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Limite de isenção para remessas postais internacionais

Agenda 25/06/2020 às 14:20

Reflexões sobre a discutível legitimidade da regulamentação do limite de isenção, em US$ 50,00, para remessas postais internacionais, por parte do Ministério da Fazenda, através da Portaria MF 156/99.

As remessas postais internacionais no Brasil são submetidas ao Regime Tributário Simplificado e são reguladas pelo Decreto-Lei Nº 1.804, de 3 de setembro de 1980, pela Portaria MF n° 156, de 24 de junho de 1999, e pela Instrução Normativa RFB n° 1737, de 15 de setembro de 2017.

Para corretos entendimentos e a aplicação do Regime Tributário Simplificado, aplicável às remessas internacionais, faz-se mister atenção na exegese dos textos normativos da matéria, socorrendo-se, sobretudo, ao princípio basilar de hermenêutica jurídica segundo o qual a lei não contém palavras inúteis, ou seja, de que o legislador não lançou mão de termos desnecessários ao delinear os comandos legais.

Nessa toada, extrai-se diretamente dos textos normativos regentes da matéria que o limite de valor dos bens importados através de remessas postais internacionais com direito à isenção, é de US$ 50,00 (cinquenta dólares americanos), desde que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas, nos termos do art. 1°,§ 2º, da Portaria MF n° 156, de 24 de junho de 1999.

A tese esposada em decisões judiciais esparsas, que não redundam em engendrar efeitos vinculantes à Administração Fazendária, de que a autoridade administrativa haveria restringido o alcance da lei ao fixar o valor de isenção em US$ 50,00 (cinquenta dólares americanos), e não US$ 100,00 (cem dólares americanos), não coincide com a literalidade do art. 2º do Decreto-Lei nº 1.804, de 3 de setembro de 1980, como será explanado a seguir.

Reproduz-se, abaixo, o teor dos dispositivos em comento:

Decreto-lei n° 1.804, de 3 de setembro de 1980

“Art. 1º Fica instituído o regime de tributação simplificada para a cobrança do imposto de importação incidente sobre bens contidos em remessas postais internacionais, observado o disposto no artigo 2º deste Decreto-lei.

[…]

§ 2º A tributação simplificada poderá efetuar-se pela classificação genérica dos bens em um ou mais grupos, aplicando-se alíquotas constantes ou progressivas em função do valor das remessas, não superiores a 400% (quatrocentos por cento).

[…]

§ 4º Poderão ser estabelecidos requisitos e condições para aplicação do disposto neste artigo.

Art. 2º O Ministério da Fazenda, relativamente ao regime de que trata o art. 1º deste Decreto-Lei, estabelecerá a classificação genérica e fixará as alíquotas especiais a que se refere o § 2º do artigo 1º, bem como poderá:

[...]

II - dispor sobre a isenção do imposto de importação dos bens contidos em remessas de valor até cem dólares norte-americanos, ou o equivalente em outras moedas, quando destinados a pessoas físicas. (Redação dada pela Lei nº 8.383, de 1991)”

Portaria MF n° 156, de 24 de junho de 1999

“Art. 1º O regime de tributação simplificada - RTS, instituído pelo Decreto-Lei Nº 1.804, de 3 de setembro de 1980, poderá ser utilizado no despacho aduaneiro de importação de bens integrantes de remessa postal ou de encomenda aérea internacional no valor de até US$ 3,000.00 (três mil dólares dos Estados Unidos da América) ou o equivalente em outra moeda, destinada a pessoa física ou jurídica, mediante o pagamento do Imposto de Importação calculado com a aplicação da alíquota de 60% (sessenta por cento), independentemente da classificação tarifária dos bens que compõem a remessa ou encomenda.

[...]

§ 2º Os bens que integrem remessa postal internacional no valor de até US$ 50.00 (cinqüenta dólares dos Estados Unidos da América) ou o equivalente em outra moeda, serão desembaraçados com isenção do Imposto de Importação, desde que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas.”

Recepcionado pela Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, com status de lei, o Decreto-lei n° 1.804/80 autoriza o Ministério da Fazenda, atual Ministério da Economia, a dispor sobre a isenção do imposto de importação dos bens contidos em remessas de valor até US$ 100,00 (cem dólares americanos), quando destinados a pessoas físicas, faculdade essa que pode ser exercida ou não. Ainda, destaca-se o uso da preposição "até" no excerto normativo susodito.

Dessarte, ao permitir à autoridade tributária dispor sobre isenção, fixou um “limite” ou um “teto” desta isenção a bens de até US$ 100,00(cem dólares americanos), não um “piso”. Isto é, estabeleceu que a autoridade poderia dispor sobre a isenção do imposto até o valor de US$ 100,00(cem dólares americanos), o que não significa a impossibilidade de estabelecer um limite inferior, ou até mesmo, não estabelecer isenção alguma. Ou seja, a lei, de forma hialina, delineou verdadeira faculdade da administração tributária para instituir limite inferior ou, até mesmo, não estabelecer nenhuma isenção.

A mesma ratio é aplicável à disciplina dos remetentes das remessas postais internacionais. Ao autorizar a isenção de impostos, o Decreto-Lei n° 1.804/80, dispôs que referida isenção ocorreria somente no caso de os destinatários serem pessoas físicas. Silenciou, entretanto, sobre o remetente. Ou seja, de igual modo, criou citado texto normativo uma limitação no que diria respeito ao destinatário. Não se poderia isentar, caso o destinatário fosse pessoa jurídica, mas nada impede que a autoridade fazendária, dentro dos limites permitidos pelo Decreto-Lei 1.804/80, estabeleça outras condições no que diz respeito ao remetente, como por exemplo, ser este também pessoa física.

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É clarividente que a lei transferiu à Administração Fazendária o estabelecimento de requisitos e condições nas importações de valor de até US$ 100,00; bem como poderia aplicar alíquotas não superiores a 400%, limitar os países de origem dos produtos, ou restringir o tipo de bem que gozaria de isenção, poderia reduzir o teto dos bens contidos em remessas internacionais, ou exigir que o remetente seja pessoa física. A Administração Fazendária tem liberdade de atuação abrangente, e essa amplitude de atuação justifica-se, uma vez que não há lesão alguma a direito fundamental quando se reduz, de US$ 100,00 para US$ 50,00, o valor dos bens sujeitos à isenção. Muito menos se percebe a necessidade de se acionar o Congresso Nacional para essa simples medida fiscal, especialmente porque já há autorização legal para a autoridade fazendária assim agir.

Foi assim que a Portaria MF n° 156/99 regulamentou o disposto no inciso II, do art. 2º, do Decreto-lei n° 1.804/80, com redação dada pela Lei n. 8.383/91, no uso da competência atribuída ao Ministério da Fazenda, determinando o limite de valor e condição para produtos importados por remessa postal que receberiam isenção do imposto de importação, quais sejam, valor até US$ 50,00 (cinquenta dólares americanos), e desde que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas. Assim, delimitou os requisitos para a concessão da isenção, excluindo expressamente o benefício em alguns casos, não havendo que se falar em eventual ampliação dos limites fixados pelo Decreto-Lei n° 1.804/80, inexistente qualquer inovação no ordenamento jurídico.

Ratificando esse entendimento, em recente julgado (REsp 1736335), a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a um recurso da Fazenda Nacional, considerando legítima a Portaria 156/1999 do Ministério da Fazenda, que estabeleceu, em US$ 50,00, o limite de isenção do Imposto de Importação, desde que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas.

“RECURSO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DO CPC/2015. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3. PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. SÚMULA N. 284/STF. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. REGIME DE TRIBUTAÇÃO SIMPLIFICADA. ISENÇÃO. REMESSA POSTAL. ART. 1º, §2º, PORTARIA MF N.º 156/99 E ART. 2º, §2º, IN/SRF N. 96/99. LEGALIDADE PERANTE OS ARTS. 1º, §4º E 2º, II, DO DECRETO-LEI N.º 1.804/1980.

1. Ausente a invocação de dispositivos legais tidos por violados no que diz respeito à tese da ilegitimidade da autoridade tida por coatora. Incidência da Súmula n. 284/STF: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia".

2. A isenção disposta no art. 2º, II, do Decreto-lei n. 1.804/80, se trata de uma faculdade concedida ao Ministério da Fazenda que pode ou não ser exercida, desde que limitada ao valor máximo da remessa de US$ 100 (cem dólares americanos - uso da preposição "até") e que a destinação do bem seja para pessoa física (pessoa jurídica não pode gozar da isenção). Essas regras, associadas ao comando geral que permite ao Ministério da Fazenda estabelecer os requisitos e condições para a aplicação da alíquotas (art. 1º, §4º, do Decreto-lei n. 1.804/80), permitem concluir que o valor máximo da remessa para o gozo da isenção o pode ser fixado em patamar inferior ao teto de US$ 100 (cem dólares americanos), v.g. US$ 50 (ciquenta dólares norte-americanos), e que podem ser criadas outras condições não vedadas (desde que razoáveis) para o gozo da isenção como, por exemplo, a condição de que sejam remetidas por pessoas físicas.

3. Nessa linha é que foi publicada a Portaria MF n. 156, de 24 de junho de 1999, onde o Ministério da Fazenda, no uso da competência que lhe foi atribuída, estabeleceu a isenção do Imposto de Importação para os bens que integrem remessa postal internacional no valor de até US$ 50 (cinquenta dólares dos Estados Unidos da América), desde que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas.

4. O art. 2º, §2º, da Instrução Normativa SRF n. 96, de 4 de agosto de 1999, ao estabelecer que "os bens que integrem remessa postal internacional de valor não superior a US$ 50.00 (cinqüenta dólares dos Estados Unidos da América) serão desembaraçados com isenção do Imposto de Importação, desde que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas" apenas repetiu o comando descrito no art. 1º, §2º, da Portaria MF n. 156/99, que já estava autorizado pelo art.1º, §4º e pelo art. 2º, II, ambos do Decreto-lei n. 1.804/80.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.”

Em face do exposto, é cristalina a perfeita legalidade e legitimidade da regulamentação da isenção por parte do Ministério da Fazenda, através da Portaria MF 156/99, limitando o valor dos bens em até US$ 50,00 (cinquenta dólares americanos), desde que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

______. Decreto-Lei Nº 1.804, de 3 de setembro de 1980. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del1804.htm.

______. Portaria MF n° 156, de 24 de junho de 1999. Disponível em https://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=23977&visao=anotado

______. Recurso Especial STJ Nº 1.736.335 - SC (2018/0089282-8). Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroUnico&termo=50229520820164047200&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea

Sobre o autor
Thiago Braga Reis

Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Thiago Braga. Limite de isenção para remessas postais internacionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6203, 25 jun. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83387. Acesso em: 23 dez. 2024.

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