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Os municípios brasileiros e a defesa do consumidor

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Agenda 30/05/2020 às 20:30

Modelos jurídico-institucionais para a proteção do consumidor nos Municípios

A Administração Pública Brasileira, nos termos da Constituição Federal, tem sua composição estruturada submetida a regras distintas e dividida em Administração Pública Direta e a Administração Pública Indireta. Na Administração Direta estão os entes políticos (União, Estados e Municípios), seus órgãos e departamentos. Na Administração Indireta estão as entidades autônomas cuja criação ou autorização se dá mediante lei, com capacidade jurídico-administrativa e, na maioria dos casos, orçamentos próprios.

A Administração Indireta brasileira é formada por quatro tipos de pessoas jurídicas que se distinguem pelo regime jurídico de Direito. As autarquias e as fundações públicas estão submetidas ao regime jurídico de Direito Público, enquanto as empresas públicas e as sociedades de economia mista são reguladas pelo regime jurídico de Direito Privado.

Ainda podemos inserir na Administração Pública as Agências Reguladoras, tidas como Autarquias Especiais e os Consórcios Públicos. E em último caso até mesmo a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) tida como uma Autarquia anômala.

Os modelos de gestão estatal apontados para uma eventual proposição de modelo jurídico-institucional para o Procon Municipal são aplicáveis, com exceção das empresas públicas, pois as mesmas, pressupõem exploração de atividade econômica, atuação não prevista e incompatível quanto à fiscalização das relações de consumo.

Cabe destacar que o CDC não traz nenhum modelo a ser priorizado, ao contrário, na medida que tem uma abertura não unívoca para a feição institucional do Procon. Tanto é assim que traçando um paralelo, no que se refere a legitimidade processual em juízo, o sistema do Código do Consumidor rompe formalismos e confere a legitimidade até mesmo a órgãos despersonalizados no âmbito da Administração, desde que tenha como finalidade a defesa dos consumidores, nos termos do art. 82, III21 do CDC.

No âmbito do Município, o que não diverge de qualquer esfera dos outros entes federais, como Estados e União, o Procon pode assumir o seu papel sendo uma mera Secretaria da Prefeitura, ou qualquer outro órgão, criado até mesmo por instrumento normativo inferior, decreto por exemplo, bem como um diretoria, comissão ou qualquer outro vinculado ao Executivo Municipal. Da mesma sorte o Município pode criar uma Autarquia ou uma Fundação ou até mesmo uma Sociedade de Economia Mista para exercer o papel de Procon no Município. Ou mesmo um Consórcio Público.

É de se registrar ainda que não somente o Executivo pode ter o seu órgão de proteção ao consumidor, a Câmara de Vereadores, Poder Legislativo Municipal, pode criar o seu Procon por Resolução Legislativa. E ainda o Juiz da Comarca ou o Promotor de Justiça a qual aquele Município está adstrito pode criar o Procon vinculado ao Poder Judiciário ou Ministério Público, por simples portaria por exemplo.

Ou seja, não existe um modelo único. A amplitude das possibilidades são inversamente proporcionais às atribuições dadas pela lei a qualquer dos Poderes existentes no Município, Ministério Público, OAB, para o exercício desta importante tarefa, que deve ser avaliada localmente, caso a caso, para a definição de qual o formato utilizado, chamando atenção ainda que, se por ventura, algum dos Poderes presentes no Município instalam o Procon e outro assim também o faz, tais órgãos não irão competir entre si e sim unem-se no Sistema Municipal para a efetiva defesa e proteção. Ao contrário, ganhará o consumidor por ter mais de uma porta para golpear e fazer sua reclamação.

Porém para uma atuação municipalizada do Procon em qualquer dos modelos jurídicos-institucionais tem como pressuposto desejável a criação do Fundo Municipal de Direitos Difusos para que eventuais recursos de multas aplicadas sejam destinadas ao mesmo que se reverterá em benefício da coletividade dos consumidores daquele Município e não vertidas ao Fundo Estadual ou Federal.


CONCLUSÃO

O constituinte brasileiro expressamente fez a opção de inserir a proteção da defesa do consumidor por parte do Estado como um direito fundamental de terceira dimensão, com inspiração nos princípios e diretrizes da Resolução 39/248, de 09 de abril de 1985, da ONU. Por sua vez, o legislador infraconstitucional, ao escrever o CDC, instituiu um adequado e amplo sistema e proteção ao consumidor.

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Assim, o Estado, por intermédio dos seus Poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário tem a obrigação de atuar por contraprestações positivas na defesa dos direitos do consumidor, com o fim de conferir efetividade a ditos direitos.

A defesa judicial e administrava prestada pelos Procons ou Adecons é uma das mais importantes ferramentas nesta perspectiva. Qualquer dos Poderes, em qualquer dos entes da Federação, ou mesmo o Ministério Público e a OAB, podem criar este serviço vital para promover o comando constitucional, e aprimorar o Sistema Nacional de Proteção ao consumidor inaugurado pelo Código de Defesa do Consumidor.

Os Municípios por serem os entes federados mais próximos da população é quem deveriam abraçar de forma mais eficaz a instituição dos Procons. Porém a realidade demonstra que menos de 13% das cidades brasileiras possuem este serviço de orientação e defesa dos consumidores.

Não há qualquer justificativa plausível pela omissão estatal da Administração Pública Municipal em implantar um Procon, pois a legislação confere uma elasticidade quanto ao modelo jurídico-institucional do órgão, justamente para favorecer a opção administrativa mais eficiente, de acordo com a realidade de cada Município, sempre com o fim de concretizar o direito fundamental de defesa do consumidor

Portanto, seja vinculado ao Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público, OAB, seja Administração Direta ou Indireta, personalizado ou despersonalizado, o Procon deve ser constituído no âmbito dos Municípios brasileiros, sem mencionar que são uma importante arma de arrecadação quando exercido seu poder de polícia na aplicação de multas administrativas, direcionadas ao Fundo Municipal de Direitos Difusos que também deve ser criado, e por lei, para dar mais efetividade à atuação estatal pelo Procon.

É imperioso que os Municípios se mobilizem para a imediata criação dos PROCONs Municipais, fazendo valer direito fundamental previsto na Constituição Federal. Sem dúvida, Município sem PROCON está irregular e é Município que não respeita os consumidores.


REFERÊNCIAS

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BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª Edição, São Paulo : Editora Malheiros, 2006.

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GUIMARÃES, Alexandre José. Direitos de terceira dimensão: a tutela do direito do consumidor no Brasil por meio das ações coletivas. 2015. 137 f. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2015. Disponível em: <https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/6685/1/Alexandre%20Jose%20Guimaraes.pdf> , Acesso em: 01 abr. 2020, 13:13:15.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA. Boletim Sindec 2018. Disponível em <https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/collective-nitf-content-1552676889.94/arquivos/boletim-sindec-2018.pdf/view>. Acesso em: 01 jan 2020, 16:40:12.

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SÃO PAULO. Tabela Prática para Cálculo de Atualização Monetária – IPCA-E. Disponível em <https://www.tjsp.jus.br/Download/Tabelas/Tabela_IPCA-E.pdf>. Acesso em:11 abr 2020, 20:30:43.


Notas

1 “Art. 5º. [...] XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;”

2 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] V - defesa do consumidor;”

3 “Art. 4º No âmbito de sua jurisdição e competência, caberá ao órgão estadual, do Distrito Federal e municipal de proteção e defesa do consumidor, criado, na forma da lei, especificamente para este fim, exercitar as atividades contidas nos incisos II a XII do art. 3º deste Decreto e, ainda:”

4 BONAVIDES (2006, p. 563-569)

5 BOBBIO (2004).

6 “Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.”

7 “Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta;”

8 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:”

9 “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:[...] V - produção e consumo;”

10 “Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;”

11 “Art. 5º. [...] § 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.”

12 DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. ANULATÓRIA DE MULTA DO PROCON. MÉRITO ADMINISTRATIVO. INSINDICABILIDADE. DANO INDIVIDUAL. NÃO COMPROVAÇÃO DE REINCIDÊNCIA. VALOR DA MULTA DESPROPORCIONAL E IRRAZOÁVEL. REDUÇÃO QUE SE IMPÕE. a) O entendimento exposto na sentença está consoante a jurisprudência pacífica acerca da impossibilidade de se revisitar, na esfera judicial, o mérito administrativo, que, no caso, explicita-se no campo de liberdade legalmente atribuído ao Administrador para valorar se a conduta da Empresa constitui ou não infração administrativa. [...] (TJPR - 5ª C.Cível - 0003338-56.2017.8.16.0004 - Curitiba - Rel.: Desembargador Leonel Cunha - J. 17.02.2020)

13 Decreto Federal n. 2.181/97: “Art. 55. Não sendo recolhido o valor da multa em trinta dias, será o débito inscrito em dívida ativa do órgão que houver aplicado a sanção, para subseqüente cobrança executiva.”

14 PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. MULTA APLICADA PELO PROCON. COMPETÊNCIA DO PROCON. [...] 2. A sanção administrativa prevista no art. 57 do Código de Defesa do Consumidor funda-se no Poder de Polícia – atividade administrativa de ordenação - que o Procon detém para cominar multas relacionadas à transgressão dos preceitos da Lei 8.078/1990, independentemente de a reclamação ser realizada por um único consumidor, por dez, cem ou milhares de consumidores. 3. O CDC não traz distinção quanto a isso, descabendo ao Poder Judiciário fazê-lo. Do contrário, o microssistema de defesa do consumidor seria o único a impedir o sancionamento administrativo por infração individual, de modo a legitimá-lo somente quando houver lesão coletiva.[...] (STJ, REsp 1.523.117/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 04/08/2015).

15 Art. 57. A pena de multa, graduada de acordo com a gravidade da infração, a vantagem auferida e a condição econômica do fornecedor, será aplicada mediante procedimento administrativo, revertendo para o Fundo de que trata a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, os valores cabíveis à União, ou para os Fundos estaduais ou municipais de proteção ao consumidor nos demais casos.

Parágrafo único. A multa será em montante não inferior a duzentas e não superior a três milhões de vezes o valor da Unidade Fiscal de Referência (Ufir), ou índice equivalente que venha a substituí-lo.

16 Tabela Prática para Cálculo de Atualização Monetária – IPCA-E. Disponível em <https://www.tjsp.jus.br/Download/Tabelas/Tabela_IPCA-E.pdf>. Acesso em:11 abr 2020, 20:30:43.

17 Balanço 2019. https://www. Disponível em <procon.sp.gov.br/balanco-2019/> Acesso em:12 abr 2020, 16:58:15.

18 Boletim Sindec 2018. Disponível em <https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/collective-nitf-content-1552676889.94/arquivos/boletim-sindec-2018.pdf/view>. Acesso em: 01 jan 2020, 16:40:12.

19 Ibidem.

20 Ibidem.

21 “Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: [...] III - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código;”

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