A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) submeteu, para julgamento sob o rito dos repetitivos, um recurso especial em que se discute o uso de condenações anteriores na dosimetria da pena. A tese proposta é a seguinte: "Condenações criminais transitadas em julgado, não utilizadas para caracterizar a reincidência, somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização também para desvalorar a personalidade ou a conduta social do agente".
A relatora do recurso, ministra Laurita Vaz, afirmou que a controvérsia (Tema 1.077) tem jurisprudência pacífica nas turmas criminais do tribunal. O colegiado decidiu não suspender os processos que sejam relacionados à matéria.
Segundo o site do STJ, no Recurso Especial 1.794.854, cadastrado como representativo da controvérsia, a defesa pediu o afastamento da valoração negativa da personalidade, decorrente de três condenações criminais com trânsito em julgado por fatos anteriores.
Segundo a ministra, o entendimento adotado no STJ, tanto pela Quinta quanto pela Sexta Turma, é de que não é possível a utilização de condenações penais pretéritas, ainda que transitadas em julgado, como fundamento para a valoração negativa da personalidade.
Ela mencionou precedente no qual se reafirmou que "eventuais condenações criminais do réu transitadas em julgado e não utilizadas para caracterizar a reincidência somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização também para desvalorar a personalidade ou a conduta social do agente".
A matéria envolve o acórdão de afetação do REsp 1794854.
Discute-se sobre antecedentes criminais.
Os autores da reforma penal mencionaram que os antecedentes “não dizem respeito à folha penal e seu conceito é bem mais amplo. Deve-se entender a forma de vida em uma visão abrangente, examinando-se o seu meio de sustento, a sua dedicação a tarefas desonestas, a assunção de responsabilidades familiares, como ensinaram Miguel Reale Júnior, Ariel Dotti e outros (Penas e medidas de segurança no novo Código, pág. 161). Entretanto, ao tratar-se da conduta social, os mesmos autores frisam que ela se refere “ao comportamento do réu no seu trabalho, no meio-social, cidade, bairro, associações a que pertence, dentre outros. Antecedentes criminais não se resumem a folha corrida do acusado.
Não se levam em conta inquéritos arquivados e processos com absolvição ou em andamento. Na dosagem das penas não devem ser considerados autos de flagrante (TRF da 3ª Região, mv. Apelação 66.170, DJU de 9 de novembro de 1994, pág. 63.987); inquéritos mesmo com indiciamento (TRF 3ª Região, Apelação 22.732, DJU de 30 de novembro de 1994, pág. 694/431) e processos em andamento (TACrSP, RT 697/326) ou ainda sentenças pendentes de recursos (STJ, HC 1.772, DJU de 27 de abril de 1992, pág.5.507), sendo necessário o trânsito em julgado destas (STF, RTJ 136/267), em face do princípio constitucional da presunção de inocência. Mas, já se entendeu que ainda que não impliquem reincidência, por já ter decorrido sua temporariedade, podem ser consideradas como maus antecedentes (STF, HC 69.001, DJU 26 de junho de 1992, pág. 10.106 – RT 6343/275).
O certo é que o juiz não pode valer-se dos mesmos fatos levados em consideração no exame das circunstâncias judiciais para decidir pela condenação e, depois, com base neles, agravar a pena (STF, 785/526, HC 80.066/MG). A dupla valoração da reincidência, enquanto circunstância judicial e enquanto circunstância legal, não deve ser admitida, sob pena de inaceitável bis in idem (TRF 3ª Região, Apelação 99.020, DJU de 28 de setembro de 1994, pág. 54.981).
Viola o princípio constitucional da presunção de inocência (artigo 5º, LVII da CF) a consideração à conta de maus antecedentes, de inquéritos e processos em andamento para a exacerbação da pena-base e do regime prisional (REsp 675.463/RS, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 13 de dezembro de 2004, pág. 454), e, que, “por maus antecedentes criminais, em virtude do que dispõe o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição da República, deve-se entender a condenação transitada em julgado, excluída aquela que configura reincidência (artigo 64, I, do CP), excluindo-se processo criminal em curso e indiciamento em inquérito policial” (HC 31.693/MS, Relator Ministro Paulo Medina, DJ de 6 de dezembro de 2004, página 366), REsp 799.061-PR, 5ª Turma, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, 26 de junho de 2007.
Já se entendeu que “somente se consideram maus antecedentes os antecedentes que comportem condenação prévia, passada em julgado, sendo os demais irrelevantes na valoração das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal” (Ap. 1.0313.00.010102-9/001, 3ª C., rel. Jane Silva, 25 de junho de 2004).
No que concerne aos maus antecedentes tem-se que pode o juiz levar em consideração ambos os elementos, desde que não tenham, como base, as mesmas condenações. É o que se tem da Súmula 241 do STJ, com o seguinte teor: “A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial”. Assim, caso alguns processos signifiquem maus antecedentes, outros podem levar ao reconhecimento da reincidência. Tem-se assim do entendimento do STJ: “Elementos outros que não a reincidência levaram o julgador ao reconhecimento dos maus antecedentes do réu, sendo fixada a pena-base acima do mínimo legal. Destarde, não há bis in idem se, posteriormente, em obediência aos artigos 61, I, e 68 do CP, sob o fundamento de ser reincidente o réu, aumentou-se a pena (RHC 8.915-SP, 5ª Turma, Relator Ministro Felix Fischer, 4 de novembro de 1999, vu, DJ de 6 de dezembro de 1999, pág. 102).
Diversa dos antecedentes é a personalidade do agente. Essa diz respeito à sua índole à sua maneira de agir e de sentir, ao próprio caráter do agente. Deve ser avaliado se o crime se amolda à personalidade do agente. No ensinamento de Guilherme de Souza Nucci (Código Penal Comentado, 8ª edição, pág. 391), trata-se de um conjunto somatopsíquico no qual se integra um componente morfológico, estático que é a configuração física; um componente dinâmico-humoral ou fisiológico, que é o temperamento; e o caráter, que é a expressão psicológica do temperamento.
Conduta social é o papel do réu na comunidade, inserido no contexto da família, do trabalho, da escola, da vizinhança etc, ou seja, no relacionamento no meio em que vive, como ainda aduziram
Consoante o entendimento adotado por ambas as Turmas que compõem a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, não é possível a utilização de condenações penais pretéritas, ainda que transitadas em julgado, como fundamento para a valoração negativa da personalidade do agente (v.g.: HC 609.520/PE, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 03/11/2020, DJe 12/11/2020; HC 588.860/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 01/09/2020, DJe 17/09/2020; AgRg no REsp 1.767.696/DF, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 07/02/2019, DJe 15/02/2019; HC 472.654/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 21/02/2019, DJe de 11/03/2019; HC 481.978/MS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 11/12/2018, DJe de 19/12/2018). Esse entendimento, a propósito, foi reafirmado no julgamento do EREsp 1688077/MS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/08/2019, DJe 28/08/2019).
A conduta social e a personalidade do agente não se confundem com os antecedentes criminais, porquanto gozam de contornos próprios - referem-se ao modo de ser e agir do autor do delito -, os quais não podem ser deduzidos, de forma automática, da folha de antecedentes criminais do réu. Trata-se da atuação do réu na comunidade, no contexto familiar, no trabalho, na vizinhança (conduta social), do seu temperamento e características do seu caráter, aos quais se agregam fatores hereditários e socioambientais, moldados pelas experiências vividas pelo agente (personalidade social).Já a circunstância judicial dos antecedentes se presta eminentemente à análise da folha criminal do réu, momento em que eventual histórico de múltiplas condenações definitivas pode, a critério do julgador, ser valorado de forma mais enfática, o que, por si só, já demonstra a desnecessidade de se valorar negativamente outras condenações definitivas nos vetores personalidade e conduta social.