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O acesso à justiça na comarca de Leopoldina (MG)

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Agenda 08/07/2006 às 00:00

4. As alternativas extra-estatais e os movimentos sociais em Leopoldina- MG

O malogro da jurisdição estatal e das instâncias a ela atreladas, incapazes de atender à demanda lançada e presas a favoritismos ideológicos, é algo claro em Leopoldina. Da mesma forma como a lamentável reprodução desta mazela resta bastante nítida, positivo se revela a reação pró maximização de movimentos sociais e do acesso à Justiça através de instâncias informais, nem sempre reconhecidas pelos organismos oficiais, mas extremamente eficientes naquilo que se propõe a realizar.

O primeiro grande exemplo a ser delineado é o da Pastoral Carcerária e da Infância e da Juventude e o jornal Recomeço. À primeira vista, um desavisado não esperaria muito de um grupo de mulheres de meia idade, já aposentadas, a maioria já com netos, criadas nos altos rigores da tradicional família mineira. Contudo, em tais figuras concentra-se um resíduo importante da sensibilidade, altruísmo e humanismo na promoção de ações inclusivas aos segregados.

O acesso à Justiça tem no seu germe a necessidade de problematizar e apontar fraturas da questão social. Sempre foi alinhavado neste trabalho que a dimensão das calamidades no acesso é mais dramática do que tão somente vicissitudes jurídicas. A desigualdade social, a miséria, a pobreza, também aparecem em Leopoldina como os pontos mais ríspidos no firmamento de óbices para o pleno acesso.

Esperar do Estado, particularmente em Leopoldina, ações concretas no sentido de atacar este mal é desilusão. A crise do Estado representa um fenômeno que age tal como metástase, danificando os tecidos burocráticos de metrópoles e pequenas cidades.

Assim sendo, a reação de entes da sociedade civil na consecução de fins que não são atingidos pelas organizações estatais simboliza não a solução de todos os males (este trabalho não está eivado de UTOPIAS), mas o apontamento de cômodas saídas.

A Pastoral da Infância e da Juventude e Pastoral Carcerária atuam ativamente em Leopoldina por mais de 20 anos. Tal trabalho agrega um grupo pequeno de mulheres (nem sempre é fácil conglobar grandes grupos em atividades filantrópicas de grande alcance- é muito mais fácil a adoção de paternalismos esporádicos, como, por exemplo, a doação de "bons samaritanos" de cestas básicas no Natal...) em comunidades marginalizadas, com pobreza generalizada, ausência de atuação estatal incisiva, crianças com estágios de sub-nutrição assustadores e criminalidade elevada.

Dentre as posturas nobres da Pastoral destaque para a ação de ressocialização e tentativa de mitigar os absurdos pelos quais os presos da Cadeia Pública de Leopoldina são submetidos. Em espaços nos quais não caberiam mais de 20 pessoas, grupos de 80 a 90 presos se "apertam" de maneira que só a geometria da sobrevivência diante do desespero pode explicar.... Nem é preciso tecer maiores comentários sobre as condições de higiene e salubridade em tais espaços.....

Em atuação conjunta com a APAC, a Pastoral proporciona aos presos aulas de artesanato e de materiais de limpeza pessoal e mantimentos alimentícios e já está em fase final de preparativos a promoção de um curso de alfabetização de presos.

A realidade áspera dos encarcerados levou uma das integrantes da Pastoral, a, com recursos próprios, montar o "Recomeço", um jornal iniciado em 2001, quinzenal, com tiragem aproximada de 150 cópias. O jornal é escrito, em sua maior parte, pelos próprios presos, que fazem emocionantes relatos de suas impressões da vida carcerária, da perspectiva de ressocialização, bem como solicitam ajuda no acompanhamento de suas execuções penais. O jornal é distribuído gratuitamente entre os próprios presos, em igrejas, centros comunitários, escolas e no Fórum.

Há também divulgação do Recomeço em um site da Internet, que conta com mais de 11000 acessos. Muitas pessoas tentam fazer assinatura do jornal, mas sua idealizadora e redatora, em nome da informalidade e da não burocracia, além do temor de ficar sobrecarregada, deliberadamente se opõe à expansão do jornal.

Inicialmente, o jornal foi bem acolhido pelo Judiciário local. A antiga juíza diretora do foro até escrevia para a redação do jornal respondendo, de forma cordata, a reclames de presos.

No entanto, tudo mudou de figura quando o jornal Recomeço publicou bombástico editorial no qual denunciou que, depois da última rebelião, os presos em Leopoldina estavam há 11 meses de "castigo", sem direito a banho de sol e só podendo receber visitas "na grade", sem possibilidade de contato com os visitantes. O editorial atacava ainda a ausência de fornecimento de remédios e atendimento médico aos presos

Após a publicação do editorial, tais rigores foram imediatamente abrandados (para um nível ainda muito distante do tratamento que a Lei de Execuções Penais garante aos presos) e o problema inerente à ausência de medicamentos e médico foi resolvido. Entretanto, o atual juiz Diretor do Foro apresentou um termo circunstanciado de ocorrência (TCO) contra a redatora do jornal, ao argumento da ocorrência de "calúnia" e "difamação".

No que concerne aos menores carentes, a Pastoral da Infância e da Juventude mantém um centro de atendimento no Bairro Bela Vista, uma das zonas mais pobres da cidade. Trata-se do projeto "portas abertas", que abriga crianças de rua, crianças não matriculadas em escola, crianças expulsas de escola, enfim, toda a modalidade de criança que, aos olhos das autoridades legais e de cabeças conservadoras são enquadrados como "menores infratores". [27]

O projeto, criado em 2001, recebe o nome de "portas abertas" em função da ausência de burocracias e da informalidade que conduz a iniciativa. Não há registros exatos do número de crianças atendidas. Qualquer criança, de qualquer faixa de cidade, de qualquer bairro, sem pré-matrícula, pode participar. Também não aferição de pontualidade ou exigências maiores acerca de horários e tarefas. A ideologia do programa é que as crianças não se sintam obrigadas a nada e só apresentem aderência se realmente quiserem isto...

O trabalho conta com uma Coordenadora e dois monitores, pessoas do bairro, todas sem relação trabalhista, exercendo voluntariado. Há também vários "professores", que ministram atividades de dança, artesanato, música e capoeira, todos também voluntários. Além das atividades acima narradas, há programas de reforço escolar e exibição de filmes.

A convivência entre as "crianças problema" é ordeira. Diferente da pecha que recebem nas escolas públicas, na Pastoral as crianças recebem noções precisas de cidadania, amizade, afeto, não violência e convivência pacífica. Em verdade, as crianças são estimuladas a criar espécies de códigos próprios de convivência, de maneira que não exista desarmonia no recinto. Crianças atendidas por atividades deste tipo raramente são enquadradas nos quadros de crianças abandonadas e "menores infratores", criando-se, portanto, uma nova perspectiva para a temática da criança e do adolescente na cidade

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As crianças vão à Pastoral sem camisa, descalças, e podem entrar e sair à hora que bem entenderem (o discurso de "portas abertas" é adotado integralmente). Apesar disto, embora não existem dados bem catalogados, as crianças permanecem no projeto por vários anos e não querem sair.

A iniciativa é tão repleta de êxito que o aumento de crianças procurando a Pastoral tem revelado algumas precariedades do programa. A sede, cedida pela Diocese da Igreja Católica em Leopoldina, é até um espaço amplo, com dois pavimentos, mas nem sempre comporta 70 a 100 crianças, número atingido nos dias em que o lugar está mais lotado. Algumas reformas que o espaço necessitava só foram realizadas com doações de um amigo da idealizadora do projeto, uma pessoa abastada do Rio de Janeiro. Infelizmente, há pouca comoção da sociedade leopoldinense diante das dificuldades de mantença do programa de atendimentos a crianças carentes da Pastoral. O Poder Público não auxilia em nada. Os lanches das crianças são fornecidos pela idealizadora do projeto e através de doações esporádicas de sobras de um dos supermercados da cidade. Até a conta de água e luz da sede, antes quitada pela Diocese, agora sai dos bolsos da idealizadora do projeto.

Merecedor de registro especial no que concerne aos movimentos extra-estatais de promoção do acesso em Leopoldina é a Associação de Proteção e Assistência aos condenados (APAC).

A APAC nasceu no ano de 1972. Estudos e experiências com encarcerados feitas por um grupo de voluntários comandados pelo advogado Mário Ottoboni, em São José dos Campos- MG, institui um método revolucionário e de inegável eficiência no modo de cumprimento de execuções penais. Explicando minuciosamente o sucesso deste método, insta trazer à colação as considerações de Geraldo Francisco Guimarães Júnior:

"Responsáveis pela segurança e demais funções no presídio, os voluntários se orientavam por uma escala de emenda, dividida em três estágios (fechado, semi-aberto e aberto), oportunizando-se ao detento, o qual passou a ser chamado de recuperando, a cada estágio, um acesso maior ao mundo extramuros até alcançar o último, quando se lhe permitia residir em casa e assumir um trabalho externo, obrigando-se apenas a uma apresentação diária à prisão. Tudo isso baseado em alguns pontos básicos, como por exemplo: individualizar o tratamento tal como recomenda a lei; proporcionar assistência material, psicológica, médica, odontológica, jurídica e educacional; utilizar a religião, com liberdade de culto, como principal instrumento para a recuperação pretendida, visando "matar o criminoso e salvar o homem"; oferecer condições para que o preso ajude o próprio preso, aplicar os regimes progressivos nas dependências da mesma unidade, o que facilita a permanência do condenado junto aos familiares ao longo do cumprimento de toda a pena, acompanhado do voluntariado local, assim como sua reintegração na sociedade. O método foi sendo aperfeiçoado e hoje tem alcançado grande repercussão no Brasil e no exterior. Apresentando índices de reincidência inferiores a 5% (no sistema comum a média de reincidência é de 86%), são aproximadamente 100 unidades em todo o território nacional, e várias já foram implantadas em outros países, como as APAC’s de Quito e Guaiaquil no Equador, Córdoba e Concórdia na Argentina, Arequipa no Peru, Texas, Wiora e Kansas nos EUA, e muitas outras estão em fase de implantação como África do Sul, Nova Zelândia, Escócia, etc. Em 1986, a APAC filiou-se à PFI – Prision Fellowslrip International, órgão consultivo da ONU para assuntos penitenciários. Desde então o Método passou a ser divulgado e aplicado com sucesso em todo o mundo. [28]

O método APAC é uma resposta inteligente ao caos que impera no sistema penitenciário brasileiro. A precariedade reinante é uma ofensa perene à dignidade da pessoa humana, um postulado que deveria ser encarado como imperativo categórico no ordenamento jurídico pátrio. Tentando, de forma organizada, elencar alguns dos males que afligem nosso penitenciário, lamentavelmente forma-se o seguinte rol:

- Superlotação de cadeias e presídios;

- Deploráveis condições sanitárias;

- Inadequada alimentação aos presos;

- Falhas na assistência médica;

- Fragilidade de medidas de amparo educacional e profissional;

- Ausência de maior esmero na assistência jurídica aos presos e acompanhamento de seus processos;

- Violência e permanente tensão no ambiente carcerário, gerando terríveis casos de fugas, abusos físicos e sexuais, assassinatos, rebeliões;

- Desmandos e arbitrariedades de carcerários, agentes policiais e diretores de presídios contra os presos e suas famílias.

Diante de tal panorama, impossível imaginar na idéia da prisão exercer qualquer função de recuperação do encarcerado. Com tal realidade, infelizmente é o contrário que se consolida, ou seja, a cadeia se torna uma autêntica "pós-graduação" em criminalidade....

O método APAC foge de tais mazelas fundamentalmente porque se trata de uma iniciativa que só é dinamizada com efetivada participação da comunidade. Ao invés de reclamar do Estado ações que ele não firma como prioridades, a APAC demonstra como a sociedade civil pode fugir de paternalismos e encarar suas mazelas com maturidade, evocando redes de solidarismo que efetivamente sirvam como mecanismo de reinserção dos excluídos no seio social.

Também faz parte da metodologia APAC a conscientização do "recuperando", o qual inclusive é convidado a integrar ativamente o processo de recuperação, assumindo gradativamente responsabilidades pelo funcionamento do sistema. Com o recuperando ajudando seus companheiros, é óbvio que há mais facilidade de aderência e respeito às exigências de tolerância e aglutinação pacífica que permeiam a APAC.

No método APAC, o trabalho é amplamente incentivado como mecânica de resgate da auto-estima do recuperando e alocação de suas energias no emprego de atividades rentáveis distantes de práticas criminais. Assim como o trabalho tem tal fito, o incentivo ao estudo também se revela extremamente profícuo na meta de valorização do recuperando.

O manejo do sincretismo religioso como caminho para minorar flagelos existenciais do recuperando, a assistência jurídica permanente, o amparo à saúde dos condenados e a reestruturação psico-social de estruturas familiares danificadas são outras medidas que explicam o acerto do método APAC.

Não bastasse isto, o método APAC não conta com subvenções estatais (geralmente é mantido por doações de simpatizantes e voluntários) e acaba representando uma gestão mais eficaz de recursos financeiros. Enquanto um preso custa mensalmente ao Estado na faixa de R$ 1.200, 00, no método APAC, sendo tratado com muito mais conforto e comodidade, tal custo não passa de R$ 350, 00 por preso. [29]

Não obstante tal pujança, as vantagens do método APAC ainda não foram compreendidas e Leopoldina, com um sistema carcerário convencional que vivencia todas as agruras acima apontadas, reflete bem isto.

Em Leopoldina, a APAC "engatinha"... Não tem sequer sede e espera há anos a concretização de promessa da Municipalidade de doar de um imóvel para sediar tal entidade. As atividades da APAC não contam com adesão global dos leopoldinenses, sendo certo que as atividades diuturnas são exercidas por reduzido grupo de cidadãos mais altruístas, a maioria deles estudantes da Faculdade de Direito local, professores e figuras vinculadas à Pastoral Carcerária.

Apesar de tamanhas limitações, a APAC tem realizado um trabalho sério e que, aos poucos, vai colhendo resultados. Embora com poucos integrantes, a APAC leopoldinense é bem articulada e tem conseguido efetivar atividades de acompanhamento dos processos penais e ocupação do tempo ocioso dos presos. Além do ensino de artesanato, uma proveitosa campanha de doação de livros na cidade conseguiu formar uma razoável biblioteca para os presos. Também é digno de elogios a iniciativa de realizar reuniões mensais com famílias de presos, embora tal mobilização não tenha alcançado os objetivos colimados. Os primeiros encontros foram prestigiados, mas, gradativamente os familiares deixaram de se engajar em tais reuniões e não foram poucas as reuniões que deixaram de ser realizadas por ausência absoluta de quórum...

Em Minas Gerais, a APAC conta com incentivo do Tribunal de Justiça do Estado, o qual, através do Projeto "Novos Rumos da Execução Penal", promove audiências públicas com desembargadores e autoridades municipais para estimular a propagação do método APAC. Uma destas audiências foi realizada no final de 2005 em Leopoldina. Tratou-se de um evento concorrido, no qual intensos discursos de real consolidação do método APAC na cidade foram expostos. Só o tempo dirá se tal evento não passou de mais uma vã promoção panfletária...

Insta, por fim, também discorrer sobre a Faculdade de Direito da cidade como promissora alternativa para promoção extra-estatal do acesso à Justiça.

Inaugurada no ano de 2001, tal Faculdade sofre com a concorrência predatória de cursos de Direito de cidades próximas a Leopoldina. Para se ter uma ligeira idéia de tal panorama, cabe mencionar que Ubá, Cataguases e Muriaé, cidades com distância inferior a 100 Km, também contam com Faculdades de Direito. Juiz de Fora, cidade pólo na região da Zona da Mata mineira, chega ao absurdo de ter 07 Faculdades que oferecem curso de Direito.

A interiorização do ensino jurídico, realizada de forma caótica e obedecendo a vontades políticas não coincidentes com diretrizes educacionais e com o interesse público, pode gerar um quadro de saturação de tal mercado. A conseqüência nefasta disto é que, ao invés de uma maior competitividade e melhor qualificação dos cursos, ocorra justamente o inverso, ou seja, uma deterioração deplorável do ensino de Direito nas Faculdades interioranas. Estima-se que, com o tempo, algumas Faculdades não consigam atingir as metas de lucro colimadas e acabem fechando ou sendo vendidas para grupos com olhares pouco edificantes para o progresso do ensino jurídico.

Diante de tal quadro, a aposta do curso de Direito de Leopoldina é tentar se diferenciar da média com um curso de Direito de excelência, que miscigene, com eficiência, ensino, extensão e pesquisa. Há Faculdades concorrentes à de Leopoldina que, já no vestibular, fazem propagandas do curso de Direito como sendo carreira que "garante salários até de R$ 12.000, 00", bem como "aprovação célere de seus Bacharéis em concursos públicos". Contra tal concorrência anti-ética, a Faculdade de Direito de Leopoldina busca propagar a idéia de um curso que dê a seus discentes não só bagagem técnica para a carreira advocatícia ou concursos públicos, mas também engrandecimento humanístico e envolvimento na solução de problemas da comunidade.

Não é à toa que o curso de Direito de Leopoldina, em recente visita de comissão do MEC para inspeção e produção de parecer sobre o reconhecimento do curso, alcançou ótima avaliação e índices elevados na apreciação sobre infra-estrutura, projeto pedagógico e corpo docente da Instituição.

A afirmação de um ensino que congrege vertentes variadas da formação jurídica não é uma promessa ilusória. O curso de Direito de Leopoldina possui sólidos grupos de extensão que mapeiam atividades comunitárias e prestam auxílio em searas ligadas ao meio ambiente, Direito da Criança e do Adolescente, Direito do Consumidor, Direito Urbanístico (há integrantes da Faculdade em comissões que auxiliam em estudos para confecção do Plano Diretor da cidade), o sistema carcerário e o acesso à Justiça. Destaque-se também para o projeto "Cinema Comentado", que exibe filmes não abarcados pelo circuito comercial com temáticas que perpassam trivialidades e coadunam temáticas jurídicas com discussões filosóficas, sociológicas e antropológicas. Interessante neste projeto é o fato de que os filmes, comentados por professores da Faculdade e convidados especiais, são abertos à comunidade.

O curso de Direito também possui razoável programa de iniciação científica, com pesquisas sólidas de temas voltados à comunidade e a perspectiva de publicações periódicas que divulguem os resultados destes trabalhos.

Em Leopoldina, o Núcleo de prática jurídica foge do lugar dos Escritórios Escola de Faculdades de Direito que prestam assistência jurídica acrítica e repetidora dos dogmas e batidos jargões forenses. Estão em andamento projetos de assessoria jurídica para movimentos sociais locais, cursos de aprimoramento em questões empresariais e tributárias para os pequenos empresários da cidade, acompanhamento (em parceria com a APAC) dos processos penais e condições carcerárias dos presos de Leopoldina, simpósios e campanhas propagando a ética na advocacia, combatendo, por conseguinte, comportamentos danosos já apontados no presente estudo. Colima-se também uma perene integração da prática jurídica com a extensão e a iniciação científica, de maneira que casos trabalhados na prática sirvam como paradigma para atividades de mapeamento e pesquisa-ação dos mais graves problemas da cidade.

Todos estes cenários são muito animadores, mas o tom crítico-dialético que acompanhou este trabalho também será adotado em relação à Faculdade de Direito da cidade, sob pena de recairmos em um parcialismo nada favorável para os padrões de seriedade que se buscam nesta empreitada.

Nas entrevistas e visitas ao Ministério Público, OAB, Justiça Comum e Juizado Especial, conforme já narrado, houve unaminidade no apontamento de uma carência da Faculdade na interação com tais entidades e no acompanhamento das atividades dos estagiários. Não que tais órgãos também não tenham culpa neste afastamento (reclamam que não são procurados, mas não há notícia de procurarem a Faculdade para realização de atividades em consórcio), mas é inegável que um estranho elitismo acadêmico dos quadros da Faculdade tem ocasionado este desagradável cisma.

Outro temor diz respeito justamente à premente possibilidade de reconhecimento do curso e a ameaça de que, passado tal estágio, haja uma retração de investimentos da mantenedora na Faculdade de Direito de Leopoldina. Leopoldina é uma cidade pobre e pequena e, embora tenha um curso de Direito de inegável reconhecimento na região, tem também dificuldades de atrair alunos de cidades vizinhas que já possuem cursos de Direito com mensalidades inclusive mais baratas. Com efeito, a Faculdade de Direito vive um dilema: dar continuidade aos bons trabalhos acadêmicos em desenvolvimento ou priorizar a mantença de certa margem de lucro em suas planilhas de custos e receitas....

A mitigação nos investimentos pode afastar bons docentes que integram os quadros da Faculdade. Já há uma dificuldade natural de atrair mestres e doutores de centros maiores, receosos de abandonar suas cidades para percorrem grandes distâncias, enfrentando estradas deterioradas para lecionar em Leopoldina. Diminuir investimentos pode representar a perda de importantes peças para a permanência da multiplicidade de atividades fornecidas por este educandário.

Além de dificuldades internas, a Faculdade talvez tenha como maior desafio o embate com vícios culturais e conservadorismos da própria sociedade leopoldinense. A mentalidade provinciana de autoridades públicas e figuras mais abastadas da cidade não podem ser menosprezados como obstáculos consideráveis na consecução das metas da Faculdade.

Sobre o autor
João Fernando Vieira da Silva

advogado, professor de Teoria Geral do Processo, Processo Civil, Direito Civil e Prática Jurídica das Faculdades Doctum - Campus Leopoldina, especialista em Direito Civil pela UNIPAC - Ubá (MG), mestrando em Teoria Geral do Estado e Direito Constitucional pela PUC/RJ, pesquisador de grupo sobre Acesso à Justiça da PUC/RJ e do Viva Rio

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, João Fernando Vieira. O acesso à justiça na comarca de Leopoldina (MG). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1102, 8 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8600. Acesso em: 22 nov. 2024.

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