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A cognição nas tutelas de urgência no Processo Civil brasileiro

Agenda 01/05/2000 às 00:00

O direito processual não pode caminhar de forma desvinculada com o direito material, o processo foi concebido para o direito material e não o contrário. Não se pode dizer hoje em dia que, a idéia da tutela jurisdicional, se resume apenas a uma sentença, pois o jurisdicionado não deseja apenas uma declaração dizendo que ele tem direito, ele aspira a real efetivação de sua pretensão, ou seja, o bem da vida objeto da lide. Desta forma, a tutela jurisdicional revela-se muito mais ampla, pois está intimamente ligada a noção de acesso a uma ordem jurídica justa e a própria efetividade do processo.

É sabido também que o processo comporta vários procedimentos. O mais comum de todos esses procedimentos é o ordinário. O grande problema que aflige a solução dos litígios é a demora para se resolver o conflito na jurisdição estatal. O tempo é o grande obstáculo para a correta distribuição de justiça. Chegamos a conclusão que a demora no processo de conhecimento e a sua conseqüente ineficiência, pois não se pode abarcar em seu seio medidas executivas, porque a própria a sistemática processual não comporta o processo chamado sincrético. Essa conjuntura favorece a classe dominante, ou seja, o establishment, que por sua vez, concentra o poder econômico. Para esses grupos dominantes, algumas lides são interessantes que se desenrolem ao longo do tempo prejudicando até mesmo o princípio da isonomia processual. É claro que o nobre procedimento ordinário não compactua com tais interesses, pois não foi concebido para tanto. No processo de conhecimento, o juiz julga com base no conhecimento total dos fatos, trata-se de um procedimento de cognição plena e exauriente, com vistas a solução definitiva com base num denominado juízo de certeza.

Entretanto, as chamadas tutelas de urgência, são baseadas em juízos de verossimilhança o que afronta a idéia de Carnelutti: é sabido que o último acusou os processos sumários de serem incompatíveis com os princípios e objetivos da civilização moderna, que exigiria um processo teleologicamente voltado para a descoberta da verdade e, além disso, capaz de oferecer a indispensável segurança que as relações jurídicas necessitam para desenvolver-se.(1) Apesar do grande mestre e jurista Carnelutti combater a idéia das tutelas sumárias, sabemos que a universalização do processo de conhecimento é impossível. Tem-se situações que a única tutela possível para o direito é a cautelar em sentido lato (tutela cautelar ou tutela antecipatória urgente). Devido a ineficiência e morosidade do processo de conhecimento, presenciamos uma proliferação de ações cautelares, que transformou o próprio processo de conhecimento em uma técnica de sumarização, como um remédio da ineficiência e lentidão do procedimento ordinário. (2) O estudo sobre o acesso a ordem jurídica justa, levou ao questionamento do problema da efetividade da tutela dos direitos. Como o Estado proibiu a instituição da autotutela, não pode o poder público culpar o tempo para se desobrigar do importante compromisso de tutelar de forma eficaz os conflitos sociais.

Até poucos anos atrás, a tutela cautelar, era um instrumento excepcional e suficiente, para evitar que a lentidão do processo resultasse à inefetividade da prestação da tutela jurisdicional. Como ficou explicitado, a proliferação das cautelares distorceu o procedimento ordinário. A que se deve tal fenômeno de distorção? Trata-se do fenômeno resultante das novas exigências de uma sociedade urbana de massa, resultante do crescimento desordenado, formação dos grandes centros urbanos e também do desenvolvimento da tecnologia de informática e das telecomunicações. Daí porque o processualista começou a desenvolver novas técnicas procedimentais que permite e efetivação do direito material mediante cognição sumária.

As tutelas de urgência são calcadas nos juízos de verossimilhança, isto é, as decisões ficam limitadas a afirmar o provável, estas decisões por sua vez, são baseadas na técnica da cognição sumária. Para que isto ocorra é necessário que sejam preenchidos alguns requisitos, que serão enumerados a seguir: a) fumus boni iuris, que consiste na verificação efetiva de que, a parte realmente dispõe da viabilidade da realização de um direito ameaçado por um dano iminente. b) Periculum in mora, é o risco, o perigo, deterioração da coisa, em função da demora da tutela jurisdicional. c) Tem-se ainda a possibilidade de concessão de tutelas, em razão das peculiaridades de um determinado direito, são as chamadas liminares nos chamados procedimentos especiais, por exemplo: liminares no mandado de segurança, ações possessórias dentre outras. No caso específico do mandado de segurança, temos duas técnicas que não podem ser confundidas sob pena de invalidar todo o procedimento: a primeira técnica é a sumarização da cognição do juiz no plano vertical que dá origem às verdadeiras sentenças satisfativas sumárias e a segunda é a cognição exauriente secundum eventum probationis. Se todos os documentos estão presentes, proporcionando desta forma, a análise e a conseqüente demonstração do direito líquido e certo, a sentença do mandamus, é proferida com base em cognição exauriente.

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O que vem a ser cognição? E em que graus ela é aplicada em nosso processo civil? Cognição nada mais é que a aquisição de um conhecimento. O magistrado no decorrer do processo toma conhecimento de todo o conjunto probatório existente nos autos. A cognição pode ter grau de intensidade vertical ou de amplitude horizontal, obedecendo a peculiaridade de direito material a ser tutelada. A cognição no plano vertical, liga-se a produção de provas necessárias ao conhecimento do caso concreto, são por sua vez, classificadas em cognição exauriente, sumária e superficial

A cognição exauriente é típica dos procedimentos que objetivam o desfecho definitivo do conflito trazido ao juiz, pois permite a produção de todas as provas necessárias para a solução do litígio.

A cognição sumária é aquela característica dos juízos de probabilidade, como por exemplo, na antecipação da tutela do artigo 273 do Código de Processo Civil, em conformidade com as palavras que a lei menciona: prova inequívoca e convencer-se da verossimilhança. A probabilidade é a situação em que ocorre a preponderância dos motivos convergentes sobre os motivos divergentes sobre a aceitação de determinada proposição. Como acentuou Malatesta, quando nos deparamos com as afirmativas pesando mais sobre a pessoa, o fato é provável; pesando mais as negativas tal fato será improvável. (3) A probabilidade então é menos que a certeza, porque os motivos divergentes na probabilidade ficam somente suplantados e não afastados. A probabilidade é mais que a verossimilhança, porque na mente do julgador esta tem um grau de equivalência, obtido através de um estado de espírito, entre os motivos divergentes e os chamados convergentes.

Por fim, temos a cognição superficial. Deve-se salientar que nos denominados procedimentos materialmente sumários a decisão liminar terá uma cognição mais superficial que na sentença sumária. Na decisão liminar ocorre a preponderância da verossimilhança, porque o fato poderá ser demonstrado através das provas permitidas pela instrução sumária, como ocorre por exemplo, nas decisões liminares inaudita altera pars, proferidas nos procedimentos cautelares.

É preciso estabelecer a distinção entre a tutela antecipatória e a tutela cautelar. Na tutela antecipatória, o juiz profere uma decisão que concede ao autor o exercício do próprio direito afirmado pelo autor. Tais medidas possuem evidente caráter satisfativo, pois incidem sobre o próprio direito discutido na lide, e não constituem meios processuais para garantir o futuro provimento jurisdicional, como aliás, ocorre nas medidas cautelares. Como ficou explicitado, o juiz julga a antecipação de tutela com base no juízo de probabilidade. Embora o artigo 273 mencione verossimilhança, na verdade, tal locução significa que o julgador ficará imbuído com sentimento de que a realidade fática pode ser como descreve o autor. A decisão que concede a antecipação de tutela é discricionária? Tal questão vem atormentando os juristas pois discricionaridade é um conceito próprio do direito administrativo e não compactua com os ditames do processo judicial que é motivado por natureza, pois a própria Constituição Federal prevê que as decisões judiciais serão motivadas. Na verdade, a decisão que concede a antecipação não é discricionária, é motivada. O que ocorre é que o juiz estabelecerá critérios para a outorga da antecipação da tutela e esta por sua vez, poderá será parcial ou total. Obviamente, essa concessão da tutela obedecerá aos requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil e sua concessão será realizada com uma discricionariedade motivada, na medida que a própria lei, expressamente confere ao juiz a possibilidade de revogar ou modificar a medida a qualquer tempo (antes da sentença final), daí porque a antecipação é provisória. A provisoriedade decorre da própria cognição sumária que é aplicada neste caso.

A característica básica informadora da tutela cautelar é a sua instrumentalidade, que significa que a medida cautelar não possui um fim em si mesma, mas sua existência serve para garantir que a futura prestação jurisdicional seja profícua, na medida em que tutela-se o próprio processo. A sua acessoriedade decorre da existência ou da probabilidade de um processo principal. A provisoriedade também é característica das cautelares, porque o provimento cautelar destina-se a preservar determinada situação durante um espaço de tempo limitado, tal espaço de tempo é delimitado entre a decretação da cautelar e a superveniência do processo principal. Entretanto, nem toda medida provisória, é cautelar. As exceções estão contidas no livro que trata sobre os procedimentos especiais de jurisdição contenciosa do Código de Processo Civil e também em Leis Extravagantes, como por exemplo os interditos possessórios e o mandado de segurança. As liminares desses procedimentos possuem a natureza de entrega provisória e antecipada do pedido, é decisão de natureza satisfativa, embora precária.

Outra característica das cautelares é a revogabilidade, pois são um provimento de emergência, possuindo a possibilidade de revogação, modificação ou substituição. É de se destacar que decorre a mutabilidade e a revogabilidade da medida cautelar de acordo com seus próprios objetivos. Se desaparece o contexto fático que levou a concessão da cautelar, cessa a razão de se acautelar o direito. A existência da cautelar está ligada a referibilidade a um direito. Esse direito deve ser então referido e protegido cautelarmente. Caso não exista um direito a ser acautelado, ter-se-á então uma satisfatividade, característica da antecipação de tutela no processo de conhecimento.

Finalmente, cabe lembrar, que o sustentáculo constitucional dessas tutelas encontra-se no artigo 5.º , XXXV da Constituição Federal: "a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito". Sabemos que existe implícito neste artigo o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, na medida em que o Estado é obrigado a garantir ao jurisdicionado a adequada tutela jurisdicional a cada caso concreto. É certo que a adequada prestação jurisdicional deve se somar a efetividade processual com o escopo de realizar a cognição da lide em um menor espaço de tempo possível, proporcionando desta forma, o máximo de garantia social com o mínimo de sacrifício individual. Essas regras são importantes balizas que o Estado Democrático de Direito deve garantir ao cidadão procurando assegurar o máximo de estabilidade social nas relações jurídicas.


NOTAS

Ovídio Batista da Silva, Comentários ao Código de Processo Civil, 2.º Edição, Porto Alegre, Lejur, 1986, v. 11, pp. 16/17.
  • Sergio la China, Quale futuro per i provvedimenti d’ urgenza? In: I processi speciali (studi offerti a Virgilio Andrioli dai suoi allievi), Napoli, Jovene, 1979, p.151.
  • Nicolò Framarino Dei Malatesta, La Logica delle prove in materia criminale, pp. 42 ss. e 52 ss.

  • BIBLIOGRAFIA

    Araújo e Cintra, Antonio Carlos e Outros – Teoria Geral do Processo, Editora Malheiros, 10.º Edição.

              Dinamarco, Cândido Rangel – A reforma do Código de Processo Civil, Editora Malheiros 2.º Edição, 1995.

              Marinoni, Luiz Guilherme – A antecipação de tutela, Editora Malheiros, 5.º Edição, 1999

              Marinoni, Luiz Guilherme – Efetividade do processo e tutela de urgência, Sérgio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre 1994.

              Theodoro Júnior, Humberto – Processo Cautelar, Editora Universitária de Direito, 17.º Edição, 1998.

              Wambier, Teresa C. Arruda Alvim – Aspectos polêmicos da antecipação de tutela, Coordenação; Editora RT.

    Sobre o autor
    Rafael Augusto Paes de Almeida

    advogado em São Paulo, pós-graduando em Direito Processual Civil pela PUC/SP

    Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

    ALMEIDA, Rafael Augusto Paes. A cognição nas tutelas de urgência no Processo Civil brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 41, 1 mai. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/868. Acesso em: 23 dez. 2024.

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