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Arbitragem como foro de solução de controvérsias internacionais

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Agenda 23/07/2006 às 00:00

IV-Homologação de sentença arbitral estrangeira

O procedimento de homologação de sentença arbitral estrangeira deverá observar o quanto disposto pelos artigos 483 e 484 do Código de Processo Civil e pelos artigos 34 e seguintes da Lei de Arbitragem. O interessado requererá a homologação através de petição inicial formulada nos termos do artigo 282 do Código de Processo Civil. Segundo o artigo 37 da Lei de Arbitragem, a inicial deverá ser instruída com os seguintes documentos: (i) o original da sentença arbitral ou uma cópia devidamente certificada, acompanhada de tradução oficial; e (ii) o original da convenção de arbitragem ou cópia devidamente certificada acompanhada de tradução oficial, sendo que outros documentos úteis para a homologação, a critério da parte, podem ser anexados.

Formulado o pedido de homologação e estando defeituosa a petição inicial, por falta de documentos ou por outras irregularidades sanáveis, será dada a oportunidade ao requerente de emendar a petição inicial. Decorrido o prazo sem a necessária correção, o processo será extinto sem julgamento do mérito.

Autuada a inicial, a parte adversa será citada para apresentar contestação, em quinze dias, na qual deverá alegar a falta de atendimento a algum dos requisitos do artigo 37 da Lei de arbitragem ou a ocorrência de algum dos eventos previstos no artigo 38 do mesmo Diploma Legal. Em relação à contestação, o requerente poderá se manifestar, em cinco dias. Após, manifesta-se o Procurador-Geral da República. Por fim, deverá ser prolatada decisão pelo E. Superior Tribunal de Justiça

O artigo 38 da Lei de Arbitragem descreve as hipóteses nas quais poderá ser negada a homologação; quando o réu demonstrar que: (i) as partes na convenção de arbitragem eram incapazes; (ii) a convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as partes a submeteram, ou, na falta de indicação, em virtude da lei do país onde a sentença arbitral foi proferida; (iii) não foi notificado da designação do árbitro ou do procedimento de arbitragem, ou tenha sido violado o princípio do contraditório, impossibilitando a ampla defesa; (iv) a sentença arbitral foi proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, e não foi possível separar a parte excedente daquela submetida à arbitragem; (v) a instituição da arbitragem não está de acordo com o compromisso arbitral ou cláusula compromissória; (vi) a sentença arbitral não se tenha, ainda, tornado obrigatória para as partes, tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por órgão judicial do país onde a sentença arbitral for prolatada.

Também será negada a homologação caso se constate que, segundo a Lei brasileira, o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por arbitragem, se a decisão ofender a ordem pública nacional, nos termos do artigo 39 da Lei n.º 9307/96, ou quando houver ofensa à soberania nacional e aos bons costumes.

O parágrafo único do artigo 39 teve o cuidado de ressalvar a possibilidade de citação de parte residente ou domiciliada no Brasil, nos moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país de realização da arbitragem, admitindo-se a citação postal com prova inequívoca de recebimento, desde que se assegure à parte tempo hábil para o exercício do direito de defesa. Não fosse a ressalva, certamente muitas seriam as alegações de nulidade de citação. Tal como posta na Lei, a citação internacional na arbitragem pode ser realizada sem maiores formalidades, desde que se comprove o efetivo recebimento e prazo razoável ou hábil para a defesa.

Conforme o artigo 40 da Lei n.º 9307/96, o indeferimento da homologação por vícios formais não obsta a renovação do pedido, uma vez sanados os defeitos apontados. Ressalte-se que o processo homologatório não poderá adentrar o mérito, discutir a justiça ou injustiça, o acerto ou desacerto da decisão.

A respeito da homologação de sentença arbitral estrangeira, não se pode deixar de falar da polêmica iniciada com a ratificação, pelo Brasil, em 25 de outubro de 2002, da Convenção da ONU sobre o Reconhecimento e Execução das Sentenças Arbitrais Estrangeiras, comumente conhecida como Convenção de Nova Iorque de 1958, que passou a ter força de Lei no Brasil. Mencione-se que o principal objetivo da referida Convenção foi garantir validade e executoriedade, em âmbito internacional, das sentenças arbitrais estrangeiras. Pela sua ratificação, o Brasil deu importante passo para que as sentenças arbitrais domésticas sejam reconhecidas em outros países em que a Convenção esteja em vigor.

A polêmica, entretanto, surge da interpretação do artigo 3º da referida Convenção, o qual determina que a execução de sentenças arbitrais estrangeiras não pode ser submetida a condições substancialmente mais onerosas do que aquelas aplicáveis à execução de sentenças arbitrais domésticas. Há quem entenda, com fundamento nesse dispositivo, que, com a ratificação da Convenção, a homologação das sentenças arbitrais estrangeiras não será mais necessária, uma vez que não se exige a homologação das sentenças arbitrais domésticas.

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Tal entendimento, entretanto, parece não ser o mais adequado. Isso porque a própria Convenção reconhece a possibilidade de o Estado signatário se reservar o direito de proceder a um juízo de "reconhecimento" do laudo arbitral estrangeiro, ao estatuir, logo no seu artigo I (1), que a Convenção "aplicar-se-á ao reconhecimento e à execução de sentenças arbitrais estrangeiras proferidas no território de um Estado que não o Estado em que se tencione o reconhecimento e a execução de tais sentenças, oriundas de divergências entre pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas. A Convenção aplicar-se-á igualmente a sentenças arbitrais não consideradas como sentenças domésticas no Estado onde se tencione o seu reconhecimento e a sua execução".

Observe-se que a locução "o reconhecimento e a execução" é empregada em todos os artigos da Convenção, inclusive naqueles em que há referência aos requisitos e documentos necessários ao reconhecimento e execução do laudo arbitral, não havendo nenhum dispositivo que pudesse levar à conclusão de que estaria vedado ao Estado estabelecer um procedimento específico para o reconhecimento do laudo arbitral estrangeiro.

Nesse sentido, cumpre observar que os requisitos estabelecidos pela Convenção para que seja reconhecida a eficácia e exequibilidade da sentença arbitral estrangeira – apresentação de cópia autenticada do laudo e da convenção de arbitragem, tradução juramentada, capacidade das partes, não informação da parte acerca da instauração da arbitragem, a incompetência do Tribunal Arbitral e a não contrariedade à ordem pública do país – são, de maneira geral, os mesmos cuja verificação é objeto do processo de homologação de sentença estrangeira no Brasil.

Note-se, ainda, que o próprio texto do artigo 3º da Convenção permite que se vislumbre a admissibilidade de o Estado impor algumas condições procedimentais ao reconhecimento e à execução do laudo arbitral estrangeiro, na medida em veda apenas as "condições sensivelmente mais onerosas" ou que impliquem "custas sensivelmente mais elevadas". Tais proibições, portanto, não são absolutas.

Ressalte-se, outrossim, que o processo de homologação de sentença estrangeira tem apenas o fito de verificar o atendimento a determinados requisitos formais. Não há, com efeito, qualquer incursão ou reavaliação do mérito do julgado, não havendo, dessa feita, que se vislumbrar nele qualquer tipo de "condição sensivelmente onerosa". O processo de homologação, frise-se, não atribui, em princípio, nenhum grande encargo àquele que pretende executar o laudo arbitral. Ademais, a se prosperar o raciocínio de que a homologação teria se tornado dispensável no caso dos laudos arbitrais estrangeiros, estar-se-ia consagrando uma injustificável distinção entre a eficácia dos laudos arbitrais, que independeriam de homologação, e a das sentenças estrangeiras, as quais não poderiam prescindir da homologação.

Dessa forma, tudo indica que o processo de reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras permanece regulado pelo Código de Processo Civil e pela Lei Arbitragem, não tendo ocorrido, dessa feita, a eliminação do processo de homologação interno no Brasil. Não há, ante o exposto, que se cogitar de existência de desigualdade entre as sentenças arbitrais estrangeiras e nacionais, mesmo porque o artigo 484 do Código de Processo Civil estabelece a igualdade entre elas quando dispõe que "a execução far-se-á por carta de sentença extraída dos atos da homologação e obedecerá às regras estabelecidas para a execução da sentença nacional da mesma natureza".


V-Cláusula compromissória e compromisso arbitral

Como antes exposto, o juízo arbitral é estabelecido pela convenção arbitral, na qual as partes decidem solucionar, através da arbitragem, todos ou alguns dos litígios surgidos ou ainda por surgir entre elas. São espécies de convenção arbitral a cláusula compromissória e o compromisso arbitral. A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes, em um contrato, comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios eventualmente derivados do contrato. Pela cláusula compromissória, as partes convencionam submeter ao julgamento do árbitro conflitos futuros, que podem nascer das relações jurídicas estabelecidas por contrato. Trata-se de pré-contrato, a todo sentir - não se configurando o litígio, a cláusula não surte efeitos.

Pode ser a cláusula celebrada no próprio contrato ou separadamente, sendo que sua eventual nulidade não contamina as demais cláusulas do contrato, por ser desse independente, cabendo ao árbitro decidir sobre a existência, validade e eficácia tanto da convenção de arbitragem quanto do contrato. É passível a cláusula, outrossim, de execução específica, devendo uma parte, na resistência da outra em celebrar o compromisso, ajuizar um pedido de instituição de compromisso arbitral. A sentença que julgar procedente o pedido valerá como compromisso arbitral, o qual disporá sobre nomeação dos árbitros, caso necessário.

Nos contratos de adesão, como já mencionado, a cláusula compromissória apenas terá validade se a sua redação for de iniciativa do aderente ou se esse concordar, expressamente, com sua instituição, em documento anexo ou com visto ou assinatura especial para essa cláusula, que deverá estar destacada no contrato.

Esclareça-se, finalmente, que a cláusula compromissória leva à celebração do compromisso arbitral, mas, se aquela contiver todos os requisitos obrigatórios que se exige desse, não será necessária a sua celebração, já que o compromisso arbitral apenas repetiria o que já está previsto na cláusula compromissória.

O compromisso arbitral, por sua vez, é a segunda maneira de manifestar a convenção arbitral. A primeira, a cláusula arbitral, é aquela pela qual as partes submetem ao julgamento do árbitro conflitos futuros. No caso do compromisso, diferentemente, as partes submetem ao julgamento do árbitro um conflito atual.

O compromisso arbitral é o ato, formal e por escrito, que efetivamente dá início ao processo de arbitragem. Deverá conter, obrigatoriamente: nome, profissão, estado civil e domicílio das partes; nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou se for o caso, a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros; a matéria que será objeto da arbitragem; e o lugar em que será proferida a sentença arbitral, para com isso determinar se ela é ou não estrangeira.

Poderá, o compromisso, ainda, conter, facultativamente, dentre outros elementos: o local, ou locais, onde se desenvolverá a arbitragem; a autorização para que o árbitro, ou os árbitros, julguem por eqüidade, se assim for convencionado pelas partes; o prazo para apresentação da sentença arbitral; a indicação da lei nacional ou das regras corporativas aplicáveis à arbitragem, quando assim convencionarem as partes; a declaração da responsabilidade pelo pagamento dos honorários e das despesas com a arbitragem; e a fixação dos honorários do árbitro, ou dos árbitros. O importante é que o compromisso arbitral não contenha lacunas que possam ensejar questionamentos, que eventualmente poderiam ser levados à apreciação do Judiciário.

O compromisso arbitral poderá ser de duas espécies:

(i) Judicial, referindo-se à demanda já proposta em juízo, celebrando-se, então, por termo nos autos, assinado pelas próprias partes ou por mandatário com poderes especiais. Feito o compromisso, cessarão as funções do juiz togado, pois os árbitros decidirão o mérito; e

(ii) Extrajudicial, se ainda não existir demanda ajuizada. Não havendo causa ajuizada, celebra-se o compromisso arbitral por escritura pública ou particular, assinada pelas partes e por duas testemunhas.

O compromisso arbitral se extingue nas seguintes hipóteses: (i) escusando-se qualquer dos árbitros, antes de aceitar a nomeação, desde que as partes tenham declarado, expressamente, não aceitarem substituto; (ii) falecendo ou ficando impossibilitado de dar seu voto, algum dos árbitros, desde que as partes declarem, expressamente, não aceitarem substituto; e (iii) tendo expirado o prazo para apresentação da sentença arbitral, desde que a parte interessada tenha notificado o árbitro, ou o presidente do tribunal arbitral, concedendo-lhe o prazo de dez dias para a prolação e apresentação de sentença arbitral. Em linhas gerais, essas são as características e diferenças do compromisso arbitral e da cláusula compromissória, essa última, como já dito, uma das grandes inovações da Lei de Arbitragem na regulamentação da matéria.


VI- Escolha da Lei aplicável

O artigo 2º da Lei n.º 9307/96 dispõe de forma clara a respeito da liberdade das partes de estabelecerem o modo pelo qual a controvérsia deverá ser solucionada pela arbitragem:

"Art. 2º. A arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a critério das partes.

§1º. Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.

§2º. Poderão também as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio".

A liberdade das partes, pelo referido dispositivo legal, é tanto para estabelecer o procedimento a ser adotado, quanto para eleger o direito material a ser aplicado na arbitragem. Permite-se, pelo artigo 2º da nova Lei de arbitragem, que (i) o árbitro julgue a controvérsia por eqüidade ou (ii) baseado em determinado ordenamento jurídico escolhido pelas partes ou (iii), ainda, alicerçado nos princípios gerais de direito, usos e costumes e regras internacionais de comércio.

Na lição do professor Carlos Alberto Carmona, "o legislador prestigiou, no que se refere à arbitragem, o princípio da autonomia da vontade, que – na visão dos internacionalistas – caracterizaria a possibilidade de exercerem as partes, livremente, a escolha da legislação à qual queiram submeter-se, limitada tal escolha, de um lado, pela noção de ordem pública e, de outro, pelas leis imperativas" [01].

Com efeito, a escolha da lei material deve ser feita sempre em observância aos princípios da ordem pública e dos bons costumes. São princípios voláteis e imprecisos, é bem verdade, estando o segundo, inclusive, absorvido pelo primeiro. Ao estabelecer o dever de observância de tais princípios, entrementes, o que pretendeu o legislador é que a escolha da Lei material fosse feita em atenção aos princípios de conduta moral impostos pela sociedade.

Esclareça-se que o conceito de ordem pública é, antes de tudo, um reflexo dos valores de determinada época e de certas culturas jurídicas. Consoante ensinado por Jacob Dolinger, "o princípio de ordem pública é de natureza filosófica, moral, relativa, alterável e, portanto, indefinível. (...) É um reflexo da filosofia sócio-político-jurídica de toda legislação, que representa a moral básica de uma nação e que atende às necessidades econômicas de cada Estado" [02].

Pode-se dizer, portanto, que a ordem pública vigente no direito brasileiro representará os valores que a moral presente em nossa sociedade e a nossa cultura jurídica julgarem basilares e fundamentais. Portanto, por essa linha de raciocínio, tudo que for chocante a esse conjunto moral básico, vigente em dado momento temporal, será considerado contrário à ordem pública. Essas noções elementares relativas à noção de ordem pública permitem concluir que ela se define também temporalmente, ou seja, é variável em função do tempo e da evolução que a mentalidade da sociedade experimenta ao longo dos anos. Logo, "a ordem pública se afere pela mentalidade e pela sensibilidade médias de determinada sociedade em determinada época" [03]. Assim, atentas a isso, é que as partes deverão eleger a Lei material a ser aplicada no juízo arbitral.

É de se mencionar que, de certa forma, o dispositivo legal em questão afronta a Lei de Introdução ao Código Civil, em seu artigo 9º, o qual estabelece que a Lei do lugar da constituição das obrigações deverá reger as relações oriundas dessas.

A todo sentir, parece adequada tal inovação, uma vez que muitos são os contratos celebrados entre brasileiros no exterior para execução no Brasil, situação essa que, nos termos da Lei de Introdução, acarretaria a aplicação de Lei estrangeira para reger o contrato. Da mesma forma é interessante ao estrangeiro, que poderá evitar a aplicação da Lei brasileira. A via arbitral, nessa esteira de idéias, revela-se interessante não apenas para se evitar a lentidão inerente aos judiciários nacionais, mas, ainda, para que as partes, em especial no âmbito do comércio internacional, possam escolher a lei material que será aplicada na eventualidade do surgimento de uma controvérsia entre elas.

Sobre o autor
Mario Luiz Elia Junior

advogado em São Paulo (SP), especialista em Direito de Empresa pela USP, especializando em Direito Processual Civil pela Escola Paulista da Magistratura

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ELIA JUNIOR, Mario Luiz. Arbitragem como foro de solução de controvérsias internacionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1117, 23 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8680. Acesso em: 22 nov. 2024.

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