4. Um outro abismo a ser revelado: o problema dos limites materiais (a "possível" reserva do possível)
O Estado, apropriado pelo estamento dominante, é o provedor de garantias múltiplas para os ricos e de promessas para os pobres. Em um País sem tradição de respeito aos direitos, a constituinte termina sendo uma caça aos privilégios. Criam-se diferentes castas dos que são mais iguais. Alguns conseguem um lugar sob o sol da proteção constitucional direta. Outros ficam no mormaço das normas que sinalizam o status, mas precisarão ser integradas pelo legislador infraconstitucional. A maioria fica sob o sereno das normas programáticas, as que prometem saúde, cultura e terceira idade tranqüila. Mas só quando for possível. [38]
A dimensão jurídico-concretizante dos direitos sociais "se afirma de acordo com a situação econômica conjuntural, isto é, sob a ´reserva do possível´, ou na conformidade de autorização orçamentária", segundo a sempre escorreita análise de Ricardo Lobo Torres [39]. Os direitos sociais estariam, portanto, "reféns" de opções de política econômica do aparato estatal, eis que a reserva do possível traduz-se em uma chancela orçamentária; trata-se de um princípio (implícito) decorrente da atividade financeira do Estado alusivo à impossibilidade de um magistrado, no exercício da função jurisdicional, ou, até mesmo, o próprio Poder Público, de efetivar ou desenvolver direitos, sem que existam meios materiais para tanto, o que consequentemente resultaria despesa orçamentária oficial. "A aferição desta disponibilidade é feita em função do orçamento. Justifica-se que a concessão de determinadas prestações, ou seja, a realização de determinados direitos, pode implicar a inviabilização da consecução de outros". [40]
Segundo Gisela Bester, a questão se põe como uma "desculpa" que é dada pelos governantes, para se eximirem de cumprir o desiderato social plasmado na constituição; "Ora, se a Constituição diz ser direito de todos um dado direito social, o Estado há de virar-se para prever tal rubrica no orçamento, conforme as competências federal, estadual e municipal, eis que isto é um mandamento, uma ordem, que deve ser providenciada". [41]
Os direitos sociais mínimos, de fato, têm consideráveis efeitos financeiros, "quando são muitos os que o fazem valer" – adverte Robert Alexy – "Mas só isso não justifica inferir a não-existência desses direitos. A força do princípio da competência privativa do legislador não é ilimitada. Não é um princípio absoluto. Direitos individuais podem ter mais pesos que as razões da política financeira". [42]
Diante da inoperatividade do legislativo, a via judiciária apresenta-se como forma de dialógica democrática entre o cidadão e o Estado. Mas em que medida poderia o Judiciário determinar o atendimento da pretensão posta em face da ausência de mecanismos suficientes para o amparo habitacional sob a responsabilidade das autoridades representativas? E como resolver as implicações financeiras da implementação da medida judicial concretizadora?
Para alcançar as bases teóricas sustentáveis para uma resposta adequada ao caso brasileiro é necessário, sobretudo, romper com as teses sub-desenvolvidas de um direito constitucional de baixa eficácia e com a falácia da "reserva do possível", esta última, segundo Andreas Krell, "fruto de um direito constitucional comparado equivocado". [43]
Na esteira da manifestação de Ingo Sarlet [44], in litteris, há de se concordar que não há mais espaço para essa resignação da escassez – o lamentacionismo constitucional, com o qual respeitáveis estudiosos se conciliaram:
Embora tenhamos que reconhecer a existência destes limites fáticos (reserva do possível) e jurídicos (reserva parlamentar em matéria orçamentária) implicam certa relativização no âmbito da eficácia e efetividade dos direitos sociais prestacionais, que, de resto, acabam conflitando entre si, quando se considera que os recursos públicos deverão ser distribuídos para atendimento de todos os direitos fundamentais sociais básicos (...) em se tendo em conta que a nossa ordem constitucional (acertadamente, diga-se de passagem) veda expressamente a pena de morte, a tortura e a imposição de penas desumanas e degradantes mesmo aos condenados por crime hediondo, razão pela qual não se poderá sustentar - pena de ofensa aos mais elementares requisitos da razoabilidade e do próprio senso de justiça - que, com base numa alegada (e mesmo comprovada) insuficiência de recursos - se acabe virtualmente condenando à morte a pessoa cujo único crime foi o de ser vítima de um dano à saúde e não ter condições de arcar com o custo do tratamento.
Em outro instante, também elucida o mesmo autor [45]:
(...) em todas as situações em que o argumento da reserva de competência do Legislativo (assim como o da separação dos poderes e demais objeções aos direitos sociais na condição de direitos subjetivos a prestações) esbarrar no valor maior da vida e da dignidade da pessoa humana, ou nas hipóteses em que, da análise dos bens constitucionais colidentes (fundamentais, ou não) resultar a prevalência do direito social prestacional, poder-se-á sustentar, na esteira de Alexy e Canotilho, que, na esfera de um padrão mínimo existencial, haverá como reconhecer um direito subjetivo definitivo a prestações, admitindo-se, onde tal mínimo é ultrapassado, tão somente um direito subjetivo prima facie, já que – nesta seara – não há como resolver a problemática em termos de um tudo ou nada.
Mister lembrar que todos as modalidades de direitos subjetivos representam dispêndio econômico, inclusive os direitos cunhados pelo constitucionalismo liberal clássico: os direitos civis em geral, que demandam a tutela judicial custam muito dinheiro (verba para segurança pública, órgãos administrativos, a estrutura do Judiciário), assim como os direitos políticos (verba para realização das eleições, com as urnas eletrônicas disponibilizadas no referendo do último outubro etc)... [46]
De outra sorte, lembra Ricardo Lobo Torres que, embora o STF tenha decidido que o Executivo não está obrigado a pagar precatório judicial se não houver recursos disponíveis [47], esse entendimento não deve se estender para os casos em que se discute a garantia do "mínimo existencial", "que tem prevalência sobre eventuais sobras de caixa". [48]
O debate tem evoluído substancialmente: prova disso é que o STF já decidira, em outra ocasião, acerca da possibilidade de controle judicial das políticas públicas, mesmo que sua formulação e execução presumam-se reservadas aos demais Poderes: "Não obstante a formulação e execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato coletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo". [49]
Como pondera Américo Bedê, como é possível suscitar a falta de recursos para a saúde quando existem, no mesmo orçamento, recursos com propaganda de governo?; "Antes de os finitos recursos do Estado se esgotarem para os direitos fundamentais, precisam estar esgotados em áreas não prioritárias do ponto de vista constitucional e não do detentor do poder" [50].
É preciso alargar a compreensão dessa noção acerca da reserva do possível, reconhecendo, em primeiro lugar que tudo o que foi dito e redigido sobre o tema remete ao abismo gnoseológico referido nesse texto, isto é, no processo de falseamentos da atitude de conhecimento ("jurídico") que ocorre silenciosa e até inconscientemente. A reserva do possível é um terceiro dado (limitações orçamentárias?) que se coloca entre o Texto Cume e os cidadãos, que demandam prestações positivas porque – como foi estampado na ordenação constitucional – estas representam "direito de todos" e "dever do Estado"? [51]
5. Mas afinal o que é Constitucionalismo e Estado social? (Contra o discurso da superposição dos limites materiais em face do mínimo social)
Citando como exemplo o descaso dos poderes públicos com os direitos dos deficientes físicos, Luciano Maia questiona a inefetividade da Constituição e da legislação infraconstitucional que contempla diversas garantias aos portadores de necessidades especiais físicas, auditivas e visuais. [52] A Constituição de 1988 institui, em seu art. 203, inc. V, o direito à concessão de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência que comprove não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família [53].
Ainda na Carta vigente, encontramos, no art. 227, § 1º, II, a obrigatoriedade do Estado brasileiro na criação de uma gama de mecanismos de integração dos portadores de alguma deficiência, inclusive adotando medidas de "facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos". [54] Por seu turno, a legislação federal já contemplou inúmeros avanços na proteção dos direitos dos deficientes, como é o caso da Lei nº 7.853, de 24.10.1989 (Lei de apoio às pessoas portadoras de deficiência), da Lei nº 8.899, de 29.06.1994 (concessão de passe livre às pessoas portadoras de deficiência no sistema de transporte coletivo interestadual), entre diversas outras.
Apesar de todo esse aparato técnico-legal e dos preceitos constitucionais irradiadores de direitos, acima vistos, é possível, ainda, se deparar com situações iníquas e injustificáveis como a narrada por Luciano Maia: em recente pleito eleitoral, uma eleitora que, impossibilitada de se locomover e, por conseguinte, municiada de sua consentânea cadeira de rodas, foi impedida de ter acesso à sua seção eleitoral, localizada no 1º andar de um prédio público sem rampa e sem elevador. A princípio, quiseram os servidores da Justiça Eleitoral convencê-la a desistir de votar, e recomendar-lhe que justificasse sua ausência. Impedida de votar, demonstrou sua irresignação aos prantos, o que, comovendo outros eleitores, fez com que esses conduzissem-na nos braços, para que, enfim, votasse. [55]
A questão conduz a refletir sobre quantos logradouros e prédios públicos estão devidamente adaptados para o usuário portador de deficiência. Muito pouco se fez, em verdade, para minimizar as dificuldades enfrentadas por esse segmento de cidadãos. A norma não opera a realidade por si própria. Em muitos momentos, a Constituição vincula a Administração Pública e os demais setores do organismo social a providências imprescindíveis, que se protraem em nome do bem-estar coletivo.
A democracia instituída pelo povo brasileiro é mais ambiciosa que aquela democracia formal, burguesa. Quis o povo, no seu ato instituidor de um Estado Democrático de Direito, fazê-lo um estado democrático social de direito. Como em poucas constituições no mundo, a constituição brasileira tem disposições contendo direitos sociais, que têm plena eficácia e forca vinculante, e obrigam os órgãos do Estado, e todos os particulares. [56]
No contexto do exemplo suscitado, não só a nossa democracia, como também as práticas de cidadania, são portadoras de deficiências múltiplas. Como diria O´Donnell, é tão constante a violação de direitos e, por conseguinte, ineficaz a ordem jurídica, nos países latino-americanos, que vários autores chegam a questionar se é adequado denominá-los de democráticos [57].
Sob a ótica de um Direito Constitucional de luta e resistência, Paulo Bonavides sentencia que só será possível institucionalizar um efetivo poder democrático no Brasil se houver, sobretudo, correspondência da Constituição com a realidade social. [58] Em seu preclaro entendimento, a "Constituinte e a Constituição são componentes de um todo indissociável – a sociedade brasileira (...)" [59].
Em nosso atual contexto de redemocratização, o único óbice à satisfação de um constitucionalismo comprometido com a estrutura social é o conjunto de fatores externos, em especial os que revelam interesses econômicos associados à lógica do mercado. O primado do capitalismo e os grandes grupos de pressão constituem, sem sombra de dúvida, óbice à realização da Constituição. Veja-se, por exemplo, o caso da omissão legislativa referente ao § 3º, do art. 192, da Carta Política vigente.
O referido dispositivo, antes de ser revogado pela Emenda Constitucional nº 40, de 29.5.2003, estipulava que a proibição do anatocismo [60], isto é, a proibição de cobrança de taxas de juros reais superiores a doze por cento ao ano, caso em que a cobrança acima deste limite configuraria crime de usura [61]. Ocorre que a citada norma, assim como o seu próprio caput, eram desprovidas de auto-aplicabilidade, vez que sugeriam futura regulamentação via ulterior lei complementar. Transcorridos quase 15 anos da Constituição de 1988, a norma continuava sem a prometida regulação infraconstitucional, até que todo o dispositivo foi revogado pela EC nº 40/2003 [62]. Simples assim.
Ao tempo em que se fala de democracia e participação efetiva dos cidadãos na tomada das decisões políticas e iniciativas legiferantes – inclusive nesse caso expressamente determinado pela Carta –, os bancos e demais instituições financeiras operam silenciosamente, exercendo grande pressão junto aos setores que efetivamente definem os rumos do ambiente social em que todos estão inseridos e, portanto, legitimados a opinar. Nessa mesma senda, enquanto milhões de pessoas não têm o mínimo atendimento médico, como no caso acima exposto, uma vez que o art. 196 da "Constituição Cidadã’ não vincula o Estado ao dever de pronta prestação social, consoante entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e realçado por inúmeros "constitucionalistas" pátrios, "o governo gastou, para salvar o Banco Bamerindus, o montante de 6 bilhões de reais, afora outros 20 bilhões gastos com outras instituições bancárias". [63]
(...) há que destacar a crítica que atribui às concepções clássicas uma natureza anacrônica, desvinculada da realidade vigente, na medida em que cunhada e aplicável apenas sob a égide das Constituições de matriz liberal, sendo, portanto, incompatível com o constitucionalismo social, dominante em nosso século, no qual assume relevo o caráter programático de parte das normas constitucionais, estabelecendo uma atuação positiva aos poderes públicos na esfera sócio-econômica, além de revelar, também sob este aspecto, que a doutrina clássica de longe não fornece a melhor e única solução para o problema da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais. [64]
Com efeito, a realidade dantesca em que vive milhões de brasileiros destituídos de seus direitos fundamentais é mais do que suficiente para comprovar essa inobservância das metas constitucionais. A marginalização, o desemprego, a miséria, a degradação humana a que grande parte do nosso povo é reduzida, demonstram com a lei, embora exista para todos, não os atinge igualmente. Ademais, se a cidadania é um dos fundamentos do nosso Estado de Direito, como pode o próprio Estado desrespeitá-los e não realizá-los? O fato é que os atores sociais se sentem vilipendiados em seus direitos fundamentais e continuam a percorrer a estrada ressequida do desencanto, sem saber se o que dispõe a nossa Constituição é uma simples emanação de um ideal irrealizável ou se, ao contrário, é o acesso e o usufruto de seus direitos de cidadania que têm sido deliberada e sistematicamente conspurcados.
Talvez, esteja faltando uma peça no tabuleiro: informação. O desperdício da experiência constitucional tupiniquim atinge o universo dos "operadores jurídicos", dos "operadores lógicos", dos "operadores epistemológicos" e dos "operados": nem o jurista constitucional, nem o ator prático do Direito, tampouco o cidadão comum, estão falando a mesma língua... é preciso se enxergar isso, sob pena dessa miopia os levar ao emudecer precoce e, quem sabe, à cegueira completa... Ou como diria Lenio Streck, sufocar-se com a angústia por saber que se sabe [65].
Ainda assim note-se que, mesmo nos Estados democráticos do centro desenvolvido, a dogmatização do direito constitui um tipo ideal, uma ficção, uma estratégia retórica de controle social que se tem mostrado funcional e eficiente nos mais diversos contextos. Mas daí a crer que é real e verdadeira, construindo uma teoria social ou jurídica omnicompreensiva a partir dela, vai uma grande distância. O mesmo vale para os demais tipos ideais discutidos aqui, incluindo o próprio Estado democrático de direito [66].
Sem a dosagem correta de metas constitucionais, complementadas por debates multidisciplinares acerca do seu conteúdo e sua implementação e, por fim, consecutadas pelos reais fatores de estabilização social, não haverá campo para "operar" o "milagre constitucional". É que tudo dá no Texto (dignidade, mínimo existencial, saúde, educação, moradia etc). O difícil é dar no factual... Daí porque se falar em milagre. O caráter cabalístico [67] da Carta se revela em seu papel de difundir promessas de um melhor existir social, e que deverão aportar a qualquer momento, para a felicidade geral da Nação.
A partir do instante em que a própria doutrina constitucionalista cogita um esvaziamento de plena eficácia dos direitos sociais ante tênue diferenciação face à categoria direitos fundamentais, onde ecoa a lição de Canotilho [68], debilita-se a possibilidade do controle judicial de implementação e execução de políticas públicas, nos limites estabelecidos pela própria Constituição [69].
O peso dos argumentos que levam, no entanto, a desprezar-se o necessário papel do Poder Judiciário na chancela de defesa dos direitos sociais conspurcados, é certamente questionável. Aliás, é a ausência de densa argumentação jurídica, fundada na racionalidade pós-positivista que aporta em nossa tradição jurídica, que conduz a essa obliteração dos direitos sociais, em especial de direitos sociais, como os relativos à saúde e à moradia, pela própria extensão de conseqüências que esse direito subjetivo desencadeia.
Os entraves à efetivação dos direitos sociais devem ser solucionados a partir da tarefa de adjudicação dos sentidos e possibilidades irradiadas pela Constituição. Não se deve pensar que, à vista da escassez declarada de condições materiais, esvaziam-se, também, as condições de realizabilidade de direitos de índole prestacional, em especial, aqueles erigidos na base de um proposta constitucionalismo de bem estar social [70].
O revés econômico pelo qual passa nosso País, à conta de sua débil condição de neoliberal, arrefece as expectativas quanto à construção de um necessário aparato constitucional de excelência decisória e compromisso com o ideal democrático projetado nas linhas da Constituição. As adaptações sofridas pelo Texto de 1988 demonstraram, tão só, como é fácil levar a débito a perenidade das convicções ilusórias de um Estado social municiado para a concreção dos direitos de cidadania.
Ocorre, nesta seara, um processo curioso de transposição teórica de marcos estrangeiros, à vista da fácil captação e assimilação acrítica dos sopros alienígenas, que insistem em imiscuir-se no perscrutar da realidade sócio-legal brasileira, pelos próprios investigadores pátrios, sem o mínimo cuidado com o peculiar paradigma alçado pelo contexto brasileiro. [71]
Se considerarmos que os direitos sociais deixam de ser efetivados tão simplesmente "porque" inexiste orçamento suficiente para sua implementação estaríamos afirmando categoricamente que o custo impede a realização do programa constitucional de uma sociedade plural, fraternal, solidária, comprometido com a cidadania, a promoção do desenvolvimento nacional e a erradicação das desigualdades regionais e sociais... Mas não há custo no que toca a outras atividades inerentes ao Poder Público, como a liberação de recursos para obras discutíveis e gastos sem conformidade com o real clamor de uma população marginalizada, cada vez mais excluída de suas prerrogativas cidadãs.
É preciso referir que o abismo gnoseológico que impede chegar-se a uma conclusão satisfatória discussão (ou a não discussão) sobre a efetivação dos direitos sociais pode ser designado "reserva do possível". Parece que alguém (ou todos) se esquece(m) de um elemento importante por trás das opções trágicas que qualificam um determinado direito constitucional de "baixa efetividade" ou "de eficácia limitada" (ou "limitadíssima"), à vista de um custo exacerbado que o torna "improvável". Esse elemento é o ideológico [72].
Haure-se, assim, a tarefa constitucional de todos os institutos democráticos postos em no sistema jurídico-político vigente para o equilíbrio das funções do Estado, de ordem a recrudescer o papel de controle das políticas públicas por parte do Judiciário, sem que isso implique em "judicialização da política" ou - ainda é preciso dizer – na intromissão do Estado-juiz nos demais poderes. Premente, pois, a utilização de um modelo jurisprudencial consolidado, com métodos de ponderação harmonicamente estruturados (Larenz) [73] e uma adequada gradação da sindicabilidade dos atos dos órgãos governamentais e legislativos por parte do Judiciário (Ávila) [74], onde a proporcionalidade em sentido estrito [75] representa um parâmetro constitucionalmente adequado para a constatação das situações em que persistem abusos na alegação de que a concretização dos direitos sociais submete-se à "reserva do possível", mesmo sob o pálio do constitucionalismo social. [76] O exame de proporcionalidade deve partir mesmo da avaliação das atividades tributária e financeira do Estado, de modo a fazer exsurgir as prestações e contraprestações inerentes à relação contribuinte-Fazenda Pública.
Com efeito, é na própria deblateração da eficácia jurídica das normas que amparam direitos sociais tal como o direito à moradia, entre tantos outros, que vislumbra-se o problema do esvaziamento da argumentação jusfundamental, por meio de insípidos embates acadêmicos e sua justaposição ante à prática social de exclusão e desprezo aos comiserados. É exatamente na busca por marcos lógicos mais apurados que se poderá insculpir um sistema de fundamentação e interpretação do contexto dos direitos de especial categoria, tal qual o direito à saúde, que depende sensivelmente de uma melhor ponderação dos meios e fins.