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Impostos sobre grandes fortunas: os desafios de sua aplicação no Brasil

Agenda 27/07/2020 às 18:43

O trabalho debate os desafios da implementação da cobrança do IGF no Brasil, faz comparações com outros países que adotam ou adotaram o IGF, analisa projetos de lei sobre o tema no Senado e faz uma conclusão de que o IGF é necessário para o Brasil.

Resumo: Este trabalho tem por escopo o debate dos desafios da implementação da cobrança do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) no Brasil, em consonância com os ditames da Constituição Federal, Artigo 153, Inciso VII, bem como uma comparação com alguns países do mundo onde tal imposto é, e foi cobrado, e os efeitos na arrecadação desses países. No decorrer do trabalho, passa-se pela temática da análise dos projetos de lei que tramitam no Senado Federal para a futura instituição da cobrança de tal tributo. Também serão analisadas questões acerca da justiça tributária e dos conflitos de interesse em sua instituição.

Palavras-chave: Imposto sobre Grandes Fortunas; Instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas; Justiça Tributária, Senado Federal.


Introdução

O Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) está disciplinado na Constituição Federal, porém ainda não foi regulamentado por Lei Complementar e devido a isso, não pode ser cobrado. Tal imposto é um meio importante para se alcançar a justiça fiscal e poderia auxiliar na justa distribuição de renda no nosso país. Sem falar dos possíveis aumentos de arrecadação que geraria num momento de dramático déficit fiscal presente no Brasil. Atualmente o Senado Federal debate quatro propostas sobre o tema: PLS 315/2015, PLP 183/2019, PLP 38/2019 e PLP 50/2020.

CFB: Art. 153.Compete à União instituir impostos sobre:

I- importação de produtos estrangeiros;

II- exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;

III- renda e proventos de qualquer natureza;

IV- produtos industrializados;

V- operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;

VI- propriedade territorial rural;

VII- grandes fortunas, nos termos de lei complementar.

O debate sobre o IGF sempre reaparece em períodos de déficit, quando é necessário ampliar o financiamento do governo. O apelo político é imenso tendo em vista sua elevada progressividade e percepção de justiça social, pois trata-se de tributar uma pequena classe de pessoas muito abastadas da sociedade. Conclui-se que, como são pessoas bem abastadas, os governos teriam elevada arrecadação para financiar suas políticas.

Inúmeros são os questionamentos feitos por aqueles que se opõem a cobrança do referido imposto, como o de que a partir da década de 1990 muitos países o extinguiram, de que tal tributo representa bitributação do IR, de que possui baixo potencial arrecadatório, de que as pessoas contribuintes deste imposto buscariam mecanismos de elisão fiscal, transferindo os seus patrimônios para outros países e de que, muitas pessoas não se interessariam em empreender em face à cobrança do IGF.


Breve histórico da cobrança do IGF em países da OCDE

Na OCDE atualmente 4 países fazem a cobrança do imposto sobre grandes fortunas contra 12 no ano de 1990. Houve a revogação do tributo na na Áustria, Dinamarca, Alemanha, Países Baixos, Finlândia, Islândia, Luxemburgo, Suécia e Espanha. Em 2008, a Espanha e a Islândia, voltaram a cobrar o tributo, para poder combater o déficit fiscal. Porém em 2014 a Islândia deixou de cobrá-lo novamente. Em 2017, somente a França, Noruega, Espanha e Suíça que eram os únicos países da OCDE a cobrar impostos sobre as grandes fortunas.

Na França ele representa 0,5% da receita tributária total e se chama Imposto de Solidariedade sobre a Fortuna (ISF) . A cobrança tornou-se marcante, mais pelas polêmicas geradas do que pelos resultados propriamente ditos. Muitos contribuintes desse imposto escolhem outros países como domicílio fiscal, como Bélgica e Rússia, elidindo-se, assim, da cobrança. O imposto é de 0,5% a 1,5% para cidadãos com patrimônio líquido acima de 1,3 milhão de euros (R$ 7,93 milhões).

Na Noruega, a tradição na taxação de grandes fortunas, está presente desde o ano de 1892. O governo central cobra uma taxa de imposto única de 0,15%, enquanto os municípios impõem uma taxa progressiva que vai de 0,7% a 0,85%. Somente riqueza acima de € 130.000 (R$ 793 mil), são tributadas. Uma grande parte da população deste país nórdico paga por esse imposto.A OCDE informou que o IGF gerava 1,1% de toda a arrecadação tributária norueguesa em 2017. A Noruega considera a questão do IGF como necessária na estratégia de conciliação de desenvolvimento econômico com justiça social.

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Na Suíça o imposto é cobrado localmente, de forma análoga aos tributos municipais no Brasil, já que aquele país possui um sistema tributário descentralizado. É cobrado entre um mínimo de 0,3% e 1% do patrimônio líquido dos contribuintes. O IGF tende a ser mais alto nas regiões de língua francesa e mais baixos nas localidades de língua alemã. Tal cobrança representa atualmente cerca de 3,6% de toda a arrecadação tributária, estando acima de 3% desde o início dos anos 2000. Naquele país parte da classe média é contribuinte do tributo.

Na Espanha, houve a introdução, pela primeira vez de um imposto sobre a riqueza em 1977 e foi mantido até 2008, quando a crise financeira global colocou a economia espanhola em recessão. Na recuperação da crise, o imposto foi restabelecido e o governo decidiu torná-lo definitivo.

O país tributa fortunas acima de € 700.000 com alíquota de 0,2%, aumentando progressivamente até chegar em 2,5% quando o patrimônio líquido ultrapassar € 10,7 milhões. O IGF espanhol arrecada cerca de 0,55% de todas as receitas tributárias.


Propostas no Brasil

São 4 as propostas que estão tramitando no Senado Federal acerca da instituição da cobrança do IGF:

PLS 315/2015 – Autor: Paulo Paim – PT.

A proposta referida entende ser o fato gerador do tributo, a aquisição de patrimônio e determina que quem deva pagar o IGF são os brasileiros sob o seu patrimônio em qualquer lugar e estrangeiros moradores do Brasil sobre o seu patrimônio no Brasil. A base de cálculo será o patrimônio acima de R$ 50 milhões, menos as dívidas, sendo que o limite será atualizado anualmente pela inflação. A alíquota será de 1%. Ele será vigente no ano seguinte após o regulamento da Receita Federal e terá duração permanente.

Cabe ressaltar que tal proposta comporta algumas exceções ao IGF como:

A) Imóvel de residência

B) Bens de uso doméstico

C) Bens e instrumentos para o trabalho autônomo

D) Bens tombados ou de utilidade pública

E) Bens dados em usufruto a entidades beneficentes, culturais, religiosas, sindicais

F) Bens com uso interditado por posse ou invasão reconhecida judicialmente

G) Bens consumíveis.

A mesma proposta também concede alguns abatimentos de impostos sobre os bens apurados, a saber:

A) Imposto Territorial Rural (ITR)

B) Imposto sobre Propriedade Territorial e Urbana (IPTU)

C) Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA)

D) Imposto sobre a Transmissão de Bens Intervivos (ITBI)

E) Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD)

F) Gastos sobre a manutenção dos bens apurados.

PLP 183/2019 – Autor: Plínio Valério (PSDB-AM)

A proposta em questão considera ser o fato gerador do tributo a titularidade do patrimônio e impõe que os contribuintes serão moradores do Brasil e seus espólios, proprietários de bens no Brasil e seus espólios. A vigência ocorrerá no ano seguinte à publicação da lei e a cobrança será permanente. A base de cálculo será o patrimônio acima de 12 mil vezes o limite da isenção do IR (hoje em R$ 1.903). As alíquotas serão progressivas, a saber:

Cabe lembrar que tal proposta também tem suas exclusões, a saber:

A) Imóvel de residência (até 20% do patrimônio) B) Bens e Instrumentos de trabalho (até 10% do patrimônio) C) Direitos de propriedade intelectual ou industrial D) Bens de pequeno valor.

A proposta de Plínio Valério concede determinados abatimentos de impostos sobre os bens apurados, a saber:

A) Imposto Territorial Rural (ITR)

B) Imposto sobre Propriedade Territorial e Urbana (IPTU)

C) Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA)

D) Imposto sobre a Transmissão de Bens Intervivos (ITBI)

E) Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

PLP 38/2020 – Autor: Reguffe (Podemos-DF)

A proposta de Reguffe tem regulamentada que a base de cáculo do IGF será de o patrimônio acima de 50 mil vezes o salário mínimo, a alíquota será de 0,5%, já a vigência será quando da publicação da lei, porém a vigência será enquanto durar o estado de calamidade pelo novo coronavírus. A mesma proposta tem outros itens que carecem de regulamentação como o fato gerador, quem deva pagar o tributo, suas exclusões e seus abatimentos.

PLP 50/2020 – Autor: Eliziane Gama (Cidadania-MA)

A proposta de Eliziane Gama tem muitos pontos em comum com a de Plínio Valério, já expostos acima, como fato gerador, alíquota, base de cáculo e os contribuintes. Porém, carecem de regulamentos as exclusões e abatimentos. Enquanto Plínio Valério propõe que a vigência seja no ano seguinte ao da lei e que cobrança tenha duração permanente, Eliziane já propõe que a vigência já ocorra na data de publicação da lei e que tal tributo só seja cobrado enquanto durar o teto de gastos da Constituição Federal.


JUSTIÇA FISCAL E OS DESAFIOS DA IMPLEMENTAÇÃO DO IGF

A Constituição Brasileira, chamada de constituição cidadã, determinou em seu Art 145, parágrafo 1º o princípio de capacidade contributiva que determina que:

CRFB: Art 145, § 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Com base no exposto, o IGF potencializa o princípio da capacidade contributiva. Além disso devemos lembrar que a Carta Magna também tem por objetivo a redução das desigualdades sócio-regionais conforme disciplinado no Artigo 3º, III.

CRFB: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

O Brasil é reconhecido internacionalmente como um dos países mais desiguais do mundo. A instituição do IGF faria com que as pessoas das classes mais favorecidas da população ajudassem a bancar a máquina pública. Esse imposto poderia ser usado para diminuir as desigualdades sociais e melhorar a redistribuição de riquezas.

Segundo Lima (2008), a doutrina entede pacificamente que esse tributo tem a função fiscal e extrafiscal. Função fiscal porque tem o caráter arreacadatório e função extrafiscal porque tem a sua aplicação que visa a desestimular, nesse caso, alguma conduta do contribuinte.

A mesma autora ressalta que tal tributo tem resistência por parte dos políticos e da doutrina, porque esse creem que a instituição deste não deixaria o sistema tributário mais justo, geraria um custo alto para controle e fiscalização, além de gerar uma fuga de capitais, pluritributação e que tal cobrança tem o caráter confiscatório.

Segundo Ayres (2017), o Congresso Nacional é composto em maior parte por pessoas pertencentes as classes mais favorecidas da população. Dessa forma, muitos congressistas seriam os contribuintes desses impostos e daí que persiste a dificuldade na aprovação da cobrança do tributo, mesmo com a previsão constitucional.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil é um país notadamente marcado pelas suas desigualdades sócio-regionais e um tributo de caráter progressivo que atinja as camadas mais favorecidas da população parece ser uma solução interessante para anenizar o déficit fiscal e promover uma mais justiça social.

Experiências em países da OCDE mostraram que muitos dos referidos países tem abandonado a cobrança do IGF, sobretudo porque os contribuintes do IGF têm procurado mecanismos de elisão fiscal.

Lima (2018) lembra que no Art. 80, III dos atos das disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) de 1988 está disciplinado que o produto da areeacadção do IGF comporá o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, demonstrando, assim, a função extrafiscal desse tributo. Ela também considera que não será necessário criar um amplo aparato fiscalizatório, uma vez que a Receita Federal já possui sistemas de controle fiscais.

Além disso, a mesma autora também considera importante conceituar adequadamente as grandes fortunas, de forma a não tributar pessoas ricas e a classe média alta. Tal tributo só deve ser voltado aos milionários e que deva ser aplicado conforme a capacidade contributiva e sem assumir um caráter confiscatório.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2019.

BRASIL. IGF – Imposto sobre Grandes Fortunas . Disponível em: https://maisretorno.com/blog/termos/i/igf-imposto-sobre-grandes-fortunas Acesso em 25/07/2020

BRASIL.Martins Souto, Matheus. O imposto sobre grandes fortunas à luz da justiça fiscal. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-tributario/o-imposto-sobre-grandes-fortunas-a-luz-da-justica-fiscal/amp/. Acesso em 25/07/2020

BRASIL. Senado debate quatro propostas de imposto sobre grandes fortunas. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/03/27/senado-debate-quatro-propostas-de-imposto-sobre-grandes-fortunas. Acesso em 25/07/2020

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BRASIL. Pereira,Vinícius. Cobrar imposto sobre grandes fortunas dá resultado? Veja casos pelo mundo. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2018/03/16/imposto-sobre-fortunas-ricos-milionarios-distribuicao-de-renda.htm. Acesso em 25/07/2020

BRASIL. Loureiro Braga, João Pedro. Detalhando as experiências internacionais com o IGF e as propostas no Brasil. https://observatorio-politica-fiscal.ibre.fgv.br/posts/detalhando-experiencias-internacionais-com-igf-e-propostas-no-brasil. Acesso em 25/07/2020

GUERRA, Leonardo da Silva. Breves considerações acerca do imposto sobre grandes fortunas (IGF). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina,ano 22, n. 5109,27 jun. 2017. Disponível em:https://jus.com.br/artigos/58634. Acesso em:26 jul. 2020.

Oliveira de Lima, Sofia. IMPOSTO SOBRE GRANDES FORTUNAS: Uma análise de sua função social e a viabilidade de sua instituição. Disponível em: https://pantheon.ufrj.br/bitstream/11422/5531/1/SOLima.pdf. Acesso em: 26/07/2020

AIRES, Miguel Teixeira Jacobina. Imposto sobre Grandes Fortunas, desigualdade e justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jul 2020. Disponível em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/49624/imposto-sobre-grandes-fortunas-desigualdade-e-justica. Acesso em: 26 jul 2020.

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