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Os instrumentos de solução de conflitos consumeristas no Mercosul

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Agenda 06/05/2006 às 00:00

5. OS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS NO BRASIL COMO PARADIGMA PARA OS DEMAIS PAÍSES DO MERCOSUL

            Nos últimos anos, no Brasil, a morosidade do processo judicial e o elevado valor das taxas judiciárias e dos encargos com a contratação de advogado para promover uma demanda acabaram por determinar um afastamento entre o Poder Judiciário e a população, principalmente em relação às demandas de baixo valor e às pessoas mais pobres. A Justiça se apresentava como privilégio de poucos, acentuando a exclusão social que se fazia presente em tantos outros setores da sociedade brasileira e, no mais das vezes, quando procurada, desatendia às expectativas dos litigantes. [38]

            Com vista à reversão do quadro, os processualistas brasileiros passaram a buscar mecanismos capazes de desburocratizar o processo e torná-lo capaz de atender à massificação de demandas que se formavam com a evolução da sociedade e o progresso tecnológico. Era preciso encontrar soluções que viabilizassem o acesso à Justiça e que eliminassem o descompasso entre o "tempo do processo" e a dinâmica da vida moderna.

            Foi com esse escopo que a Constituição Federal brasileira de 1988 consagrou em seu texto inúmeros dispositivos voltados às garantias individuais e coletivas de acesso à Justiça e de gratuidade do processo, dentre os quais se pode destacar o art. 24 e o art. 98, inc. I, que trataram, respectivamente, da criação de Juizados de Pequenas Causas e de Juizados Especiais, voltados ao julgamento e à execução de causas cíveis de menor valor econômico e complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo.

            Foi editada, então, a Lei n.º 9.099, de 26/09/95, que dispôs sobre a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Estadual, norteados pelos princípios da simplicidade, da informalidade, da gratuidade, da economia processual e da celeridade. Instituiu a competência dos Juizados Especiais Cíveis para julgamento de causas de menor complexidade e cujo valor da causa não ultrapasse 40 salários mínimos. [39]

            As causas de menor complexidade, a que refere a Lei, são aquelas que não demandam uma menor dilação probatória. Para o ajuizamento da ação, não há necessidade de pagamento de custas processuais, também não havendo condenação em ônus de sucumbência, na sentença, para a parte que perde a ação. [40]

            O procedimento sumaríssimo dos Juizados Especiais Cíveis, na fase de conhecimento, apresenta extrema brevidade, cingindo-se aos seguintes atos processuais: a) propositura da demanda, que pode ser feita verbalmente, sendo reduzida a termo, ou por escrito; b) audiência de conciliação; c) audiência de instrução, em que deve ser produzida a prova testemunhal e apresentada a contestação; d) sentença. Das decisões interlocutórias não cabe recurso, somente sendo possível recorrer da sentença. [41]

            Como se pode observar, a Lei brasileira n.º 9.099/95 criou uma justiça célere, informal e gratuita, e, como tal, não demorou muito para que obtivesse a adesão popular.

            Na esfera cível, a dispensa de contratação de advogado, para causas de valor inferior a 20 salários mínimos, e a isenção do pagamento de custas processuais, aliada à informalidade e à celeridade do procedimento, culminou por fazer dos Juizados Especiais Cíveis um instrumento eficaz à disposição dos consumidores para a solução dos seus conflitos, geralmente de pequeno valor econômico. [42]

            Com os Juizados, aquelas pretensões dos consumidores relativas a troca de produtos avariados, vícios de inadequação do bem adquirido e a demandas indenizatórias por defeitos na segurança dos produtos etc (cujo valor da causa não ultrapasse 40 salários mínimos), que eram olvidadas em face dos óbices do procedimento da Justiça Comum, passam a ser examinadas pelo Poder Judiciário, que presta uma resposta rápida e sem despesas processuais para os consumidores.

            Por representar a concretização do Acesso à Justiça, a criação do instituto dos Juizados tem como efeito reflexo forçar os fabricantes a produzirem bens seguros e isentos de vícios ou defeitos, bem como impor a toda a cadeia de fornecedores que não violem os direitos consumeristas, à medida que os consumidores têm, à sua disposição, uma via de fácil acesso para buscar a reparação civil em face de produtos avariados e de danos sofridos e a revisão do contrato de consumo.

            Esse novo modelo de justiça implantado no Brasil, constitui-se num paradigma a ser seguido pelos demais países do MERCOSUL, pois uma proteção integral ao consumidor não se pauta somente ao reconhecimento normativo dos seus direitos, devendo também compreender o aspecto processual, para fazer valer esses direitos.

            Com a Declaração Presidencial dos Direitos Fundamentais dos Consumidores do MERCOSUL, ficou expressa a intenção dos países membros no sentido de harmonizar as legislações em relação "à facilitação do acesso aos órgãos judiciais e administrativos e a meios alternativos de solução de conflitos, mediante procedimentos ágeis e eficazes, para a proteção dos interesses individuais e difusos dos consumidores." No Uruguai, a Lei n.º 17.250/2000 (art. 6.º, letra "g") também faz alusão inequívoca à necessidade de um novo instrumento para a solução dos litígios consumeristas. [43]

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            Tendo em vista a necessidade de criação de um meio mais eficaz para a pacificação de conflitos dessa espécie, poderão os demais países do MERCOSUL reproduzir o exemplo brasileiro dos Juizados Especiais Cíveis, levando em consideração a necessidade de um procedimento gratuito, célere e eficaz para instrumentalizar a proteção jurídica de direito material que é dada aos consumidores, pois de nada adianta conferir direitos sem outorgar instrumentos para que se possa exercitá-los.


6. ARBITRAGEM INTERNA E INTERNACIONAL PRIVADA COMO MEIO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

            A arbitragem se constitui em um meio alternativo à solução da contenda pelo Judiciário, segundo o qual as partes decidem livremente submeter o seu conflito a um terceiro, denominado árbitro, a cuja decisão se comprometem previamente a aceitar.

            Os países do MERCOSUL prevêem a arbitragem nos seus diplomas processuais. No Brasil, é disciplinada nos arts. 1.072 a 1102 do CPC, que, todavia, foram derrogados com a entrada em vigor da Lei 9.307/96, que dispõe sobre arbitragem. [44] Na Argentina, o Código Procesal Civil y Comercial de la Nación Argentina prevê a arbitragem nos arts. 736 a 773. O Código Procesal Civil del Paraguay cuida da arbitragem no seu Livro V, Del Proceso Arbitral, que compreende os arts. 774 a 835. E o Código General de Proceso de la República Oriental del Uruguay trata do processo arbitral nos arts. 472 a 507.

            De forma geral, essas legislações convergem no sentido de autorizar a submissão à arbitragem somente as controvérsias que versam sobre direitos disponíveis pelos particulares, de caráter patrimonial, que possam ser transacionados e que não afetem a ordem pública. [45]

            As quatro legislações também coincidem no que sejam direitos não disponíveis. As questões relativas ao estado das pessoas, a direitos de família e sucessórios, as que têm por objeto coisas proibidas ou que estão fora do comércio, as obrigações naturais, as que se resolvem pela jurisdição voluntária e as afetas ao direito penal estão fora do âmbito de disposição dos particulares. [46]

            Assim, os conflitos que envolvam direitos do consumidor, em regra, podem ser submetidos à arbitragem.

            A Lei Argentina de Defesa do Consumidor traz expressa previsão à arbitragem, em seu art. 59. Dispõe que os tribunais arbitrais atuarão como amigables componedores (mediadores) ou como árbitros de derecho (árbitros) para solucionar os conflitos que versem sobre direitos do consumidor. Vige, também a Resolução n.º 212/98, que regulamenta o Sistema Nacional de Arbitragem de Consumo.

            O Código Brasileiro de Defesa do Consumidor não disciplina a utilização da arbitragem como meio de solução de conflitos, vedando apenas, em seu art. 51, inc. VII, a previsão de cláusulas que "determinem a utilização compulsória de arbitragem."

            Paraguai e Uruguai também não disciplinam, nas suas legislações consumeristas, a arbitragem. Nesses dois países, contudo, não há óbice à utilização da arbitragem para dirimir litígios que versem sobre relações de consumo, tendo em vista que a arbitragem, como meio de solução de conflitos, não contraria o âmago dos direitos do consumidor, valendo a regra geral permitittur quod non prohibittur.

            De outro lado, poderão recorrer à arbitragem somente as pessoas que possuírem capacidade para contratar, ou seja, que tiverem poder de disposição sobre os direitos controvertidos.

            A submissão do conflito, pelas partes, à arbitragem se dá pela convenção arbitral, que pode ocorrer através da cláusula compromissória e do compromisso arbitral. Uma vez estabelecidas, afasta-se o Poder Judiciário da decisão sobre a controvérsia. [47]

            A cláusula compromissória, que faz parte do contrato existente entre as partes, estabelece que as possíveis controvérsias que venham a surgir em virtude de prática mercantil sejam resolvidas pela arbitragem. Por isso, diz-se que é uma cláusula para o futuro. Sendo inserida no contrato-base, a arbitragem torna-se obrigatória.

            Em se tratando de direito do consumidor, entretanto, o Brasil veda expressamente a inserção no contrato de consumo de cláusula compromissória, com fulcro no art. 51, VII, do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Ao se permitir a inserção da cláusula compromissória nos contratos de consumo, geralmente de adesão, não se permitiria ao consumidor escolher sobre a sua colocação ou não no contrato, mas apenas sobre a realização ou não do contrato de consumo. Diante dessa vulnerabilidade do consumidor, considera a lei brasileira nula a cláusula compromissória inserida em um contrato de consumo.

            As legislações consumeristas dos demais países do bloco não proíbem a utilização da cláusula compromissória, de modo que será possível a sua inserção nos contratos de consumo que estiverem sob a sua proteção.

            Diferentemente da cláusula compromissória, o compromisso arbitral é estabelecido após o surgimento da controvérsia. Ao submeterem o litígio à arbitragem, além de as partes definirem o âmbito do conflito e se comprometerem a cumprir a sentença (laudo arbitral), estipulam como se desenvolverá o procedimento arbitral, quem serão os árbitros, qual o prazo para a emissão do laudo arbitral, qual será a lei que regerá o procedimento, enfim, toda a marcha do procedimento arbitral.

            Conforme as legislações dos quatro países do Bloco, o procedimento arbitral considera-se instaurado quando ocorre a aceitação da nomeação pelos árbitros. Ou seja, não é com a inserção de cláusula compromissória ou com a assinatura do compromisso arbitral, como se poderia pensar.

            O procedimento arbitral pode ser estipulado pelas partes ou seguir as normas procedimentais ditadas pelo tribunal arbitral ao qual se submeterá o conflito.

            De acordo com as legislações internas sobre arbitragem, caberá às partes estipular se a questão deverá ser decidida de acordo com a eqüidade ou com o direito. Segundo a lei brasileira, se nada for previsto, a resolução da controvérsia deverá ser decidida com fundamento no direito, contrariamente do que prevêem as leis argentina, paraguaia e uruguaia.

            Em se tratando de direito do consumidor, entretanto, essa regra ganha nova conotação. Deve-se ter em mente que os direitos do consumidor, nos países do MERCOSUL, são amparados por normas imperativas, que não ficam ao livre arbítrio das partes, pois é o tratamento jurídico desigual que supre a vulnerabilidade e a hipossuficiência do consumidor para o igualar ao fornecedor. Dessa forma, o árbitro deverá decidir sempre conforme o direito, fulcrado nas legislações de proteção do consumidor, sob pena de anulação da sentença arbitral.

            O processo arbitral, todavia, carece de força coercitiva para a execução da sentença arbitral, de modo que, se esta não for espontaneamente cumprida pela parte sucumbente, o vencedor terá de propor a ação executiva perante o Judiciário.

            De outro lado, nos casos em que o conflito se estabelecer entre um consumidor de um país e um fornecedor de outro, também poderão as partes acordar em colocar a controvérsia sob o pálio da arbitragem, que ganha nova roupagem, passando a se denominar Arbitragem Internacional Privada. [48]

            Num conceito amplo, aplicável à solução de conflitos de Direito Internacional Público e de Direito Internacional Privado, a arbitragem pode ser definida como o sistema especial de solução de conflitos, com julgamento, procedimento, técnica e princípios informativos especiais e com força executória reconhecida pelo direito comum, mas a este subtraído, mediante o qual, duas ou mais pessoas, físicas ou jurídicas de direito público ou de direito privado, em conflito de interesses, escolhem, de comum acordo, contratualmente, um terceiro, o árbitro, a quem confiam o papel de resolver-lhes a pendência, anuindo os litigantes em aceitar a decisão proferida. [49]

            A Arbitragem Internacional Privada, por sua vez, é aquela que se estabelece para solucionar conflitos entre particulares. [50] A matéria controvertida é afeta ao Direito Internacional Privado, visto que cuida do conflito de leis materiais no espaço. [51]

            No âmbito do MERCOSUL, [52] foi assinado pelos países membros o Acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional do MERCOSUL. [53] No dia 04 de junho de 2003, através do Decreto n.º 4.719, o Brasil ratificou o referido acordo, visando uniformizar a legislação referente à arbitragem nos Estados-Partes. No Brasil, a Lei n.º 9.307 também dispõe sobre Arbitragem Internacional.

            A maioria das disposições do Acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional do MERCOSUL repete as normas constantes nas legislações internas dos países do bloco sobre arbitragem. A título de exemplo, estabelece o Acordo, em seu art. 2.º, que convenção arbitral é a forma pela qual as partes decidem submeter à arbitragem suas controvérsias, através da cláusula compromissória ou de um acordo independente (compromisso arbitral). [54]

            O compromisso arbitral é, em qualquer caso, o instrumento em que as partes definirão o âmbito do conflito que será submetido a julgamento. Uma vez definido, os árbitros não poderão extrapolar seus limites, sob pena de nulidade do laudo arbitral. [55]

            Nos termos do referido Acordo, o laudo ou a sentença arbitral [56] somente poderão ser impugnados perante a autoridade judicial quando: o árbitro for corrompido, o árbitro exceder seus poderes ou quando a convenção for nula. A impugnação deverá ser feita mediante uma petição de nulidade, dentro de 90 dias a contar da notificação da sentença ou laudo arbitral, dirigida à autoridade judicial do Estado sede do tribunal arbitral.

            Quanto à execução de laudos arbitrais prolatados por árbitros ou tribunais arbitrais no âmbito do MERCOSUL, o Protocolo de Las Leñas introduziu uma importante modificação no que se concerne à homologação das sentenças e laudos arbitrais originários de outros países do MERCOSUL, como dispõe o art. 19 do texto legal.

            No Brasil, já não será mais necessário recorrer ao procedimento de homologação das sentenças estrangeiras, sendo que o árbitro que proferir o laudo deverá solicitar à autoridade competente que, através de carta rogatória, faça o pedido de homologação de laudo à Autoridade Central do país. Assim, para execução de sentenças arbitrais no MERCOSUL não deverá ser observada a Convenção de New York (1958) ou o Tratado do Panamá (1975).

            O Supremo Tribunal Federal pacificou tal entendimento quando do julgamento da Carta Rogatória 7.618, [57] da República da Argentina. No Acórdão, o Ministro Sepúlveda Pertence assim se manifestou:

            "Com essa orientação, o Supremo Tribunal Federal deixou claramente assentado que, hoje, no Brasil, aplica-se, ao reconhecimento e execução de sentença estrangeira emanada do Mercosul, subscritores do Protocolo de Las Lenãs, a disciplina ritual pertinente às cartas rogatórias, razão pela qual cumpre ter presente, no tema a norma inscrita no artigo 19 dessa Convenção Internacional."

            E conclui o Ministro Celso de Melo:

            "agora as sentenças estrangeiras, desde que proferidas por autoridades judiciárias dos demais Estados integrantes do Mercosul, poderão para efeito de sua execução em território nacional, submeter-se a reconhecimento e homologação, mediante procedimento ritual simplificado, fundado na tramitação de simples carta rogatória dirigida à Justiça Brasileira."

            Embora seja a arbitragem um meio de solução de controvérsias no âmbito do direito internacional privado disponível ao consumidor e também aos particulares em geral, não há grande adesão ao instituto. Preferem o Judiciário, submetendo-se ao conflito de leis e de jurisdição, a dirimir o conflito através da arbitragem, em que teriam a liberdade de escolher as normas aplicáveis e a instituição arbitral que decidiria o conflito.

            Na seara do direito internacional privado, para que a arbitragem tenha maior aplicabilidade, não basta apenas que sejam aprimoradas as leis, ou a unificação entre os países das normas sobre arbitragem internacional. É necessário que haja uma mudança da cultura e da idéia que os conflitos devem ser submetidos ao crivo judicial. [58] E isso não se faz apenas com a atividade legiferante, sendo imperioso que haja uma maior divulgação do instituto da arbitragem privada entre os advogados, os particulares e entre as empresas que atuam no comércio exterior. Com essa mudança de paradigma, poderá ocorrer uma maior utilização da arbitragem internacional privada para a solução dos conflitos.

            Malgrado a importância da arbitragem para a solução de conflitos, deve-se ter em conta que, por não se tratar de procedimento gratuito, o consumidor encontra os mesmos obstáculos econômicos que os da Justiça Comum, sobretudo quando se tratar de litígios de pequeno valor.

Sobre o autor
Fabrício Castagna Lunardi

advogado em Santa Maria (RS), especializando em Direito Civil pela Universidade Federal de Santa Maria

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUNARDI, Fabrício Castagna. Os instrumentos de solução de conflitos consumeristas no Mercosul. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1039, 6 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8278. Acesso em: 23 dez. 2024.

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