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Insolvência e Lei 14.112/20

Agenda 06/01/2021 às 10:37

o texto trata da reforma da Lei 11.101/05, que trata da insolvência empresarial.

A Lei 14.112, de 24/12/2020[1] trouxe significativas e variadas alterações ao texto da Lei 11.101/05, que trata da recuperação empresarial e da falência. Obviamente, ainda é muito cedo para avaliar se o conteúdo da referida lei de fato contribuirá para a reestruturação empresarial, porquanto, nem sequer ainda em vigor[2] [3]. No que diz ao desempenho que a lei faz perante a comunidade como um todo (sentido amplo do asserto), bem esclarece Jeremy Waldron:

Um projeto de lei não se torna lei simplesmente sendo decretado, ocupando o seu lugar em Halsburry ou no livro de estatutos. Torna-se lei apenas quando começa a desempenhar um papel na vida da comunidade, e não podemos dizer qual papel será – e, portanto, não podemos dizer ‘qual lei’ foi criada -, até quando ela comece a ser administrada e interpretada pelos tribunais. Considerado um pedado de papel com o selo de aprovação do parlamento, um estatuto não é direito, mas apenas uma possível ‘fonte de direito’[4]

O objetivo da lei genérica positivada (prescritiva, nas palavras de Herbert Hart) é a pacificação social. A lei geral tem como escopo a convivência social, que não se pode dizer alcançado com a simples emanação, mas apenas com a aplicação dessa norma na vida de relação[5]. No que diz com o originário texto legal de 2005, o legislador fez constar expressamente que se deveria sintonizar com o seu tempo, guardando inexorável consonância com a realidade social e econômica da época em que é elaborada, prevendo estímulos a comportamentos desejáveis no futuro[6]. Ao menos até o final de 2020, a Lei 11.101/05 não disse a que veio, considerando a significativa abertura de falências no Brasil e o consequente desemprego etc., sem descuidar que não foram poucas as entidades, a contar de março/2020 que sucumbiram, de modo que se vê com reservas a alteração legal ocorrida no final de dezembro/2020. A crise sanitária contribuiu, óbvio ululante, para enfatizar o fato de que as falências se acentuaram no país. Por outro lado, não foram poucas as entidades em recuperação judicial que acabaram por se desfazer de ativos, ou buscaram outros meios para honrar planos de reestruturação e poucas, de fato, voltaram a operar de forma estável no mercado competitivo.

Os textos legais de 2005 e 2020 são leis simbólicos e, para que inexista confusão terminológica, a expressa ora utilizada é justamente a adotada por Marcelo Neves, ou seja, ‘legislação simbólica’ aponta o predomínio, ou mesmo hipertrofia, no que se refere ao sistema jurídico, da função simbólica da atividade legiferante e do seu produto, a lei, sobretudo em detrimento da função jurídico-instrumental[7]. O simbolismo das leis é evidente, porquanto têm o firme propósito de que entidades sejam recuperadas, especialmente em tempos de crise sanitária mundial. Boa ou má, somente o tempo dirá se a alteração legislativa contribuiu de alguma forma para superação da crise empresarial. A lei exerce exatamente o que diz Neves, ao afirmar que uma quantidade de leis desempenham funções sociais latentes[8]. A reforma legislativa em exame se traduz naquilo mesmo que Neves esclarece como sendo uma tentativa de apresentar o Estado como identificado com os valores ou fins por ela formalmente protegidos, sem qualquer novo resultado quanto à concretização normativa[9]. Ora, se por um lado existiu uma vitória legislativa, com a apresentação de reforma da lei de insolvência, por outro existiu uma derrota do empresariado nacional, com a abertura de falências, fechamento de empresas, desemprego elevado, ausência de recolhimento de tributos e assim por diante. A propósito, vem bem a calhar o pensamento do sempre lembrado Michel Villey, quando textualmente afirma:

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Como justificar o poder das leis positivas? Impossível recorrermos aos ‘mitos’ do direito divino dos príncipes, do contrato social, aos fantasmas ideológicos da soberania popular da ‘vontade geral’, da representação do povo pelos deputados – já que hoje pretende-se que as leis provenham de nossos deputados...[10]

Com efeito, a respeito de determinados dispositivos da Lei 11.101/05, especialmente mais delicados, o STJ havia começado a fixar entendimento, mas, sobreveio alteração na lei, que se traduz em colcha de retalhos e talvez não seja capaz de cumprir sua missão: contribuir para reestruturação empresarial. A reforma da lei ocorreu em curto espaço de tempo, se for considerado que o texto de 2005 tem apenas 15 anos.

Muito poderia ser escrito em relação à aludida reforma de 2020, e o será, oportunamente. Entrementes, o que se vê, com simples leitura da Lei 14.112/20 é que certamente várias micro e pequenas entidades não terão fôlego para se manter no mercado e sucumbirão.   

           

 


[1] Entrará em vigor 30 dias após a publicação (ocorrida em 24/12/2020).

[2] Sim, já há obras comentando o referido texto legal.

[3] Inicialmente, este texto seria direcionado a comentar algumas alterações levadas a efeito, mas, no decorrer, entendeu-se que isso ficaria para posterior momento.

[4] A dignidade da legislação. São Paulo: Martins Fontes, 2003, pp. 11-12. Grifos no original.

[5] BETTI, Emilio. Interpretação da lei e dos atos jurídicos: teoria geral e dogmática. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 232. John Austin esclarece que a existência da lei é uma coisa; seu mérito ou demérito é outra. A lei, que realmente existe, é uma lei, apesar de acontecer de não se gostar dela. The province of jurisprudence determined. New York: Prometheus Books, 2000, p. 157.

[6] Parecer n. 534, de 2004, da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado da República, e relativo ao PLC n. 71/2003, e devidamente publicado no Diário do Senado Federal de 10/06/2004, pp. 17.856 a 17.941.

[7] A Constitucionalização Simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 23. Grifos no original.

[8] Op. cit., p. 30.

[9] Op. cit., p. 30.

[10] Filosofia do Direito. Definições e Fins do Direito. Os Meios do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 433. Grifos constantes do original.

Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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