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A cultura da credibilidade dos direitos humanos

Agenda 03/06/2006 às 00:00

A sessão da Corte Interamericana de Direitos Humanos-CIDH, pela primeira vez no Brasil, de marcante registro no cenário jurídico nacional, pelo próprio ineditismo do evento, ou mesmo pela oportunidade ímpar de se conhecer o funcionamento e de se "conviver" com aquele importante e destacado órgão de jurisdição internacional, não deve ter a irradiação de seu interesse limitado aos operadores do Direito. Deve ser foco também do interesse de toda a sociedade nacional, pois indubitavelmente se firmará como elemento preponderante no processo de emancipação da tutela dos direitos humanos no Brasil.

Há que se entender que a real dimensão da tutela dos direitos humanos remete à idéia de sua defesa em um contexto onde convergem todas as medidas estruturais e instrumentais de promoção e proteção postas em prática para se viabilizar o alcance de sua efetiva realização.

É com a promoção aos direitos humanos que se reúnem os intentos de se criar e expandir a necessidade do incentivo ao seu cumprimento voluntário e espontâneo como expressão de serem ditos direitos valores inalienáveis de alcance universal quanto a seu respeito, cumprimento e não violação. Fracassando a promoção aos direitos humanos, e tendo como reflexos sua violação consumada ou iminente, abrem-se espaços autorizadores para a adoção de medidas à sua proteção, entrando em cena as iniciativas que levem à cessação da violação e mesmo à sua reparação, como as que se traduzem pelos julgamentos da Corte Interamericana de Direitos Humanos-CIDH, proporcionando o reconhecimento de ser aquela categoria de direitos não uma mera expectativa, mas direito realizado, de efeitos concretos, perceptível, efetivamente materializado.

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Essa existência de uma Corte Internacional ao enfrentamento das violações aos direitos humanos, como fruto dos avanços histórico-institucionais do Direito Constitucional Internacional, encontra-se alicerçada no primado de serem os direitos humanos direitos do homem enquanto indivíduo da comunidade internacional, e não apenas do homem-cidadão, ou seja, apenas pertencente ou identificado com uma determinada nação.

A jurisdição da CIDH é própria, distinta e específica à proteção indeclinável dos direitos humanos, não sendo e nem podendo confundir-se como órgão integrante, adjacente ou subsidiário da estrutura do Poder Judiciário Nacional, e nem mesmo órgão de última instância em relação aos juízos e tribunais nacionais, não obstante possa enfrentar violações a direitos humanos decorrentes das próprias decisões judiciais, quando internamente irrecorríveis.

E nessa existência e funcionamento de um órgão internacional, de natureza jurisdicional, composto por Juízes de outras nacionalidades, e a cuja autoridade de seus julgados estamos submetidos na solução de relações internas violadoras de direitos humanos, nada de paradoxal há quando considerada a soberania nacional. Embora possa haver sensação diversa, de duvidosa ou manifesta intervenção externa, é no próprio exercício da opção soberana, entre nós amparada nas expressas disposições constitucionais do artigo 5º, §§ 2º e 3º (este pela EC 45/2005), que a jurisdição internacional na tutela dos direitos humanos se "intranacionaliza", legitimando a atuação da CIDH. Essa mesma opção soberana, aliás, também é exemplo no âmbito europeu, com a Corte Européia de Direitos Humanos, a vincular cada um dos 44 países integrantes do Conselho da Europa, homólogo à nossa OEA.

Desconhecer os mecanismos efetivos de proteção aos direitos humanos, aí inseridas as vias internacionais de sua proteção, como a CIDH, ou mesmo por em dúvida, desconfiar, desacreditar ou desprezar ditos mecanismos é, em realidade, desconhecer, duvidar, desconfiar, desacreditar, desprezar e até negar a própria existência daqueles direitos, reduzindo-os a um catálogo, não de direitos, mas de meras "boas intenções". Sobre isso a oportuna advertência de BOBBIO ao afirmar que as cartas de declarações de direitos do homem somente podem ser consideradas "Cartas de Direito" quando o sistema internacional implanta seus órgãos de proteção e dispõe dos poderes necessários para fazê-los valer sempre que violados.

A reunião da Corte Interamericana dos Direitos Humanos, pela primeira vez no Brasil, é, assim, acontecimento histórico de destacada relevância para toda sociedade, e se consolidará como marco divisor da cultura da credibilidade dos direitos humanos.

Sobre o autor
Alexandre Vidigal de Oliveira

juiz federal em Brasília(DF), doutorando em Direito Constitucional Internacional e Direito Internacional dos Direitos Humanos pela UC3, em Madri (Espanha)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Alexandre Vidigal. A cultura da credibilidade dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1067, 3 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8427. Acesso em: 23 dez. 2024.

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