, de dois meses a cinco anos (artigos 292 e 293) ou a cassação definitiva do documento de habilitação (artigo 263, III)?

Além das contradições, existem artigos totalmente fora de propósito:

Os crimes de trânsito renderiam outras tantas considerações, desde a previsão de pena mais severa para a lesão corporal culposa (em comparação com a modalidade dolosa, do Código Penal), até a inclusão de crimes polêmicos, como o artigo 305 (que cria situação contrária à proibição constitucional de prisão civil por dívida – neste caso, suposta dívida) ou o parágrafo único do artigo 304, que fez questão de mencionar que o condutor incide na omissão de socorro ainda que sua omissão seja suprida por terceiros ou se tratar de vítima com morte instantânea ou com ferimentos leves (só espero que ninguém brigue para socorrer a vítima de acidente, com receio de responder pelo crime de omissão).

Vejam que, como citei no início, são inúmeros os exemplos. Não se trata, obviamente, de perfeccionismo ou análise puramente detalhista do Código de Trânsito Brasileiro, mas cabe lembrar que, dentre outros princípios, deve a Administração pública, por força do artigo 37 da Constituição Federal, obedecer ao princípio da legalidade, e, por vezes, torna-se difícil cumprir a lei, ou mesmo exigir o seu cumprimento, em meio a tantas contradições e imperfeições...

Sobre o autor
Julyver Modesto de Araujo

Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP. Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo, tendo realizado diversas atividades relacionadas ao policiamento de trânsito, de 1996 a 2008, entre elas Conselheiro do CETRAN/SP, de 2003 a 2008. Coordenador e Professor dos Cursos de Pós-graduação do CEAT - Centro de Estudos Avançados e Treinamento / Trânsito (www.ceatt.com.br). Presidente da ABPTRAN - Associação Brasileira de Profissionais do Trânsito (www.abptran.org). Autor de livros e artigos sobre trânsito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, Julyver Modesto. As contradições e imperfeições do Código de Trânsito Brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1017, 14 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8242. Acesso em: 20 nov. 2024.

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