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Efeitos positivos dos contratos nulos de emprego público:

distinguir o joio do trigo

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Agenda 22/05/2006 às 00:00

Os contratos de emprego público celebrados sem concurso são nulos de pleno direito. Mas não são nulos por engendrarem trabalho ilícito e sim meramente proibido. Logo, a nulidade só pode gerar efeitos "ex nunc".

I. INTRODUÇÃO

1. Já começam a ser uníssonas, nas primeiras instâncias das diversas Regiões da Justiça do Trabalho brasileira, as vozes que pedem uma modificação radical no teor exegético da Súmula n. 363 do Tribunal Superior do Trabalho. Esse sentimento comum reverberou nas primícias de maio (2006), por ocasião do XIII Congresso Nacional de Magistrados da Justiça do Trabalho, realizado na cidade de Maceió/AL. Três Juízes do Trabalho encaminharam teses nessa precisa direção, todas aprovadas na respectiva Comissão Temática e, ao depois, na Plenária do XIII CONAMAT.

2. Há, realmente, algum "non sense" na inteligência ali sufragada. Reconhece-se a nulidade, obstativa da formação do vínculo empregatício, mas se concedem, paradoxalmente, direitos típicos daquele vínculo, como o respeito ao salário-mínimo/hora e a obrigação de depositar o FGTS. Isso é mais que simplesmente prevenir o enriquecimento sem causa. Afinal, qual o critério científico dessa "seletividade" pretoriana?

3. Parece-nos, em verdade, estar faltando. Daí se pretender, com este trabalho, propugnar uma nova construção dogmática para o problema, conferindo-lhe tratamento mais sistemático e racional, compromissado com os princípios maiores da ordem constitucional em vigor.


II. O JOIO E O TRIGO. TRABAHO ILÍCITO E TRABALHO PROIBIDO

4. Em sede jurisprudencial, a celeuma em torno da contratação irregular de empregados públicos, ao arrepio das regras constitucionais e legais de investidura, foi resolvida pela Seção de Dissídios Individuais do C.TST no final da década de noventa. Para tanto, editou-se a Orientação Jurisprudencial n. 85 (SDI-1), depois transformada, por ato do Pleno, na Súmula n. 363 [01]. Nada obstante, a "vexata quaestio" reclama novo dimensionamento, pelas próprias contradições inerentes à inteligência da referida súmula.

5. No Direito Civil, põe-se a "summa divisio" entre atos nulos e anuláveis, sendo nulos os atos jurídicos praticados por pessoas absolutamente incapazes; os atos jurídicos cujo objeto é ilícito, indeterminado ou impossível; os que não revestem a forma prescrita em lei (incluídas as solenidades "ad substanciam tantum"); os de motivo determinante comum e ilícito; os que objetivarem fraudar lei imperativa; e, finalmente, os que a lei ou a Constituição declararem nulos, ou proibirem sem cominar sanção, ou aos quais negarem efeitos (artigo 166, I a VII, do NCC). Anuláveis, de sua parte, são os atos jurídicos emanados por agente relativamente incapaz e os eivados por vícios de consentimento (erro, dolo, coação, lesão e estado de perigo) ou por vícios sociais, i.e., simulação ou fraude (artigo 171, I e II, do NCC). À luz dessas considerações, e por força do artigo 37, II e §2º, da Constituição Federal, o contrato de trabalho do servidor não-concursado, abstraídas as exceções constitucionais (artigo 37, II, "in fine", V e IX), é nulo "ab ovo". Os efeitos dessa nulidade, contudo, não podem ser os mesmos divisados na perspectiva civilista, porque a teoria das nulidades comporta adequações nos lindes do Direito do Trabalho (diversidade relativa dos efeitos das nulidades). No plano constitucional, chega-se à mesma ordem de conclusões pela interpretação sistemática das normas constitucionais de nulidade: quando o constituinte originário pretendeu obstar qualquer efeito jurídico ao ato nulo, declarou-o expressamente, como se lê no artigo 231, §6º, da CRFB (acerca das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios):

São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nela existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé (g.n.).

Não o declarou, porém, no parágrafo 2º do artigo 37, conquanto pudesse fazê-lo ― donde se entender que a regulação dos efeitos da nulidade ali predisposta foi reservada para o legislador infraconstitucional (cabendo ao Poder Judiciário, à míngua de lei ordinária, colmatar a lacuna correspondente).

6. Tradicionalmente, os que se guiavam pela O.J. n. 85 e que seguem, agora, a Súmula n. 363 do C.TST evocavam, para amparar seu entendimento, o artigo 158 do Código Civil de 1916 (atual artigo 182 do NCC [02]) [03]. O referido preceito estabelece que, não sendo possível restituir as partes ao "status quo ante", deve-se indenizá-las com o equivalente. Ocorre que o equivalente ao trabalho prestado, em sede trabalhista, não são apenas os salários, mas todos os títulos decorrentes do vínculo empregatício; caso contrário, o trabalho pessoal e não-eventual prestado sob subordinação e mediante salários, na forma do artigo 3º da CLT, não diferiria da mera locação de serviços ("locatio conductio operarum"), disciplinada pelos artigos 1.216 e ss. do CC/16 e pelos artigos 594 e ss. do NCC/2002. Com efeito, é na "locatio conductio operarum" e nas figuras afins que a prestação de serviços preordena tão somente uma contraprestação pecuniária simples ("retribuição"), sem outros acessórios e à míngua de quaisquer garantias sociais (ut artigos 594 "in fine", 597 e 603 do NCC). Eis a primeira razão pela qual as reflexões clássicas sobre a nulidade do contrato de trabalho nos casos de servidores não-concursados desafiam reparos.

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7. A Emenda Constitucional n. 19/98 (Reforma Administrativa) trouxe consigo modificações relevantes para o tema em comento. Ao introduzir o princípio da eficiência (artigo 37, caput), o legislador colimou, entre outros objetivos, legitimar ações institucionais impopulares inspiradas no artigo 41, §1º, III (perda de cargo em procedimento de avaliação periódica de desempenho) e no artigo 169, §4º (perda de cargo para contenção de despesa pública com pessoal), ambos da CRFB. Nada obstante, cabe ao intérprete conferir sentido socialmente útil ao novel princípio, para que dele se possam extrair conseqüências práticas e injunções à própria Administração Pública. «Eficácia» é noção mais cara à Ciência da Administração que ao Direito. Ganha relevo, por isso, o célebre escólio de PETER DRUCKER [04] sobre eficácia e eficiência. Eficiência significa "fazer as coisas certo"; corresponde à capacidade de minimizar o uso de recursos para alcançar os objetivos da organização (que, no caso do Estado e de suas administrações, é o bem comum). Nessa medida, se a exoneração de servidores públicos (por «baixo desempenho» ou por questões orçamentárias) comprometer o bom funcionamento dos serviços públicos ou o próprio equilíbrio social (que se ressente de demissões massivas quando grassam a recessão e o franco desemprego), não estará a Administração primando pela satisfação do bem comum e, desse modo, desatenderá ao princípio da eficiência. Noutras palavras, de nada vale reduzir custos e não atingir os objetivos selecionados pelo constituinte originário ― entre os quais a solidariedade social, o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e das desigualdades sociais e a promoção do bem comum (artigo 3º, I, II, III e IV da CRFB). Estado Mínimo, porém deficiente na consecução dos serviços públicos essenciais, atenta contra o "telos" constitucional, que não contempla os superávits primários ou tampouco a contenção do déficit público (esse último é um objetivo valioso, inclusive de traço legal-constitucional ― ut Lei Complementar n. 101/2000 e artigos 163 a 169 da CRFB ―, mas não é um fundamento da ordem constitucional e democrática em vigor). O princípio da eficiência pode, portanto, ser evocado em favor do cidadão: não há eficiência administrativa sem responsabilidade social. Isso há de valer, e.g., para as demissões massivas de "não-concursados".

8. Em face do artigo 37 da Constituição Federal, há pelo menos três hipóteses de contratação nula de servidores públicos: (a) nulidade por violação pura e simples à norma do artigo 37, II, 1ª parte, da CRFB (investidura para cargos, empregos ou funções públicas, por tempo indeterminado, sem aprovação prévia em concurso público, ressalvados os cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração); (b) nulidade por violação oblíqua à norma permissiva do artigo 37, inciso II, "in fine", c.c. inciso V, "in fine", da CRFB (contratação sem concurso público a pretexto de ocupação de cargos declarados em lei de livre nomeação e exoneração, em funções cujas características técnicas ou estratégicas não envolvem direção, chefia ou assessoramento [05]); (c) nulidade por violação à norma permissiva do artigo 37, IX, da CRFB (contratação por prazo determinado, sem concurso público, a pretexto de atender necessidade temporária de excepcional interesse público, à míngua de lei específica regulando a matéria ou em desacordo com seus preceitos). Nesse último caso, desde o momento em que se protraem ao desamparo da lei municipal, estadual ou federal, os contratos de trabalho viciam-se irremediavelmente por nulidade absoluta ― o que, todavia, não fulmina direitos adquiridos no lapso contratual anterior ao exaurimento do interstício legal ou à nota de irregularidade ("utile per inutile non vitiatur").

9. Em todas as hipóteses supra, se houve trabalho subordinado, oneroso, pessoal e não-eventual, houve relação de emprego (artigo 3º, caput, da CLT), a despeito do elemento subjetivo que informou o comportamento das partes. Daí porque, nesses casos, todos os consectários da relação de emprego são em princípio devidos (inclusive anotação em CTPS, contagem do tempo de serviço para fins previdenciários, horas extraordinárias, verbas resilitórias e FGTS), apesar da nulidade do contrato de trabalho. Isso se explica, a uma, pela incidência, na espécie, do princípio da primazia da realidade (que realiza, nessa medida, o princípio da dignidade da pessoa humana) [06]. A duas, explica-se porque ato jurídico nulo é algo diverso de ato jurídico inexistente, assim como nulidade e ineficácia são conceitos ontologicamente distintos. A Constituição Federal impinge a nulidade à contratação de servidor sem concurso público, mas não a declara de nenhum efeito ― e a interpretação das normas constitucionais deve primar pela máxima efetividade das normas de direitos fundamentais [07] (como são as normas do artigo 7º da CRFB, que definem os direitos sociais [08], típicos direitos humanos de segunda geração). Logo, a inteligência da Súmula n. 363/TST no mínimo desconsidera um princípio hermenêutico elementar na aplicação das normas constitucionais. Ademais, as chamadas verbas resilitórias, assim como o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e o próprio direito à segurança social têm, todos, "status" constitucional, eis que previstos nos artigos 7º e 194 da Constituição (respectivamente, "Dos Direitos Sociais" e "Da Seguridade Social"); por força de uma simples interpretação sistemática (válida para qualquer espécie normativa), não seria razoável imaginar que a regra do artigo 37, §2º, da Constituição Federal pudesse, por si só, elidir as garantias sociais constitucionais em alguma situação concreta.

10. Por tudo isso, melhor partir-se da conhecida dicotomia entre trabalho ilícito e trabalho proibido [09] para proceder à análise dos efeitos das nulidades no âmbito da relação de emprego. Em ambos os casos, o vício do contrato está em seu objeto. No primeiro caso, porém, esse objeto é ilícito, enquanto, no segundo caso, é juridicamente impossível. Conquanto na órbita do Direito Civil o efeito final de uma e outra nulidade seja idêntico, no Direito do Trabalho identificam-se conseqüências diversas. Têm objeto ilícito os contratos de trabalho que visem a préstimos inconciliáveis com o núcleo essencial e irredutível da dignidade humana (como, e.g., a prestação de favores sexuais ou a plena disponibilidade corporal ou biológica à pessoa do contratante); também são ilícitos os contratos que visem à realização de condutas penalmente típicas (crimes ou contravenções penais "in tese"). Nessas hipóteses, não há qualquer direito em favor do "trabalhador", como tem reconhecido o C. TST em casuísticas específicas (cfr., e.g., a O.J. n. 199 da SDI-I/TST [10]). Já por trabalho juridicamente impossível (proibido) compreende-se aquele em que o objeto do contrato, em si mesmo, não contém qualquer ilicitude, porque a atividade empreendida pelo laborista é intrinsecamente incensurável; nada obstante, circunstâncias extrínsecas ao próprio trabalho têm o condão de torná-lo proibido (v.g., a idade do trabalhador, a sua condição de imigrante ilegal ou o não-cumprimento de formalidades exigidas pela legislação). Nesses casos, até que a nulidade seja declarada, o pacto laboral deve surtir todos os efeitos legais, exatamente porque é impossível restituir-se ao trabalhador o "status quo ante" (artigo 182 do NCC). Tal compreensão é pacífica quando se trata, p. ex., de empregado menor de dezesseis anos (vide artigo 7º, XXXIII, da CRFB).

11. As três hipóteses de contratação nula junto à Administração (item 8, supra) configuram, em princípio, hipóteses de trabalho proibido, já que as funções exercidas geralmente não são, em si mesmas, ilícitas (magistério, vigilância, portaria, assessoramento, direção veicular, serviços gerais etc. [11]). Diante disso, todos os consectários do contrato são devidos ao trabalhador, até que se declare a nulidade. Já não será assim, porém, se o contrato celebrado for concretamente ilícito (caso dos «funcionários-fantasmas» e das atividades escusas financiadas com dinheiro público).

12. A casuística demonstra, de outra parte, que ao dispensar servidores admitidos sem prévio concurso público, as prefeituras municipais usualmente se limitam a romper o contrato de trabalho, sem justa causa do empregado (resilição unilateral). É que se a Administração não declara a nulidade da contratação (Súmula n. 346/STF) mediante ato administrativo de igual ou superior hierarquia à daquele pelo qual investiu o servidor ("unumquodque dissolvitur eo modo quod fuerit colligatum"), tecnicamente não terá rescindido o contrato (a rescisão é a modalidade de extinção contratual própria dos casos de nulidade [12]), mas, antes, ter-se-á cingido à resilição (= denúncia vazia); e se simplesmente resile o contrato de trabalho, é porque o pacto prossegue surtindo seus integrais efeitos até o fim ¾ inclusive os decorrentes da resilição unilateral por iniciativa do empregador (títulos resilitórios: aviso prévio indenizado, verbas proporcionais, indenização de 40% sobre o F.G.T.S. depositado etc.).

13. A boa-fé do trabalhador deve ser sempre presumida (artigo 113 do NCC), mas à Administração Pública abre-se a possibilidade de comprovar que houve, na contratação irregular, conluio entre o servidor contratado e o administrador ímprobo. Se lograr prová-lo, elidindo a presunção de boa-fé, eximir-se-á da obrigação de quitar os direitos trabalhistas, já que se configura um tipo de fraude muito comum, apta a contaminar o objeto mesmo do contrato. Isso porque, amiúde, a conduta concertada do servidor e do administrador ímprobo admite subsunção à tipologia do Direito Penal (notadamente artigos 171, 317, 319, 321, 328, 332 e/ou 333 do Código Penal). Nessas circunstâncias, impõe-se negar qualquer efeito trabalhista típico ao pacto laboral, aplicando "in totum" a inteligência da Súmula n. 363 do C.TST na redação original (prevenindo, no limite, o enriquecimento sem causa), ou mesmo ― a depender da hipótese ― recusando a própria retribuição pecuniária dos supostos serviços (como, e.g., no caso dos «funcionários-fantasmas»).

14. O administrador que, por dolo ou culpa (negligência/imprudência), contrata servidores sem lhes exigir a prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, fazendo tábula rasa da norma constitucional inserta no artigo 37, II, incorre em ato de improbidade administrativa (artigo 11 da Lei n. 8.429 de 2.6.1992 [13]). Cabe ao magistrado trabalhista, em atenção ao artigo 37, §§ 2º e 4º ― que determina a punição das autoridades públicas pelos atos de improbidade em geral e pela inobservância "in specie" das formalidades do artigo 37, II e III ―, oficiar aos órgãos do Ministério Público Estadual (se se tratar de autoridade administrativa municipal ou estadual) ou Federal (se se tratar de autoridade federal),com cópia da sentença condenatória e dos demais elementos de convicção amealhados, visando ao ajuizamento, pelo "Parquet", da competente ação civil pública de improbidade. Poder-se-á obter, assim, o ressarcimento do erário.


III. CONCLUSÃO

15. A Administração Pública, na forma da Súmula n. 346 do STF, pode declarar a nulidade de seus próprios atos. No caso de contratação pública sem concurso (fora dos casos permitidos), a nulidade que se verifica pertence àquela segunda espécie do item 10 (= impossibilidade jurídica do objeto): trata-se de trabalho proibido por ausência de formalidade, não de trabalho ilícito. Dessarte, o contrato de trabalho deve produzir efeitos regulares até que sua nulidade seja decretada pela Administração (efeitos "ex nunc"), ou se estaria sufragando enriquecimento sem causa do empregador público, em detrimento da legislação em vigor (artigos 884 a 886 do NCC). Com efeito, eventuais reflexos "ex tunc" da declaração de nulidade jamais aproveitariam ao empregado, que não pode ter de volta a força de trabalho despendida (artigo 182 do NCC). Ser-lhe-ão devidos, portanto, todos os consectários do contrato de emprego, o que abrange o pagamento de horas normais e extraordinárias, o FGTS, os adicionais de remuneração (insalubridade, periculosidade, transferência, etc.), as contribuições sociais de empregador e inclusive as verbas resilitórias (exceto quando a Administração Pública rescindir o contrato de trabalho com fundamento na nulidade, mediante ato administrativo de hierarquia igual ou superior àquele da investidura: nesse caso, deixam de ser devidos o aviso prévio indenizado e a indenização de 40% sobre o FGTS). Há que distinguir, ademais, entre as contratações meramente irregulares (nas quais não há a figura do "apaniguado" e tampouco interferem elementos de corrupção, advocacia administrativa ou tráfico de influência) e as contratações maliciosas (eivadas de má-fé e amiúde criminosas).

16. Por conseguinte, e na mesma esteira, convém concluir, em síntese e arremate, que:

(a) a inteligência da Súmula n. 363 do TST merece reparos, pois trata indiscriminadamente de duas situações substancial e axiologicamente diversas, a saber, a do contratado de boa-fé e a do «apaniguado»;

(b) o tratamento dado pela Súmula n. 363 a tantos quantos são, de boa-fé, admitidos sem concurso, não atende ao seu alegado fundamento (artigo 182/NCC), uma vez que não há indenização pelo "equivalente", mas antes pelo que seria devido em uma "locatio conductio operarum", tisnando o princípio da primazia da realidade;

(c) Os contratos de emprego público celebrados sem concurso são nulos de pleno direito. Mas não são nulos por engendrarem trabalho ilícito e sim por engendrarem trabalho meramente proibido (ausência de formalidade essencial à investidura). Logo, a nulidade só pode gerar efeitos "ex nunc";

(d) Em vista disso, e ante a necessária concordância prática entre o princípio da eficiência administrativa e o primado da responsabilidade social, conclui-se que os contratos nulos de emprego público devem produzir seus efeitos regulares até a decretação da nulidade pela própria Administração (Súmula n. 346/STF) ou pelo Poder Judiciário, mas sempre com efeitos "ex nunc". São devidos ao trabalhador de boa-fé todos os consectários do contrato de emprego, o que abrange o pagamento de horas normais e extraordinárias, o FGTS, os adicionais de remuneração, as contribuições sociais de empregador e inclusive as verbas resilitórias;

(e) O erário deve ser ressarcido pelo administrador público que, violando o princípio da acessibilidade à função pública mediante concursos isentos, perpetrou ato de improbidade (artigo 11 da Lei n. 8.429/92) e deve ser acionado pelo Ministério Público, no foro próprio, mediante provocação do Juiz do Trabalho;

(f) Nos casos de má-fé (como, e.g., nos "apadrinhamentos"), tratando-se de trabalho ilícito (que tende a consubstanciar, direta ou indiretamente, crime ou contravenção penal), eventual direito do favorecido restringe-se à mera contraprestação do trabalho, sem vinculação ao salário mínimo ou incidência de FGTS; e, não raro, tal direito sequer existirá (como, e.g., na hipótese de «funcionários-fantasmas»).

Sobre o autor
Guilherme Guimarães Feliciano

Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté/SP. Doutor pela Universidade de São Paulo e pela Universidade de Lisboa. Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELICIANO, Guilherme Guimarães. Efeitos positivos dos contratos nulos de emprego público:: distinguir o joio do trigo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1055, 22 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8451. Acesso em: 23 dez. 2024.

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