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A irônica indignação de bolsonaristas referente a prisão do deputado Daniel Silveira.

A prova de que os garantistas jamais se rebaixam

Agenda 17/02/2021 às 21:09

O presente artigo tem por objetivo, analisar a recente decretação de prisão ao deputado Daniel Silveira por ordem do Ministro do Supremo Alexandre de Moraes. A decisão em comento, gerou grande polêmica sob supostos abusos face à garantias parlamentares.

Na data de 16/02/2021, os noticiários estamparam em suas manchetes a prisão em flagrante do deputado federal Daniel Silveira devido ao parlamentar ter gravado um vídeo com ataques e ameaças aos ministros do STF, sendo sua conduta enquadrada na Lei de Segurança Nacional, artigos 23 e 26 do referido dispositivo legal.

Primeiramente, antes de analisar o fato ocorrido, é preciso destacar a prática desrespeitosa e ameaçadora que fez o deputado. Criou-se nos últimos anos aqui no Brasil, uma falsa noção de que a liberdade de expressão fosse ilimitada.

É de se salientar que o direito supracitado, consagrado no art. 5°, incisos IV e IX da CRFB/88, não é de caráter absoluto. Não pode um indivíduo sob a ótica da livre manifestação, expressar ideias de cunho racista, homofóbico, desrespeitoso a religiões e nem ameaçar o Estado Democrático de Direito, em resumo: liberdade de expressão que “expressa” crime, não é liberdade.

Adentrando especificamente mais sobre o tema, importantes conceitos estiveram presentes neste fato, são eles: imunidade parlamentar e flagrante delito.

Começo pela imunidade, prerrogativa funcional em que gozam parlamentares quanto à sua manifestação (material) e quanto à possibilidade de prisão ou condenação (formal). Acerca da inviolabilidade material, Michel Temer, (1998, p. 131) assim dispõe:

A inviolabilidade diz respeito à emissão de opiniões, palavras e votos. Opiniões e palavras que, ditas por qualquer pessoa, podem caracterizar atitude delituosa, mas que assim não se configuram quando pronunciadas por parlamentar. Sempre, porém, quando tal pronunciamento se der no exercício do mandato. Quer dizer: o parlamentar, diante do Direito, pode agir como cidadão comum ou como titular de mandato. Agindo na primeira qualidade não é coberto pela inviolabilidade. A inviolabilidade está ligada à ideia de exercício de mandato. Opiniões, palavras e votos proferidos sem nenhuma relação com o desempenho do mandato representativo não são alcançados pela inviolabilidade. 

Abre-se a discussão se ele estava em exercício da imunidade. Não seria contraditório um representante do povo ir contra este, propondo acabar com o próprio Estado de Direito que o legitimou em ser deputado? Compreendo que sim! De toda forma, é uma nova construção jurídica e decisão quase que inédita. Acima de qualquer pessoa, está a Constituição.

Sobre a imunidade formal, a Constituição é bem clara que a prisão de um deputado somente se dá em flagrante de crime inafiançável (art. 53, § 2°, CF/88). É preciso entender antes o conceito de flagrante, segundo Aury Lopes Jr. (2016, p. 526):

A prisão em flagrante é uma medida pré -cautelar, de natureza pessoal, cuja precariedade vem marcada pela possibilidade de ser adotada por particulares ou autoridade policial, e que somente está justificada pela brevidade de sua duração e o imperioso dever de análise judicial em até 24h

Flagrante visa cessar os efeitos do crime, ocorre via de regra em quem está cometendo o delito, acaba de cometê -lo; é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração ou quando é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Partindo do conceito de flagrante e imunidade parlamentar, estaria o deputado em condição de flagrante em crime permanente? Ou seja, o momento da consumação se estende no tempo por vontade do agente, como por exemplo em situações de sequestro? Ainda não é uma questão consolidada nos crimes de opinião.

Além dessa incontroversa se estava ou não em flagrante, outra questão que se levanta é se os crimes imputados são ou não inafiançáveis. Entendo que os delitos cometidos são afiançáveis, por uma intepretação teleológica do direito o fim do legislador (poder constituinte originário) é que somente são inafiançáveis os crimes de racismo; tortura; tráfico de drogas; terrorismo, participação de ações de grupos armados – civis ou militares – contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (conforme previsão da Lei da Segurança Nacional – Lei n. 7.170/83) , não cabendo assim a fundamentação de que no caso concreto, por não caber fiança no sentido de estarem presentes os requisitos da prisão preventiva, os crimes cometidos por Daniel se tornariam “inafiançáveis”.

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Diante do que foi apontado, a prisão do Deputado foi ilegal, apesar de bem fundamentada pelo STF, passível de discussão (sabemos que o direito não é ciência exata). A razão do título deste artigo, é justamente a ironia que possui pessoas adeptas à anti-democracia e do AI5 sofrerem na pele justamente o que pregam. Agora vão suplicar ao garantismo? Aos direitos fundamentais? Agora querem que se cumpra constituição? Por mais que os bolsonaristas sejam “inimigos” da democracia, um verdadeiro garantista defensor do Estado democrático de Direito jamais se rebaixa e deixa de defender o certo, mesmo que do outro lado esteja o seu “inimigo”.

Aguarda-se agora como será a votação pela câmara sobre a suspensão ou não da prisão.

Outro tema que vem à tona, mais uma vez é o ativismo judicial. Tal fenômeno ele é ruim? Em partes sim, em partes não, pelas seguintes razões:

O art. 5° da nossa Carta Magna é bem taxativo garantindo ao cidadão como direito fundamental a chamada inafastabilidade da Jurisdição.

Tal princípio consiste que toda lesão ou ameaça de lesão a um direito que julgamos possuir, o conflito pode ser levado a um terceiro imparcial que , em nome do Estado irá dizer mediante os argumentos trazidos se determinada pessoa realmente é merecedora daquilo que levou em juízo.

A mencionada lesão ou ameaça de Direito, pelo incrível que pareça, ela mais ocorre por parte do Estado, ou seja, este ente em que delegamos representação é o que mais nos viola. Tendo em vista tal situação, é neste momento que o poder judiciário exerce seu protagonismo.

Estamos vendo há anos, inúmeras violações a Constituição, leis federais, autoridades e instituições democráticas e que sem que o Estado juiz interfira, danos irreparáveis podem ser gerados.

A partir do momento que o Estado é ativo concedendo por exemplo uma vaga para uma criança numa escola, um benefício para uma pessoa com deficiência onde tudo indicaria que não conseguiria, direitos a grupos de minoria, vejo este ativismo positivo.

Agora, o ativismo que viola a própria Constituição para que se atenda os anseios sociais como fez o ex magistrado Sérgio Moro com suas inúmeras e incansáveis violações ao sistema acusatório, vejo esse ativismo como inadmissível! É aí que mora o erro.

A sociedade em sua parcela não possui a técnica e a Ciência do Direito, assim pede e quer tudo, custe o que custar. Ocorre que aquele detentor do poder decisório e principalmente científico, ele não deve responder a estes anseios sob grave risco de decisões injustas no sentido processual e garantista, tal qual foi o do ex-presidente Lula.

A abertura de inquérito de oficio pelo STF no absurdo das Fakenews é pro societa (em favor da sociedade), mas é evidente que é contra legem.

Me contorno e paro em Maquiavel: os fins justificam os meios? Indagação complexa e que tenho muito a aprofundar como operador do Direito.

Esbarro também na referência do Direito como integridade que é a teoria de Dworkin, em que nega todo tipo de violação de Direito fundamental. Como seguidor do grande pensador, me posiciono por hora contra o inquérito instaurado de oficio que gerou toda esta confusão, mas com pesar de inegavelmente querer que se resolva este absurdo de mentiras que são as Fakes.

Qual sentido democrático deve prevalecer neste contexto? Pelo o que se vê, somente após finalizado o inquérito que se chegará a uma convicção mais concretas. As violações à democracia autorizam procedimentos sui generis contra o próprio devido processo legal? Só o tempo dirá!


FONTES

LOPES JR., Aury. Direito processual penal / Aury Lopes Jr. – 13. ed. – São Paulo : Saraiva, 2016. 1. Processo penal – Brasil I. Título.

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 1998.

CARAMURU, Pedro.  Há controvérsias sobre flagrante no caso do deputado preso, diz Marcelo Ramos. https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2021/02/17/ha-controversias-sobre-flagrante-no-caso-do-deputado-preso-diz-marcelo-ramos.htm. Acesso em 17/02/2021.

  

Sobre o autor
Matheus Lopes Rodrigues

Advogado civel/direito público Endereço: rua Sica Pio Fernandes, 51, sl 103, Centro, Curvelo/MG

Informações sobre o texto

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