Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A Lei de Responsabilidade Fiscal e os meios eletrônicos como forma de promoção da transparência fiscal na gestão pública

Exibindo página 3 de 4

4. A TRANSPARÊNCIA E A DIVULGAÇÃO DAS CONTAS PÚBLICAS POR MEIOS ELETRÔNICOS

            A questão da transparência das contas públicas há algum tempo é motivo de preocupação das administrações brasileiras. Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, período em que se implementou mudanças estruturais no Brasil, nota-se uma preocupação em publicizar os atos da administração e, dentre eles, principalmente, aqueles relacionados com a questão orçamentária. Graças à abertura política e a redemocratização do país, foi possível a volta do debate, da crítica e da participação popular nas questões governamentais, porquanto a opinião diversa não era mais vista como crime político, mas sim uma demonstração da democracia.

            Neste contexto, a publicidade dos atos da administração tornou-se princípio constitucional com previsão legal (artigo 37 da Constituição Federal). Assim, de 1988 até hoje, tem-se notado uma preocupação das administrações em tornar público os balanços de suas gestões. Imbuído neste espírito, estimulou-se o cidadão a acompanhar de perto a elaboração e execução dos orçamentos, incentivados e promovidos das mais diversas formas, como por exemplo, a publicação das contas na sede da administração, a divulgação pela mídia impressa, radiofônica ou televisiva e, mais recentemente, pela internet [74].

            Assim, depreende-se que uma característica marcante da transparência fiscal é a disponibilização das informações orçamentárias ao público. A idéia é tão basilar que foi objeto de discussão das reuniões temáticas do Fundo Monetário Internacional, culminando com a elaboração do já aludido Código de Boas Práticas para a Transparência Fiscal. No instrumento, fica ressaltado que as informações fiscais devem esclarecer o público sobre as atividades orçamentárias já realizadas, as em curso e aquelas que ainda serão praticadas [75]. Hodiernamente, a forma mais eficaz de tornar pública as informações e democratizar o acesso a elas é através dos meios eletrônicos, em especial pela internet.

            No plano jurídico, talvez fruto de fatores históricos e sócio-culturais de um determinado momento da política brasileira, foi editada a Lei de Responsabilidade Fiscal, que, pela primeira vez preceituou a utilização de meios eletrônicos para tornar público os planos orçamentários-financeiros [76]. A disposição legal mostrou-se inovadora, na medida em que o ordenamento jurídico não dispunha de mandamento legal semelhante. Apesar de já existirem, à época, iniciativas do Poder Público no sentido de tornar pública as atividades fiscais através da Internet, é inegável o papel incentivador da lei. Incontinenti, foi editada a Lei nº 9.755 de 16 de dezembro de 1998, que determinou a criação de uma home-page para o Tribunal de Contas da União e, de forma destacada, passou a atender preceito constitucional e vertido na legislação ordinária [77]. A partir desses instrumentos normativos, houve uma disseminação de sites governamentais que paulatinamente foram disponibilizando informações sobre as contas públicas, o que, sem sombra de dúvida, confere uma maior confiabilidade na administração e, ao mesmo tempo, fortalece a democracia.

            4.1. Desenvolvimento da Internet no Brasil

            Apesar de o Brasil ser um país subdesenvolvido e possuir índices de desenvolvimento humano e social vexatórios, não se pode perder de vista que é possível encontrar dados expressivos e marcas bastante consideráveis a respeito da penetração da informática na sociedade, em especial a tecnologia da Internet.

            Sentindo a influência cada vez maior da Internet na vida dos cidadãos, o governo federal editou Decreto instituindo o Comitê Gestor da Internet no Brasil – Decreto nº 4.829 de 03 de setembro de 2003 – que visou institucionalizar o órgão, bem como regulamentar a Internet brasileira [78].

            Não obstante a regulamentação iniciada pela administração apenas em 2003, o Brasil desenvolve-se a passos largos em matéria de Internet, apesar do descaso das administrações acerca do desenvolvimento da rede de computadores [79]. Para tanto, basta fazer uma análise com base no gráfico abaixo relacionado. Percebe-se um grande desenvolvimento da Internet no Brasil no período compreendido entre janeiro de 1996 e dezembro de 1997, medidos pelo número de hosts cadastrados, conforme demonstra o quadro nº 1.

            Quadro 1

            

            Diante das informações contidas no quadro acima, é forçoso atentarmos para o visível e acentuado crescimento no período em tela, permitindo conduzir para a conclusão de que atualmente estes valores são muito maiores. No que diz respeito ao número de usuários de Internet por habitante, o Brasil ainda está em posição bastante distante dos países desenvolvidos, consoante dados da ONU [80]. No entanto, nota-se um crescimento do número de usuários, que se dá de forma bastante acelerada, de acordo com números estimativos da ONU, contidos no quadro nº 2.

            Quadro 2

            

            Fonte: ONU, Departament of Economic and Social Affairs

            Nessa esteira, a administração deve estar atenta a estes dados, pois a tendência é haver cada vez mais participação da Internet na vida dos cidadãos. Portanto, a divulgação das contas públicas através da Internet revela-se uma forma do Estado acompanhar o desenvolvimento tecnológico, modernizando e atualizando a sua forma de atuação com o propósito de melhor servir a população [81]. Ao que tudo indica, essa tendência de digitalização das informações governamentais e facilitação de acesso através da Internet tende a se proliferar entre as administrações brasileiras, como se pode perceber do número de sites colocados na rede mundial. Neste trabalho foram pesquisados sites governamentais, que atendem aos itens transparência e interatividade, oferecendo acesso aos dados orçamentários à população. Nesse sentido, são exemplos de e-governance: União Federal (www.fazenda.gov.br); Estado da Bahia (www.ba.gov.br); Estado do Ceará (www.ceara.gov.br); Estado das Minas Gerais (www.sef.mg.gov.br/contadoriager/_exec-index.html); Estado do Paraná (www.fazenda.pr.gov.br/cop/index.asp); Estado de Pernambuco (www.sefaz.pe.gov.br); Estado do Rio de Janeiro (www.financas.rj.gov.br); Estado do Rio Grande do Sul (www.sefaz.rs.gov.br/SEF_root/AFE/AFE-Informacoes.asp); Estado de Santa Catarina (www.sef.sc.gov.br); Estado de Santa Catarina (www.fazenda.sp.gov.br).

            Cumpre, portanto, que as administrações preocupem-se com a inclusão social e digital da população para tornar realmente efetiva a democracia eletrônica.

            4.2. Barreiras à informação

            Poder-se-ia perguntar se o acesso à Internet não está restrito a uma minoria que possui computador? Em resposta, diria que não. É inegável que o Brasil é um país subdesenvolvido, com grandes distorções sociais e que a grande maioria do povo brasileiro vive abaixo da ‘famosa’ linha da pobreza. Importante mencionar que a população conectada a Internet ainda é muito pequena, o que acaba gerando um verdadeiro apartheid digital, porquanto o acesso aos computadores é ainda restrito.

            No entanto, a revolução empreendida com a Internet é tão grande que talvez possa ser superior àquelas empreendidas pela invenção do telégrafo, do rádio, da televisão, desde que acompanhadas da atuação estatal necessária.

            Afora o argumento de que o espaço na Internet é democrático, vez que não existe qualquer tipo de barreira ou censura para aqueles que estão conectados ou desejam conectar-se, pode-se dizer, ainda, em defesa da Internet como meio de acesso democrático à informação, que há esforços de quase todas as esferas do poder público em facilitar o acesso da população de baixa renda. São louváveis, por exemplo, iniciativas dos governos estaduais e municipais em dotar as escolas públicas de computadores com acesso à Internet. As repartições públicas, da mesma forma, vêm digitalizando os seus serviços e fornecendo conexão a Internet para a máquina pública [82].

            Há que se admitir que o acesso à Internet no Brasil ainda é restrito, mas, ao mesmo tempo, cumpre destacar que existe um processo rápido e irreversível de expansão da rede mundial de computadores e que as administrações brasileiras têm tomado medidas louváveis no sentido de facilitar o acesso da população à Internet. São exemplos de medidas inovadoras o projeto da Prefeitura de Curitiba em parceria com a Microsoft, denominado ‘Digitando o futuro’ que já disponibilizou acesso à internet a mais de 20 mil cidadãos de baixa renda [83], assim como, em nível federal, o projeto Governo Eletrônico – atendimento ao cidadão – GESAC – que começou a instalar em Belo Horizonte os primeiros computadores para o acesso público [84].

            4.3. Transparência Fiscal e Normas Internacionais de Declaração de Dados Financeiros e Fiscais

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

            Ao que tudo indica, a questão de que as administrações devem ser transparentes é consenso mundial. No entanto, emergem outras questões que podem suscitar dúvidas, como, por exemplo, saber se as contas devem ser apresentadas e o que deve ser publicado. Na tentativa de uniformizar tal procedimento, a Federação Mundial dos Contadores (International Federation of Accountants – IFAC) [85] desenvolveu algumas normas de declaração de dados financeiros e contábeis que contribuem sobremaneira para o alcance da transparência fiscal [86]. Nesse estudo, ficou assentado que a divulgação da atividade fiscal não pode ficar restrita a um simples relatório de fluxo de caixa. Como será demonstrado a seguir, o orçamento público pode ser descrito através de vários instrumentos e seria um passo importante para tornar a administração mais transparente se todos os instrumentos orçamentários fossem disponibilizados ao grande público através da internet.

            O Código de Boas práticas para a transparência fiscal, por sua vez, enfatiza os seguintes requisitos básicos:

            "(…) 1) todos os países devem declarar os ativos e passivos financeiros – introduzindo alguns elementos de um regime de competência modificado; e 2) todos os países devem ter por meta adotar um sistema contábil capaz de produzir relatórios fidedignos sobre os atrasados de pagamentos. No caso da contabilidade em regime de caixa, esses relatórios poderiam ser preparados como demonstrações pró-forma. Cabe a cada país determinar se há necessidade de passar a adotar o regime de competência – no qual as contas a pagar são automaticamente registradas como despesas – se as circunstâncias assim exigirem." [87]

            4.4. A transparência da administração através da Internet

            De acordo com pesquisa conceituada do Cyberspace Policy Research Group – CyPRG –, a atuação governamental na Internet deve estar pautada em dois princípios: transparência e interatividade. Segundo os estudos do CyPRG, a transparência consiste num acesso completo dos dados da administração pública, sem restrições, criando com isso uma relação de comprometimento entre governo e cidadão. De outro lado, a face da administração na Internet deve ser interativa para que dessa forma seja estreitada a relação cidadão-governo. A interatividade pode ser medida através da capacidade de resposta da administração aos impulsos gerados pelo indivíduo ao interagir através da Internet, ou seja, a cada click do cidadão em determinado link de satisfação ou de comunicação com a administração, deve haver uma resposta oficial por parte do governo, fazendo com que aquela manifestação seja assimilada e percebida pela administração pública [88].

            Na referida pesquisa, pode-se chegar a duas conclusões: (i) Quando se atinge a satisfação do cidadão com a transparência do governo, alcança-se uma maior confiança dos administrados na administração; (ii) quando se atinge uma maior interatividade do cidadão com o governo, alcança-se uma maior confiança dos administrados na administração [89].

            A transparência e interatividade do cidadão foi medida em números pelos pesquisadores norte-americanos [90]. Constatou-se que a confiança no governo está diretamente relacionada com a transparência e interatividade na relação governo-cidadão, variando, no entanto, de acordo com a familiaridade e experiência com a internet e, também, em relação a classe social do indivíduo.

            A participação da Internet nas finanças públicas promove, como referido por Luiz Akutsu e José Antônio Gomes de Pinho, uma democracia eletrônica [91], que seria a etapa mais evoluída do chamado "governo eletrônico" ou e-governance, na qual estariam presentes a automação dos serviços públicos e a facilidade de informação sobre "a coisa pública".

            Dessa forma, a transparência fiscal, princípio basilar da administração financeira, tem uma nova forma de efetivação, que caso seja bem explorada poderá repercutir em toda a sociedade, proporcionando maior credibilidade para o governo e maior satisfação dos cidadãos.


5. PARTICIPAÇÃO POPULAR

            A Lei de Responsabilidade Fiscal prevê expressamente a realização de audiências públicas e a participação popular nos processos de elaboração e condução dos orçamentos, como forma de incentivo à preparação e execução de planejamentos que envolvam diretamente o povo.

            Os meios de acesso do povo junto aos Poderes Públicos não é, de forma alguma, novidade no Estado Democrático de Direito brasileiro. [92] As sessões do Poder Legislativo são públicas, ficando abertas a todos que delas quiserem participar. Emite-se uma pauta antes do começo da sessão com a prévia dos debates. Em nível municipal, verifica-se um acompanhamento mais incisivo sobre as sessões das Câmaras de Vereadores, como forma de pressão para aprovação de reivindicações da comunidade, avaliação do desempenho e aceitação de propostas orçamentárias e atuação dos políticos, bem como entendimento das funções do Poder Legislativo.

            A Constituição Federal assegura, desde 1988 [93], a possibilidade de se oferecer petição às Mesas Legislativas como forma de pedir informações sobre andamento de projetos ou relatórios encaminhados aos chefes do Poder Executivo. Em nível municipal, pode ser utilizada a Tribuna Livre, como instrumento para denúncias de problemas ou discussão de um tema ou mesmo para apresentar sugestões, sendo regulado pela Lei Orgânica Municipal e pelo Regimento Interno da Câmara.

            A convocação de audiências públicas também possui previsão constitucional, no art. 58, § 20, inciso II, em nível federal. As comissões podem, em razão da matéria de sua competência, realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil. E nada obsta que estejam previstas formas de articulação da sociedade civil com os Presidentes das Comissões da Câmara no seu Regimento Interno em âmbito municipal.

            No entanto, embora já estivessem assentados os citados meios políticos como forma de participação direta do povo e da sociedade civil nos processos de votação e discussão sobre a execução dos projetos e planos de governo, não se pode negar que a Lei de Responsabilidade Fiscal trouxe uma nova perspectiva sobre a organização da estrutura política no que tange aos processos de votação orçamentária.

            Antes do início da vigência da Lei, já se podia visualizar exemplos de exploração da idéia de participação popular, como no município de Porto Alegre, onde se adotou o chamado Orçamento Participativo. A Lei veio incentivar a sua propagação para todos os entes federativos, tendo em conta que se trata de uma tendência mundial, por legitimar as escolhas e fortalecer o princípio da transparência.

            5.1. Democracia e participação

            A participação popular nos meios de decisão orçamentária fica entre a democracia direta e a democracia indireta. Com efeito, a democracia direta era aquela exercida na pólis grega, pelos próprios cidadãos livres, ao exercerem o seu direito de voto. Eram seus princípios básicos a isonomia (igualdade perante a lei), isotimia (abolia os títulos ou funções hereditárias) e isagoria (igualdade do direito de palavra). No entanto, Paulo Bonavides sustenta não ter havido uma democracia, mas uma aristocracia democrática, [94] tendo em vista o baixo percentual de cidadãos livres que podiam participar dos debates.

            A democracia indireta (ou representativa) foi desenvolvida por Montesquieu, por entender que o povo sabe escolher, mas não governar. Dessa forma, caberia aos cidadãos tão-somente a tarefa de escolha dos seus representantes políticos, que iriam definir e elaborar as leis, inclusive sobre os temas orçamentários, próprios da Administração.

            Na realidade democrática contemporânea, surgiram institutos intitulados sobre a forma genérica de democracia semidireta. Por exemplo, com o referendum, o corpo eleitoral intervém diretamente no ato público (via de regra normativo) quer para ratificá-lo, quer para rejeitá-lo; já pela iniciativa, o corpo eleitoral pode provocar a decisão dos governantes. [95] Por esses meios, é concedida a palavra final ao povo acerca de algum ato governativo.

            No entanto, a participação popular no âmbito orçamentário é uma forma diferenciada de democracia. Não se trata de democracia direta, porque a participação dos inscritos é limitada aos assuntos de pauta financeira. Tampouco se assemelha à democracia indireta, que subsiste e com ela se mantém em pleno convívio. Não é tomada tecnicamente como instituto de democracia semidireta, embora ao povo seja dada a palavra final sobre determinadas rubricas do orçamento com a respectiva destinação de verbas. Nesse sentido, tem crescido a aceitação mundial da participação e do contato entre as associações cívicas, os clientes de certas políticas públicas e o governo, de forma a criar parcerias organizadas, dentro de uma perspectiva instrumentalista. [96]

            5.2. Experiências de Democratização

            Antes de adentrar nas experiências brasileiras, em especial a porto-alegrense, vale a pena destacar que o fenômeno vem sendo apreciado e incorporado a municípios e governos de todo o mundo. Encarada como uma experiência inovadora aos governos representativos, têm-se feito um destaque e um aprimoramento da participação popular como forma de avaliar os balanços e preparar os planos de gastos. No mundo, cerca de 200 cidades, em 18 países, praticam o orçamento participativo. [97]

            Dentre todos as experiências mundiais, pode-se estabelecer uma divisão em três tipos de participação: democratização concedida, democratização lucrativa e democratização obtida como efeito colateral. [98] No primeiro grupo se encaixam o Brasil e o Kerala indiano e, no segundo, Colômbia, Peru, Equador e os países africanos.

            Essas nações possuem em comum o fato de objetivarem o próprio desenvolvimento com base na democratização dos poderes institucionais locais, prevendo uma certa autonomia para as decisões dos participantes nos processos de discussão do orçamento. No primeiro grupo, a autoridade concede um espaço de poder de decisão sem explicitar, de início, o objetivo de receber o seu empenho ativo e uma forte co-responsabilidade dos habitantes na transformação do território. No segundo caso, as administrações tendem a chamar os cidadãos a uma prestação de empenho, por exemplo, proporcionando concessão de fundos para regiões com taxa de evasão de imposto sobre propriedade imobiliária, vinculando os operários a serviços gratuitos, ou à divisão dos ônus de gestão ou manutenção.

            A terceira referência trata de participação em forma consultiva, sobretudo por perseguir objetivos de aumento de transparência, de racionalização de gestão e de gestão eficiente das relações públicas sobre o território.

            Na Itália, fala-se em "bilancio partecipativo" nas cidades de Veneza, Roma, Nápoles, Firenze, Gênova e Trento. Na cidade de Anzio, discute-se atualmente, à margem da campanha eleitoral de 2003, um novo modelo de administração municipal baseada na descentralização autogestionária e na participação difusa por meio das escolhas municipais pelos cidadãos. [99]

            Na França, tem-se feito algumas tentativas de implementação do "budget participatif", em Paris e outras cidades interiores. Em Bobigny, foi realizado um encontro nacional de divulgação de experiências de participação popular, com destaque à América Latina, cujo título foi "Democratizar radicalmente a democracia". [100]

            Importa ainda mencionar o exemplo da Indonésia, que após um longo período de autoritarismo de uma casta militar, estabeleceu uma série de modificações políticas, diminuindo as dificuldades no processo de descentralização, culminando na previsão em 2002 por um Regulamento do envolvimento da sociedade civil nas decisões públicas, sobretudo em nível local. [101]

            5.3. Participação Popular no Brasil

            No Brasil, implementou-se o orçamento participativo nos Estados do Acre, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, e nos Municípios de Belém, Aracaju, Barra Mansa, Camaragibe, São Paulo, Porto Alegre, dentre outros.

            No Estado do Mato Grosso do Sul, desde 1999 atua o denominado Governo Popular, por meio do qual foi feita uma divisão em 13 regiões, que recebem uma pontuação pelo número de habitantes, com o que se calculam os recursos necessários para o investimento na localidade. Todo cidadão pode participar das Assembléias Públicas Municipais comparecendo aos locais designados, onde se faz a escolha de três temas prioritários. A escolha de delegados por município é feita na proporção do número de participantes das assembléias, podendo se candidatar qualquer cidadão, exceto aqueles com mandatos eletivos ou ocupantes de cargos em comissão no Governo do Estado.

            Merece destaque, também, o Fórum Popular do Orçamento do Rio de Janeiro - a organização apartidária que reúne pessoas e entidades cariocas interessadas em democratizar o orçamento do município, desde 1995. O enfoque é a participação popular como meio de aumentar a transparência e aplicação de recurso em prioridades sociais, principalmente nos aspectos que dizem respeito às informações governamentais. [102]

            Em Criciúma (SC), interessa mencionar a criação da Secretaria Especial de Juventude, onde se construiu um espaço político de intervenção da juventude com o objetivo de aplicar uma ação organizada das políticas públicas. Com isso, tem-se ressaltado quanto os movimentos e ações jovens podem contribuir para decisões políticas envolvendo a cultura e o orçamento. [103]

            5.4. Orçamento Participativo em Porto Alegre

            Pode-se afirmar que Porto Alegre é uma cidade pioneira na experiência do orçamento participativo, pois o processo de participação popular foi instalado no município desde 1989, antecipando as tendências descentralizadoras de gestão. Iniciou-se uma discussão entre os líderes comunitários das diversas regiões com o governo municipal, traçando-se um primeiro plano de investimentos [104]. Formou-se uma Comissão, o que viria a tornar-se, mais tarde, o Conselho do Orçamento Participativo e dividiu-se a cidade em 16 regiões [105].

            A explicação para essa iniciativa esteve na própria vontade política dos cidadãos. Desde o início dos anos 80, em diversas regiões de Porto Alegre, algumas associações de bairro começaram a formar alianças regionais, como, por exemplo, a União de Vilas da Grande Cruzeiro e o Conselho Popular da Zona Norte. [106] A partir delas, formaram-se outras coalizões de associações de bairro, em parte impulsionadas por líderes vinculados a partidos políticos (PDT e PT). Criou-se a União de Associações de Moradores de Porto Alegre (UAMPA), que teve mais importância na mobilização e apoio para a eleição de Alceu Collares, ao cargo de prefeito municipal, em 1985. Mas foi em 1989 que a idéia do Orçamento Participativo começou a ser posta em prática, com a ascensão do Partido dos Trabalhadores (PT) do município.

            A partir do ano de 1990, o Orçamento Participativo começou a desenvolver as discussões com maior estabilidade, sendo organizado pelos grupos regionais e grupos temáticos, e pelo Conselho do Orçamento Participativo, cujos conselheiros são voluntários.

            Em nível regional, são abertas assembléias anuais pelas quais se dá a partida ao processo. Ao longo do primeiro mês, realizam-se as assembléias "intermediárias" nos bairros e micro-regiões, por divisão temática [107]. São eleitos nessas ocasiões os delegados do Fórum Regional do Orçamento Participativo, que passam a se reunir para negociar e compatibilizar a longa lista de prioridades ordenadas por setores regionais.

            Realiza-se após esses debates, uma segunda assembléia regional, na qual o Fórum Regional apresenta a lista de prioridades à Prefeitura. No mesmo ato, são eleitos dois delegados e dois suplentes para representar os interesses da região no Conselho do Orçamento Participativo. Os Fóruns Regionais e as Plenárias Temáticas continuam funcionando o ano inteiro exercendo a função de monitoramento do processo e para tomar decisões rápidas sobre questões práticas de implementação do orçamento. [108]

            A principal tarefa do Conselho do Orçamento Participativo, que tem mandato de um ano, é decidir sobre a distribuição dos recursos previstos no orçamento de investimento de cada órgão executor da Prefeitura entre as 16 regiões e os 5 grupos temáticos. A escolha muitas vezes se torna complicada, pois ela se faz com base em critérios complexos de atribuição de peso a cada categoria de investimento, segundo a sua viabilidade.

            Do Conselho do Orçamento Municipal se espera decisões sobre questões amplas, como o exame dos orçamentos de pessoal e custeio, aprovação da distribuição geral de recursos entre órgãos da Prefeitura, bem como sobre discussões de projetos maiores, de longo prazo, como despoluição, projetos estratégicos de infra-estrutura e planos de desenvolvimento econômico.

            Na mediação entre o Executivo Municipal e os moradores da cidade existem instâncias que se relacionam durante o processo de discussão anual, e são divididas em: unidades administrativas e órgãos internos ao Executivo, instâncias comunitárias e instâncias institucionais permanentes de participação comunitária [109].

            As unidades administrativas e órgãos internos ao Executivo tratam do gerenciamento da discussão orçamentária e da relação com a comunidade [110]. O GAPLAN (Gabinete de Planejamento) é o órgão permanente e de indicação do Prefeito, responsável pela coordenação do planejamento estratégico, pelo gerenciamento e execução do plano de investimentos (PI) e pela coordenação e elaboração da proposta orçamentária seguinte. A CRC (Coordenação de Relações com a Comunidade) a que incumbe articular a relação com a comunidade através dos Coordenadores Regionais, organizando as reuniões da 1a e da 2a rodada do orçamento, juntamente com as reuniões do COP, permanentemente, por indicação do Prefeito. O FASSEPLAS (Fórum das Assessorias de Planejamento), cuja realização de reuniões é esporádica, recebe indicação das Secretarias e discute os procedimentos técnico-administrativos para a elaboração do orçamento e o procedimento das demandas comunitárias em cada Órgão. O FASCOM (Fórum das Assessorias Comunitárias) discute e propõe semanalmente políticas de participação popular articulando tanto quanto possível o trabalho das Secretarias. Os CROP’s (Coordenadores Regionais do Orçamento Participativo) indicados pelas CRC’s são permanentemente responsáveis por cada uma das regiões, acompanhando o processo de Orçamento Participativo. Os CT’s (Coordenadores Temáticos) são indicados pelos CRC’s, cabendo a cada um o acompanhamento do processo de discussão nas Plenárias Temáticas.

            As instâncias comunitárias são autônomas em relação à Administração Municipal, dependendo da organização autônoma da região, possuindo funcionamento próprio. Quaisquer integrantes da comunidade podem compor essas instâncias.

            As instâncias institucionais permanentes de participação comunitária, como o COP (Conselho do Orçamento do Plano de Governo), encarregam-se de viabilizar a gestão dos recursos públicos. Essas instâncias são compostas por representantes eleitos nas Assembléias Regionais ou nas Assembléias Temáticas.

            Diante da estrutura apresentada, pode-se dizer que o Orçamento Participativo de Porto Alegre alcança e aplica os argumentos favoráveis à participação, pois se dá a toda a comunidade a oportunidade de participar, faz-se um projeto colaborativo e utiliza-se o poder das idéias para motivar as ações. [111] Há uma intensa diversidade de interesses nas cidades, podendo ser ela submetida também às escolhas dos próprios cidadãos, e não apenas dos políticos e dos planejadores. Pode-se visualizar o processo orçamentário como um complexo de interesses e valores conflitantes, a serem sustentados por estratégias unificadoras. A anunciação de novas idéias aumenta a qualidade das propostas e aumenta as possibilidades de articulação, com o que se permite elaborar avaliações por antecipação e comparação dos dados.

Sobre os autores
Éderson Garin Porto

bacharelando em Direito pela PUC/RS

Fabio Caprio Leite de Castro

advogado, mestre em Filosofia pela PUC/RS

Felipe Luciano Perottoni

advogado, especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PORTO, Éderson Garin; CASTRO, Fabio Caprio Leite et al. A Lei de Responsabilidade Fiscal e os meios eletrônicos como forma de promoção da transparência fiscal na gestão pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1080, 16 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8533. Acesso em: 23 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!