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A inconstitucionalidade do exame de ordem

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Agenda 28/04/2006 às 00:00

SUMÁRIO: 1. DOS PRINCÍPIOS, OBJETIVOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS; 2. DA QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL; 3. DA EXIGÊNCIA DO EXAME DE ORDEM: INCONSTITUCIONALIDADES E ILEGALIDADE; 4. ANTEPROJETO DE LEI; 5. JUSTIFICAÇÃO DO ANTE-PROJETO.


Tenho, em meu modesto conhecimento, que a Lei da Advocacia, como hoje está lançada, é inconstitucional, por infringir os arts. 1º, II, III e IV, 3º, I, II, III e IV, 5º, II, XIII, 84, IV, 205, 207, e 214, IV e V, todos da Carta Magna. Também viola disposições contidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em especial as constantes dos arts. 43, II e 48, ambos da Lei Federal nº 9394, de 20 de dezembro de 1996.

Visando fundamentar minhas afirmações a respeito de cada instituto constitucional e legal acima mencionado, articuladamente, comento a seguir:


1. DOS PRINCÍPIOS, OBJETIVOS, DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

A República Federativa do Brasil, em 1988, promulgou novos mandamentos constitucionais visando a:

"...instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias..."

O preâmbulo da Carta Magna já é indicativo de que o Estado Brasileiro busca a valoração do homem (ser humano), de sorte a que este, na condição de sujeito titular de direitos e obrigações, em consonância com o Estado Democrático de Direito e com o ordenamento jurídico pátrio, tenha assegurado o exercício de seus direitos sociais e individuais.

Nesse contexto, nossa Carta Maior estabelece as diretrizes que devem orientar a sociedade brasileira como um todo, em especial quem, em nome do povo, exerce o Poder e que é responsável pela criação, modificação e/ou revogação de normas jurídicas, de sorte a que quaisquer limitações de direitos só poderão ser estabelecidas se assegurarem o exercício de direitos individuais e sociais que considerem a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social.

Destaco que as diretrizes acima reproduzidas não são mero apanhado de palavras, justamente porque a razão de ser do Estado Brasileiro é o bem comum de seus cidadãos.

No tocante aos princípios fundamentais, a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito, e tem como fundamentos a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (art. 1º, II, III e IV, da CF).

No âmbito dos objetivos fundamentais, a República Federativa do Brasil deve construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, e reduzindo as desigualdades sociais e regionais, como forma de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, I, II, III e IV, da CF).

Os princípios e os objetivos fundamentais acima mencionados são norteadores de um Estado Democrático que tem, na pessoa do ser humano, o seu bem maior, titular efetivo e primordial das ações de Estado.

Feitas estas considerações, comento algumas afrontas a garantias constitucionais e legais, com relação ao exame de ordem.


2. DA QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL

Segundo a Lei Federal nº 8.906, de 04 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em seu art. 8º, "para inscrição como advogado é necessário:

II – diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada (grifo nosso);

IV – aprovação em exame de ordem (grifo nosso);

§ 1º - O exame de ordem é regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB." (grifo nosso).

Comentarei a previsão legal apenas em relação aos incisos II e IV e frente à disciplina do parágrafo único do mencionado art. 8º, notadamente porque o referido exame é apresentado como requisito, condição, exigência que é feita para o exercício da advocacia.

Para inscrição como advogado, é necessário diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada. (inciso II, art. 8º, da Lei Federal nº 8906/94).

A exigência acima reproduzida decorre de ser fato que, para o exercício da advocacia, é imperativo que o titular de direitos e obrigações tenha sido graduado em Instituição de Ensino Superior em Direito, sem o que não estará qualificado adequadamente para esta atividade. Alcançada esta qualificação, terá o cidadão o título de Bacharel em Direito, no instante em que colar seu grau.

A respeito de qualificação profissional, entendo que o Bacharel em Direito que colou grau, atendeu as previsões legais com relação ao inciso II, do art. 8º do Estatuto da Advocacia, de sorte que, quanto a esse tópico, foram preenchidos os requisitos legais.

Exclusivamente quanto à mencionada previsão legal – graduação em direito, é minha opinião que o Estatuto da Advocacia se encontra em conformidade com a exigência do inciso XIII do art. 5º da Constituição Federal, que permite o livre exercício de trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.

Pois bem, a qualificação profissional exigida pelo Diploma Legal Estatuto da Advocacia é específica, única, singular, peculiar e exclusiva: para inscrição como advogado é necessário graduação em direito, em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada.

Nota-se, tranqüilamente, que apenas Instituições Superiores de Ensino, autorizadas, credenciadas e fiscalizadas pelo Poder Público – Ministério da Educação, são as responsáveis pela qualificação profissional do Bacharel em Direito, ninguém mais.

A respeito dessa situação, cabe reproduzir o quanto a Lei Federal nº 9394/96 – Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBN, estabelece com relação à finalidade da Educação Superior:

Art. 43. A educação superior tem por finalidade (grifo nosso):

II – formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;

Nem poderia ser diferente esta situação, na medida em que a "educação abrange os processos formativos que são desenvolvidos em benefício da vida familiar, da convivência humana, do trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa" (art. 1º, da Lei Federal nº 9394/96).

Assim, o processo educacional formativo, que é desenvolvido por Instituições de Ensino Superior em Direito, é responsável pela qualificação profissional do Bacharel nessa ciência humana, de sorte que o Poder Público que credenciou, autorizou e fiscaliza as ações dessa instituição, no caso o Ministério da Educação, com fulcro na LDBN, entendeu que naquele estabelecimento há condições para que um cidadão seja qualificado profissionalmente para o exercício da profissão da Advocacia, cuja prova de formação é feita, em âmbito nacional, com a apresentação de diploma de curso superior devidamente registrado, em conformidade com seu art. 48, § 1º (parte final).


3. DA EXIGÊNCIA DO EXAME DE ORDEM: INCONSTITUCIONALIDADES E ILEGALIDADE.

Conforme acima mencionado, o Bacharel em Direito foi devidamente qualificado profissionalmente por uma Instituição de Ensino Superior, estando apto a ser inserido no mercado de trabalho da Advocacia. Apesar disso, o art. 8º do Estatuto da Advocacia, em seu inciso IV, determina ser necessário, para inscrição como advogado, ter este sido aprovado em exame de ordem.

Ao exigir do Bacharel em Direito que seja submetido a exame de suficiência (de ordem), o legislador infraconstitucional, do chamado Estatuto da Advocacia, deveria atentar que vivemos num Estado Democrático de Direito, onde o respeito à cidadania, à dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho (art. 1º, II, III, IV, da CF) são fundamentos que disciplinam, delimitam e imperam perante as ações públicas.

A base da sociedade humana é identificada pelo exercício de atividades profissionais, entenda-se - trabalho, para satisfação das necessidades de cada cidadão enquanto ser humano, assentando primeiro e, principalmente, na utilidade que este promove para alguém, para um grupo de indivíduos e, finalmente, para a sociedade a que este cidadão pertence.

As limitações impostas para que um cidadão possa trabalhar deverão estar amparadas pelo valor que esta ação produz como efeito social, de sorte a que eventuais condições que limitem o seu exercício não devem impedir, efetivamente, a sua execução, sem que motivos relevantes, essenciais e imprescindíveis, sejam considerados e/ou observados, em total respeito à cidadania, a dignidade da pessoa humana e aos valores sociais do trabalho.

Não havendo relevância, não sendo essencial, e nem mesmo imprescindível, para a sociedade brasileira, o estabelecimento de condições para que qualquer atividade profissional seja exercida, teremos ofendidos os objetivos fundamentais da República, concernentes à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que garanta o desenvolvimento nacional, que permita erradicar a pobreza e a marginalização, reduzindo desigualdades sociais e regionais, e que promova o bem de todos, sem preconceitos ou quaisquer formas de discriminação (art. 3º, I, II, III, IV, da CF).

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Como a delimitação normativa de direitos e obrigações não pode ficar adstrita a questões exclusivamente técnicas, já que o Direito é fruto de princípios norteadores das ações políticas e sociais de um Estado Democrático de Direito – e que demandam até mesmo séculos para que a evolução humana tenha sua consolidação, decorrente da busca pelo bem comum - o princípio da reserva legal baliza a atuação do Estado frente à necessidade de previsão normativa anterior que discipline as condutas a serem imprimidas por uma sociedade.

Assim, para que este Estado tenha preenchidas as condições necessárias a que as garantias constitucionais sejam efetivamente respeitadas, mister que somente a lei possa determinar que alguma coisa poderá ser feita ou mesmo deixar de ser feita (art. 5º, II, CF).

Do estabelecimento deste princípio constitucional, como garantia que todo cidadão brasileiro tem, cinge-se o entendimento racional, in casu, de que a norma que delimitar condições, para o exercício profissional, deve conter necessárias explicações (conceituações), quanto a estas ou à razão de ser destas, sob pena de não a considerarmos como relevante, essencial ou imprescindível à sociedade brasileira.

Como o exame de ordem está lançado como requisito (condição) para inscrição nos quadros da OAB, impõe-se que este, por ser restritivo ao exercício profissional, tenha sua conceituação definida, o que não é identificado no inciso IV, do art. 8º da Lei nº 8.906/93.

Ausentes tais explicações, tem-se, in casu, o estabelecimento de condições que não justificam a sua razão de ser, fato que demonstra a inadequação entre a finalidade pretendida pela norma e a característica essencial que faz com que esta mesma norma seja considerada jurídica, e não qualquer outra.

Segundo ensinamentos do Filósofo, Pensador e Cientista Político italiano Norberto Bobbio, "a análise do conceito de direito ou de obrigação deve partir da própria norma".

Uma previsão legal, para que possa criar, restringir, extinguir ou modificar direitos, deve conter uma conceituação que permita inferir o que efetivamente é previsto nesta, de sorte que sejam identificados, por qualquer profissional do direito, de forma objetiva, os seus fundamentos doutrinários. Referidos elementos devem estar lançados na própria norma, com absoluto respeito ao sistema normativo como um todo e não apenas à norma, assim considerada isoladamente, sob pena de permitirem-se interpretações com os mais variados matizes, o que redundaria em abusos arbitrários, culminando com a criação de conflitos decorrentes da legislação incompleta.

Aqui, necessário mencionar que é insofismável a inexistência de identificação entre o que vem a ser a condição "exame de ordem" com o ordenamento jurídico pátrio, constitucional e infraconstitucional, mas, apenas, uma simples menção de que, para a inscrição como advogado, é necessária a aprovação neste exame.

Desta constatação, tem-se que o requisito imposto pela Lei Federal nº 8.906/94 não é condicionante essencial, relevante e imprescindível, para limitar ou condicionar o exercício da advocacia, para quem já está devidamente qualificado profissionalmente, concluindo-se, assim, pela impossibilidade de ser atribuída uma juridicidade à referida norma, através de sua análise isolada, eis que os critérios delimitadores, que devem ser encontrados na estrutura da mesma, não tomaram por base o sistema normativo constitucional e/ou legal, em que esta se deverá inserir.

Temos, portanto, inviável a identificação de critérios adequados para entronizar a condição "exame de ordem" no Ordenamento Jurídico Pátrio, ante a ausência de essência distintiva que dê qualidade imperativa a essa determinação, como norma jurídica, restando indevido condicionar o exercício profissional do Bacharel em Direito, que tendo colado grau, atendeu à qualificação estabelecida em Lei (art. 43, II, Lei Federal nº 9394/96), para o livre exercício do trabalho, do ofício, da profissão (art. 5º, XIII, CF) da advocacia, independentemente de outras condições que limitem, cerceiem ou mesmo vedem a sua atuação e que não justifiquem a razão de ser destas.

Feitas estas colocações, reproduzo posicionamentos que alguns árduos defensores do exame de ordem fazem. Pela leitura de seus posicionamentos, verifica-se que falta substância a tais argumentos.

O diretor-geral da Escola Superior de Advocacia da OAB/RS e presidente da Comissão de Estágio e Exame de Ordem, Sr. Alexandre Wurderlich, que é responsável pela aplicação dos exames de suficiência a inúmeros Bacharéis em Direito, no Rio Grande do Sul, em artigo publicado no dia 10/03/2005 perante a página da Internet:

http://www.espacovital.com.br/artigoalexandre1003.htm, entende que:

"O Exame de Ordem visa, assim, identificar se o bacharel reúne as condições necessárias para o início do exercício da advocacia: leitura, compreensão e elaboração de textos e documentos, interpretação e aplicação do direito na resolução de casos concretos, pesquisa sob forma de manuseio de legislação, jurisprudência, doutrina e outras fontes, correta utilização da linguagem – com clareza, precisão e propriedade -, fluência verbal e escrita, utilização de raciocínio jurídico, de argumentação, de persuasão e de reflexão críticas, etc."

Mais adiante, este senhor completou seu entendimento:

"O Exame de Ordem busca verificar, então, a capacidade profissional para o início do exercício da advocacia, desde os aspectos teóricos até a praxis forense, daqueles que findam a formação no ensino universitário." (grifos nossos).

Aliás, essas palavras possuem o mesmo entendimento do Prof. José Cretella Neto (filho do eminente jurista), perante a página na internet http://www.examedaordem.com.br - (apesar do ato falho, a página mencionada é do exame "da" ordem mesmo, já que somente a esta atende). A diferença é que o jurista mencionado acaba por ser mais evidente:

"O atual Exame de Ordem, regulamentado pelo Provimento nº 81, de 16.04.1996, foi instituído com o objetivo de selecionar profissionais qualificados para exercer a advocacia com proficiência, em prol da sociedade. A significativa valoração do direito e da função do advogado ocorrem em devido ao fato de que este é o profissional ao qual as pessoas recorrem para assegurar a proteção e a realização de seus direitos, bem como exigi-los (grifos nossos)".

Não entendendo como a valoração do Direito "ocorre em devido" (apenas para tecer comentários sobre língua portuguesa), questionei o Professor Cretella que, analisando o Exame de Ordem, assim afirmou:

"A Constituição Federal de 1988 eleva a profissão de advogado, estabelecendo que: "o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei" (art. 133).

Para que tais fins sejam plenamente atingidos, é necessário que seja feita uma seleção rigorosa entre os formandos das faculdades de direito, para permitir que somente profissionais capacitados passem a fazer parte do quadro de inscritos na OAB. Existem mais de 500 faculdades de direito no brasil (segundo dados atuais da OAB/SP, hoje são 886). Será que todas têm boas bibliotecas, adotam boa metodologia de ensino e preparam adequadamente os alunos para os exames da OAB, para o provão do MEC e, especialmente, para a vida profissional?"

Mediante nova troca de correspondência com o Professor Cretella, este afirmou:

"há anos a OAB luta para poder exercer veto, que impeça o credenciamento de novos cursos sem bibliotecas, com quadro docente de baixo nível, com superlotação de classes, etc. No entanto, o parecer da OAB tem caráter meramente "consultivo" e o MEC não abre mão de sua prerrogativa. Você pode responder porque será que o MEC autoriza novos cursos? Será que a pressão econômica (para falar de uma forma sutil) não é mais forte?"

"Temos 200.000 advogados militando em SP. Não há mercado para todos e, por isso, vem ocorrendo, há duas décadas, uma enorme guerra de honorários, já que advogados cobram preços vis por seus serviços. Como ganham mal, não têm dinheiro para comprar livros, estudar, e se atualizar. Quem ganha com isso?"

"Também não gosto de limitar o acesso de pessoas ao mercado, pois sou totalmente a favor da livre concorrência - verifique em meus livros de doutrina (arbitragem, omc, etc, publicados pela ed. Forense) e você encontrará minhas posições nesse sentido."

Ao ler as palavras do Professor Cretella e mesmo as do Sr. Wunderlich, tenho plena consciência de que os Bacharéis em Direito efetivamente não ganham e não ganharão nada com isso, mas certamente os advogados atualmente inscritos nos quadros da OAB ganham e ganharão uma menor concorrência, ante o veto que já é promovido pela entidade de classe.

Trata-se, para falar de forma sutil, de uma forte pressão econômica, pretendida pelos atuais inscritos na OAB, para que o mercado de trabalho não seja ainda mais compartilhado. A questão também é de interesse direto de cursinhos preparatórios para as carreiras jurídicas.

Várias têm sido as declarações dadas pelo Presidente da OAB/SP, Sr. Luiz Flávio Borges d’Urso, em especial lançando críticas sobre a abertura indiscriminada de novos cursos de direito e a qualidade com que a qualificação profissional é promovida:

"há pessoas que chegam à prova e não sabem conjugar verbos ou colocar as palavras no plural" (Folha de São Paulo – 23.06.05).

Registra-se, por oportuno, que este mesmo advogado declarou que seria reprovado, se fosse submetido ao atual exame de ordem, justificando tal insucesso pelo fato de ter se especializado na área criminal, não tendo maiores condições de responder aos questionamentos de outras áreas, fato este extremamente curioso, eis que quantas surpresas teríamos se os atuais profissionais do direito, inscritos na OAB, também fossem submetidos a novos exames.

Frente à apresentação de um projeto de lei, que altera a forma de inscrição do Bacharel em Direito perante a OAB, de autoria do Dep. Federal Lino Rossi, o Sr. D’Urso, entendendo que a proposta coloca em risco o atual sistema de avaliação para ingresso na Advocacia, assim se posicionou:

"O PL altera o Estatuto da Advocacia e da OAB, autorizando o bacharel em Direito a se inscrever nos quadros da Ordem sem prestar o Exame, o que traz sério comprometimento à Advocacia, em termos técnicos e éticos, uma vez que sem o Exame de Ordem não se poderá mensurar a qualificação do bacharel para exercer a profissão. É uma proteção à profissão e aos interesses do cidadão, pois o desempenho do profissional despreparado pode trazer prejuízos ao jurisdicionado e à imagem da Advocacia."

Apesar do Sr. D’Urso afirmar que o desempenho de um profissional despreparado pode trazer prejuízos ao jurisdicionado, é interessante verificar que o Presidente da OAB/SP teve um Mandado de Segurança indeferido por inépcia, vale dizer, por incapacidade. Assim, considerando as palavras de seu colega gaúcho, se "o Exame de Ordem busca verificar, então, a capacidade profissional para o início do exercício da advocacia", poder-se-ia dizer que o Sr. D’Urso teve um desempenho de profissional despreparado.

A respeito desse fato, o Exmº Sr. Juiz Jorge Antônio Maurique, Presidente da AJUFE, assim se manifestou:

"Quando a gente vê um mandado de segurança ser indeferido por inépcia, a gente se pergunta se o Presidente da OAB paulista passaria no exame de ordem".

Assim, temos que o Bacharel em Direito deverá ser aprovado num exame realizado pela entidade de classe dos advogados, a quem incumbe fomentar a atividade da advocacia, como forma de garantir a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho do advogado. Todavia, ao ser aprovado neste exame e permitido seu exercício profissional na advocacia, a OAB irá admitir que os novos profissionais do direito compartilhem esse mercado com outros milhares de colegas. Tal situação é no mínimo muito curiosa, em razão das palavras do Prof. José Cretella Neto, com relação ao número de advogados paulistas: 200 mil para uma população de 40 milhões, o que correspondente a 1 advogado para cada 200 habitantes, demonstrando assim a reserva de mercado que é feita com o exame de ordem.

Certamente as justificativas quanto à necessidade do exame de ordem devem considerar que em 2003 foram graduados 64.413 novos Bacharéis em Direito, alguns qualificados por instituições sérias, e outros, por aulas virtuais. Assim, se a OAB não consegue exercer seu interesse em vetar novos cursos, faz seu veto via exame de ordem.

Interessante notar que a conduta da OAB é escancarada por nossos colegas portugueses.

O presidente da Ordem dos Advogados de Portugal, Bastonário Rogério Alves, participando de um Congresso Internacional de Direito, realizado em Mar Del Plata, noticiou a intenção da entidade portuguesa em endurecer no exame final dos candidatos à obtenção do registro profissional de advogado:

"De cada 100 candidatos a ingressar na profissão em Portugal, atualmente, cerca de 90 são aprovados, fato que tem inflacionado o mercado de trabalho e gerado mais advogados do que vagas de trabalho. Por isso, a entidade está desenvolvendo o projeto de "endurecer o exame para aferir com mais precisão a qualidade técnico-profissional dos candidatos advogados".

Lendo as palavras de nossos irmãos lusitanos, podemos até interpretar que esta seria uma piada de português, dada a franqueza que tal declaração possui, servindo de elemento probatório dos excessos praticados.

Voltando ao Brasil, continua o Sr. D’Urso:

"Hoje são 886 cursos de direito que proliferam em todos os rincões nacionais, muitos sem quaisquer condições de funcionamento. Barrar esse crescimento desprovido de qualidade tornou-se um dos pontos centrais da agenda política da OAB-SP, nesta administração e defende a necessidade do Exame".

Mas, cadê a autorização legal para "barrar" esse crescimento?

Como mencionei anteriormente, o Direito é fundado em princípios, não em questões técnicas, justamente para que não ocorram arbítrios indevidos, todavia, "há anos a OAB luta para poder exercer veto, que impeça o credenciamento de novos cursos sem bibliotecas, com quadro docente de baixo nível, com superlotação de classes, etc. No entanto, o parecer da OAB tem caráter meramente "consultivo" e o MEC não abre mão de sua prerrogativa.

É exatamente esta a questão. A OAB, visando garantir o mercado de trabalho a seus atuais inscritos, quer exercer seu poder de veto, usurpando a prerrogativa do Ministério da Educação.

Como não consegue alterar o quadro presente, utiliza o exame de ordem como forma de manter o mercado de trabalho, sem que novos profissionais compartilhem a clientela já escassa, alegando baixos níveis de qualidade das Instituições de Ensino, deficiências do aluno com relação ao ensino fundamental, ausência de Biblioteca, entre outras.

É curiosa a declaração da Presidente da Comissão de Estágio e Ensino Jurídico da OAB/SP, Sra. Ivette Senise Ferreira:

"O desempenho sofrível mostra como são deficientes e frágeis a maioria das instituições de ensino jurídico e não o sistema de aferição. Os resultados indicam a necessidade urgentíssima de reforma da estrutura de ensino e da grade curricular desses cursos no escalonamento das prioridades da entidade."

Ora, Srs. Juristas, enquanto a OAB continuar agindo dessa forma, buscando usurpar atividade do Estado para fins de promover reserva de mercado, terá ferido seu status de instituição que afirma defender a Constituição Federal, a Ordem Jurídica de um Estado Democrático de Direito, a Justiça Social, a boa aplicação das Leis, a rápida administração da Justiça e o aperfeiçoamento da Cultura e das Instituições Jurídicas. Isso é uma vergonha.

Some-se a esta situação o fato de que a Lei da Advocacia ainda peca por outras inconstitucionalidades, não menos absurdas:

Como mencionado acima, o Estatuto da Advocacia, em seu art. 8º, IV, estipula que para inscrição como advogado é necessária aprovação em exame de ordem, chamando a atenção o § 1º deste mesmo artigo:

§ 1º. O Exame "da" Ordem é regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB (grifo nosso).

Aqui devemos registrar, novamente, o ato falho que maculou os esforços do legislador infraconstitucional.

Segundo entendimento do Des. Renan Lotufo (que já chamou de "porcarias" os Bacharéis em Direito que não logram aprovação no exame de ordem), o exame de ordem é um nome próprio, e deveria ser grafado com letras maiúsculas. Desta forma, teríamos escrito "Exame de Ordem".

Mas é isso o que realmente está escrito no § 1º do art. 8º?

Afirmo que não.

Em verdade, lá está grafado "Exame da Ordem", o que faz identificar a exclusividade que o legislador infraconstitucional (segundo consta, este teria sido um advogado, ex-presidente do Conselho Federal da OAB) emprestou ao termo desprovido de conceituação, mas que entendeu adequado estipular ser um exame "da" Ordem.

Referido registro é feito apenas para caracterizar a idéia de propriedade da profissão que alguns integrantes dessa entidade têm.

Continuando.

Se o inciso IV do art. 8º não conceitua o que é um exame de ordem, possivelmente a regulamentação determinada pelo § 1º do art. 8º do Estatuto da Advocacia poderia fazê-lo, ainda mais em se considerando que, mediante provimento do Conselho Federal da OAB, referido exame será regulamentado, certo?

Errado.

O exame de ordem ainda carece de conceituação técnico-jurídica constitucional ou legal, todavia, deve ser indagado:

Como pode uma entidade de classe, como é a OAB, regulamentar dispositivo de Lei se, à luz do inciso IV, do art. 84 da Constituição Federal, referido procedimento é de competência privativa do Presidente da República, sequer comportando delegação?

Já li algumas opiniões, no sentido de que o parágrafo único do art. 22 permite delegação de competência, no caso de ser esta privativa.

Afirmo, porém, que tal fundamentação não se sustenta, na medida em que a delegação de competência prevista no parágrafo único do art. 22 da Constituição Federal refere-se à edição de lei complementar, e mesmo assim, especificamente sobre os tópicos previstos nos diversos incisos desse mesmo artigo.

Deve ainda ser salientado que tal delegação autoriza os Estados, Pessoas Jurídicas de Direito Público Interno, a legislarem sobre questões específicas das matérias relacionadas no art. 22 da Lei Maior.

Não consta que a autarquia especial OAB, em qualquer esfera de sua atuação como entidade de classe, mesmo que usurpe funções do Estado, seja um Estado da Federação.

Desta forma, tal fundamentação deve ser rejeitada, não apenas pela absurda, indevida e inadequada pretensão legislativa, que se apresenta como corporativa, mas, até mesmo, pelo fato de que esta busca interpretar, de forma extensiva, a Constituição Federal, emprestando a possibilidade da delegação de competência para Estados da Federação em casos específicos previstos no art. 22, para que uma entidade de classe possa regulamentar leis.

Tal fundamentação pretende que a OAB possua delegação da competência privativa do Presidente da República para regulamentar leis (art. 84, IV, CF/88, fato esse que permitiria a aplicação do Provimento nº 81/96.

Os atos de competência privativa do Presidente da República estão previstos no art. 84 da Constituição Federal.

Dentre estes, listamos alguns:

IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução (competência que se pretende delegável à OAB);

VI - dispor, mediante decreto, sobre:

a)organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos;

b)extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;

XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei;

XXV - prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei;

Todavia, será que os 27 incisos do art. 84 seriam delegáveis em razão da competência ser privativa?

Afirmamos categoricamente: NÃO, NÃO E NÃO!!!

Quando tais competências poderão ser delegadas, o parágrafo único do art. 84 expressamente assim o declara:

"Parágrafo único - O Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos incisos VI, XII e XXV, primeira parte, aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União, que observarão os limites traçados nas respectivas delegações."

Sendo expressamente declarado quais atos privativos poderão ser delegados (não significando dizer que serão), não resta dúvidas que os demais não poderão sequer ser delegados, de sorte que quaisquer disposições neste sentido são descabidas, abusivas, usurpadoras e flagrantemente inconstitucionais.

Mas ainda: se ninguém poderá fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de LEI, como pode um ato administrativo editado por entidade de classe via pretensa e descabida delegação da competência privativa do Presidente da República para regulamentar leis, condicionar o exercício profissional de quem está apto a ser inserido no mercado de trabalho, se sua qualificação profissional foi obtida em instituição de ensino superior em Direito e se não será objeto de delegação a legislação sobre cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais (cf. art. 68, § 1º, II, CF/88?

Cabe registrar, também, que o Congresso Nacional deverá sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa.

No caso da Lei 8.906/94, tanto o poder regulamentar como a delegação legislativa foram exorbitados.

Cabe ainda registrar que o regulamento feito pela OAB é um provimento, vale dizer, um ato administrativo, emanado de uma autarquia, que não tem o condão de criar, modificar, extinguir ou restringir direitos, porque afronta o inciso II, do art. 5º da Lei Maior, que é claro ao garantir que "ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão por força de lei".

Deve ser salientado que, segundo art. 205 da Constituição Federal:

"A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".

Já, segundo o art. 2º da LDBN:

"A educação é um dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".

Nota-se que referidas disposições têm poucas diferenças, mas, basicamente, a mesma substância.

Através da educação, será promovido o preparo para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho, inerentes ao ser humano, como forma de exercer os direitos sociais e individuais.

Alguns dos fundamentos acima mencionados podem ser identificados nas justificativas do PL 5801/2005, de autoria do Deputado Max Rosenmann, que entende cabível a extinção total do exame de ordem.

Confesso que tal posicionamento é interessante, já que acaba com essa conduta corporativa da OAB. Todavia, o seu efeito prático, frente a algumas instituições de ensino superior, que se encontram funcionando até mesmo sem que seu registro já tenha sido expedido pelo Ministério da Educação, poderá ser desastroso.

Possivelmente um meio termo deva ser considerado, de sorte a que, mesmo após a qualificação profissional promovida por instituições de ensino superior, o Bacharel em Direito ainda tem várias deficiências de ordem prática, o que poderia ser objeto de um período de maturação desse profissional, até que possa ser considerado advogado, mas não como exige a OAB, com suas taxas de inscrição que amealham milhões de reais por ano.

Entendo que referida maturação deverá ser objeto de aferição sim, mediante realização, pelo Bacharel em Direito, de atos práticos de advocacia, supervisionados e certificados pelas diversas unidades jurídicas, públicas, privadas e perante o Poder Judiciário.

É um tanto difícil estimar qual prazo deverá ser estipulado, todavia, quero crer que no período de 02 (dois) anos esse objetivo possa ser alcançado.

Para tanto, apresento uma minuta de projeto de lei que, não impedindo a inserção no mercado profissional, exige uma demonstração de atuações jurídicas devidamente certificadas.

Assim, encerro minhas palavras pedindo que os defensores do exame de ordem tentem contestar, juridicamente, os meus argumentos, indicando, também, qual a conceituação técnico-jurídica, constitucional e legal do exame de ordem. Não é mais possível que eles se limitem a alegar que a proliferação de cursos jurídicos de baixa qualidade obriga a Ordem dos Advogados a aplicar o Exame de Ordem, para proteger a sociedade contra os maus profissionais.

Saudações jurídicas.

José de Freitas Guimarães

Sobre o autor
José de Freitas Guimarães

Servidor Público. Bacharel em Direito formado em 1992 pelas FMU. Pós-graduado em Arbitragem pela FGV/EDESP. Aluno da Especialização em Gestão Pública da FGV/SP. Aluno da Docência da FGV/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES, José Freitas. A inconstitucionalidade do exame de ordem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1031, 28 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8327. Acesso em: 5 nov. 2024.

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