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O relacionamento abusivo pelo estelionato sentimental

Agenda 16/11/2020 às 22:15

Mas afinal, o que é o estelionato sentimental?

A busca pelo(a) parceiro(a) ideal para viver um relacionamento amoroso pode ser considerado um dos maiores e mais antigos anseios da humanidade.

Como já disse Aristóteles, o homem é um animal social, não vive sozinho.

Infelizmente, em meio a essa busca pelo par perfeito, por vezes desenfreada, encontra-se, pelo caminho, algumas pessoas que não se encontram dispostas a estabelecer um vínculo afetivo real, mas sim, de auferir, de forma pequena e mesquinha, as mais diversas vantagens numa relação aparentemente amorosa.

Sim, há pessoas que se aproveitam da confiança estabelecida dentro de um relacionamento amoroso para aplicar golpes, principalmente de ordem financeira, tal qual o caso ocorrido, no início deste ano, no estado do Mato Grosso, onde um homem fora condenado a indenizar e a ressarcir os prejuízos causados a uma mulher, em decorrência da prática de estelionato sentimental.

Neste caso concreto, o homem teria feito empréstimos e as mais diversas compras em nome da então namorada. Em decorrência destes atos, esta precisou, ao fim do relacionamento, arcar com todas as dívidas, as quais iam muito além das duas próprias condições financeiras, inclusive, tendo havido a negativação de seu nome nas instituições de proteção ao crédito.

Mas afinal, o que é o estelionato sentimental?

Este se dá quando um dos parceiros se utiliza da confiança conquistada com o relacionamento, visando a obter unilateralmente vantagens econômico-financeiras às custas do outro. Tudo através da ilusão criada na vítima, que crê vivenciar um relacionamento perfeito, embalado em atitudes simuladas de atenção e afeto.

Em decorrência de seus elementos constitutivos, o estelionato sentimental deve ser analisado tanto sob a ótica cível, quanto sob a penal, uma vez que tal conduta encontra-se tipificada como crime, na forma do Artigo 171, do Código Penal, como o ato de “obter para si ou para outrem vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”. A pena para esta prática criminosa é de reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.

Faz-se necessário levar em conta que, em muitos casos, as relações afetivas, mesmo que não formalizadas, podem produzir efeitos financeiros e patrimoniais. Assim, urge observar a demonstração de boa-fé, nestes assuntos, como se relações comerciais assim fossem.

Lamentavelmente, engana-se quem acredita que não haveria meios de se praticar o estelionato na esfera emocional e afetiva.

O estelionatário sentimental se aproveita do fato de a vítima estar apaixonada, embalada na crença de que vive uma relação pautada em um sentimento recíproco e verdadeiro. Devidamente iludida, esta passa a ser objeto de pedidos de ajuda financeira, empréstimos com a promessa de recompensa e ressarcimento futuro, sem que nunca haja uma devolução destes valores.

A vítima, na grande maioria das vezes, sente-se envergonhada, evitando-se, assim, denunciar este tipo de crime. De fato, comunicar tal crime às autoridades implica na consequente exposição de sua intimidade, além de admitir que foi enganada por seu companheiro(a) ou namorado(a).

Ainda, há um grande embaraço e dor sofrido pela vítima em detalhar, os mais diversos prejuízos financeiros e patrimoniais sofridos, posto que todos encontram-se envolvidos em uma história sentimental, a qual provou-se ser falsa; simulada.

A vítima, além de envergonhada, se sente culpada. Tal situação se agrava pelo fato de que a grande maioria desconhece a possibilidade de buscar, ante a Justiça, uma indenização, bem como a reparação civil pelos danos financeiros e patrimoniais que lhes foram causados.

Mesmo quando informadas de seus direitos, algumas vítimas preferem arcar com o prejuízo material a ter de enfrentar uma ação judicial, a qual lhe forçaria a reviver toda a dor da ilusão de um relacionamento que pensava ser verdadeiro.

Para que possa pleitear a referida reparação civil, bem como a devida indenização por danos materiais e morais, é necessário comprovar os repasses de valores e bens que houver ocorrido. Igualmente, deve-se proceder na reunião de provas de que fora induzida a erro, iludida em sua boa-fé e confiança, advindas do afeto simulado, de parte do estelionatário. Dessa forma, buscar-se-á comprovar a existência do golpe para, então, alcançar a condenação, deste, ao ressarcimento dos prejuízos havidos e das indenizações cabíveis.

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Faz-se mister destacar que esse tipo de situação é bem mais complexa do que se pode imaginar, sendo necessário uma análise muito profícua, a fim de identificar a real intenção de se aproveitar da confiança e boa-fé da vítima para obter vantagens e causar prejuízo e endividamento de seu companheiro(a) com a clara intenção de nenhum tipo de benefício recíproco.

Em geral, o estelionatário sentimental mantém o relacionamento enquanto lhe é conveniente, ou até conseguir tudo o que desejada ou, até mesmo, quando encontra outra vítima, sobre a qual considere mais vantajoso aplicar novo golpe.

Em vista da própria mecânica aplicada ao estelionato sentimental, os relacionamentos sobre os quais as artimanhas são aplicadas não costumam ter longa duração. De fato, são breves, levando o tempo necessário a auferir a vantagem pretendida.

Ainda que de modo bem tímido, as ações indenizatórias sobre estelionato sentimental têm chegado ao Judiciário, com uma pesada tarefa de demonstrar o abuso do direito de ajuda mútua durante o relacionamento amoroso, onde apenas uma das partes contribuía em prol do outro não obtendo nenhum benefício para si ou para a relação, e, em vista disso, requerendo a reparação civil pelos danos sofridos.

Vale lembrar que o estelionato sentimental vai muito além do dano material. Devemos, ainda, lembrar dos danos morais sofridos pela humilhação de ser enganado pela pessoa em que mais se confiava, frustrando as expectativas depositadas no relacionamento. Por este fato, faz-se plenamente possível o pedido de indenização por danos morais.

Cumpre ressaltar que nem todos os casos nos quais um parceiro solicita qualquer tipo de ajuda financeira esteja incorrendo no crime de estelionato sentimental. Da mesma forma, não necessariamente tal fato pode ser considerado uma forma de exploração econômica, a fim de obter alguma vantagem ilícita.

A identificação das atitudes de um parceiro como estelionato sentimental requer um minucioso exame de todas as atitudes deste. Antes de se ingressar com uma ação indenizatória, faz-se mais do que necessário analisar, de forma técnica e precisa, todos os fatos e evidências, bem como cada detalhe do relacionamento, caso a caso, em seu determinado contexto, para que se possa levar em conta a causalidade passível de condenação.

Embora punível, seja na esfera cível, seja na esfera criminal, o estelionato sentimental demonstra a crueldade e a humilhação a que um ser humano pode ser exposto. A falta de sentimentos pelo outro, e as medidas tomadas para aproveitar-se das emoções de alguém que entrega o seu coração, demonstra a realidade monstruosa a que se pode chegar o ser humano.

Mais do que medidas legais e condenações judiciais, devemos, acima de tudo, recuperar os valores éticos necessários à plena convivência entre as pessoas, e o verdadeiro amor, que é a força que move toda a vida.

Sobre a autora
Claudia Neves

Advogada. Pós-graduada em Direito das Mulheres e em Direito de Família e Sucessões, com atuação na área cível com ênfase na área de família, com seus reflexos patrimoniais e assessoria em contratos civis e comerciais, seja na celebração de negócios seja na defesa de interesses. Coordenadora Adjunta da Comissão da Mulher Advogada e membro da Comissão de Prerrogativas da OAB Santo Amaro (2019-2021). Instagram: @claudianeves.adv

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEVES, Claudia. O relacionamento abusivo pelo estelionato sentimental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6347, 16 nov. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/86546. Acesso em: 22 dez. 2024.

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