Resumo
Discute a questão da insuficiente aplicabilidade das normas que definem direitos sociais face a limitações materiais, consideradas as condições de possibilidade orçamentária que factibilizam prestações estatais positivas. Assim, após um olhar introdutório acerca do noção de reserva do possível, sinaliza bases teóricas construtivas do paradigma de Estado social e sua inserção no pensamento neoconstitucional e de como as metodologias argumentativa e hermenêutica da justiça constitucional podem oferecer respostas coerentes e eficazes aos impasses jurídico-políticos que afastam o mínimo social almejado em um Estado democrático.
Palavras-chaves: Neoconstitucionalismo. Efetivação dos direitos sociais. Reserva do possível. Interpretação constitucional.
Abstract
This work aims the question of the low power of the constitutional norms and it´s insufficient applicability when it comes to define social rights which are dependent of some material resources of Public Politic. In order of introducing the basic aspects of the "reserva do possível", some theorical outlines of the Welfare State idea and it´s discussion in the neoconstitucionalist thought are exposed, as well is discussed how can the new methods of argumentation and hermeneutics of constitutional jurisdiction offer coherent and efficient answers to foundamental issues, while the legal and politic perspectives are harming the possibility of a paradigm of minimum rights to consolidate the so called "Democratic State".
Keywords: Neoconstitutionalism. Efectivenesse of social rights. The costs of rights. Constitutional Hermeneutics and Interpretation.
Sumário: 1. Direitos sociais e concretização judicial: preliminares sobre o debate – 2. Os direitos fundamentais sociais como problema de essência: dilemas de acionabilidade – 3. O superficialismo normativo dos direitos sociais e as profundezas do abismo: ainda é factível falar-se em eficácia diferida e aplicabilidade mediata das normas constitucionais? – 4. Reserva do Possível: lineamento conceitual básico – 5. Afinal o que é Constitucionalismo e Estado social? (Contra o discurso da superposição dos limites materiais em face do mínimo social)– 6. Para pontofinalizar (ou não...) – 7. Referências.
1. Direitos sociais e concretização judicial: preliminares sobre o debate
Este é tempo de partido,
Tempo de homens partidos.
Em vão percorremos volumes,
Viajamos e nos colorimos.
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua,
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei.
Meu nome é tumulto e escreve-se na pedra.
Carlos Drummond, "Nosso Tempo".
Um dos debates mais associados ao constitucionalismo presente é a consagração plena dos direitos sociais, no sentido de configurarem direitos a prestações positivas sensivelmente exigíveis conforme a vontade constitucional que lhes é ínsita.
No Brasil, a tutela de tais direitos sociais diz respeito diretamente à prática judicial de nossas Cortes, na perspectiva de eleger-se, no ambiente dogmático, diretrizes prático-racionais e hermenêuticas de ampliação dos contornos definitórios dos direitos postos na Constituição e sua consentânea aplicação cotidiana. A questão, recorrentemente travada na doutrina e jurisprudência, liga-se à aferição da aplicabilidade dos direitos sociais, enquanto normas constitucionais desprovidas de eficácia plena e auto-executoriedade, mas sobejamente exigíveis, eis que perfilam a própria ideologia do Texto Fundamental de 1988.
Esse breve estudo compaginará alguns aspectos teóricos marcantes do debate acerca da concretização dos direitos sociais, especialmente mediante atuação do Poder Judiciário, que adrede assume o papel de sindicabilidade das diretrizes de conformação política das normas constitucionais alusivas aos direitos sociais. Mas não se trata de esforço doutrinário hábil a tal ponto de encerrar novos conceitos ou condições de possibilidade para a superação da crise de inefetividade constitucional pela qual se passa, desde sempre; apenas privilegia uma leitura do conjunto teórico mais relevante ao problema, com cariz introdutório.
2. Os direitos fundamentais sociais como problema de essência: dilemas de acionabilidade
Os direitos fundamentais correspondem aos valores principiais da nossa cultura jurídica [01], tendo como significação mais próxima, a própria dignidade humana [02]. Assim, correspondem ao continuum de direitos às condições mínimas de existência humana digna, que não podem ser objeto de intervenção do Estado, mas que, simultaneamente, demandam prestações estatais positivas [03]. Nessa perspectiva, os direitos fundamentais possuem a característica de direitos públicos subjetivos, ou seja, posições jurídicas ocupadas por seu titular perante o Estado [04].
Os direitos sociais ocupam essa outra dimensão – direitos à prestações positivas, também reconhecidos como direitos prestacionais e que conduzem a uma atividade proativa do Estado. A idéia primordial dos direitos individuais albergados na constituição, nascida com o ideal liberal e as revoluções consentâneas ao surgimento dessa concepção jurídica, caracterizados pela expressão "direitos de defesa" (Abwehrrecht), restou insuficiente para a plenitude do desiderato constitucional, como salientado por Gilmar Ferreira Mendes, fincado na lição de Krebs: "não se cuida apenas de ter liberdade de ação em relação ao Estado (Freiheit vom...), mas de desfrutar essa liberdade mediante atuação do Estado (Freiheit Durch)" [05].
Gilmar Mendes lembra, ainda, que nosso sistema constitucional consagra destacadamente os direitos sociais, que recomendam a necessária atuação do Poder Público, "por força inclusive da eficácia vinculante que se extrai da garantia processual-constitucional do mandado de injunção e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão". [06]
Em que pese a fecundidade do tema, ao passo em que verifica-se a mencionada euforia em torno desta base teorética, é de igual sorte estupendo o hiato entre a proclamação de tais direitos e a baixa densidade de efetivação dos direitos sociais, ainda que diuturnamente reclamados pelo senso jurídico e pela própria sociedade. O problema fica escamoteado, não raras vezes, na deblateração acerca do grau de aplicabilidade e eficácia das normas constitucionais e nas inexitosas tentativas de desvencilhamento de um modelo dirigente, em que os vínculos entre a responsabilidade do legislador ordinário e os riscos da não implementação de direitos suscitam um tom de pecado original [07].
Abstraindo quaisquer outras provocações a respeito do alcance dos direitos sociais enquanto elementos (in) dissociáveis dos direitos fundamentais, adverte Roger Stiefelmann [08] que, quando da introdução do mandado de injunção no ordenamento brasileiro com a suposta pretensão de, ao lado da ação de inconstitucionalidade por omissão, conferir aplicabilidade aos direitos sociais, surgiu intensa discussão acerca de quais os direitos seriam viabilizáveis pelo writ, o que conduziu o Supremo Tribunal Federal (STF) a firmar sua posição no sentido de que todos os direitos decorrentes da Constituição eram passíveis de proteção por via de mandado de injunção [09].
Com esse adventício, o STF admitiu a adoção de mandado de injunção em matéria de direitos sociais. Todavia, consciente das dificuldades em concretizar de pronto os direitos sociais, acabou por atenuar o efeito das decisões proferidas em sede de mandado de injunção, obedecendo ao caráter político da realização dos direitos sociais, como evidencia o entendimento do Min. Moreira Alves, que admite que a decisão proferida em sede de mandado de injunção não confere a tutela adequada: "(...) na prática, a decisão dele (mandado de injunção) decorrente poderá não ser cumprida, pela impossibilidade de o Supremo Tribunal Federal atuar coercitivamente contra os poderes omissos". [10] Optou-se, assim, pela mesma solução definida pela Constituição para a ação de inconstitucionalidade por omissão, ou seja, a cientificação do órgão competente para que tome as providências necessárias [11]. Foi admitida, em verdade, a impossibilidade técnica e política do STF para suprir a falta de uma norma, viabilizando o exercício de direitos sociais [12].
3. O superficialismo normativo dos direitos sociais e as profundezas do abismo: ainda é factível falar-se em eficácia diferida e aplicabilidade mediata das normas constitucionais?
O homem só é homem através da linguagem, mas para inventar a linguagem já tinha que ser homem.
Wilhelm Von Humboldt [13]
Como lembra Regina Ferrari, quando a Constituição Federal afirma que todos devem ter direito ao bem social correspondente à moradia, é preciso enxergar que tal não investe o seu titular numa condição exigibilidade plena, pois "seria impossível admitir (...) que a todo indivíduo que demonstrasse não possuir moradia caberia ação contra o Poder Público para recebê-la (...)". [14]
Nos atuais desvãos e descaminhos da contemporânea teoria constitucional, questão de grande relevo toca às possibilidades de aplicação das normas constitucionais, em especial daquelas recorrentemente referidas como normas programáticas, que dependem da posterior atuação do legislador infraconstitucional e da Administração como um todo. O presente texto cinge-se a algumas singelas considerações acerca do recente desenvolvimento doutrinário de autores comprometidos com a realidade brasileira e que trata do problema com proposições extremamente elucidativas.
Na visão tradicional, o ambiente constitucional encerra a existência de três tipos de normas, com diferentes graus de eficácia e aplicabilidade, como refere-se Barroso, remetendo à lição de José Afonso da Silva: (i) Normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade imediata; (ii) Normas constitucionais de eficácia contida e aplicabilidade imediata, mas passíveis de restrição; e (iii) Normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida, que dependem de integração infraconstitucional para terem aplicabilidade, normalmente referidas como normas programática. [15]
O tema recebeu diversas manifestações doutrinárias que, ante uma grande variação classificatória, oscilou do tradicional ensinamento de Rui Barbosa acerca da carga de auto-executoriedade das normas constitucionais até o modelo proposto por Celso Antonio Bandeira de Melo, que se refere à eficácia jurídico-constitucional com vista à justiça social. [16]
Após breve contextualização dessas classificações, Barroso propõe uma nova forma de sistematização, com o intuito de reduzir a "discricionariedade dos poderes públicos" na aplicação da Constituição e fomentar um "critério mais científico à interpretação constitucional pelo Judiciário", em especial no que pertine à manifesta omissão do Executivo e do Legislativo, quanto à concretização das normas desprovidas de auto-aplicabilidade [17].
A pré-falada sistematização consiste no enquadramento da seguinte tipologia: (i) Normas constitucionais de organização ou normas constitucionais que têm por objeto organizar o exercício do poder político; (ii) Normas constitucionais definidoras de direito ou normas constitucionais que têm por objeto fixar os direitos fundamentais dos indivíduos; e (iii) normas constitucionais programáticas ou normas constitucionais que têm por objeto traçar os fins públicos a serem alcançados pelo Estado. [18]
Propomos o corte epistemológico aqui necessário, no sentido de aclarar melhor a necessidade de uma tipologia das normas constitucionais, em que algumas delas exprimem baixa densidade aplicativa, mas, ao mesmo tempo, traduzem alta densidade principiológica, necessária à fecundação das demais normas, cuja aplicabilidade é mais factível.
Utilizemos o exemplo da norma constante no art. 196 da Constituição, quando afirma ser a saúde um "direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". Como explicita Barroso, apesar da "dicção ambígua" do artigo em comento, que faz referência ao direito à saúde e ao dever do Estado, mas configura-se como norma programática, "fala em políticas sociais e econômicas que não estão especificadas" [19], não podendo ser entendida como norma auto-aplicável.
O problema da efetividade das normas constitucionais (e infraconstitucionais, de igual sorte) tem sido um dos mais graves entraves constatados no ordenamento jurídico brasileiro. E um problema crônico, que sofre da paralisia multidisciplinar. Novo gênero de patologia que recrudesce em meio a um ambiente acrítico e desprovido de proposições lúcidas; parece que há muito diagnóstico, mas pouco prognóstico.
Em nosso país, os entraves que impedem a concretização dos dispositivos jurídicos (ou seria melhor jurígenos?) decorrem não apenas do caráter de idealidade presente em seu conteúdo, mas também da ausência de vontade do poder público. Há, ainda, casos em que a inefetividade decorre dos interesses particulares de classe ou do poder de veto de alguns grupos hegemônicos. Há, por conseguinte, um fosso que separa a expectativa gerada pela expansão dos direitos formais de cidadania e sua realização no cotidiano dos indivíduos. Esse desconforto gera nas pessoas a crença segundo a qual os direitos não existem para serem realizados, sendo, tão-somente, adereços ou formulações abstratas inexeqüíveis. Este hiato demonstra bem que o Direito é um instrumento social que não escapa à esfera do político, ou ainda que "a Constituição, sem prejuízo da sua vocação prospectiva e transformadora, deve conter-se em limites de razoabilidade no regramento das relações de que cuida, para não comprometer o seu caráter de instrumento normativo da realidade social". [20]
Tais idéias deveriam servir de baliza aos legisladores, antes que os mesmos, movidos por devaneios ou por motivações inefáveis, passassem a criar normas de alcance universal, mas de efeito concreto nulo. Com isso a realidade salta aos olhos: muitos dos direitos de cidadania amplamente garantidos por nossa Lei Maior, não são realmente efetivados.
São os abismos gnoseológicos que pululam o cotidiano político-jurídico e que impedem o diálogo da experiência social com as normas de cidadania orientadas pelo Texto Superior; desconectam o sentido "real-racional" perseguido pelo legislador constituinte e o relegam ao discurso dos "limites e possibilidades", objetificando o "real" como "limite" e o "racional" como "aquilo que é possível". Ou seja, antes mesmo de se pré-compreender, já se interpreta e se alcança a compreensão de ultima ratio, qual seja, as normas definidoras de direitos sociais encerram eficácia limitada, carecedoras que são de uma atuação futura (eventual e incerta) do legislador infraconstitucional e do sistema político!
Nessa senda, Lenio Streck [21] lembra que os magistrados
costumam-se jactar-se do fato de que, primeiro decidem (chegam à conclusão), e só depois justificam/fundamentam o que "antes foi decidido" (sic). Com isto, pensam ter encontrado uma espécie de atalho no processo de conhecimento, por meio do qual imaginam poder ultrapassar o abismo gnoseológico que tem angustiado a humanidade desde que o logos suplantou o mito. Assim, acreditam – e esse pensamento e ainda dominante no seio da comunidade jurídica – na possibilidade de alcançar uma cognição livre de (inter)mediações. É como se fosse possível alcançar a outra margem desse "abismo" e só depois "construir" a ponte que possibilitou essa travessia...! (Sem negrito no original).
João Maurício Adeodato oferece uma depuração filosófica do que vem a ser o tal abismo gnoseológico, reduzindo-o a incompatibilidades recíprocas entre: (i) evento real; (ii) idéia (ou "conceito", "pensamento"); e (iii) expressão lingüística (ou "simbólica"), porquanto estas "são as três unidades componentes do conhecimento humano, as quais não podem ser reduzidas uma à outra". [22]
Aqui, interessa de perto referir a incompatibilidade entre os dois primeiros dados e a linguagem, que ficaria desempenhando – no terreno da interpretação jurídica tradicional – um papel secundário, "como se fosse apenas um veículo de conceitos que carregam o sentido das coisas (...) que se interpõe entre um sujeito (o intérprete do direito) e um objeto (a ´realidade´)" [23], ou, se preferir, invertendo a equação, o dado lingüístico-expressivo projeta-se como um algo entre o evento real e a idéia ou conceito.
O abismo gnoseológico conduz a outros, tal como o axiológico [24]. E algumas estratégias poderiam ser estabelecidas para evitar esse problema original, como aponta Adeodato, à vista dos predicados compreensivos da realidade em Max Weber:
(...) tipos ideais constituem generalizações que, através de abstrações controladas, pretendem reunir unidades reais, em si mesmas incognoscíveis, em conceitos ideais aproximativos. Exatamente porque uma separação precisa não é possível na realidade, os conceitos claros e precisos são mais necessários ainda. Com efeito, o método weberiano imuniza contra a ingenuidade da concepção ontológica, "realista", da língua e ajuda a reduzir pretensões de verdade e a enfrentar com mais segurança o abismo gnoseológico [25]. (negrito no original).
Mas essa breve sugestão (como denominada pelo autor do trecho acima transcrito) comporta outros desenvolvimentos que serão objeto de outro esforço, mais associado à perspectiva etnometodológica para uma sociologia do direito [26].
Com o que até aqui foi exposto, merece reprodução o pensamento de Lenio Streck, para quem é preciso romper com a "hermé(nêu)tica jurídica tradicional-objetifivante prisioneira do (idealista) paradigma epistemológico da filosofia da consciência", com o que recuperar-se-ia o "sentido-possível-de-um-determinado-texto e não a re-construção do texto advindo de um significante-primordial-fundante. Assim, por exemplo, não há um dispositivo constitucional que seja, em si e por si mesmo, de eficácia contida, de eficácia limitada ou de eficácia plena". [27]
Em arremate, despiciendo afirmar que o sentido e alcance de uma determinada norma constitucional (e também infraconstitucional) terão que ser delimitados pelo intérprete, em cada situação concreta a ser apreciada pelo aparato decisional do direito dogmaticamente organizado. Alguém já disse que não é a norma que dá interpretação, mas a interpretação que dá a norma e, nesse sentido, válida a investigação da metódica estruturante de Friedrich Müller, uma possibilidade interpretativa de concretização do direito. [28] Assim, também, diz Lenio Streck, é "evidente que não há só textos; o que há são normas (porque a norma é o resultado da interpretação do texto). Mas também não há somente normas, porque nelas está contida a normatividade que abrange a realização concreta do direito". [29]
É preciso reconhecer, com Kaufmann [30], que no contexto da atividade jurídica, a importância da função de comunicação e entendimento e a inerente função social, ambas atribuídas à linguagem:
Se a norma jurídica (regra de direito) se deve tornar realidade concreta, então os conceitos abstratos da norma têm que estar abertos às situações da vida. Isto acontece na concreta decisão de direito, no juízo jurídico. No juízo o direito ganha forma, aumenta a sua dimensão lingüística vertical, transcendental, intuitiva, os conceitos classificatórios delimitadores convertem-se em conceitos ordenadores plenos de conteúdo (conceitos funcionais, tipos [...]). Estes conceitos concretizados já não são unidimensionais, unívocos (...), nem o devem ser; de outro modo não poderiam cumprir a sua função de equilíbrio das tensões, no interior da idéia de direito, entre igualdade, segurança jurídica e equidade. (...) Assim, a linguagem jurídica cria direito por dois modos: através do acto de aprovação de normas e através do acto de decisão jurídica.
Uma maior adjudicação de sentido e real penetração nas situações da vida, por parte do mundo do direito conduz ao problema de um maior ativismo judicial ou de um fenômeno nomeado "judicialização da política", fator argumentativo que vem despertando crescente interesse de pesquisa. [31] Se na concretização dos direitos sociais, superando-se o estágio interpretativo quanto à sua eficácia diferida e tanto quanto sempre limitada, o Poder Judiciário reconhece sua exigibilidade e declara a obrigação de um determinado órgão à prestação, como, por exemplo, a entrega de medicamentos a pacientes com o vírus da AIDS [32], como no caso a seguir apresentado: uma criança com AIDS que precisava de remédio, no Rio Grande do Sul. Foi impetrado em seu favor mandado de segurança contra denegação do serviço de saúde. Deferida a segurança, interpôs o Estado recurso para impedir a entrega do remédio, alegando periculum in mora (do Estado!). Na segunda instância, o relator da matéria deferiu o pedido do Estado, sustando o fornecimento do remédio, vez que, em seu entendimento, o art. 196 da Constituição Federal indica a saúde como dever do Estado, mas não se pode inferir com isso que o Estado tem a obrigação de prestá-la! [33]
Embora o próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) considere o referido dispositivo constitucional como não-auto-aplicável, [34] o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tem decidido pela concessão de remédios e assistência médica.
Não obstante, o problema acerca de uma gradação máxima de acionabilidade dos direitos sociais ainda está longe de um deslinde teórico e prático-dogmático [35].
Na visão de Böckenförde, os direitos sociais não exprimem, por si mesmo, um conteúdo fixo quanto à extensão de sua eficácia, se de mínima, média ou máxima gradação, de sorte que os direitos fundamentais cingem-se a – nada mais que – tarefas constitucionais (Verfassungsaufträge) [36].
A tarefa dos direitos sociais, esclarece Christine Peter, é "de elemento de realização da igualdade e liberdade reais, podendo ser considerados como fatores de consecução da justiça social, na medida em que se encontram ligados à obrigação da comunidade para com o bem-estar da pessoa humana". [37]