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A inconstitucionalidade da restrição de doação de sangue por homossexuais

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Agenda 25/02/2021 às 14:00

O debate sobre a doação de sangue por homens homossexuais deve considerar que houve transição no perfil epidemiológico e, por isso, eles não são considerados difusores da síndrome da imunodeficiência adquirida – AIDS, mas sim quaisquer pessoas que mantenham um comportamento de risco.

RESUMO: O reconhecimento da orientação sexual como critério de inaptidão à doação de sangue por homens homossexuais, no teor da Portaria nº 158/2016 do Ministério da Saúde e da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 34/2014, da ANVISA, trouxe à baila a necessidade de se discutir a sua (in)constitucionalidade. Nessa esteira, o presente trabalho visa analisar, através de uma abordagem qualitativa, método indutivo, pesquisa de campo e bibliográfica, o conteúdo previsto nas normas supramencionadas, à luz dos princípios dispostos na Constituição Federal, notadamente no que diz respeito à dignidade da pessoa humana, à igualdade e à liberdade sexual. Em razão disso, será abordado o teor da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 5543, proposta pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB perante o Supremo Tribunal Federal – STF, com o fito de discutir a inconstitucionalidade dos atos normativos em questão.

PALAVRAS-CHAVE: Inconstitucionalidade. Doação de Sangue. Dignidade da Pessoa Humana. Isonomia. Liberdade de Escolha.


1. INTRODUÇÃO

No presente estudo será feita uma análise crítica acerca da restrição de doação sanguínea por homossexuais, ventilada nas normas extraídas dos arts. 64, IV, da Portaria nº 158 do Ministério da Saúde e art. 25, XXX, d, da Resolução da Diretoria Colegiada – RDC nº 34 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, com o escopo de verificar a sua inconstitucionalidade, bem como compreender o antagonismo existente entre as normas.

Preliminarmente, faz-se necessário ressaltar que as normas jurídicas ora mencionadas preveem expressamente que homens que mantêm relações sexuais com outros homens são considerados inaptos temporariamente a doar sangue por um período de 12 (doze) meses após a última prática sexual, utilizando como critério objetivo de inaptidão a orientação sexual do doador. Posta assim a questão, será abordado, em síntese, o contexto histórico da referida restrição, evidenciando o fato que serviu de estopim para o seu surgimento, qual seja: O advento da síndrome da imunodeficiência adquirida – AIDS, que contribuiu na estigmatização dos homoafetivos masculinos como grupos de risco.

Almeja-se discutir, ainda, a incompatibilidade de ideias expostas no teor dos dispositivos do Ministério da Saúde e da ANVISA, e os princípios previstos na Constituição da República, notadamente no que diz respeito à liberdade sexual, à dignidade da pessoa humana e à igualdade, bem como observar se, hodiernamente, essas normas englobam conteúdos discriminatórios ou necessários aos procedimentos hemoterápicos.

Para tanto, foi realizada uma revisão bibliográfica, bem como pesquisa de campo, por meio da qual foi utilizada a entrevista como técnica de coleta de dados no Hemocentro Regional de Petrolina – HEMOPE, com a finalidade de compreender a aplicabilidade das normas instituidoras dessa restrição nos dias atuais.

Ao trazer também um método indutivo e abordagem qualitativa para coleta de informações no hemocentro, há o escopo de promover uma reflexão sobre a existência da restrição de doação de sangue por esse grupo.

Em remate, será abordado o teor da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 5543, ajuizada em Junho de 2016 pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB, trazendo os argumentos expostos pelo requerente e requeridos, assim como os votos dos ministros, a fim de verificar a validade dos atos normativos impugnados.

Jaz premente acentuar que não há a finalidade de exaurir todos os pensamentos envoltos no presente tema, mas tão somente de apresentar uma nova perspectiva de observação e entendimento em relação à existência de normas que restringem a doação de sangue por homossexuais.

2. ASPECTOS HISTÓRICOS

Antes de apontar de forma objetiva acerca da restrição de doação sanguínea por homens homossexuais existente nos atos normativos positivados pelo Ministério da Saúde e pela ANVISA, faz-se necessário suscitar, brevemente, o contexto histórico vivenciado por esses sujeitos com o advento da síndrome da imunodeficiência adquirida – AIDS, que serviu de pontapé para o surgimento das normas que criaram a mencionada restrição.

Em tempos de outrora, a AIDS manifestou-se e passou a ter uma maior notoriedade nos Estados Unidos da América – EUA, Haiti e África Central, em meados de 1977 e 1978 [1], sendo vista como uma síndrome misteriosa, visto que os profissionais da saúde tinham um conhecimento muito restrito a respeito dessa nova doença. Assim, por conta da falta de avanços tecnológicos e medicinais para averiguar a sua origem, não se podia mensurar as causas das inúmeras contaminações por AIDS existentes à época.

Os primeiros casos da doença foram descritos em homossexuais masculinos em 1981, conforme leciona o médico e autor Ricardo Veronesi [2]. Na mesma época, o Brasil também sofreu com a chegada da doença, tornando-se, assim, um problema de saúde pública mundial.

Ocorre que em 1982 começaram a surgir os primeiros casos de infecções pelo vírus HIV por meio de transfusões sanguíneas [3], causando, à comunidade médica, um grande temor pelo contágio. Sendo observado que a maioria dos contaminados eram homens homossexuais, estes passaram a ser considerados “grupos de risco’’, nomenclatura que será explicada ao longo deste estudo. A referida denominação corroborou com o fortalecimento do estereótipo de que todos os homens que tivessem relações sexuais com outros homens seriam propagadores da síndrome.

Em linhas gerais, passou-se a relacionar o fato de a pessoa ser homem homossexual, com o surgimento da doença. Aliada a isso, com o objetivo de reduzir os contágios por doações sanguíneas, os profissionais da área optaram por impedir definitivamente a doação de sangue por homossexuais, como uma medida governamental de segurança e precaução, tendo em vista o não conhecimento da natureza da síndrome.

O impacto ao associar os homossexuais com o surgimento da doença foi tão grande no mundo que a imprensa passou a tratar a AIDS por meio da sigla GRID – Gay Related Immunodeficiency disease –,[4] ou seja, a doença começou a ser considerada como uma imunodeficiência inerente aos gays.

Por iguais razões, o Ministério da Saúde ressalta que também em 1982 a AIDS passou a ser conhecida como síndrome dos 5H, em que incluem: ‘’ os homossexuais, hemofílicos, haitianos, heroinômanos (usuários de heroína injetável) e hookers (denominação em inglês para as profissionais do sexo).’’[5]

Com o desenvolvimento da tecnologia e da medicina, houve mais segurança e qualidade nos serviços hemoterápicos e, por isso, a ANVISA, no dia 13 de dezembro de 2002, através da RDC nº 343 [6], deixou de considerar os homens homossexuais como definitivamente inaptos à doação de sangue, para serem inaptos temporários, pelo período de 1 (um) ano. Em 2004 a ANVISA revogou a Resolução nº 343 pela RDC nº 153 [7], mas o teor do texto se manteve intacto.

No ano de 2014 e 2016 foram editados novos regulamentos da ANVISA e do Ministério da Saúde, a RDC nº 34 [8] e portaria 158 [9], respectivamente, em que continuaram levando em conta a orientação sexual como requisito de impedimento temporário para doar sangue, sob o fundamento de que as normas foram criadas para garantir a segurança transfusional, dispondo sobre as boas práticas no ciclo do sangue.

Em suma, sendo compreendido o breve contexto histórico vivenciado pelos homossexuais a partir do surgimento da AIDS, passa-se a assinalar mais especificamente sobre as normatizações que trazem expressamente a restrição de doação sanguínea por esses sujeitos no Brasil.

2.1 Análise da Portaria 158/2016 do Ministério da Saúde e da Resolução da Diretoria Colegiada 34/2014 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA

No dia 4 de Fevereiro de 2016 e 11 de Junho de 2014 houve a criação da portaria nº 158 do Ministério da Saúde e da RDC nº 34 da ANVISA, respectivamente, conforme já mencionado. As normas foram criadas para “regular os procedimentos hemoterápicos no Brasil, visando garantir a segurança do doador e do receptor, através da coleta, processamento, testagem, controle de qualidade, estocagem e distribuição do sangue doado’’, conforme positiva o art. 1º da RDC/2014 e art. 2º da portaria nº 158/2016.

No que diz respeito à restrição de doação de sangue por homossexuais, as normas contidas nos arts. 64, IV, da portaria nº 158/2016 do Ministério da Saúde e art. 25, XXX, d, da Resolução nº 34/2014 da ANVISA prelecionam o seguinte:

Art. 64. Considerar-se-á inapto temporário por 12 (doze) meses o candidato que tenha sido exposto a qualquer uma das situações abaixo: (...)

IV - homens que tiveram relações sexuais com outros homens e/ou as parceiras sexuais destes. (...) (BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 158, de 04 de fevereiro de 2016. Redefine o regulamento técnico de procedimentos hemoterápicos. Brasília, 2016.)

Art. 25. O serviço de hemoterapia deve cumprir os parâmetros para seleção de doadores estabelecidos pelo Ministério da Saúde, em legislação vigente, visando tanto à proteção do doador quanto a do receptor, bem como para a qualidade dos produtos, baseados nos seguintes requisitos: (...)

XXX - os contatos sexuais que envolvam riscos de contrair infecções transmissíveis pelo sangue devem ser avaliados e os candidatos nestas condições devem ser considerados inaptos temporariamente por um período de 12 (doze) meses após a prática sexual de risco, incluindo-se: (...)

d) indivíduos do sexo masculino que tiveram relações sexuais com outros indivíduos do mesmo sexo e/ou as parceiras sexuais destes.

(BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução. Resolução nº 343, de 13 de dezembro de 2002. Aprova o regulamento técnico para a obtenção, testagem, processamento e controle de qualidade de sangue e hemocomponentes para uso humano. Brasília, DF, 2003.)

Analisando o teor dos textos, percebe-se que sendo verificado, durante a averiguação dos requisitos para a doação de sangue, que o possível doador é um homem que tenha mantido relação sexual com outro homem, haverá o impedimento à doação por um período de 12 (doze) meses após a prática sexual.

Convém ponderar que, à primeira vista e levando em consideração o contexto histórico do surgimento da restrição, não se percebe os problemas existentes nesses regulamentos, mas ao manter um olhar mais crítico, nota-se que essa inaptidão temporária acaba sendo encoberta por uma inaptidão definitiva, tendo em vista que impedir que um ser humano não tenha relações sexuais por um período de 1 (um) ano para conseguir doar é uma medida incoerente, que tem por finalidade fazer com que não ocorra, de fato, a doação.

Pois bem. Para que se possa compreender a incongruência da restrição de doação sanguínea de maneira clara e precisa, não deixando margem para dúvida, pode-se imaginar o seguinte caso: João e José são casados há mais de 20 (vinte) anos e mantêm relações sexuais sempre com o uso de preservativos. Em exame de rotina, verifica-se que o casal não têm nenhuma infecção ou doença sexualmente transmissível – DST. No entanto, ao manifestarem a vontade de doar sangue, serão impedidos por tão somente serem homens homossexuais, ainda que tenham uma relação estável.

Acerca do exposto, deve-se fazer a seguinte reflexão: Qual a probabilidade de um homem homossexual que tem relacionamento estável com um único parceiro, não infectado, adquirir o vírus da HIV?

Como contraponto, faz-se necessário imaginar um segundo caso: João e Joana são casados há mais de 20 (vinte) anos e mantêm relação sexual protegida, com o uso de preservativos. Convém notar, outrossim, que por se tratar de um casal heterossexual, não haverá impedimento quanto à doação.

No mesmo sentido da reflexão anterior, faz-se necessário analisar qual a probabilidade de um homem heterossexual adquirir o vírus HIV mantendo relação sexual com uma única parceira, não infectada. A resposta para os dois questionamentos é negativa, ou seja, é quase zero o risco de um casal, independentemente do sexo, adquirir o vírus HIV mantendo relação sexual protegida com uma única pessoa não infectada.

Diferentemente do exposto, se a relação entre João e José ou entre João e Joana não fosse estável nem protegida, o risco de contágio com quaisquer DSTs seria maior do que zero, tendo em vista que foi adotado um comportamento de risco.

Vale lembrar que o ato de se relacionar sexualmente com alguém é algo inerente a natureza humana e comum a todos os seres vivos, sejam animais ou homens. Dessa forma, pelos exemplos dados, percebe-se que os riscos que as normas atribuem somente aos homossexuais atingem pessoas de quaisquer orientações sexuais, visto que, hodiernamente, a infecção pelo vírus da AIDS não está ligada a um perfil específico, ou seja, mesmo os primeiros casos da doença tendo sido verificados em homossexuais masculinos, observa-se que qualquer indivíduo, independentemente do gênero, corre o risco de contrair infecções.

Acerca disso, leciona o autor e médico Ricardo Veronesi, em seu livro Tratado de Infectologia:

No início da década de 1980, a epidemia de aids no Brasil atingia principalmente as regiões metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro, e os casos caracterizavam-se, em sua maioria, por serem do sexo masculino, por terem alto nível socioeconômico e por pertencerem às categorias de transmissão HSH. A partir de 1990, constatou-se transição do perfil epidemiológico, resultando na heterossexualização, feminização, pauperização e interiorização da epidemia. Nessa mudança de perfil, verificou-se queda na razão entre os sexos.

(VERONESI, Ricardo. Tratado de Infectologia, 2015, p. 178.)

Dessa forma, é possível perceber que na década de 90 houve a mencionada transição do perfil epidemiológico, ou seja, os homens homossexuais deixaram de ser considerados difusores do vírus HIV, haja vista que pessoas de outras orientações sexuais também poderiam ser atingidos pela doença.

Convém ponderar, ainda, que nos dias atuais há um crescimento tecnológico e medicinal imensurável, principalmente com relação à detecção do vírus da AIDS, que proporcionou conhecer a síndrome mais a fundo, apesar de não ter cura específica. Inclusive, o Ministério da Saúde informou que o Sistema Único de Saúde – SUS oferece testes para o diagnóstico por HIV de maneira gratuita. [10]

Pelo exposto, pode-se compreender que em virtude do desenvolvimento tecnológico, medicinal e científico existente, a criação das normas estabelecidas pelo Ministério da Saúde e pela ANVISA, que elegeram a orientação sexual como critério de impedimento à doação, tornam-se desproporcionais e ultrapassadas, já que o que determina a probabilidade de um indivíduo estar infestado ou não com o vírus HIV é o comportamento sexual de risco adotado e não o gênero de cada um.

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2.1.1 Diferenças entre Grupos de Risco e Comportamentos de Risco

Diante das premissas abordadas até o presente momento, é de crucial importância elucidar as diferenças entre grupos e comportamentos de risco.

Previamente, deve-se compreender que o termo grupo significa reunião de pessoas ou conjunto de coisas. Por outro lado, a expressão risco pode ser definida, dentre outras coisas, como a probabilidade ou possibilidade de que algo aconteça fora do planejado. Portanto, grupo de risco, no contexto estudado, diz respeito às pessoas que, por algum motivo, têm uma maior probabilidade de adquirir ou disseminar determinadas doenças.

Já a expressão comportamento pode ser entendida como a conduta adotada por uma pessoa frente a uma determinada situação. Um comportamento de risco, por sua vez, é o modo inconsequente de agir assumido por uma pessoa, que faz com que ocorra o aumento do risco de obter alguma DST. À guisa de exemplo, pode-se citar o caso de uma pessoa que mantém relações sexuais desprotegidas com diversos parceiros. Nesse caso, o que determina o comportamento de risco é a quantidade de parceiros sexuais que o indivíduo teve.

Após breve conceituação, é essencial ter em mente que o termo grupo de risco é considerado, pela comunidade médica, como ultrapassado, tendo em vista que o comportamento de cada pessoa é o que vai determinar a possibilidade de adquirir uma DST ou não.

No entanto, como já exposto, na década de 1980, os homens que mantinham relações sexuais com outros homens eram enquadrados como grupos de risco e, por isso, hoje em dia muitas pessoas ainda utilizam esse termo, justamente por conta do estigma criado socialmente que associou a homossexualidade ao vírus HIV.

Ocorre que, apesar de o Ministério da Saúde ressaltar que o termo grupo de risco foi superado, passou-se a utilizar, por ele, uma nova denominação chamada de população-chave para o HIV, que possui basicamente a mesma definição de grupo de risco.

Assim, se um grupo de risco, conforme mencionado, é aquele que têm uma maior chance de adquirir ou disseminar doenças, a população-chave para o HIV são as pessoas consideradas mais vulneráveis ao vírus, ou seja, que também têm uma maior probabilidade de adquiri-lo. O Ministério da Saúde considera como população-chave para o HIV os “gays e outros hsh; pessoas trans; pessoas que usam álcool e outras drogas; pessoas privadas de liberdade e trabalhadoras(es) sexuais.’’[11]. Nesse sentido, trocar o termo grupo de risco por população-chave é “tapar o sol com a peneira’’, haja vista que possuem, sobretudo, o mesmo significado.

A estigmatização evidenciada é arcaica, considerando que o vírus não escolhe um grupo específico para se difundir, fato este que já foi comprovado por médicos, a exemplo de Ricardo Veronesi, especialista em Infectologia. Desse modo, o termo grupo de risco vem sendo, aos poucos, substituído de fato por comportamento de risco, pois o perigo de ser infectado com o vírus decorre das relações sexuais desprotegidas praticadas com várias pessoas infectadas ou não.

Ademais, é possível perceber, ainda, que há uma certa incongruência ao longo das próprias normas que restringem a doação de sangue por homossexuais. O próprio art. 2º, § 3º da Portaria nº 158/2016 menciona que os serviços de hemoterapia deverão ser isentos de qualquer manifestação de preconceito e discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero. No entanto, como contraponto, no art. 64, IV da mesma portaria está previsto que homens que tiverem relações sexuais com outros homens são proibidos de doar.

Em razão disso, é fácil constatar que a orientação sexual está sendo utilizada como rótulo para proibir a doação de sangue. Dessa forma, as normas, ao associarem o contágio do vírus HIV ao gênero e não ao comportamento sexual de cada indivíduo, promovem um tratamento preconceituoso e discriminatório, sem justificativa plausível.

3. CRITÉRIOS DE DOAÇÃO DE SANGUE HODIERNAMENTE

A expressão doar significa, de modo geral, a entrega não onerosa de algo a outrem. A doação de sangue, por sua vez, é um procedimento efetuado de modo voluntário, visando proceder com a coleta de sangue do doador, para uma posterior transferência a um receptor.

A doação de sangue é um ato simples e acessível, que pode salvar muitas vidas. Segundo o Ministério da Saúde, por exemplo, cerca de quatro vidas podem ser salvas com apenas uma única doação [12]. No entanto, em diversos lugares do Brasil, há a falta de sangue nos hemocentros, o que acarreta em prejuízos incalculáveis, como a perda da própria vida.

Por ser um procedimento necessário à vida de inúmeras pessoas, criou-se, com o intuito de garantir a segurança do doador e do receptor, normas que visam redefinir o regulamento técnico de procedimentos hemoterápicos, como é o caso da portaria nº 158, do Ministério da Saúde e do RDC nº 34 da ANVISA. Não há dúvidas de que a criação dessas normas foi extremamente importante e necessária para fazer com que a transfusão sanguínea se tornasse um procedimento confiável e adequado para salvar vidas.

Desse modo, os atos normativos expostos estabelecem uma sequência de requisitos que devem ser observados para que o indivíduo consiga doar o sangue de maneira segura, a exemplo de ter idade mínima de 16 (dezesseis) e máxima de 69 (sessenta e nove) anos, pesar, no mínimo, 50 (cinquenta) kg, estar bem alimentado, evitar ingerir bebida alcoólica nas 12 (doze) horas antecedentes à doação e estar bem descansado.

Além de todos os requisitos básicos mencionados, os profissionais da área da saúde verificam se o indivíduo se encaixa ou não nas situações de impedimentos temporários ou definitivos para doar sangue, tendo em vista que somente pessoas saudáveis estarão aptas a doar. Todas as causas que impedem temporária ou definitivamente a doação são observadas durante uma entrevista de triagem clínica, que visa levantar dados sobre o estado de saúde do doador.

A entrevista suscitada faz parte da avaliação clínica efetuada por profissionais da saúde devidamente habilitados. As perguntas são feitas diretamente ao candidato à doação e de maneira sigilosa, com a finalidade de diminuir a probabilidade de utilizar um sangue que possua alguma infecção. Ademais, mesmo que o indivíduo omita alguma informação durante a entrevista, o sangue passará por vários testes que buscam garantir a sua qualidade.

Os professores de hematologia Allan Victor Hoffbrand e Paul Raymond Moss, em sua obra Fundamentos em Hematologia [13], ressaltam que em toda e qualquer doação, o sangue passa por uma série de avaliações e testes para prevenir a transmissão de doenças infecciosas.

No entanto, apesar de a doação de sangue não ser o meio adequado para diagnosticar doenças, muitas delas só são descobertas na hora do procedimento e isso justifica o porquê de todo sangue passar por testes.

Impende verificar, no que diz respeito às transfusões sanguíneas, que uma das grandes preocupações dos profissionais da saúde é a chamada janela imunológica. A janela imunológica é um dos fundamentos que faz com que o Ministério da Saúde e a ANVISA persistam em manter o impedimento à doação de sangue por homossexuais.

O Ministério da Saúde conceitua a janela imunológica como o lapso temporal transcorrido entre “a infecção e a produção de anticorpos pelo organismo contra o HIV”[14], ou seja, mesmo que o indivíduo esteja infectado com o vírus, o resultado do teste pode dar um falso negativo.

Explica-se o período da janela imunológica com a seguinte suposição: No dia 1 de Maio de 2020 João manteve relação sexual com outro homem sem o uso de preservativo. Com o intuito de verificar se obtém ou não o vírus HIV, faz o teste rápido no dia 8 do mesmo mês, que lhe dá um resultado negativo, mesmo que esteja infectado. Isso ocorre porque não foi esperado o período da janela imunológica [15] que, atualmente, é de 30 dias. Logo, para que a infecção seja diagnosticada, o indivíduo precisa esperar um período de 30 dias entre o momento em que obteve comportamento de risco – 1 de Maio de 2020 – e a sua resposta imunológica, pois só assim haverá a certeza se obteve um falso negativo ou não.

Entretanto, pode-se verificar, com base no exemplo dado, que pessoas heterossexuais também podem manter um comportamento de risco através de relação sexual sem proteção e se infectar com o vírus HIV, apresentando um falso negativo no teste, desde que não se observe o período da janela imunológica.

Por tudo isso, observa-se que não é coerente ter a janela imunológica como um dos fundamentos para manter a restrição de doação sanguínea, pois não é algo inerente aos homossexuais, visto que todas as pessoas podem manter um comportamento de risco.

É necessário deixar claro que aqui não há a finalidade de desvalorizar o texto positivado na Portaria nº 158, do Ministério da Saúde e o RDC nº 34 da ANVISA, considerando que a observância, pelos serviços de hemoterapia, dos requisitos para proceder com doação de sangue é essencial para a qualidade da doação. Ocorre que, assim como o vírus HIV, a janela imunológica não é algo que deve ser percebida apenas por homens que mantêm relação sexual com outros homens.

Acerca disso, deve-se refletir sobre a seguinte questão: Se João e José, não infectados, têm um relacionamento estável há mais de 20 (vinte) anos e sempre se relacionam sexualmente com o uso de preservativo, qual o risco de atingir janela imunológica? Não há risco, obviamente. Do mesmo modo ocorre com os casais heterossexuais, visto que a janela imunológica não é inerente a uma orientação sexual em específico, mas sim ao comportamento de risco adotado pelo indivíduo, como já suscitado neste estudo.

É certo que o período da janela imunológica deve ser estritamente observado para que não haja a possibilidade de o receptor ter o risco de contrair infecções. No entanto, deve-se pensar que se esse lapso temporal é necessário para evitar um falso negativo, porque o período de restrição de doação de sangue por homossexuais é de 1 (um) ano após a prática sexual?

Ante o exposto, observa-se que tanto o doador quanto o seu sangue passam por procedimentos extremamente rigorosos e necessários, com a intenção de verificar se o candidato é apto ou inapto temporário ou definitivamente a doar. Em oposição, percebe-se que o prazo de 1 (um) ano para se tornar apto a doar ofende claramente o princípio da proporcionalidade, por ser um prazo visivelmente excessivo, visto que, nesse caso, haveria medida menos gravosa a ser aplicada.

3.1 Da Aplicabilidade da Restrição de Doação de Sangue por Homossexuais

De início, cumpre mencionar que durante a vigência das normas que restringem a doação de sangue por homens que mantêm relações sexuais com outros homens, alguns conseguem doar, ainda que não alcançado o tempo mínimo de 12 (doze) meses após a prática sexual. Por isso, há a necessidade de se discutir a aplicabilidade dos dispositivos, a fim de sanar a seguinte dúvida: Se a norma vale para todos, porque alguns homens homossexuais conseguem doar sangue e outros não?

Com o objetivo de compreender, na prática, a existência da restrição ora apresentada e pôr fim à dúvida em questão, foi procurado o Dr. Antônio Leite Vasconcelos Sobrinho, com número de registro no Conselho Regional de Medicina – CRM 10062 e matrícula 233.303-5, que exerce função como médico no Hemocentro Regional de Petrolina – HEMOPE, localizado na rua Pacífico da Luz, centro da cidade de Petrolina – PE.

Primeiramente, faz-se necessário mencionar que o Dr. Antônio Leite é o responsável por fazer a entrevista da triagem clínica, que é efetuada sempre que o indivíduo pretende realizar a doação, com a finalidade de verificar se ele se encaixa nos requisitos de inaptidão temporária, definitiva ou se está apto a doar, como suscitado em texto anterior.

Durante a entrevista de triagem clínica, são realizadas algumas perguntas. Por exemplo: Teve alguma relação homossexual?; relação sexual com prostituta ou garoto de programa?; deu ou recebeu drogas ou dinheiro por sexo?; relação sexual com suspeito de AIDS?; Relacionamento sexual com mais de um parceiro?.

É certo que algumas perguntas mencionadas têm o propósito de preservar a saúde do doador e do receptor, com exceção da primeira. Assim, o que atualmente se discute é a necessidade, por parte da comunidade médica, de ter conhecimento da orientação sexual do indivíduo para torná-lo habilitado à doação.

No hemocentro da cidade de Petrolina-PE os candidatos à doação comumente são impedidos de doar por terem anemia, hipertensão ou adotarem comportamentos de risco. Segundo o Dr. Antônio, ao manter um comportamento de risco a pessoa tem a possibilidade de adquirir, principalmente, HIV e hepatite C. Acerca disso, suscita que há um problema no diagnóstico dessas doenças, pois, quando a contaminação é recente, os exames podem dar negativo – período da janela imunológica –, visto que não detectam a presença de anticorpos contra aquele micro-organismo que o corpo contraiu.

No entanto, o médico expõe que recentemente foi desenvolvido um teste, para o HIV e hepatite C, chamado Teste de Ácido Nucléico – NAT [16], que traz mais segurança à transfusão sanguínea, podendo detectar a presença de material genético do vírus no corpo humano, ainda que o exame convencional não tenha detectado a presença de anticorpos no organismo, ou seja, se, hoje, o indivíduo tiver sido infectado pelo vírus HIV e fizer um exame rápido em 10 dias, poderá dar um falso-negativo, mas se fizer o NAT poderá dar positivo, justamente por ser um teste mais eficiente e detectar o vírus em um lapso de tempo menor do que os exames convencionais.

Ao ser perguntado sobre o motivo de alguns homens homossexuais conseguirem doar sangue em um período menor que 12 meses e outros não, o médico responde que a aplicabilidade das normas varia de acordo com o entendimento de cada profissional. Suscita, ainda, que para tornar uma pessoa apta ou inapta a doar, ele observa o seu comportamento de risco e não a sua orientação sexual.

O Doutor Antônio esclarece que, apesar de uma das perguntas da entrevista de triagem clínica dizer respeito à orientação sexual do possível doador, utiliza o bom senso para declarar alguém inapto a doar, principalmente em virtude do avanço do diagnóstico mais precoce das doenças de maior risco, que torna muito mais segura a doação, a exemplo do NAT. Desse modo, se dois homens forem casados há muitos anos não existe, do ponto de vista científico, um impedimento à doação.

É de suma importância ressaltar que o entendimento do médico do hemocentro de Petrolina em não proibir a doação de sangue por homens com relacionamentos estáveis é um caso à parte, visto que em vários outros lugares do Brasil a restrição é aplicada tão somente por conta da orientação sexual do possível doador.

A respeito do exposto, o Dr. Antônio Leite ressalta que o médico responsável pela triagem deve realizar uma avaliação individual com cada pessoa, independentemente do sexo, pois existem homens homossexuais em que não se encontra risco elevado para ter uma doença como HIV, motivo este que, segundo ele, torna inconstitucional a vedação do direito à doação sanguínea por homoafetivos.

Por tais razões, observa-se que o texto da portaria 158/2016 do Ministério da Saúde e da Resolução 64/2014 da ANVISA não demonstra ser uma questão de prevenção da saúde pública, visto que, como ressaltado pela comunidade médica, a exemplo do autor Ricardo Veronesi, “verificou-se queda na razão entre os sexos’’[17], já que o risco atribuído aos homossexuais estende-se a pessoas de outras preferências sexuais.

4. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À IGUALDADE, À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E À LIBERDADE SEXUAL

O ordenamento jurídico pátrio estabelece um rol exemplificativo de direitos individuais e coletivos fundamentais imprescindíveis à pessoa humana. A Constituição da República, por meio de tais direitos, traça princípios básicos para uma vida digna e equânime a todos os cidadãos, como o princípio da dignidade da pessoa humana, da isonomia e da liberdade sexual.

Faz-se necessário verificar, de início, que os princípios supramencionados estão previstos de maneira mais central nos arts. 3º, IV e 5º, caput, I, da Constituição Federal:

Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...)

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (...)

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. (BRASIL, Constituição Federal, 1988)

Ao observar atentamente o conteúdo dos artigos exibidos, é possível compreender que o direito a um tratamento igualitário, sem preconceito de sexo e quaisquer formas de discriminação é basilar para a edificação de uma sociedade sólida.

Ocorre que nem sempre a dignidade da pessoa humana e a igualdade ostentaram posição de proeminência no ordenamento jurídico, já que a orientação sexual, de acordo com o doutrinador José Afonso da Silva [18], sempre foi considerada um fator de discriminação, notadamente com relação às mulheres, que eram vistas como inferiores aos homens, e os homossexuais. Por isso, a Carta Magna, buscando dar tratamento isonômico às pessoas, positivou os textos acima apresentados.

No entanto, José Afonso da Silva destaca, ainda, que a Constituição, com a finalidade de adotar uma expressão clara e devidamente definida que proibisse o tratamento discriminatório em razão do sexo, acaba por utilizar um termo não tão nítido, qual seja: “sem discriminação de orientação sexual”. Essa expressão, segundo o doutrinador, visava reconhecer:

(...) não apenas a igualdade, mas igualdade a liberdade de as pessoas de ambos os sexos adorem a orientação sexual que quiserem. Teve-se receio de que essa expressão albergasse deformações prejudiciais a terceiros. Daí optar-se por vedar distinções de qualquer natureza e qualquer forma de discriminação, que são suficientemente abrangentes para recolher também aqueles fatores, que têm servido de base para desequiparações e preconceitos.

(SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 2005, p. 223 e 224.)

Pode-se perceber, ante o demonstrado, que os direitos à dignidade da pessoa humana e à igualdade são considerados a gênese e o alicerce de qualquer ordenamento jurídico, devendo ser estritamente observados.

Dessa forma, estabelecer que os homens, tão somente por manterem relações sexuais com outros homens, serão impedidos de doar sangue por um período de 12 (doze) meses viola o direito à liberdade sexual, bem como o direito de existirem e serem como realmente são.

É retrógrado pensar que os homens homoafetivos são difusores de doenças sexualmente transmissíveis, visto que toda e qualquer pessoa pode se comportar de maneira a contrair DSTs e prejudicar os receptores da doação de sangue.

Acerca disso o ministro Edson Fachin, em voto proferido na ADI nº 5543, que será analisada posteriormente, suscita que há clara ofensa à dignidade da pessoa humana, visto que “afrontam outro elemento que lhe constitui: o reconhecimento desse grupo de pessoas como sujeitos que devem ser respeitados e valorizados da maneira como são, e não pelo gênero ou orientação sexual das pessoas com as quais se relacionam”. [19]

Assim, é de crucial importância compreender, mesmo que redundantemente, que o comportamento de risco das pessoas deve se sobrepor à denominação grupo de risco, termo arcaico, haja vista que o maior risco de contrair doenças infeccionas decorre do comportamento de risco adotado.

Por tudo isso, há de se perceber que o conteúdo das normas é incoerente e discriminatório, tendo em vista que impõe um tratamento não igualitário entre os doadores, desrespeitando um axioma que é a estrutura do próprio ordenamento jurídico através do atentado a direitos fundamentais.

5. DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 5543

Trata-se do ajuizamento da ADI nº 5543 [20], com pedido de medida cautelar, proposta pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB, que questiona a restrição de doação de sangue por homens que tiveram relações sexuais com outros homens, por um período de 12 meses após a última prática sexual, prevista nos arts. 64, IV, da portaria nº 158/2016 do Ministério da Saúde e art. 25, XXX, d, da RDC nº 34/2014 da ANVISA.

Oportuno se torna dizer que o julgamento da ADI, que estava suspenso desde 2017 em razão do pedido de vistas do ministro Gilmar Mendes [21], foi concluído no dia 08 de Maio de 2020.

O julgamento foi realizado por meio do plenário virtual, em que foi decidido pela declaração da inconstitucionalidade da restrição de doação de sangue por homossexuais, por maioria de votos, pelos motivos que a seguir serão expostos.

5.1 Fundamentação do Requerente

Aprioristicamente, na presente ação, a parte autora requer a suspensão imediata dos efeitos das normas supramencionadas e a procedência da demanda, declarando como inconstitucional o texto expresso nos dispositivos suscitados, em razão da violação à Constituição Federal [22].

O autor alega, de início, que apesar de o surgimento da proibição de doação de sangue por homossexuais ter sido considerada uma medida governamental rápida para evitar novos contágios com o vírus HIV na década de 1980, atualmente, a legislação prossegue com visões ultrapassadas e irracionais, tendo em vista os grandes avanços tecnológicos e medicinais ocorridos com o passar dos anos [23].

Além disso, suscita que a ANVISA continuou a proibir definitivamente a doação de sangue por homossexuais, ainda que, no ano de 2002, através da RDC nº 343, tenha alterado o termo proibição permanente de doação de sangue por homossexuais para proibição temporária [24]:

Não obstante soe, à primeira vista, como relativo progresso normativo, essa inabilitação ao candidato que tenha tido relação sexual nos últimos 12 meses continuou impedindo, na prática, a doação permanente dos homossexuais que possuam mínima atividade sexual.

Essa norma foi objeto de inúmeras críticas à época. Ora, o simples fato de um homem ter relações sexuais com outro homem não é comportamento que justifique o seu impedimento por doze meses para doar sangue - como, por exemplo, na hipótese relacionamento monogâmico e duradouro, ou na hipótese de relação sexual com uso de preservativos, que não constituem qualquer comportamento de risco.

(BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5543/2016. Petição Inicial. Localização eletrônica fls. 11.)

Sustenta que, apesar da mudança no texto, se conservou um conteúdo discriminatório e preconceituoso contra homens homoafetivos, sendo denominados como grupos de risco, tão somente em razão da orientação sexual e não do comportamento sexual de cada um [25].

A referida discriminação, segundo o requerente, é motivada pelo Poder Público em virtude da suposta promiscuidade dos homossexuais, alegação que não possui justificativa jurídica lógica, visto que o art. 64, II, da Portaria nº 158/2016 do Ministério da Saúde positiva a exclusão da doação de sangue por pessoas promíscuas, independentemente da preferência sexual [26].

Ademais, através do direito comparado, o requerente menciona que inúmeros países, por conta dos avanços tecnológicos e medicinais, colocaram fim à mencionada proibição de doação de sangue, a exemplo da Argentina, em setembro de 2015, o Chile, em 2013, a Espanha, em 2005 e, inclusive, a África do Sul, considerado um dos países com maior índice de infecção por AIDS [27].

O autor argumenta, ainda, que há uma enorme carência de bolsas de sangue nos hemocentros brasileiros, que traz consequências graves à população, visto que apenas uma doação pode salvar até 4 (quatro) vidas. Neste sentido, ressalta que “cerca de 19 (dezenove) milhões de litros de sangue deixam de ser doados anualmente em razão da proibição imposta aos homens homoafetivos pelas normas ora impugnadas” [28].

Em remate, aduz que, pelas razões expostas, há uma perceptível violação à Constituição Federal, notadamente no que diz respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana e direito fundamental à igualdade, devendo, assim, ocorrer o combate a essas ofensas, preconceitos e discriminações existentes, conforme leciona o art. 5º, I, da CF [29].

5.1.1 Fundamentação dos Requeridos

Em resposta à ADI ajuizada, a ANVISA e o Ministério da Saúde defendem que as normas impugnadas não se utilizam da orientação sexual como critério de seleção de possíveis doadores, tendo em vista que se fundamentam em evidências epidemiológicas e técnico-cientificas, com o objetivo de garantir segurança ao receptor de sangue, durante a transfusão sanguínea [30].

Suscita, ainda, que, com base em evidências científicas, homens que mantêm relações sexuais com outros homens, também conhecidos através da sigla HSH, têm maiores riscos de transmitir doenças pelo sangue, segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS e, por isso, ocorre a restrição temporária já mencionada. Ademais, não só os homens homossexuais são excluídos temporariamente, mas também indivíduos que mantêm comportamentos considerados de risco, a exemplo da relação sexual sem o uso de preservativo [31].

Além do exposto, a ANVISA ressalta que mudar o critério de inaptidão temporária adotado na legislação hodierna é agir de maneira precipitada, inclusive por não existirem tecnologias ou comprovações científicas que mencionem as relações de HSH como seguras:

Até a data, a maioria das pesquisas disponíveis têm descrito estudos que consideram três possibilidades de indeferimento para doação de sangue por HSH: inaptidão definitiva, cinco (5) ou um (1) ano. Faltam estudos e tecnologias de avaliação que possam dimensionar os riscos de doadores HSH e doadores não-HSH utilizando condutas individuais em vez de tratar conjuntos de subgrupos com níveis de risco baseados na epidemiologia do comportamento coletivo. Também nota-se a ausência de estudos ou comprovações científicas sobre práticas sexuais de HSH consideradas seguras, por exemplo, relações monogâmicas e/ou com uso de preservativos, corroborando com a dificuldade para a prática de avaliações individuais em detrimento as avaliações coletivas baseadas em evidências epidemiológicas. Seria demasiado precipitado e não respaldado por conhecimentos científicos seguros, no estado da arte atual, uma mudança no critério de inaptidão adotado no Brasil, que está baseado nos dados epidemiológicos do grupo/coletiva, para uma adoção de avaliação individual de risco independente dos dados epidemiológicos populacionais. Esta Anvisa entende a premente necessidade de mais pesquisas científicas e estímulos às sociedades organizadas a aprofundar as discussões sobre as condutas ou comportamentos sexuais de riscos de homens e mulheres que possam sinalizar aumento nas chances de infecções transmissíveis pelo sangue, além de avanços em tecnologias de avaliação aplicadas à triagem clínica epidemiológica para doadores em toda a rede nacional de sangue no Brasil.

(BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5543/2016. Prestação de informações solicitadas pelo relator. Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Localização eletrônica fl. 7 e 8.)

Por fim, alega que a restrição de doação de sangue de HSH é examinada como a medida mais eficaz de precaução e proteção utilizada pelos serviços hemoterápicos no Brasil, fazendo com que ocorra a diminuição dos riscos de infecções sexualmente transmissíveis, por meio de doação sanguínea [32].

5.1.2. Dos Votos
5.1.2.1 Voto do Ministro Relator Luiz Edson Fachin

O Ministro Relator Edson Fachin julgou procedente a ADI 5543, com o fito de declarar inconstitucionais os dispositivos impugnados na presente ação, pelos motivos que a seguir serão expostos [33].

O ministro suscita, ao longo do voto, que há uma visível ofensa a direitos fundamentais nos regulamentos da ANVISA e do Ministério da Saúde, como a dignidade da pessoa humana e à igualdade. Compreende que, ao adotarem como critério de inaptidão à doação de sangue a orientação sexual, os homens homossexuais estão sendo impedidos de serem quem são [34].

Apesar de não compreender as referidas normas como uma forma de proibição perpétua à doação de sangue, conforme lecionado pelo requerente, o ministro as interpreta como uma “negação definitiva de qualquer possibilidade do exercício desse ato maior de alteridade por qualquer homem homossexual e/ou suas parceiras que possuam uma vida sexual minimamente ativa” [35].

Enfatiza, ainda, que a ANVISA e o Ministério da Saúde, na restrição expressa, partiram da premissa de que as infecções adquiridas sexualmente são inerentes aos homens homoafetivos, fato este que o ministro não concorda, tendo em vista que se trata de algo que independe do gênero ou orientação sexual de cada indivíduo. Ademais, suscita que todos devem ser respeitados da maneira como são e não tomando como base as pessoas com que se relacionam [36].

Nesse sentido, o ministro Edson Fachin apontou que:

A responsabilidade com o outro nos interpela sobre o que entendemos por dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB), direitos da personalidade, igualdade (art. 5º, caput, CRFB), a importância e alcance dos tratados internacionais de direitos humanos (art. 5º, § 2º, CRFB), e nos convida a escrever um novo capitulo de nossa narrativa constitucional.

Diante disso, é de se perguntar: o estabelecimento, ainda que indireto, de um grupo de risco a partir da orientação sexual de homens e a submissão dessas pessoas (a incluir aqui suas eventuais parceiras) a medidas restritivas ao ato empático de doar sangue é justificável?

Desde logo adianto entender que não. O estabelecimento de grupos – e não de condutas – de risco incorre em discriminação, pois lança mão de uma interpretação consequencialista desmedida que concebe especialmente que homens homossexuais ou bissexuais são, apenas em razão da orientação sexual que vivenciam, possíveis vetores de transmissão de variadas enfermidades, como a AIDS. O resultado de tal raciocínio seria, então, o seguinte: se tais pessoas vierem a ser doadores de sangue devem sofrer uma restrição quase proibitiva do exercício de sua sexualidade para garantir a segurança dos bancos de sangue e de eventuais receptores.

(FACHIN, Edson. Voto do Ministro Relator na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5543, p. 5 e 6.) [37].

Desse modo, nota-se uma premente insatisfação com a denominação grupos de risco e não comportamentos de risco, motivo segundo o qual as normas incorrem em preconceito e discriminação. Assim, os requisitos necessários para proceder com a transfusão sanguínea devem observar estritamente as condutas adotadas e não tomar como base a forma de ser das pessoas [38].

O pensamento do ministro Edson Fachin, em suma, é que a existência de uma restrição de doação de sangue por homoafetivos é injustificável, preconceituosa e desproporcional, que torna restrita a vontade de promover o bem através da doação de sangue [39].

5.1.2.2 Votos a Favor da Declaração de Inconstitucionalidade das Normas da ANVISA e Ministério da Saúde

Em linhas gerais, faz-se necessário mencionar que a maioria dos ministros se posicionaram em consonância ao voto do ministro relator Edson Fachin, declarando como inconstitucionais os arts. 64, IV, da portaria nº 158/2016 do Ministério da Saúde e art. 25, XXX, d, da RDC nº 34/2014 da ANVISA [40]. Estes são os ministros que votaram a favor da doação de sangue por homossexuais: Ministro Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Cármen Lúcia.

Dessa forma, impende expor, de maneira breve, quais foram os argumentos utilizados pelos ministros para fundamentar as suas decisões.

O ministro Luís Roberto Barroso, de início, relata que os dispositivos ora mencionados são visivelmente excessivos e desproporcionais, tendo em vista que limitam direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. Suscita, ainda, que o lapso temporal de 12 (doze) meses de inaptidão é contrário ao princípio da proporcionalidade e impede o exercício de uma vida sexual normal.

A ministra Rosa Weber, por sua vez, evidencia que os atos impugnados, ao adotarem a orientação sexual como critério de impedimento à doação e não a conduta de risco praticada, se utilizam de um processo injusto, preconceituoso e discriminatório. Neste sentido, reforça que o comportamento sexual deve ser observado de maneira individual, independentemente do gênero.

No mesmo sentido do voto da ministra Rosa Weber, o ministro Luiz Fux argumenta que, de fato, as normas são inconstitucionais por denominarem os homossexuais como grupos de risco, sem observar a conduta de risco adotada. Ademais, ressalta que, hodiernamente, há pesquisas que mencionam os heterossexuais como mais propícios a adquirir o vírus HIV e não os homens homoafetivos, que são considerados mais cuidadosos e por isso não há justificativa razoável na existência da presente restrição.

O ministro Gilmar Mendes, após pedir vistas do processo no ano de 2017, julgou procedente a presente ação pois, segundo ele, as referidas normas só seriam consideradas constitucionais se tornassem inaptas a doar sangue, pelo lapso temporal de 12 (doze) meses, todas as pessoas que têm comportamentos de risco. Por isso, o ministro faz um apelo ao legislador, para que, ‘’em suas decisões políticas, pondere sobre a necessidade de ênfase em comportamentos de risco, em vez de grupos de risco.’’ [41]

Por fim, verifica-se que o ministro Dias Toffoli e a ministra Cármen Lúcia também votaram no mesmo sentido do ministro relator Edson Fachin, determinando a procedência da ação.

5.1.2.3 Voto do ministro Alexandre de Moraes

Convém ponderar, de início, que diferentemente dos ministros do STF anteriormente mencionados, o ministro Alexandre de Moraes julgou parcialmente procedente a demanda proposta, declarando ser inconstitucional o inciso IV do artigo 64 da Portaria 158/2016 do Ministério da Saúde. Votou, ainda, pela declaração parcial de nulidade do art. 25, inciso XXX da RDC da ANVISA, para reduzir o lapso temporal de 12 (doze) meses sem relações sexuais. Ademais, com relação a alínea "d" da RDC da ANVISA, enfatiza que os homossexuais poderão doar, desde que só se utilize o sangue após teste imunológico [42].

Pelo exposto, cumpre observar, em síntese, os fundamentos utilizados pelo ministro, com o escopo de compreender o voto em questão. O ministro aduz, inicialmente, que os regulamentos impugnados não foram criados por conta da orientação sexual do possível doador, mas sim com o intuito de proteger o receptor, o doador e os profissionais envolvidos, garantindo o direito à saúde e à dignidade da pessoa humana. Destaca, inclusive, que as normas estabelecem inúmeras limitações, que foram feitas através de estudos técnicos e científicos, a exemplo da proibição a portadores de hepatite B e C, visando, dessa forma, garantir uma maior segurança na transfusão sanguínea.

Segundo o ministro, se a orientação sexual fosse, de fato, um critério de inaptidão, haveria a inconstitucionalidade da norma, por ser absurdamente discriminatória. No entanto, compreende que os dispositivos foram criados com o escopo de diminuir os riscos de infecções através das doações.

Pelas razões suscitadas, o ministro realça que é plenamente possível garantir o direito homossexual mesmo com a existência da restrição. Vota, por isso, pela procedência parcial da ADI 5543, enfatizando que a triagem, o questionário individual, a separação, armazenamento e o teste imunológico do sangue são requisitos que tornam os homens que mantêm relações sexuais com outros homens aptos a doar, garantindo a saúde de todos os envolvidos.

5.1.2.4 Votos Contrários à Declaração de Inconstitucionalidade das Normas da ANVISA e do Ministério da Saúde

Antes de tudo, convém expor que os ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Celso de Melo votaram pela improcedência do pedido formulado na ADI 5543.

O Ministro Marco Aurélio, em seu voto, alega que há uma preocupação das autoridades sanitárias no sentido de evitar possível contaminação do sangue coletado. Segundo ele, as restrições de doação de sangue não são discriminatórias, pois não ocorrem somente com os homens homossexuais, mas também com diversos outros cidadãos, como aqueles que se envolvam com prostituição ou que tenham feito alguma tatuagem ou piercing [43].

Nesse sentido, o ministro leciona, ainda, que:

Embora o risco na coleta de sangue de homens homossexuais não decorra da orientação sexual, a alta incidência de contaminação observada, quando comparada com a população em geral, fundamenta a cautela implementada pelas autoridades de saúde, com o fim de potencializar a proteção da saúde pública.

Ainda que se possa ter a medida como severa, no que declarado inapto, por doze meses, o candidato enquadrado nas situações previstas nas normas impugnadas, tem-se providência condizente com o bem jurídico maior que se pretende resguardar a saúde pública.

(AURÉLIO, Marco. Voto do Ministro Marco Aurélio na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5543.) [44]

Desse forma, o ministro Marco Aurélio suscita que não há de se falar em preconceito no caso em tela, quando o que se está em jogo é a saúde pública e, por isso, vota pela improcedência da ação.

Assim como o ministro Marco Aurélio, o ministro Ricardo Lewandowski, acompanhado pelo ministro Celso de Mello, também diverge do voto do ministro relator Edson Fachin e também vota pela improcedência da ação. O ministro Ricardo Lewandowski defende que é uma árdua tarefa ponderar o direito à saúde pública e o princípio da não discriminação. No entanto, para ele, não parecem discriminatórias as referidas normas.

Acerca disso, o ministro exterioriza que:

No que tange especificamente à questão da janela imunológica, penso que não cabe a esta Suprema Corte decidir sobre o seu prazo, que deve ser definido pelas autoridades sanitárias.

No meu entender, tal como no quadro em que vivemos de pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19), o Supremo Tribunal Federal deve adotar uma postura autocontida diante de determinações das autoridades sanitárias quando estas forem embasadas em dados técnicos e científicos devidamente demonstrados. E, ainda, deve guiar-se pelas consequências práticas da decisão, nos termos do art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, evitando interferir em políticas públicas cientificamente comprovadas, especialmente quando forem adotadas em outras democracias desenvolvidas ou quando estejam produzindo resultados positivos.

(LEWANDOWSKI, Ricardo. Voto do Ministro Ricardo Lewandowski na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5543.) [45]

Dessa forma, observa-se que, segundo os ministros, nas normas, não há discriminação à orientação sexual, pois os sujeitos podem doar desde que seja observado o prazo de 12 (doze) meses e, por isso, votam pela improcedência do pedido inicial.

6. CONCLUSÃO

Destarte, após breve análise do teor das normas do Ministério da Saúde e da ANVISA, que versam acerca da inaptidão temporária à doação de sangue por homens que mantêm relações sexuais com outros homens, por um período de 12 (doze) meses, percebe-se que apresentam um conteúdo defasado, que confronta os princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia, bem como do direito à liberdade de escolha, previstos no ordenamento jurídico pátrio.

Muito embora tenham o objetivo de garantir a segurança dos serviços hemoterápicos, as normas elegem como critério de impedimento a orientação sexual do possível doador, motivo segundo o qual causa tamanha insatisfação. A escolha sexual de cada um não deve ser motivo de discriminação, ainda mais pelo fato de não estar relacionada a um maior risco de infecção por DST.

Ademais, hodiernamente, restou-se comprovado, pela comunidade médica, que houve a chamada transição no perfil epidemiológico e, por isso, os homens homossexuais não são considerados difusores da síndrome da imunodeficiência adquirida – AIDS, mas sim quaisquer pessoas que mantenham um comportamento de risco.

É sabido que os avanços tecnológicos e medicinais permitiram aos médicos maior conhecimento acerca do vírus HIV, bem como trouxeram a percepção de que, atualmente, a referida inaptidão não é mais considerada uma medida governamental de segurança, mas sim de preconceito, uma vez que o risco que se está atribuindo aos homossexuais também ocorre com outros grupos de pessoas, independentemente do gênero.

Desse modo, nota-se que os dispositivos supramencionados não têm uma justificativa plausível para subsistirem. Assim, a atualização das normas torna-se essencial para garantir a efetivação dos princípios constitucionais, notadamente no que diz respeito à liberdade sexual e à isonomia.

Por tudo isso, no julgamento da ADI 5543, foi declarada a inconstitucionalidade dos regulamentos impugnados, demonstrando que, de fato, a República Federativa do Brasil tem como fundamento promover o bem de todos, sem preconceito de sexo e quaisquer outras formas de discriminação.

Sobre a autora
Anne Carolinne de Macêdo Cardoso

Advogada; Bacharel em Direito pela Faculdade de Petrolina - FACAPE; Pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil Prático Contemporâneo pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC; e Pós-graduanda em Direito do Consumidor pela Legale.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Anne Carolinne Macêdo. A inconstitucionalidade da restrição de doação de sangue por homossexuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6448, 25 fev. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/84400. Acesso em: 22 nov. 2024.

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