Resumo: Trata-se de artigo acerca do crime de Importunação Sexual, introduzido pela Lei 13.718/2018. Anteriormente conhecido como Importunação Ofensiva ao Pudor, foi modificado e instituído no capítulo de crimes sexuais em 2018, após se tornarem frequentes situações em que homens ejaculavam em mulheres dentro dos transportes públicos no país. Diante de tal situação e da indignação apresentada por brasileiros em vista da falta de um tipo penal que punisse a precitada conduta, o Estado se viu na necessidade da criação de uma espécie que pudesse prevenir a ação mais branda ao estupro propriamente dito. Desde a sua vigência, não só a sua eficácia é questionada como também a sua aplicação em relação aos demais crimes sexuais, existe até quem a julgue como uma forma de favorecer o estuprador. Desta feita, o presente trabalho tem como objetivo analisar a Importunação sexual; as modificações realizadas pela lei que a introduziu; estabelecer comparação com as demais condutas estabelecidas nos capítulos do Título VI, Código Penal, afim de demonstrar não só suas diferenças, mas também sua aplicabilidade face ao Princípio da Proporcionalidade; esclarecer melhor sobre sua aplicação e eficácia na sociedade após a sua introdução.
Palavras-chave: importunação sexual; estupro; código penal; crimes sexuais; lei 13.718/2018.
INTRODUÇÃO
Anteriormente conhecido como crimes contra os costumes, o Título VI, do Código Penal, atualmente prevê os crimes contra a dignidade sexual. Com o intuito de proteger, além da dignidade, mas também a liberdade sexual da vítima, a Lei nº. 12.015/2009 nos trouxe a introdução do estupro de vulnerável, dentre outras modificações severas para os delitos praticados contra a liberdade sexual dos indivíduos, como por exemplo, a transformação dos crimes próprios (aquele determina os sujeitos do crime) em comuns (os sujeitos são indeterminados, podendo ser qualquer pessoa), ou seja, o homem que, anteriormente, apenas figurava como sujeito passivo nos crimes sexuais, atualmente também é visto como vítima, sendo os sujeitos passivo e ativo não mais definidos por gênero.
Ademais, todo ato que mediante violência ou grave ameaça, violasse a liberdade sexual da vítima, seria enquadrado no disposto pelo artigo 213, do Código Penal, o crime de estupro. Entretanto, ao final do ano de 2019, o Código Penal voltou a sofrer nova alteração, dessa vez com a importante inclusão do crime de importunação sexual, um delito necessário para prever condutas que não se enquadravam nos outros tipos previstos no capítulo dos crimes contra a liberdade sexual.
À data de 29 de agosto de 2017, ocorreu no Estado de São Paulo o episódio que gerou indignação a sociedade brasileira, assim como deu surgimento ao debate sobre a importância de um novo tipo penal no ordenamento jurídico brasileiro, quando um homem ejaculou em uma mulher dentro de um transporte público.
O sujeito de 27 anos, preso em flagrante, foi levado à delegacia e autuado pelo crime de estupro, contudo, no dia seguinte, 30 de agosto de 2017, o rapaz foi solto, em audiência de custódia (Processo Físico nº. 0076565-59.2017.8.26.0050 – SP), mediante pagamento de multa, já que a conduta por ele realizada não configurava estupro, pois não foi constado o constrangimento mediante emprego de violência ou grave ameaça, exigidos pelo supracitado artigo do Código Penal. A conduta por ele exercida se enquadrava na contravenção penal importunação ofensiva ao pudor, prevista no Decreto-Lei 3.668/41.
Após a liberação do indivíduo, surgiram, por meio das redes sociais, depoimentos de outras mulheres que sofreram da mesma conduta em transportes e locais públicos, não somente no Estado de São Paulo, mas sim em várias regiões do país. O caso fático gerou grande repercussão e choque na população - principalmente depois de vazadas informações sobre antecedentes do réu que já havia passagens por cinco situações semelhantes - que exigiu por uma tomada de atitude para que situações como esta não voltassem a se repetir.
A pedido de muitos, em 24 de setembro de 2018, Dias Toffolli, Presidente do STF, sancionou a Lei nº. 13.718/2018 que, entre outras alterações feitas ao título voltado aos crimes contra a dignidade sexual, introduziu o artigo 215-A, ao Código Penal, com previsão de reclusão de 1 a 5 anos para aqueles praticarem “contra alguém e sem a sua anuência, ato libidinoso, com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”, transformando a importunação ofensiva ao pudor (contravenção penal) em importunação sexual (crime comum).
Em 2018, as palavras da Juíza Rejane Suxberger, do Juizado Especial de Violência Doméstica de São Sebastião, após a tipificação da conduta, foram “É necessário que crimes como esses sejam tipificados, que sejam trazidos a lume da sociedade, seja divulgado esse tipo de sanção, mostrando que, felizmente, não é mais permitido esse tipo de postura machista e essa conduta violenta contra a mulher." (Portal da Câmara dos Deputados, 2018).
Um ano após a introdução do novo tipo ao Código Penal, de acordo com dados repassados a Folha de São Paulo pela Secretária de Segurança Pública de São Paulo, é possível encontrar um número alto de casos como o que levou a tipificação da conduta, chegando ao número de 3.090 casos, 110 a menos se comparado aos boletins de ocorrência pelo crime de estupro, registrados até o mês de setembro/2019.
Desta feita, o presente artigo apresenta como objetivo principal a necessária discussão sobre as mudanças trazidas pela Lei 13.718/2018, em todos seus aspectos, principalmente no que tange à Importunação Sexual, assim como a comparação com os demais crimes previstos no Título VI, do Código Penal, ainda sob um olhar do Princípio da Proporcionalidade, visto que, além de ser um tipo penal novo, é uma conduta comum em transportes e locais públicos de todo país, o que não deve, jamais, prevalecer.
A metodologia utilizada foi o Jurídico-Descritivo, haja vista que o tema a ser estudado tem como objetivo a análise descritiva de dispositivo previsto no Código Penal, quanto a suas características gerais. No entanto, tal pesquisa pode se enquadrar também no método Jurídico-Interpretativo/Compreensivo, pois para realizar tal estudo necessita-se compreender o tema, dividindo-o em aspectos e níveis. Foi empregado a pesquisa bibliográfica e descritiva, haja vista ter como base de estudo fontes documentais e pesquisas feitas em internet.
Ademais, faz-se necessidade de uma análise jurisprudencial. É notório o desconhecimento da população quanto ao assunto em foco, visto que se ouve falar em uma forma de “beneficiar o estuprador”. Por isso, será abordado como o tipo penal se aplica, ou não, aos casos daqueles acusados, ou já sentenciados, pelos crimes de estupro e estupro de vulnerável.
No mais, o referencial teórico se dará por meio de pesquisas sobre casos fáticos, jurisprudências e artigos, citando como exemplo os artigos realizados por Bitencourt (2018), Silva (2019) e Ribeiro & Silva (2019).
1. Lei nº 13.718/18 – Um breve histórico sobre o crime de Importunação Sexual
Para que se faça um melhor estudo da lei, que o introduziu como crime a Importunação Sexual, é necessária uma breve análise sobre a evolução do Código Penal vigente, sobretudo no que se refere aos crimes sexuais.
O direito penal brasileiro se iniciou em 1830, com o Código Criminal do Império, sancionado no Período Imperial, seguido pelo Código Penal de 1890 e o Decreto-lei nº. 2.848/40, o Código Penal vigente.
Editado e sancionado pelo, à época, presidente Getúlio Vargas, à data de 07 de setembro de 1940, o Brasil passava por um período caracterizado pela centralização do poder; nacionalismo; anticomunismo e autoritarismo. Os crimes sexuais eram conhecidos como crime contra os costumes e encontravam-se dispostos no Título VI, do artigo 213 ao 217.
Disposto no artigo 213, do Decreto-Lei nº. 2.848/40, o crime de estupro somente poderia ser cometido contra mulheres, ou seja, os homens não poderiam figurar no polo passivo, sendo considerados sempre os agentes do crime. Contudo, não bastava que a vítima fosse somente do sexo feminino, seu comportamento também era analisado, o código contava com o termo “mulheres honestas”. Logo, se por algum motivo, durante o julgamento de comportamento da vítima fosse entendido como facilitador para a conduta a ela praticada, o crime era considerado inexistente. Tem-se como exemplo as prostitutas.
Os demais crimes sexuais eram conhecidos como atentado violento ao pudor, não existindo uma distinção entre eles como é feita atualmente.
Em 2009, o Código Penal, sofreu diversas alterações. A Lei 12.015/09 trouxe a alteração de crimes contra os costumes para crimes contra dignidade sexual; a unificação do crime de estupro e atentado violento ao pudor, anteriormente previstos nos artigos 213 e 214, passaram a vigorar no artigo 213, excluindo o concurso de crimes. Logo, o agente que, anteriormente, cometia duas condutas distintas passou a cometer apenas uma.
Com a unificação, o delito de estupro, crime comum, que contava com pena de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, passou a prever pena de 6 (seis) a 10 (dez) anos, com agravantes de 8 (oito) a 12 (doze) anos se resultar de lesão corporal de natureza grave, ou se a vítima for maior de 14 anos e menor de 18; e se resultar em morte, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
Outra alteração importante se deu no polo passivo. O que antes previa o termo “mulher”, se alterou para o termo “constranger alguém”. Devido a essa imensa alteração, homens também poderiam figurar o polo passivo e a mulher o polo ativo. Além disso, não havendo mais o julgamento de comportamento para definir se as mulheres eram ou não honestas, a prostituta foi reconhecida como vítima, mesmo estando em serviço. Desta forma, passou a ter sua dignidade sexual protegida, podendo se recusar a ter relações sexuais com determinados clientes e estabelecer limites aos atos praticados.
No mais, com a Lei 12.015/2009 foi introduzido o crime de estupro de vulnerável previsto no artigo 217-A. Anteriormente a alteração, não se falava em crime sexual contra menores de 14 anos, havia apenas uma presunção de violência prevista no artigo 224. Devido a inclusão desse novo delito, o mesmo se aplica quanto cometido contra os deficientes mentais e os que, por alguma enfermidade, não tem capacidade de discernimento para a prática do ato sexual, e que não esteja em condições de oferecer resistência.
À data de 24 de setembro de 2018, foi sancionada a Lei 13.718/18 pelo presidente do STF, Dias Toffoli, trazendo outras alterações ao Código Penal, assim como a inserção de novos delitos.
No crime previsto pelo artigo 217-A - estupro de vulnerável, a Lei acrescentou ao dispositivo legal um 5º parágrafo, para dispor da aplicação da pena prevista no caput e parágrafos anteriores, independentemente do consentimento da vítima, ou do fato de já ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime.
Houve a inserção do artigo 218-C para tratar de divulgações de cenas de sexo ou pornografias, assim como cenas de estupro ou estupro de vulnerável. Previsto como “oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia”, sua pena é de reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos se não constituir crime mais grave.
No parágrafo primeiro do precitado artigo, encontra-se o aumento de pena de um a dois terços para aquele que mantenha ou já tenha mantido relação intima com a vítima, ou caso a motivação do crime seja vingança ou humilhação. Já no parágrafo segundo, encontra-se a exclusão de ilicitude para o agente que o faça em razão de “publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos”.
Outra modificação realizada em 2018 ocorreu no capítulo de disposições gerais do Código Penal, na espécie de ação penal dos crimes contra a liberdade sexual e crimes sexuais contra vulnerável. Em regra, a ação penal para os crimes sexuais era pública condicionada, ou seja, interposta pela vítima ou representante legal. Com a reforma, foi alterada para pública incondicionada, tendo o Ministério Público como titular da ação.
Ainda nas disposições gerais, houve a edição de incisos e inclusão de um novo inciso ao artigo 226, Código Penal, que trata do aumento de pena. O inciso dois teve sua redação alterada para aumentar a pena a metade caso o agente seja “ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade”. Foi incluído o inciso quatro para aumentar de um a dois terços se, no estupro coletivo, o crime for cometido com concurso de agentes, estabelecendo o mínimo de 2 (dois) agentes; e para controlar comportamento da vítima, social ou sexual.
Nos casos de aumento de pena previstos no artigo 234-A, Código Penal, houve alteração na redação dos incisos três e quatro, prevendo ao aumento da metade a dois terços nos casos em que do crime resultar gravidez; e de um a dois terços no caso de a vítima ser idoso ou pessoa com deficiência, ou se o agente transmitir a vítima doença sexualmente transmissível que sabia ou deveria saber ser portador.
Por fim, houve a introdução do delito alvo do presente trabalho. Disposto no artigo 215-A, do Código Penal, o crime de importunação sexual, anteriormente conhecido como a contravenção penal importunação ofensiva ao pudor, prevê “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. Passou a ser visto como crime comum, com pena de 1(um) a 5 (cinco) anos de reclusão, se o ato não constituir crime mais grave.
Tal delito foi introduzido após um incidente ocorrido dentro de um ônibus em 2017, onde um homem ejaculou em uma mulher. Contudo, por não se configurar como estupro, foi considerada a contravenção importunação ofensiva ao pudor, e o sujeito foi solto mediante pagamento de multa após realização de audiência de custódia. Com vários relatos parecidos ao da vítima, houve a necessidade de tipificar a conduta, com base na proporcionalidade.
Essas foram as alterações realizadas ao longo dos anos no Código Penal de 1940, ainda vigente, visando a adequação a sociedade e aos casos hoje vistos. Não há de se negar que as atualizações se fizeram necessárias visto que o direito deve acompanhar a evolução e não o contrário, assim como a necessidade de uma breve análise para entender as mudanças realizadas nos crimes sexuais, já chamados de crime contra os costumes.
2. IMPORTUNAÇÃO X CRIMES SEXUAIS
2.1. Comparação Histórico-Jurídica.
Tratando-se de artigo baseado na inserção de novo delito ao ordenamento jurídico, se faz necessário uma análise comparativa aos delitos já previstos no capítulo dos crimes contra a dignidade sexual.
Desta feita, façamos inicialmente uma breve análise da importunação sexual, que será usada como base comparativa para os demais delitos. Assim dispõe o Código Penal sobre a importunação sexual:
Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro.
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave. (g.n.)
A importunação sexual tem como objeto jurídico a proteção a dignidade sexual da vítima. Vale ressaltar que, tanto para o sujeito ativo quanto para o passivo – agressor e vítima – não se faz distinção de gênero, sendo assim, tanto homens quanto mulheres poderão ocupar os dois polos.
O texto do artigo 215-A, se originou do termo “constranger alguém”. Atualmente, tem como elemento subjetivo o ato de praticar, contra e sem o consentimento da vítima, ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem, ou seja, dolo específico. Além disso, sua consumação se dá na simples prática da conduta, desde que sem o consentimento da vítima, não sendo preciso chegar à satisfação do agente.
Ademais, diante da recente repercussão quanto ao caso da influencer Mariana Ferrer, faz-se necessário dizer que os crimes contra a dignidade sexual não admitem a modalidade culposa, somente dolosa.
Diferente dos outros crimes sexuais, na importunação sexual não se faz necessária a conjunção carnal para a consumação, nem mesmo o toque entre a vítima e o agente. Assim, cabe ressaltar o disposto no artigo “praticar contra alguém”, reafirmando que o ato praticado pelo agente não será em contato com a vítima, mas sim direcionado a ela.
Adiante veremos a comparação com os demais crimes sexuais, assim como suas características, abordando as condutas em que se encaixam o delito. Contudo, faz-se necessário dizer que, as condutas descritas pelos caputs, parágrafos e incisos dos artigos são meramente exemplificativas. Sendo assim, não demonstram com precisão as ações que levaram a configuração dos delitos, a identificação fica a critério das autoridades ao tomarem conhecimento do caso concreto.
2.1.1. Importunação x Estupro
O delito de estupro, dispostos nos artigos 213, do Código Penal, prevê a conduta:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
Em comparação a importunação sexual, o estupro também é um crime comum, não fazendo distinção de gênero quanto ao agressor e a vítima. Contudo, possui diversas diferenças quando ao delito anteriormente delineado.
Tem como objeto jurídico a liberdade sexual da vítima, ou seja, o direito a escolha de com quem se relacionar sexualmente. Ademais, o elemento subjetivo se encontra nas ações de constranger, coagir, obrigar ou forçar, enquanto o dolo específico está na conjunção carnal ou prática de outro ato libidinoso.
A conjunção carnal dita pelo caput do artigo se configura pela introdução do pênis na vagina, enquanto a prática de outros atos libidinosos se refere aos demais atos diversos da conjunção carnal com o objetivo de satisfazer a lascívia do agente ou de outrem. Embora não seja essencial para se configurar o crime, é uma possível diferenciação a importunação sexual que não apresenta em seu texto o mesmo termo.
Há de se ressaltar que para a configuração do estupro é necessário o contato físico entre o agente e a vítima. Já a importunação sexual foi implementada após um ato de masturbação publica, quando o indivíduo ejaculou em uma mulher dentro de um transporte público. Assim, fica claro que para a configuração da importunação, não se faz o necessário o toque entre o agressor e a vítima, apenas a prática de ato libidinoso contra ela e sem sua anuência, a fim de satisfazer lascívia própria ou de terceiros.
Além do mais, o estupro conta com a presença de três qualificadoras:
a. Lesão corporal de natureza grave: pena de reclusão de 8 (oito) a 12 (doze) anos;
b. Vítima menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (quatorze) anos: pena de reclusão de 8 (oito) a 12 (doze) anos;
c. Resulta em morte: pena de reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
Desta feita, é imperioso demonstrar julgado do STJ datado de outubro de 2016 no REsp 1611910 MT 2013/0249235-6, sobre um caso de “beijo roubado” condenando o agressor pela prática do delito descrito pelo artigo 213, Código Penal.
No caso em questão, uma adolescente de 15 anos trafegava pela avenida quando foi surpreendida pelo autor que a jogou no chão, forçando um beijo. A vítima alega que o indivíduo iniciou com uma falsa conversa a fim de distraí-la, e após jogá-la ao chão, tirou o casaco de lã que trajava, deixando claras suas intenções de “ficar” com a mesma. O agressor só conteve seus atos ao notar que pessoas se aproximavam do local e fugir.
Diante do narrado, o agressor foi condenado pelo crime de estupro em primeira instancia, contudo, em sede de apelação foi liberado por juiz que entendeu se tratar de mera importunação ofensiva ao pudor. Neste ponto, é valido ressaltar que o incidente ocorreu durante o ano de 2016, e o crime de importunação sexual, do qual trata este artigo, só veio a ser inserido ao Código Penal ao final de 2018.
Após recurso especial interposto pelo MP-MT, o Ministro Relator Rogério Schietti Cruz, decidiu por manter a decisão do juízo de primeira instância e condenar o agressor pelo crime de estupro consumado. Nas palavras do Ministro, “a propósito, deve-se ter em mente que estupro é um ato de violência (e não de sexo). Busca-se, sim, a satisfação da lascívia por meio de conjunção carnal ou atos diversos, como na espécie, mas com intuito de subjugar, humilhar, submeter a vítima à força do agente, consciente de sua superioridade física.”. (g.n.)
Note que, no artigo 215-A, ao estabelecer a sanção, o legislador acrescenta “se o ato não constitui crime mais grave” em referência aos crimes de estupro e estupro de vulnerável.
Logo, já se nota a grande diferença do crime de importunação sexual para o crime de estupro, o emprego de violência ou grave ameaça, deixando claro que quando o agressor, ao praticar ato libidinoso para satisfazer lascívia própria ou de outrem, use de meios violentos ou ameaças, se enquadra no crime de estupro, não sendo necessária a conjunção carnal propriamente dita para a sua consumação.
2.1.2. Importunação x Estupro de Vulnerável
O Estupro de Vulnerável encontra-se expresso no artigo no Código Penal da seguinte forma:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1 o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. (g.n.)
Como no delito apresentado no artigo 213, do Código Penal, o estupro de vulnerável possui duas qualificadoras:
a. Lesão corporal de natureza grave: pena de reclusão de 10 (dez) a 20 (vinte) anos;
b. Resulta em morte: pena de reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
Observe que, em relação ao crime de estupro, não se faz necessária a qualificadora quanto a menoridade da vítima, em razão de já existir o requisito da idade para configuração do delito.
Comparando-se a importunação sexual, aqui também não se faz distinção quanto ao gênero dos envolvidos, porém, é apresentado como critério a idade da vítima ou sua falta de discernimento, seja ela por enfermidade, deficiência ou demais meios que a impeçam de resistir a prática. Também apresenta o termo “conjunção carnal” em seu caput, ainda que não seja o ponto chave para a configuração do delito.
Ademais, nota-se que o caput não faz referência a violência e grave ameaça, visto que tais requisitos não são necessários para a consumação do crime. Para tal, basta que o ato libidinoso ou a conjunção carnal seja em virtude da vulnerabilidade da vítima, sendo essa em razão da idade ou condições ao momento da prática.
Ainda que o termo “conjunção carnal” se encontre presente na legislação vigente, não se torna requisito essencial para a configuração do delito. Sendo assim, não é necessário que o indivíduo tenha relações sexuais com a criança ou a maior em estado incapaz de discernimento, basta que se aproveite de sua vulnerabilidade para a prática dos atos libidinosos.
Em sede Recurso Repetitivo (REsp 1480881/PI, 2015), o Ministro Rogério Schietti defende que, nos casos de estupro de vulnerável a menores de 14 anos, há a devida presunção de violência por se tratar de incapaz. Quanto ao consentimento, dispõe a Sumula 593, do STJ que, se tratando de menor de 14 anos, não há o que se falar sobre experiências anteriores da vítima ou o fato de consentir.
Muito se fala no estupro de vulnerável em razão da idade e é esquecido que também é aplicável para deficientes e demais que não possam consentir ao momento do ato. Ainda que a vítima possua idade superior à prevista no caput, será considerada como vulnerável se ao momento da prática não se encontrar em condições de consentir com o ato, sem que pese experiencia sexual anterior ou relacionamento mantido com o agressor.
Se o emprego de violência e grave ameaça é o que diferencia o estupro e a importunação sexual, resta claro que o fator que irá diferenciar o estupro de vulnerável, não só do delito que trata esse trabalho como de todos os demais crimes sexuais, será a idade e a capacidade de discernimento ou consentimento da vítima.
2.1.3. Importunação x Assédio Sexual
O Código Penal caracteriza a conduta de assédio sexual como:
Art. 216-A Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.
Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.
Perceba que o assédio sexual, assim como a importunação sexual, não apresenta como requisito o contato físico entre o sujeito passivo e ativo. O elemento subjetivo se identifica pelo ato de constranger. Neste caso, o assédio sexual se configura pelo ato de incomodar ou insistir – na forma verbal, escrita ou pelo uso de gestos - com propostas de cunho sexual, utilizando-se de sua condição de superioridade.
Assim como nos demais delitos, tem como objeto jurídico a liberdade sexual e não faz distinção de gênero quanto a ocupação dos polos ativo e passivo, contudo, o legislador deixa clara a condição de superioridade do agente para com a vítima.
A consumação do assédio ocorre no momento da investida, por qualquer meio apontado acima, sem que se torne necessária a prática de conjunção carnal ou qualquer ou ato libidinoso.
O assédio sexual, diferentemente dos delitos de estupro e estupro de vulnerável, não possui nenhuma qualificadora. Contudo, se o sujeito constrangido possuir idade inferior a 18 (dezoito) anos, aplica-se o aumento de pena de um terço, como dispõe o parágrafo segundo do artigo supracitado.
Desta feita, pode se dizer que, o que difere a prática do assédio sexual da importunação sexual é, no primeiro o sujeito utiliza de sua posição social para constranger a vítima com o intuito de obter favorecimento sexual, não há a prática do ato libidinoso propriamente dito.
2.2. Princípio da Proporcionalidade: aplica-se qual delito?
O princípio da proporcionalidade não tem previsão legal expressa na Constituição Federal de 1988, mas é admitido como princípio implícito, tamanha sua importância, uma vez que equilibra os direitos individuais com as ambições da coletividade. Trata-se de uma ferramenta de controle de atos do Poder Público, vedando eventuais excessos que possam causar prejuízos à sociedade, sendo consectário lógico do Estado Democrático de Direito. (SILVA, 2016).
Extrai-se do conceito acima que o Princípio da Proporcionalidade nada mais é do que o equilíbrio entre o dano causado pelo agente e a sua punição. No âmbito do Direito Penal, o princípio age para que, resguardando os direitos individuais do réu, este seja condenado a proporção de sua participação no crime.
Desta feita, faremos uma análise da aplicabilidade do princípio quanto aos crimes sexuais, visto que eles têm em comum o objetivo de resguardar a dignidade sexual da vítima. Contudo, não há o que se falar quanto ao estupro de vulnerável que envolva menor de 14 anos, uma vez que este se configura em razão da idade do sujeito passivo, não importando se a prática do agente foi um passar de mãos ou a conjunção carnal propriamente dita, assim entende o Superior Tribunal de Justiça:
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O ART. 215-A DO CÓDIGO PENAL. INVIABILIDADE. RECONHECIMENTO DA FORMA TENTADA. PRÁTICA DE ATO LIBIDINOSO DIVERSO DA CONJUNÇÃO CARNAL. CONDUTA TÍPICA. CRIME CONSUMADO. WRIT NÃO CONHECIDO. (...) 3. Não é viável a aplicação do art. 215-A do Código Penal na hipótese de estupro de vulnerável, porque a conduta do agente possui elemento especializante, referente ao fato de ser a vítima incapaz, bem como de ser presumida a violência, sendo tais hipóteses regidas pelo art. 217-A do Código Penal, no qual é despiciendo o consentimento da vítima e presumida a violência. (...) 6. É firme o entendimento jurisprudencial desta Corte Superior no sentido da "impossibilidade de desclassificação da figura do estupro de vulnerável para o art. 215-A do Código Penal, uma vez que o referido tipo penal é praticado sem violência ou grave ameaça, e o tipo penal imputado ao agravante (art. 217-A do Código Penal) inclui a presunção absoluta de violência ou grave ameaça, por se tratar de menor de 14 anos" (AgRg na RvCr 4969/DF, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 1º/7/2019). 7. Writ não conhecido.
(HC 568.088/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 10/06/2020) (g.n.)
Quanto aos demais crimes sexuais, muitos veem a importunação sexual como a forma mais branda do estupro. A verdade é que o delito previsto no artigo 215-A, do Código Penal, foi criado em razão da necessidade de se punir condutas mais leves as abrangentes pelo artigo 213, de mesmo código, e isso se deve ao princípio da proporcionalidade.
Visto que tal princípio tem o intuito de proteger o réu de uma punição extravagante a conduta praticada, voltemos a situação que deu início a repercussão de um novo tipo penal.
Em 2017 no estado de São Paulo, um homem ejaculou em uma mulher dentro de um transporte público. Efetuada a prisão em flagrante, o indivíduo foi liberado devido ao ato não configurar nenhum crime contra a dignidade sexual da vítima, mas sim na contravenção penal, punível com multa, importunação ofensiva ao pudor.
Como já demonstrado anteriormente, o crime de estupro consiste no ato de obrigar alguém, mediante violência ou grave ameaça, a conjunção carnal ou a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal. Fazendo uso do Princípio em questão, a prática do agressor não constituiu na ação de obrigar a vítima a prática do ato, mas no realizar ato libidinoso na presença dela. Logo, a não configuração na conduta de estupro foi proporcional quanto a sua ação.
Em razão do conceito dado ao delito e ao uso do princípio abordado, muito se perguntou sobre o famoso “beijo roubado”, prática muito comum em festas públicas como o carnaval, por exemplo.
O Código Penal Brasileiro divide os atos libidinosos em duas modalidades: 1. conjunção carnal; 2. demais atos libidinosos.
Ato libidinoso é ato lascivo, voluptuoso, erótico, concupiscente, que pode ser, inclusive, a conhecida conjunção carnal (cópula vagínica) ou qualquer outro ato libidinoso diverso dela, por exemplo, a ejaculação, praticada na presença da vítima e até mesmo nela, “mas não com ela”, e sem a sua anuência. (BITENCOURT, 2018)
Sendo assim, resta claro que ato libidinoso, diverso da conjunção carnal, para a configuração do crime de estupro é o ato lascivo, sendo necessário o contato físico entre a vítima e o agente.
Com a introdução da importunação sexual aos crimes contra a dignidade sexual, situações como a de São Paulo e o “beijo roubado” serão punidas de forma a obedecer ao princípio constitucional em análise, sendo o segundo reconhecido como um ato libidinoso diverso na conjunção carnal passível de condenação por importunação sexual quando não derivar de violência ou grave ameaça, ou seja, quando não constituir crime mais grave, como demanda o caput.
Conclui-se que, condutas em que o sujeito ativo faça uso da violência ou grave ameaça, com a finalidade manter relações sexuais ou a prática de qualquer outro ato libidinoso diverso da conjunção carnal, serão enquadradas no crime de estupro. Enquanto as demais práticas de atos libidinosos, contra alguém ou em sua presença, sem a devida anuência e utilização de meios mais graves, darão configuração a importunação sexual.