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Certificados de sustentabilidade e o combate à prática do greenwashing

Agenda 09/01/2021 às 09:00

Greenwashing pode ser compreendido como “lavagem verde”. Trata-se de fazer alguma coisa aparentar um enganoso aspecto ecológico. É a falsa informação disseminada por uma instituição para apresentar uma imagem pública de responsabilidade ambiental.

A demanda por produtos e serviços que respeitem o meio ambiente e a sociedade vem se intensificando no mundo social, principalmente diante do esgotamento do modelo de consumo subjacente ao capitalismo contemporâneo.

Nesse diapasão, gradativamente os cidadãos têm buscado alternativas de consumo que tragam benefícios à comunidade, não só em curto, mas também em longo prazo. Consequentemente, mais e mais consumidores comparam produtos e serviços não somente em termos de preço e funcionalidade, mas também em virtude do impacto ambiental associado à produção, ao funcionamento e ao seu descarte. Não só as alternativas menos intrusivas são consideradas, como também os próprios objetivos do consumo são colocados em questão. Esses consumidores, mais cônscios do seu papel, dão preferência a empresas que atuam com responsabilidade ambiental, ainda que isso implique gastar mais para “consumir melhor”.

À vista disso, as certificações de sustentabilidade, também conhecidas como “selos verdes” ou “eco-selos” foram criadas justamente no intuito de auxiliar o consumidor na decisão de compra, visto que a empresa certificada como tal pressupõe que possui preocupações sustentáveis e que auxilia na melhoria das condições ambientais do planeta. São empresas que já se deram conta de que a cidadania empresarial é um bom negócio, além de ser uma estratégia de posicionamento perante o mercado, configurando um importante diferencial competitivo para seus produtos e marcas. Portanto, ao buscarem a certificação ambiental, esses empreendimentos visam demonstrar que incorporam princípios de sustentabilidade em seus negócios e fazem investimentos tendentes a reduzir as externalidades negativas provenientes do exercício de sua atividade econômica.

Atualmente as empresas brasileiras lideram a busca por selo global de sustentabilidade. Em janeiro de 2020 havia no país dez companhias de capital aberto na fila para obter a certificação do “Sistema B”[1], programa com mais de 200 métricas que avalia a sustentabilidade. Contando com as pequenas e médias, já são 5.800 empresas que iniciaram o processo de medição. Presente em mais de 70 países, o sistema é um conjunto de métricas que posicionam empresas em uma escala de 0 a 200 (sendo 80 o mínimo necessário). O programa é aplicado em cerca de 150 setores econômicos. Segundo Marcel Fukayama, presidente da certificadora no país, “O Brasil tem o maior pipeline [fluxo] de empresas nesse processo no mundo. São 5.800 que iniciaram o processo de medição, o que coloca o Brasil no protagonismo de uma economia mais inclusiva e sustentável”.[2]

A certificação sustentável também é uma tendência na União Europeia já há algum tempo. No dia 18 de junho de 2020, o Parlamento Europeu aprovou novas regras para determinar se uma atividade econômica é ambientalmente sustentável, e como corolário, criou o “selo verde”, o qual deverá ser atribuído a empresas e projetos com o escopo de guiar investimentos públicos na União Europeia. Ademais, outro objetivo é que qualquer investidor, pessoa física ou jurídica, saiba se seu dinheiro está sendo aplicado em atividades que colaboram para a preservação do ambiente ou a prejudicam.[3]

Segundo restou estabelecido, para que a atividade econômica possa ser contemplada com o selo de ecologicamente correta, dentre os cinco objetivos ambientais previstos pela legislação europeia, a atividade deve contribuir para pelo menos um deles sem, entretanto, prejudicar significativamente nenhum dos outros. Os objetivos que precisam ser atendidos são i) redução das mudanças climáticas ou adaptação a elas; ii) uso sustentável e proteção dos recursos hídricos e marinhos; iii) transição para a economia circular (incluindo prevenção de resíduos); iv) prevenção e controle da poluição e v) proteção e restauração da biodiversidade e dos ecossistemas.

Ademais, a legislação vai permitir que a Comissão Europeia defina quais atividades são prejudiciais ao ambiente. “A eliminação de investimentos nessas atividades é tão importante quanto o incentivo às consideradas sustentáveis”, afirmou o eurodeputado pela Holanda, Bas Eickhout, do Partido Verde, após a aprovação da lei. Embora a lei entre em vigor assim que publicada, os critérios específicos para o primeiro objetivo devem estar prontos no final de 2020, e os outros quatros, dentre eles a classificação de atividades ambientalmente danosas, devem ser feita até dezembro de 2021.

Por outro lado, com a entrada em vigor das novas regras, todos os produtos financeiros que afirmam ser sustentáveis, ​doravante ​terão que provar essa condição seguindo critérios rigorosos. Outrossim, um dos objetivos primordiais da nova lei é coibir a deletéria prática do greenwashing, também conhecida como “lavagem verde”, consitente em fornecer informações falsas sobre produtos ou atividades fazendo com que alguma coisa aparente um enganoso aspecto ecológico. Ou seja, a falsa informação disseminada por uma instituição cujo objetivo é apresentar uma imagem pública de responsabilidade ambiental que não corresponde à realidade.

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Essa “maquiagem verde”, disseminada sobremodo através de agressivas estratégias de marketing, geralmente conseguem ludibriar o consumidor, às vezes pouco informado ou ávido por consumir produtos ecologicamente corretos ocasionando graves consequências, para o consumidor e, principalmente, para o meio ambiente.

Nesse contexto, os certificados verdes se mostram deveras importantes e um grande passo rumo à sustentabilidade, haja vista apresentarem grande potencial para inibir a atuação de empresas sem nenhum comprometimento com a causa ambiental, mas que de forma fraudulenta vinculam a ideia de sustentabilidade ambiental à publicidade de produtos e serviços que nada possuem de sustentáveis. Esses empreendimentos usam a preservação ambiental em manobras publicitárias apenas no intuito de atrair o consumidor, ou eventualmente usufruírem de benefícios fiscais voltados às empresas ecologicamente responsáveis.

Como é consabido, as empresas verdadeiramente engajadas com as causas ambientais e que atuam em observância ao uso equilibrado e racional dos recursos naturais, acabam sendo duplamente prejudicadas, pois as concorrentes, ao fazerem uso desse estelionato midiático, atraem consumidores para a aquisição de seus produtos, que, por razões óbvias, podem vendê-los a preços mais acessíveis. Por outro lado, a prática do greenwashing, ao vincular uma falsa imagem de compromisso ambiental a determinados produtos e serviços, elevam ainda mais o consumo de produtos degradantes e o aumento da pressão exercida sobre os bens ambientais.

Fato incontroverso é que o próprio consumidor, mais consciente do seu papel e do poder que detém, já compreendeu que as mudanças de paradigmas perpassam por suas escolhas na aquisição de bens e serviços, dando preferência para aqueles produzidos de forma ecologicamente correta. Destarte, o empresário que deseja fortalecer sua marca e apresentar seus produtos e serviços como atrativos ao mercado, mais do que nunca precisa demonstrar à sociedade que tem genuinas preocupações socioambientais.

No mundo social, a ecoproporcionalidade vem se difundindo no âmbito do chamado consumo ambiental. Assim, mais e mais consumidores comparam produtos e serviços não somente em termos de preço e funcionalidade, mas também em termos do impacto ambiental associado à produção, ao funcionamento e ao seu descarte. [4]

Perfilhando esse mesmo entendimento, o filósofo francês Lipovetsky[5] assevera que esse novo consumidor está disposto a pagar mais caro por produtos desenvolvidos de forma ética, recusam a identificação com as marcas e interrogam-se sobre o impacto socioambiental de tais objetos: comportamentos que demonstram uma preocupação em ser antes ator “responsável” que “vítima” passiva do mercado.

Por conseguinte, não há que se olvidar da forte influência que a população consumerista exerce no mercado e do poder que de causar prejuízos consideráveis a um empresário socialmente irresponsável. A sociedade civil reúne condições para organizar-se e retaliar as empresas socialmente irresponsáveis ou inidôneas. Os clientes ao exercitar seu direito de escolha e migrar para os concorrentes, dispõem de uma indiscutível capacidade de dissuasão, uma espécie de arsenal nuclear. A cidadania organizada pode levar os dirigentes empresariais a agir de forma responsável em detrimento, até, de suas convicções íntimas. [6]

Todavia, a despeito da inequívoca importância das certificações ambientais para um relacionamento mais ético com o meio ambiente, esse instrumento somente atingirá a eficácia pretendida se o Estado e, sobremodo o próprio consumidor, não se apegarem apenas aos rótulos ou propagandas que ressaltem essa qualidade e buscarem informações verdadeiramente confiáveis acerca das atividades da empresa que, potencialmente, possa se enquadrar nessa categoria, sob pena da “sustentabilidade se resumir a um rótulo”.

Em vista disso, imprescindível que a população busque educar-se ambientalmente para que possa bem exercer a cidadania ecológica e assuma de vez seu protagonismo como defensora das causas ambientais, sendo que o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR)[7] e o Estado, através do seu sistema jurídico, devem atuar em harmonia no intuito de garantir que apenas empresas sérias, realmente comprometidas e transparentes, permaneçam no mercado.


[1] Selo concedido a quem utiliza a iniciativa privada para gerar benefícios sociais e ambientais - uma espécie de setor dois e meio. O selo nasceu há oito anos nos Estados Unidos e já foi exportado para outros 38 países. No Brasil há pouco mais de um ano, o Sistema B, organização responsável pela certificação, já conta com 41 empresas nacionais, em sua maioria pequenas e médias. Os aprovados são obrigados a incluir no estatuto o compromisso com a geração de benefícios sociais e ambientais para toda a comunidade -garantindo que, em um momento de crise, as boas intenções não ficarão relegadas ao discurso.

[2] SOPRANA, Paula. Empresas brasileiras lideram busca por selo global de sustentabilidade. Folha de São Paulo. 21 jan. 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/01/empresas-brasileiras-lideram-busca-por-selo-global-de-sustentabilidade.shtml.

[3] PINTO, Ana Estela de Sousa. Europa cria ‘selo verde para priorizar investimento em atividades sustentáveis. Folha de São Paulo. 18 jun. 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/06/europa-cria-selo-verde-para-priorizar-investimento-em-atividades-sustentaveis.shtml.

[4] WINTER, Gerd Winter. Proporcionalidade Eco-Lógica: um Princípio Jurídico Emergente para a Natureza?. Veredas do Direito: Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, Belo Horizonte, v. 10, n. 20, abr. 2014, p. 55-78. Disponível em: http://revista.domhelder.edu.br/index.php/veredas/article/view/422.

[5] LIPOVETSKY, Gilles: A felicidade paradoxal: Ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo.Trad. de Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

[6] SROUR, Robert Henry. Ética empresarial: a gestão da reputação. 5. reimpressão. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003.

[7] O CONAR - Conselho Nacional de Autor regulação Publicitária -,é uma ONG criada por entidades ligadas à atividade publicitária (agências, anunciantes e veículos de comunicação), cujo objetivo é fazer valer o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Constitui um verdadeiro tribunal ético, criando regras para realização e veiculação de publicidade. Somente no ano de 2019 foram instaurados 302 processos éticos em virtude de propagandas enganosas. Desses casos, 70% dos processos tiveram início a partir de denúncias feitas por consumidores.

Sobre a autora
Joana D'Arc Dias Martins

Doutoranda e mestre em Direito pela Universidade de Marília – UNIMAR – Marília - São Paulo (Brasil). Promotora de Justiça do Estado do Acre.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Joana D'Arc Dias. Certificados de sustentabilidade e o combate à prática do greenwashing. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6401, 9 jan. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87753. Acesso em: 22 dez. 2024.

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