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Da uniformização de jurisprudência no direito brasileiro

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Agenda 30/07/2006 às 00:00

5 DAS SÚMULAS NO DIREITO BRASILEIRO.

5.1 BREVE HISTÓRICO.

A palavra "súmula" é originária de summula, do latim, que significa "sumário" ou "resumo". Juridicamente, as súmulas podem referir-se (i) ao teor abreviado de determinado julgamento, ou (ii) ao enunciado jurisprudencial que reflete entendimento pacificado de determinado tribunal.

A primeira acepção é utilizada pelo Código de Processo Civil em seu artigo 506, in litteris:

Art.506. O prazo para a interposição do recurso, aplicável em todos os casos o disposto no art. 184 e seus parágrafos, contar-se-á da data:

(...)

III-da publicação da súmula do acórdão no órgão oficial. (g.n.)

Para o presente estudo, importa mais a segunda acepção, que Costa e Aquaroli (p. 269) assim definem: "[súmula:] Na jurisprudência, indica a condensação de série de acórdãos do mesmo tribunal, revelando sua orientação para casos análogos".

De acordo com Almeida, a expressão "súmula" foi cunhada pelo Ministro Victor Nunes Leal, no ano de 1963, "para definir em pequenos enunciados o que o Supremo Tribunal Federal vinha decidindo de modo reiterado acerca de temas que se repetiam nos julgamentos".

Com efeito, Streck (op. cit., p. 109) recorda que a Comissão de Jurisprudência do Superior Tribunal Federal, em janeiro de 1964, publicou pela primeira vez as chamadas "súmulas", cujos verbetes haviam sido aprovados na sessão plenária de 13 de dezembro do ano anterior.

Naquela ocasião, o E. Tribunal assim declarou:

O STF tem por predominante e firme a jurisprudência aqui resumida, embora nem sempre tenha sido unânime a decisão nos precedentes relacionados na Súmula. Não está, porém, excluída a possibilidade de alteração do entendimento da maioria, nem pretenderia o tribunal, com a reforma do Regimento, abdicar da prerrogativa de modificar sua própria jurisprudência.

Como se vê, a preocupação do Poder Judiciário em se criar mecanismos que formalizassem sua construção jurisprudencial é bastante remota, tendo constado inclusive do Projeto de Constituição apresentado pelo "Instituto dos Advogados Brasileiros", no ano de 1946 (STRECK, op. cit., p. 110, apud HAROLDO VALADÃO). Naquele texto já constava, a propósito do Recurso Extraordinário:

Quando ocorrer diversidade de interpretação definitiva de lei federal entre dois tribunais, ou entre um deles e o STF, neste caso o recurso poderá também ser interposto pelo Ministério Público e, uma vez fixada pelo STF a interpretação da lei, pela forma e nos termos determinados no regimento interno, dele será tomado assento que os tribunais e juízes deverão observar.

Entretanto, a proposta não foi acolhida pela Constituição Federal de 1946. Ainda segundo Streck (ibid., p. 110), apenas quando da elaboração do Anteprojeto de Lei Geral de Aplicação das Normas Jurídicas, de 1964, é que se dispôs acerca da uniformização jurisprudencial pelo STF, nos seguintes termos:

O STF, no exercício das atribuições que lhe confere o artigo 101, III, d, da Constituição Federal, uma vez fixada a interpretação da lei federal pelo Tribunal Pleno, em três acórdãos, por maioria absoluta, torna-la-á pública, na forma e nos termos determinados no Regimento, em resolução que os tribunais e os juízes deverão observar enquanto não modificada segundo o mesmo processo, ou por disposição constitucional ou legal superveniente.

Como se verifica, naquela oportunidade o Superior Tribunal Federal não atribuiu o que convencionamos chamar de "efeito vinculante" às suas súmulas, como pretendeu o "Instituto dos Advogados Brasileiros" já no ano de 1946. Sobre este tema teremos oportunidade de nos aprofundar a seguir.

Posteriormente, a Lei Federal de nº. 5.010, de 30 de maio de 1966 autorizou a criação de súmulas pelo então Tribunal Federal de Recursos (atual Superior Tribunal de Justiça), e o Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho, publicado em 18 de dezembro de 1979, instituiu as súmulas naquela Corte (STRECK, ibid., p. 111).

Finalmente, a redação do novo Código de Processo Civil, Lei de nº. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, estendeu a possibilidade de editar súmulas a todos os tribunais da União e dos Estados, como conseqüência do processo de uniformização da jurisprudência. Por essa razão, atualmente, a súmula é a expressão máxima da jurisprudência dos tribunais pátrios.

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5.2 DO FUDAMENTO E DA FUNÇÃO UNIFORMIZADORA.

No nosso ordenamento jurídico contemporâneo, as súmulas não são elaboradas mediante um processo autônomo, mas resultam de um procedimento singular de uniformização de jurisprudência. Vejamos o artigo 479 do Código de Processo Civil:

Art. 479. O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência.

As súmulas, portanto, representam a formalização pelos tribunais de seus entendimentos jurisprudenciais; objetivamente, porém, as súmulas são revestidas de maior presunção de consonância do tribunal quanto à matéria tratada, haja vista a exigência de que a uniformização decorra do voto da maioria absoluta dos membros do colegiado em questão, conforme o artigo 479 do CPC.

Portanto, para utilizarmos a definição de Streck (ibid., p. 116), "súmulas são o resultado da jurisprudência predominante de um tribunal superior brasileiro, autorizado pelo Código de Processo Civil".

Cumpre destacar, porém, que o Superior Tribunal de Justiça também emite súmulas como resultado de decisões firmadas por unanimidade pela Corte Especial ou por uma Seção, em um caso, ou por maioria absoluta em pelo menos dois julgamentos concordantes, tendo em vista a sua função de unificação da interpretação do Direito federal, conforme determina o artigo 122, § 1º do seu Regimento Interno:

Art. 122.

A jurisprudência firmada pelo Tribunal será compendiada na Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

§ 1º.

Será objeto da Súmula o julgamento tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram a Corte Especial ou cada uma das Seções, em incidente de uniformização de jurisprudência. Também poderão ser inscritos na Súmula os enunciados correspondentes às decisões firmadas por unanimidade dos membros componentes da Corte Especial ou da Seção, em um caso, ou por maioria absoluta em pelo menos dois julgamentos concordantes.

Ainda de acordo com Streck (ibid., p. 114), o objetivo do legislador para prever a emissão de súmulas, ainda que não lhes tenha atribuído efeito cogente, seria (i) proporcionar maior estabilidade à jurisprudência e (ii) simplificar o julgamento das questões mais freqüentes perante o Judiciário.

Entretanto, existem fortes críticas quanto à sedimentação da jurisprudência em súmula, na medida em que estas passem a limitar a atividade jurisdicional. Nesse sentido as palavras de Accioly Filho (PAULA apud STRECK, p 113) [06]:

As Súmulas não se compadecem com o nosso sistema escrito de Direito Positivo. (...) as leis escritas já carecem de flexibilidade bastante, de modo que procurar ainda mais endurecer a sua interpretação, mediante proposições que dificilmente poderiam ser afastadas, significa abrir mão do pouco que nos deixa o sistema para a modelação do Direito positivo às circunstâncias de cada caso concreto.

No mesmo sentido, a contumaz crítica de Carlos Maximiliano (apud STRECK, op. cit., prefácio da primeira edição):

Em virtude da lei do menor esforço e também para assegurar os advogados o êxito e os juízes inferiores a manutenção das suas sentenças, do que muitos se vangloriam, preferem, causídicos e magistrados, às exposições sistemáticas de doutrina jurídica os repositórios de jurisprudência.

À margem dessa polêmica, porém, podemos afirmar que as súmulas exercem uma forte influência sobre os operadores do Direito, quase como o próprio poder normativo; para descrever essa característica da atividade Jurisdicional, de indiretamente exercer ascendência aos futuros julgadores, Faria (1988 apud STRECK, ibid., p. 227) [07] cunha o termo "controlabilidade difusa".

5.3 DO EFEITO VINCULANTE.

Efeito vinculante é a obrigatoriedade conferida a determinado enunciado jurisprudencial. A súmula que possui efeito vinculante, portanto, afasta-se de mera orientação, passando a obrigar os órgãos do judiciário a adotarem o conteúdo deste pronunciamento.

Como anteriormente mencionado, o fundamento legal para emissão de súmulas no nosso ordenamento jurídico encontra-se no artigo 479 do Código de Processo Civil, do qual não se depreende a possibilidade de atribuição de efeito vinculante. O Anteprojeto do nosso Diploma Dispositivo, porém, assim dispunha:

Art. 518. A decisão, tomada pelo voto da maioria absoluta dos membros efetivos que integram o tribunal, será obrigatória, enquanto não modificada por outro acórdão proferido nos termos do artigo precedente.

Art. 519. O presidente do tribunal, em obediência ao que ficou decidido, baixará um assento. Quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicado, o assento terá força de lei em todo o território nacional.

Como se depreende da leitura dos artigos em tela, de autoria de Alfredo Buzaid, o Anteprojeto do Código de Processo Civil brasileiro previa a consagração dos "assentos" do Direito português, legitimando o efeito vinculante, da mesma forma que Haroldo Valadão havia sugerido durante o processo constituinte de 1946 (STRECK, op. cit., 112).

Ocorre, porém, que após ampla discussão, a corrente que entendia pela inconstitucionalidade das súmulas com caráter obrigatório foi vencedora. Assim, a Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que instituiu nosso Código adjetivo sucumbiu, no primeiro momento, à supremacia absoluta da lei, já inserida no texto constitucional (art. 5º, II).

5.3.1 DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº. 45/04.

Com a Emenda Constitucional de nº. 45, de 30 de dezembro de 2004, que promoveu a chamada "Reforma do Judiciário", foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro a figura da súmula vinculante oriundas do Supremo Tribunal Federal, cuja interpretação passa a ser obrigatória aos órgãos do Poder Judiciário e da administração pública.

A Emenda em questão, dentre outras modificações na estrutura do Poder Judiciário, inseriu o artigo 103-A em nossa Carta Magna:

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ 1º. A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2º. Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º. Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou se a aplicação da súmula, conforme o caso.

Com a Emenda, portanto, as súmulas passaram a ser classificadas em (i) vinculante e (ii) não vinculante. Gomes (2002), atribuiu à súmula vinculantes as características essenciais de imperatividade e coercibilidade. Para Dinamarco (op. cit., p.103-104), "o caráter vinculante de uma súmula (...) significará que o preceito nela contido impor-se-á a juízes de todos os níveis, que a observarão e farão observar, sob pena de reclamação ao Supremo Tribunal Federal".

Por oportuno, cumpre-nos destacar citação deste importante doutrinador, que alheio às fortes críticas que as súmulas vinculantes já receberam, teceu o seguinte comentário (ibid., p. 39):

Não vejo qualquer ameaça à liberdade dos cidadãos nem à independência dos juízes, porque o acatamento a elas [às súmulas vinculantes] será acatamento a preceitos normativos legitimamente postos na ordem jurídica nacional, tanto quanto as leis.

5.3.2 DA LEI Nº. 9.756/98.

A lei de nº. 9.756, de 17 de dezembro de 1998, alterou substancialmente o Código de Processo Civil, aumentando os poderes dos membros dos Tribunais Superiores em aplicar seus entendimentos jurisprudenciais. Nas palavras do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (1998), a Lei resultou na "introdução de mecanismos do Common Law (injunction e contempt of Court), para tornar mais efetiva e eficaz a prestação jurisdicional".

Vejamos novos textos inseridos pela lei, a título exemplificativo:

Art. 120. (...)

Parágrafo único. Havendo jurisprudência dominante do tribunal sobre a questão suscitada, o relator poderá decidir de plano o conflito de competência, cabendo agravo, no prazo de cinco dias, contado da intimação da decisão às partes, para o órgão recursal competente. (g.n.)

Art. 544 (...)

§ 3º. Poderá o relator, se o acórdão recorrido estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, conhecer do agravo para dar provimento ao próprio recurso especial; poderá ainda, se o instrumento contiver os elementos necessários ao julgamento do mérito, determinar sua conversão, observando-se, daí em diante, o procedimento relativo ao recurso especial. (g.n.)

Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.

§ 1º-A. Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso. (g.n.)

Vejamos também a importante alteração na Consolidação das Leis do Trabalho:

Art. 896. (...)

§3º. Os Tribunais Regionais do Trabalho procederão, obrigatoriamente, à uniformização de sua jurisprudência, nos termos do Livro I, Título IX, Capítulo I do CPC, não servindo a súmula respectiva para ensejar a admissibilidade do Recurso de Revista quando contrariar Súmula da Jurisprudência Uniforme do Tribunal Superior do Trabalho.

Vigliar (2003, p. 207) ressalta que a nova tendência dos legisladores de valorizarem os precedentes jurisprudenciais, muito embora tenha sofrido críticas, reforça a necessidade de uniformizar a jurisprudência, proporcionando, como conseqüência, "a confiabilidade que se espera dos pronunciamentos dos tribunais acerca de teses jurídicas já agitadas anteriormente, em situações semelhantes".

Sobre o autor
Luís Felipe de Freitas Kietzmann

pós-graduando em Gestão Empresarial pela Business School São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KIETZMANN, Luís Felipe Freitas. Da uniformização de jurisprudência no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1124, 30 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8701. Acesso em: 22 dez. 2024.

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