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Meio ambiente do trabalho e responsabilidade civil por danos causados ao trabalhador:

dupla face ontológica

Agenda 01/06/2006 às 00:00

Se o dano decorre da concreção dos riscos inerentes à atividade, a responsabilidade do empregador é subjetiva. Se o dano deriva de risco incrementado ou criado, a responsabilidade é objetiva.

I. INTRODUÇÃO

1. A entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei n. 10.406/2002) trouxe consigo promessas e desafios. No campo da responsabilidade civil, a redação do artigo 927, par. único, do NCC entreabriu uma porta dilargada para que o intérprete identificasse, no cruzamento dos dados da realidade com o arcabouço legislativo, ensejos inéditos para a aplicação da teoria do risco, onde se plasma a responsabilidade civil objetiva.

2. No universo juslaboral, esse assunto ganhou interesse no campo da infortunística do trabalho, notadamente após a edição da Súmula n. 736 do STF e, mais recentemente, com a alteração do artigo 114 da CRFB pela EC n. 45/2004, à qual se seguiu a inteligência do Excelso Pretório no Conflito de Competência n. 7.204-1/MG, rel. Min. Ayres Britto (fixação da competência da Justiça do Trabalho para o processo e o julgamento das ações de responsabilidade civil movidas pelo empregado em face do empregador).

3. O presente trabalho pretende lançar novas luzes sobre a matéria, demonstrando que a responsabilidade civil objetiva do empregador, ligada a uma certa ordem casuística, não compromete a letra mínima do artigo 7º, XXVIII, parte final, da CRFB.


II. AS ANTINOMIAS APARENTES DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL EM SEDE LABOR-AMBIENTAL

4. Em se tratando de meio ambiente do trabalho, a Constituição Federal de 1988 apresenta ao menos duas antinomias [01] aparentes. Uma delas deflui do cotejo entre as normas constitucionais dos incisos XXII e XXIII do artigo 7º da Constituição Federal [02]. O primeiro estabelece, como direito dos trabalhadores urbanos e rurais, a redução dos riscos inerentes ao trabalho; o segundo, ao revés, contrapõe ao risco o direito ao adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas (= monetização do risco). Outra antinomia aparente contrapõe o artigo 7º, XXVIII, da CRFB ― que parece vincular o direito de indenização do acidentado frente ao empregador à culpa ou dolo deste último (na esteira da Súmula n. 229 do STF, parcialmente superada) ― e o artigo 225, §3º, da CRFB ― que, sem aludir ao elemento subjetivo da conduta, destaca a obrigação do responsável à reparação dos danos de natureza ambiental a que der causa (o que deve incluir, por força do artigo 200, VIII, in fine, os danos relacionados ao meio ambiente do trabalho, derivados da inobservância das normas de segurança, higiene e saúde no trabalho). E, com efeito, o artigo 14, §1º, da Lei n. 6.938/81 dispõe, em matéria ambiental, que "é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade". São, portanto, normas contraditórias? Aparentemente, sim; concretamente, não.

5. Quanto à primeira antinomia, resolve-se-a com a idéia de que a exposição ao risco é intrínseca a certas profissões no atual estágio de desenvolvimento tecnológico ("Risikogesellschaft"). Haverá, sempre, trabalho penoso, insalubre ou perigoso, que poderá ser empreendido, à luz dos princípios insculpidos no artigo 170 da CRFB (livre iniciativa e livre concorrência), ou mesmo que deverá ser empreendido, à mercê do interesse público primário (e.g., as atividades de geração e transmissão de energia elétrica, potencialmente perigosas ¾ vide Lei n. 7.369/85). Assim, se a redução máxima do agente prejudicial, i.e., a sua eliminação, é o primeiro propósito da lei (propiciando, inclusive, a supressão do adicional ¾ Súmula n. 80 do C.TST), a Constituição transige com a realidade, estipulando o pagamento de adicionais para as atividades insalubres, perigosas e penosas, enquanto o atual estado da técnica não permitir, em determinadas atividades econômicas, a eliminação ou sequer a redução do elemento perverso a níveis toleráveis para a saúde humana. Nem por isso se haverá de proibir aquela dada atividade, seja por sua necessidade social, seja em respeito ao primado da livre iniciativa. Para esses casos, estão previstos os adicionais de remuneração [03]. Por outro lado, se o estado atual da técnica permitir a eliminação dos riscos sem comprometimento cabal da atividade econômica, o trabalho perverso deve ser sumariamente eliminado; e, para tanto, poderão os trabalhadores e/ou o sindicato recorrer às instâncias do Poder Judiciário. Tal interpretação, sobre coordenar habilmente as duas normas constitucionais (e, por conseqüência, os dois princípios contrapostos ― direito ao meio ambiente do trabalho são e equilibrado e livre iniciativa econômica), realiza, no plano hermenêutico, a aplicação dos princípios da máxima efetividade [04] e da força normativa da Constituição [05], que devem inspirar todos os esforços exegéticos no plano dos direitos humanos fundamentais.

6. Cabe, pois, ao operador do Direito ¾ especialmente à autoridade administrativa e ao juiz ¾ sopesar o programa normativo (= Constituição, leis e direito secundário), em cotejo com o domínio normativo (= realidade social) [06], e avaliar se, em determinado contexto factual, as condições perversas de trabalho a que se submetem os obreiros não comprometem, na essência, a dignidade humana (artigo 1º, III, da CRFB); e, bem assim, se são inevitáveis do ponto de vista do estado atual da técnica. Se forem razoavelmente evitáveis, há afetação ao núcleo essencial da dignidade humana da pessoa trabalhadora. Se, todavia, são inelidíveis e não malferem grave e iminentemente aquela dignidade, convém resguardar o primado da livre iniciativa, reconhecendo o direito à exploração daquela atividade econômica e o seu proveito social (o emprego ¾ artigo 170, VIII, a CRFB), mas garantindo ao trabalhador a compensação financeira pelo desgaste e/ou pelo risco consentido. Ante um quadro de vulneração essencial da dignidade humana, com lesão ou ameaça de lesão grave e iminente a bens jurídicos fundamentais como a vida e a integridade física, justifica-se, pela primazia dos direitos de primeira geração, a ordem de interrupção imediata da atividade (total ou parcial, temporária ou definitiva), quando não o embargo da obra ou a interdição de estabelecimento, setor, máquina ou equipamento, ut artigo 161 da CLT, em sede judicial (cautelar) ou administrativa. Aqui, como em outras tantas plagas do Direito do Trabalho, a decisão administrativa ou judicial deve estar sobremodo informada pelo princípio da razoabilidade, ora servindo como critério de medição da verossimilhança de determinada explicação (para, e.g., distinguir, dentre os argumentos alinhavados pela empresa, "a autenticidade da ficção"), ora como "freio de certas faculdades cuja amplitude pode prestar-se à arbitrariedade". Conhecer e operar esse freio são tarefas que se impõem ao agente público no trato das relações de trabalho, mormente porque "a própria índole da relação trabalhista [...] coloca uma pessoa debaixo da subordinação de outra pessoa durante um certo tempo" [07]: em geral, o trabalhador subordinado sujeita-se à ordem patronal e não a questiona, seja por puro desconhecimento de suas conseqüências deletérias, seja pelo temor da dispensa. Com boa razão, o juiz resolverá, nos contextos reais, os recorrentes conflitos de princípios, afastando, caso a caso, aquele que possa ser razoavelmente sacrificado em alguma medida. Assim há de ser porque os princípios, quando se digladiam, não se revogam como as regras (submetidas à lógica do "all-or-nothing"), mas apenas se preterem, de tal modo que o princípio preterido não desaparece do ordenamento, mas nele se recolhe, em potência, para interagir quando necessário, sob novas circunstâncias [08]. Somente assim será contornada, pelo intérprete, a eterna contradição entre a livre iniciativa (fundamento da ordem econômica no país) e a inviolabilidade/indisponibilidade do corpo (desdobramento do direito à vida e projeção do princípio da dignidade humana).

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7. Quanto à segunda antinomia, há que distinguir entre as causas do dano experimentado pelo trabalhador no ambiente de trabalho. Haverá causas diretamente ligadas ao desequilíbrio do meio ambiente de trabalho, atraindo a norma do artigo 225, §3º, da CRFB e, com ela, a regra do artigo 14, §1º, da Lei n. 6.938/81. E outras haverá que não terão natureza sistêmica, devendo-se antes a circunstâncias imponderáveis como o ato negligente, as paixões ou o pendor criminoso. Com efeito, o conceito lato de poluição introduzido pelo artigo 3º, III, da Lei n. 6.938/81 permite reconhecer a figura da poluição labor-ambiental, que não se atém aos quadros de afetação da biota ou das condições estéticas e sanitárias do meio ambiente (artigo 3º, III, "c" e "d") ― como se dá com os agentes químicos, físicos e biológicos em níveis de intolerância ―, alcançando ainda os contextos de aguda periculosidade ou penosidade (artigo 3º, III, "b": "criem condições adversas às atividades sociais e econômicas").

8. É princípio informador do Direito Ambiental que "os custos sociais externos que acompanham a produção industrial (como o custo resultante da poluição) devem ser internalizados, isto é, levados à conta dos agentes econômicos em seus custos de produção" [09] ¾ princípio do poluidor-pagador. Também os custos difusos do sistema de seguridade social com a legião brasileira de mutilados e desvalidos são, nesse sentido, externalidades a serem internalizadas. E, nesse encalço, a identificação do poluidor no meio ambiente do trabalho não oferece qualquer dificuldade: será, em geral, o próprio empregador, que engendra as condições deletérias da atividade econômica ou se omite no dever de arrostá-las; mas também poderá ser o tomador de serviços, quando a organização dos meios de produção e/ou do ambiente de trabalho deflagrar desequilíbrio sistêmico em prejuízo da saúde, segurança e bem-estar dos trabalhadores. Conseqüentemente, a aplicação do princípio do poluidor-pagador às hipóteses de danos pessoais (físicos ou psíquicos) derivados do desequilíbrio labor-ambiental sistêmico permite entrever que a responsabilidade pela internalização dos custos sociais externos e, "a fortiori", a obrigação de indenizar ("Schuld") com responsabilidade objetiva ("Haftung"), favorecem não apenas o empregado (= trabalhador subordinado), mas todo trabalhador inserido na organização empresarial, na acepção lata do artigo 114, I, da CRFB. Essa compreensão atende melhor ao princípio insculpido no artigo 1º, III, da CRFB, uma vez que, do ponto de vista dos direitos humanos de primeira e terceira geração, não se justifica a distinção entre empregados, avulsos, autônomos e eventuais. E, na mesma ensancha, inviabiliza a tese da natureza contratual da responsabilidade civil do empregador pelos acidentes de trabalho (uma vez que, se tal responsabilidade dimanasse de cláusula implícita de integridade inerente aos contratos de emprego, não poderia ser imputada aos tomadores de serviços em geral).

9. Conseqüentemente, quando o artigo 7º, XXVIII, da CRFB estabelece, como direito dos trabalhadores urbanos e rurais, o "seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa", não se refere às hipóteses de acidentes do trabalho (artigos 19 e 21 da Lei n. 8.213/91), moléstias profissionais (artigo 20, I, da Lei n. 8.213/91) ou doenças do trabalho (artigo 20, II, da Lei n. 8.213/91) desencadeadas por distúrbios sistêmicos do meio ambiente laboral. Se o acidente ou a moléstia é concreção dos riscos inerentes à atividade (vide artigo 22, II, da Lei n. 8.212/91), ou se não guarda relação causal adequada com tais riscos, a indenização, calcada no instituto da culpa aquiliana "lato sensu" (artigos 186 e 927, caput, do NCC), dependerá de prova do elemento subjetivo (dolo ou culpa), usualmente ao encargo do empregador ou tomador (inversão do ônus da prova). Assim é, p. ex., se o descuido de um supervisor culminar com a explosão de uma caldeira (riscos inerentes à atividade de caldeiras, fornos e recipientes sob pressão); ou, ainda, se o empregador dolosamente sabota equipamentos de proteção individual para provocar o acidente em detrimento do empregado desafeto (atividade criminosa, desvinculada dos riscos da atividade).

10. Por outro lado, se o acidente ou a moléstia configuram dano labor-ambiental, desencadeado pelo incremento dos riscos inerentes ou pela criação de riscos atípicos em virtude da organização dos meios de produção e/ou dos elementos materiais do espaço laboral, a norma de regência é a do artigo 225, §3º, da CRFB e, por ela, a regra do artigo 14, §1º, da Lei n. 6.938/81. Aliás, são os riscos agravados ou atípicos que justificam, da mesma forma, a regra do artigo 927, par. único, do NCC [10]. Usualmente, a evidência do desequilíbrio labor-ambiental está na sucessão de acidentes ou moléstias que acometem trabalhadores de uma mesma seção ou linha de produção (denotando a inadequação física, química, biológica, ergonômica ou psicológica do meio ambiente de trabalho). Mas, malgrado seja circunstancialmente usual, o caráter "coletivo" não está na essência da responsabilidade civil objetiva labor-ambiental [11].


III. CONCLUSÃO

11. Impende reconhecer, em conclusão, que os riscos são inerentes a toda e qualquer atividade econômica e ― diga-se mais ― à maior parte das atividades sociais organizadas da sociedade pós-industrial. Noutras palavras, as necessidades induzidas e os avanços da técnica ensejam, hodiernamente, "riscos de procedência humana como fenômeno social estrutural" [12]. São, pois, toleráveis até certo limite (daí, justamente, o sentido ético da norma do artigo 7º, XXIII, da CRFB, e dos limites de tolerância da Portaria n. 3.214/78). Além desses limites (que podem ser quantitativos ou qualitativos), o risco incrementado (= agravado) e/ou criado (= atípico) de base sistêmica passa a caracterizar poluição no meio ambiente de trabalho. Nesse caso, lida-se com interesses metaindividuais, porque a difusão dos riscos ameaça seriamente a vida, a integridade e a saúde de todos os trabalhadores que trabalham ou possam vir a trabalhar naquele ambiente, subordinados ou não. Por conseguinte, legitima-se para a ação judicial o Ministério Público do Trabalho (aspecto preventivo-repressivo) e, na ocorrência de danos morais ou materiais à pessoa do trabalhador (= acidentes ou moléstias), a reparação (aspecto ressarcitório-compensatório) independe da existência de culpa (= responsabilidade objetiva), ut artigo 14, §1º, da Lei n. 6.938/81.

12. Logo, à vista do quanto exposto, é curial pontificar que:

(a) as normas dos incisos XXII e XXIII do art. 7º da CRFB são aparentemente antinômicas, mas podem ser harmonizadas segundo os princípios hermenêuticos da máxima efetividade e da força normativa da Constituição (atualização histórica). A monetização do risco (adicionais de remuneração) só é admissível quando: (1) as condições perversas não comprometam o fulcro essencial da dignidade humana dos trabalhadores; (2) tais condições forem inevitáveis do ponto de vista do estado atual da técnica (sob pena de inviabilidade da própria atividade econômica);

(b) as normas do art. 7º, XXVIII, e do artigo 225, §3º, da CRFB (com reenvio para a regra do art. 14, §1º, da Lei n. 6.938/81) são aparentemente antinômicas, mas podem ser conciliadas na perspectiva dos sistemas de organização produtiva. Assim: (α) se o dano moral/material sofrido pelo trabalhador, em razão de acidente ou moléstia, é concreção dos riscos inerentes à atividade, ou se não guarda relação causal adequada com tais riscos, a responsabilidade do empregador/tomador é SUBJETIVA e a indenização pressupõe a culpa aquiliana (dolo/culpa); (β) se o dano moral/material deriva de risco incrementado (agravado) ou criado (atípico) de base sistêmica, caracterizado pelo desequilíbrio dos fatores labor-ambientais (= poluição labor-ambiental), o Ministério Público do Trabalho tem legitimidade "ad causam" (aspecto preventivo-repressivo) e a responsabilidade do empregador/tomador é OBJETIVA, com reparação independente de culpa (aspecto ressarcitório-compensatório);

(c) as conclusões «a» e «b» aproveitam tanto a empregados como a trabalhadores não subordinados, mercê do princípio da dignidade humana.


NOTAS

01 Antinomia jurídica é a "oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, que colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado"; se, porém, há critérios normativos positivos para a solução da antinomia, ela é aparente (Tércio Sampaio Ferraz Jr., Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão, Dominação. São Paulo: Atlas, 1991, pp.189-190).

02 Cfr., por todos, Norma Sueli Padilha, Do Meio Ambiente do Trabalho Equilibrado, São Paulo, LTr, 2002, pp. 57-63.

03 Na dicção de Sueli Padilha, "a existência [...] do pagamento de adicionais para tais atividades, não pode significar a monetarização do risco profissional ou mercantilização da saúde do trabalhador, mas deve ser entendida como medida de caráter excepcional" (op.cit., p. 63 – g.n.). Noutros países, ganha vulto uma tendência de substituição desses adicionais monetários por repousos adicionais, que engendram compulsoriamente a menor exposição semanal ou mensal dos trabalhadores aos agentes perversos, graças aos períodos mais extensos de descanso.

04 "Este princípio, também designado por princípio da eficiência ou princípio da interpretação efectiva, pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais [...] sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)" (J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3ª ed., Coimbra. Almedina, 1999, p.1149).

05 "Segundo o princípio da força normativa da constituição [...] deve dar-se primazia às soluções hermenêuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais, possibilitam a «actualização» normativa, garantindo, do mesmo pé, a sua eficácia e permanência" (J. J. Gomes Canotilho, op.cit., p.1151). Cfr. também Konrad Hesse, Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, trad. Luís Afonso Heck, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1995, p.68.

06 Sobre a necessidade de encadear programa normativo e domínio normativo, cfr. Luís Roberto Barroso, Ana Paula de Barcellos, "O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro", in Revista Forense, Rio de Janeiro, Forense, jan./fev. 2004, v. 371, p.193, p.178, nota n. 7.

07 Américo Plá Rodriguez, Princípios de Direito do Trabalho, trad. Wagner Giglio, 4ª tiragem, São Paulo, LTr, 1996, pp. 257-258.

08 Cfr. Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, Cambridge, Harvard University Press, 1978, pp. 24-27. Dworkin distingue os "principles", que se referem a direitos estritamente individuais, das "policies", referidas a direitos coletivos ou de interesse geral. Criticando essa dicotomia, cfr., por todos, Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, 3. Aufl., Frankfurt am Main, Suhrkamp, 1996, p.99: "Es ist aber weder erforderlich noch zweckmäβig, den Begriff des Prinzips an den Begriff des individuellen Rechts zu binden".

09 Michel Prieur, Droit de l´environnement, 3ª ed., Paris, Dalloz, 1996, p. 135 ("le principe polluer-payeur").

10 "Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". Ocorre que toda atividade econômica implica, em alguma medida, riscos para as pessoas envolvidas: esse é um pressuposto sociológico da Risikogesellschaft. Logo, para que a parte final do texto não caia no vazio, deve-se interpretar a expressão «risco» como «risco agravado» ou «risco atípico», se bem que manifestado nas atividades normais do autor (o que afasta, portanto, a hipótese da negligência episódica ou do pendor criminoso). Já a expressão «por sua natureza» deve ser interpretada no contexto da organização dos meios de produção e dos elementos materiais do espaço laboral (i.e., natureza da organização da atividade econômica, e não dela própria). Há, por certo, atividades econômicas que naturalmente possuem «risco acentuado», apto a justificar a responsabilidade objetiva (transporte aéreo, exploração de energia nuclear, etc.); mas, nesses casos, cabe ao legislador ― e não ao juiz ― decidir se a responsabilidade objetiva é ou não um instrumento adequado, nos termos da primeira parte do dispositivo.

11 Donde, pois, o equívoco parcial de NORMA SUELI PADILHA ao obtemperar que "o acidente de trabalho referido no art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal é o individual (regra ¾ responsabilidade subjetiva). Portanto, não está excluído, na hipótese de ocorrência de doença ocupacional, decorrente de poluição no meio ambiente de trabalho, a aplicação da regra aí incidente, ou seja, a da responsabilidade objetiva (art. 225, §3º)" (op.cit., p.68).

12 Jesús-María Silva Sánchez, La expansión del Derecho penal: aspectos de la política criminal en las sociedades postindustriales, Madrid, Civitas, 1999, p. 22. Confira-se ainda, no mesmo sentido, Paulo Affonso Leme Machado, Direito Ambiental Brasileiro, 6ª ed., São Paulo, Malheiros, 1996, p. 528 ("classe de risco tolerado ou permitido").

Sobre o autor
Guilherme Guimarães Feliciano

Professor Associado II do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté/SP. Doutor pela Universidade de São Paulo e pela Universidade de Lisboa. Vice-Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELICIANO, Guilherme Guimarães. Meio ambiente do trabalho e responsabilidade civil por danos causados ao trabalhador:: dupla face ontológica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1065, 1 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8452. Acesso em: 22 dez. 2024.

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