1. A DECISÃO COMENTADA
Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso - 3ª Câmara Criminal
Habeas Corpus nº 39.144/2006
Relator: Desembargador Díocles de Figueiredo
Impetrante: Fernando Dantas Casillo Gonçalves
Pacientes: -EMENTA: CONSTITUCIONAL – HABEAS CORPUS – CRIME AMBIENTAL – PRELIMINAR PREJUDICIAL AO MÉRITO – ALEGADA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL, POR SE TRATAR DE CAUSA NO QUAL O IBAMA (AUTARQUIA FEDERAL) TEM INTERESSE, DEVENDO SER JULGADO PELA JUSTIÇA FEDERAL – INOCORRÊNCIA – PRETENDIDO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL, POR AUSÊNCIA DE INDIVIDUALIZAÇÃO DA CONDUTA DOS PACIENTES NA PEÇA INICIAL ACUSATÓRIA ENSEJANDO O RECONHECIMENTO DA SUA INÉPCIA – PACIENTES DENUNCIADOS NA CONDIÇÃO DE REPRESENTANTES LEGAIS DA PESSOA JURÍDICA – PEÇA QUE NÃO PREEHCE TODOS OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP – CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO – ORDEM CONCEDIDA – PRECEDENTES DO STJ. O interesse da União, para que ocorra a competência da Justiça Federal prevista no artigo 109, IV, da Carta Magna, há de ser direto e específico, e não quando o interesse seja genérico da coletividade, sendo a competência da Justiça Comum Estadual. A denúncia que, em parte, desatender o art. 41 do Código de Processo Penal, não descrevendo a conduta de cada qual dos denunciados, vem desacompanhada de um mínimo de prova que lhe assegure a viabilidade, autoriza e mesmo determina o julgamento por falta de justa causa para ação penal.
ACÓRDÃO: ... PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DESTA CORTE PARA PROCESSAR E JULGAR AÇÃO PENAL REJEITADA À UNANIMIDADE, NO MÉRITO, EM IGUAL VOTAÇÃO, CONCEDERAM A ORDEM PARA TRANCAR A AÇÃO POR INÉPCIA.
Cuiabá, 10 de julho de 2006
Desembargador Diocles de Figueiredo – Presidente da Terceira Câmara Criminal e Relator
2. OS COMENTÁRIOS
2.1. O HISTÓRICO
Na decisão comentada, a Colenda Terceira Câmara Criminal do Egrégio TJMT concedeu a ordem pleiteada em Habeas Corpus em favor dos diretores de uma pessoa jurídica denunciados pela prática de crime ambiental unicamente por figurarem, nesta condição, no contrato social da empresa que praticou à suposta infração ambiental.
O posicionamento do Ministério Público Estadual – MPE para denunciar tais pessoas partiu da mera presunção de autoria dos delitos, em razão da condição de diretores da pessoa jurídica, sem que tenha sido apresentada a descrição de qualquer conduta ou comportamento passíveis de caracterizar a prática de atos criminosos.
Conforme se depreende da denúncia oferecida, o MPE demonstrou ter sido à infração ambiental apurada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, o qual havia inspecionado as instalações da pessoa jurídica e autuado a mesma aplicando multa de natureza administrativa.
Não obstante os vícios da denúncia, a mesma foi recebida pelo MM. Juiz de Direito do juízo a quo, motivando a interposição do Habeas Corpus objetivando o trancamento da ação penal.
Nos presentes comentários, estaremos defendendo a procedência da decisão do E. TJMT no tocante a decretação da inépcia da denúncia e demonstrando as razões de ser um caso de competência da Justiça Federal por ter sido a infração ambiental apurada pelo IBAMA.
2.2. A FALTA DOS REQUISITOS DO ARTIGO 41 DO CPP E O PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL
A decisão comentada merece ser prestigiada por falta de justa causa da ação penal por não cumprir a denúncia apresentada pelo Parquet Estadual, nas circunstâncias indicadas nos presentes comentários, os requisitos do artigo 41 do CPP, in verbis:
"Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas".
Nos termos do referido dispositivo, é condição sine qua non da denúncia a exposição do fato criminoso praticado pelo acusado com todas as suas circunstâncias. Todavia, na denúncia recebida pelo MM. Juiz de Direito não foi exposto o fato criminoso e muito menos suas circunstâncias, por simplesmente terem sido os pacientes beneficiados pela concessão da ordem acusados pelo fato de serem diretores da pessoa jurídica que praticara a infração ambiental.
Esta presunção não garante a presença de exposição do fato criminoso, por somente representar suposição inadmissível de ser utilizada como fundamento de denúncia criminal, especialmente porque não descreve nenhuma conduta típica e antijurídica praticada pelos acusados. A denúncia objeto da decisão comentada, além disto, não estava embasada em documentos que comprovassem a materialidade e autoria do delito, não tendo sido demonstradas sequer as circunstâncias necessárias para configurar a prática dos crimes nela capitulados pelos diretores da empresa.
Da mesma forma, não foi realizada qualquer descrição da ação ou omissão delituosos dos diretores da pessoa jurídica e apresentados fatos e provas passíveis de demonstrar uma relação de causalidade entre eles e aquilo que está mencionado na denúncia, por ter partido o MPE, repita-se novamente, de mera presunção impossível de ser admitida considerando as regras de Direito Penal previstas na legislação e Constituição Federal.
A denúncia deveria ter sido rejeitada pelo MM. Juiz de Direito do juízo a quo por faltar condição exigida na lei para o exercício da ação penal, como prescreve o artigo 43, inciso III do CPP, nos seguintes termos:
"Art. 43. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
...
III – for manifesta a ilegalidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal".
A doutrina é pacífica pela necessidade de ser demonstrada na denúncia a exposição de fatos imputados ao acusado passíveis de serem caracterizados como crimes, algo que não foi realizado contra os pacientes beneficiados pela concessão da ordem, por não existir nenhuma demonstração de terem praticado as condutas descritas na denúncia oferecida pelo MPE, nestes termos:
"A exposição deve limitar-se ao necessário à configuração do crime e às demais circunstâncias que circunvolveram o fato e que possa influir na sua caracterização. ... . Para que exista ação, é preciso que se deduza uma pretensão e, ao mesmo tempo, se aponte o seu fundamento, a sua razão de ser" (1).
"12.2. Requisitos: art. 41 do Código de Processo Penal
a) Descrição do fato em todas as suas circunstâncias: a descrição deve ser precisa, não se admitindo a imputação vaga e imprecisa, que impossibilite ou dificulte o exercício de defesa. ... . A atenuação do rigorismo do art. 41 do Código Penal não implica admitir-se denúncia que nem de longe demonstre a ação ou omissão praticada pelos agentes, o nexo de causalidade como o resultado danoso ou qualquer elemento indiciário de culpabilidade" (2).
Para evitar denúncias infundadas e sem a demonstração dos fatos criminosos imputados a certa pessoa, o artigo 41 do CPP exige a exposição do fato criminoso e de todas as suas circunstâncias, especialmente para garantir o exercício da ampla defesa do acusado para que ele possa compreender os motivos da acusação e a medida de sua participação na conduta delituosa. No caso dos pacientes beneficiados pela decisão comentada isto não foi permitido, porque o MPE ofereceu a denúncia utilizando a presunção de serem eles criminosos por figurarem na condição de diretores da pessoa jurídica que praticada a infração ambiental.
A jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Federal e do Colendo Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de ser imprescindível a descrição da ação ou omissão delituosa praticada pelo agente e de sua participação no crime para a admissibilidade da denúncia, nestes termos:
"INQUÉRITO. LEI 8.137/90, ARTS. 1º E 2º. DENÚNCIA. REQUISITOS. CPP, ART. 41. CRIME SOCIETÁRIO.
...
2. Denúncia que, ao narrar os fatos, deixa de demonstrar qualquer liame entre o acusado e a conduta a ele imputada, torna impossível o exercício do direito à ampla defesa. Imprescindível a descrição da ação ou omissão delituosa praticada pelo acusado, sobretudo por não ocupar qualquer cargo administrativo na associação e ostentar posição de um, dentre muitos, de seus integrantes" (3).
"PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA EM RELAÇÃO AO DELITO ATRIBUÍDO AO PACIENTE. ORDEM CONCEDIDA.
...
2. Contudo, na hipótese, a peça acusatória não descreve em que consistiu a participação do paciente nos fatos tidos pela acusação como delituosos, limitando-se a relatar, nesse ponto, ter ele declarado que um dos sócios da empresa investigada estaria com dívidas perante a Receita Federal e que conhecia os outros co-réus.
3. Esses fatos, isoladamente ou em conjunto, não podem ser considerados delituosos, bem como não sugerem qualquer participação do paciente na realização do crime narrado na peça acusatória, consubstanciando abuso de poder o recebimento da denúncia contra ele, que, aparentemente, nem teria como tirar proveito do ilícito.
4. De fato, a denúncia deveria ter descrito de que modo o paciente contribuiu para a realização do crime que lhe é imputado, tanto mais por ser ele pessoa estranha aos quadros sociais da empresa devedora, de forma a propiciar o exercício da ampla defesa, que, da forma como redigida, restou indiscutivelmente coarctado" (4).
Especificadamente na área dos crimes ambientais, aliás, o Colendo Superior Tribunal de Justiça já analisou situação assemelhada a tratada neste trabalho determinando o trancamento da ação penal, nos seguintes termos:
"HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL. CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA E FALTA DE JUSTA CAUSA PARCIAIS. OCORRÊNCIA.
1. A denúncia que, em parte, sobre desatender o artigo 41 do Código de Processo Penal, não descrevendo a conduta de cada qual dos denunciados, vem desacompanhada de um mínimo de prova que lhe assegure a viabilidade, autoriza e mesmo determina o julgamento de falta de justa causa para a ação penal" (5).
Como se não bastasse isto, não existe justa causa para a ação penal porque a denúncia foi apresentada e recebida sem qualquer prova contra os pacientes, ofendendo flagrantemente o artigo 156 do CPP que estabelece possuir quem alega o ônus de provar suas alegações. O MPE, maxima venia concessa, subverteu as regras do ônus da prova previstas no referido dispositivo do CPP, por acusar sem nada provar e ainda basear suas alegações na presunção acima comentada que jamais poderia ter sido considerada como motivo de qualquer acusação a diretor de empresa.
Na denúncia além de não ter existido demonstração de atos ou provas que demonstrassem terem os pacientes praticado os crimes, não foi apresentado suposto liame entre suas pessoas e os delitos a eles imputados, por ser inadmissível aceitar a existência deste vínculo baseado na mera presunção de serem criminosos por figurarem como diretores da pessoa jurídica autuada pelo IBAMA.
A utilização de presunção em situação assemelhada já foi considerada pelo C. STJ para reconhecer a nulidade de denúncia por ofensa ao artigo 41 do CPP e determinar o trancamento de ação penal, conforme demonstra a seguinte ementa de decisão:
"DIREITO PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. DENÚNCIA. RESPONSABILIDADE PENAL. INÉPCIA. RECONHECIMENTO. 1. Fundando-se o juízo da autoria dos delitos, que determinou a individualização dos destinatários da acusação, não, na prova da prática ou da participação da ou na ação criminosa, mas em rematada presunção decorrente da posição dos pacientes na pessoa jurídica e da definição formal-estatutária das suas atribuições, faz-se definitiva a ofensa ao estatuto da validade da denúncia (Código de Processo Penal, artigo 41), consistente na ausência da obrigatória descrição da conduta de autor ou de partícipe dos imputados. 2. Habeas corpus concedido para trancamento da ação penal" (6).
Além disto, a decisão comentada merece ser prestigiada porque também existe falta de justa causa por ofender a denúncia o Princípio do Devido Processo Legal previsto no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal.
Na denúncia não foi exposto nenhum comportamento típico passível de ser atribuído aos diretores da pessoa jurídica, porque o MPE defendeu a imputação com base no fato de serem eles administradores da sociedade e por ser impossível uma empresa praticar erros ao realizar suas atividades.
Esta alegação não pode ser admitida para a admissibilidade e recebimento de denúncia, por não revelar qualquer comportamento típico atribuído aos acusados, mas mera presunção impossível de ser admitida sob pena de ser feita tabula rasa do Princípio do Devido Processo Legal. O Colendo Supremo Tribunal Federal tem posicionamento pacífico quanto à impossibilidade de persistir ação penal baseada em denúncia que não demonstre o comportamento típico do acusado por ofender o referido Princípio Constitucional, nestes termos:
"1. AÇÃO PENAL. Denúncia.
Omissão dos comportamentos típicos que teriam concretizado a participação dos réus nos fatos criminosos descritos. Sacrifício do contraditório e da ampla defesa. Ofensa a garantias constitucionais do devido processo legal (due process of law).
Nulidade absoluta e insanável.
... .
Conhecimento da argüição A denúncia que, eivada de narração deficiente ou insuficiente, dificulte ou impeça o pleno exercício dos poderes da defesa, é causa de nulidade absoluta e insanável do processo e da sentença condenatória e, como tal, não é coberta por preclusão" (7).
"O sistema jurídico vigente no Brasil – tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático – impõe ao Ministério Público a obrigação de expor, de maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação das pessoas acusadas da suposta prática da infração penal, a fim de que o Poder Judiciário, ao resolver a controvérsia penal possa, em obséquio aos postulados essenciais do direito penal da culpa e do princípio constitucional do due process of law, ter em consideração, sem transgredir esses vetores condicionantes da atividade da persecução estatal, a conduta individual do réu, a ser analisada, em sua expressão concreta, em face dos elementos abstratos contidos no preceito primário de incriminação. O ordenamento positivo brasileiro repudia as acusações genéricas e repele as sentenças indeterminadas" (8).
Por sua vez, o Ministro do STF, Gilmar Mendes, demonstrou na ocasião do julgamento do Habeas Corpus nº 83.554-6-PR, acompanhado por seus pares, um importante posicionamento aplicável para os dirigentes de grandes empresas. Na ocasião, o Tribunal Superior concedeu a ordem pleiteada em favor do ilustre Presidente da Petrobrás S/A, por não ser possível imputar a ele todas as infrações ocorridas na operação da empresa considerando o seu grande porte, principalmente quando na denúncia não estiver indicado o nexo de causalidade, nos seguintes termos:
"HABEAS CORPUS. 2. Responsabilidade penal objetiva. 3. Crime ambiental previsto no artigo 2º da Lei nº 9.605/98. 4. Evento danoso: vazamento em um oleoduto da Petrobrás. 5. Ausência de nexo causal. 6. Responsabilidade pelo dano ao meio ambiente não atribuível diretamente ao dirigente da Petrobrás. 7. Existência de instâncias gerenciais e de operação para fiscalizar o estado de conservação dos 14 mil quilômetros de oleodutos. 8. Não-configuração de relação de causalidade entre o fato imputado e o suposto agente criminoso. 8. Diferenças entre conduta dos dirigentes da empresa e atividades da própria empresa. 9. Problema da assinalagmaticidade em uma sociedade de risco. 10. Impossibilidade de se atribuir ao indivíduo e à pessoa jurídica os mesmos riscos. 11. Habeas Corpus concedido" (9).
Merecendo serem transcritos alguns trechos do voto do MM. Ministro:
"Da leitura da denúncia, penso, resta evidente um grosseiro equívoco e uma notória lacuna na tentativa de vincular, com gravíssimos efeitos penais, a conduta do ex-Presidente da Petrobrás e um vazamento de óleo ocorrido em determinado ponto de uma malha mais de 14 mil quilômetros de oleodutos!
A par de um julgamento da gestão do Sr. Reichstul à frente da Petrobrás, não há um elemento consistente a vincular o paciente ao vazamento de óleo.
Precisamos aqui refletir sobre isso. Houvesse relação de causa e efeito entre uma ação ou omissão do ex-Presidente da Petrobrás, deveria o órgão do Ministério Público explicitá-la de modo consistente. E se houvesse consistência, penso, a cadeia causal dificilmente ocorreria diretamente entre um ato da Presidência de Petrobrás e um oleoduto. Imagino que entre a Presidência da Petrobrás, obviamente um órgão de gestão, e um tubo de óleo, há inúmeras instâncias gerenciais e de operação em campo. Não há uma equipe de engenheiros responsável pela referida tubulação? É o Presidente da Petrobrás que examina, por todos os dias, o estado de conservação dos 14 mil quilômetros de oleodutos? Não há engenheiros de segurança na Petrobrás? Obviamente não estou pressupondo uma responsabilização sequer dos engenheiros de segurança. Também para estes há o estatuto de garantias no âmbito penal. O que quero é evidenciar que, se há um evento danoso e se há uma tentativa de responsabilização individual, um pressuposto básico para isto é a demonstração consistente de relação de causalidade entre o suposto agente criminoso e o fato.
Não vejo, com a devida vênia, como imputar o evento danoso descrito na denúncia ao ora paciente. Caso contrário, sempre que houvesse um vazamento de petróleo em razão de atos da Petrobrás, o seu presidente inevitavelmente seria responsabilizado em termos criminais. Isso é, no mínimo, um exagero".
2.3. O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL PARA A PESSOA JURÍDICA
A concessão da ordem pleiteada no presente Habeas Corpus para os pacientes também implicou o trancamento da ação penal para a pessoa jurídica na qual figuram como diretores.
Não existem motivos para a ação penal ter curso em face da pessoa jurídica quando a mesma for trancada em relação a seus dirigentes, como demonstra a seguinte decisão do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
"RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO PROCESSUAL PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA. POSSIBILIDADE. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. OCORRÊNCIA.
1. Admitida a responsabilização penal da pessoa jurídica, por força de sua previsão constitucional, requisita a actio poenalis, para a sua possibilidade, a imputação simultânea da pessoa moral e da pessoa física que, mediata ou imediatamente, no exercício de sua qualidade ou atribuição conferida pelo estatuto social, pratique o fato-crime, atendendo-se, assim, ao princípio do nullum crimen sine actio humana.
2. Excluída a imputação aos dirigentes responsáveis pelas condutas incriminadas, o trancamento da ação penal, relativamente à pessoa jurídica, é de rigor.
3. Recurso provido. Ordem de habeas corpus concedida de ofício" (10).
2.4. A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL
Não obstante o E. TJMT ter concedido a ordem para trancar a ação penal por inépcia da denúncia, maxima venia concessa, o seu posicionamento de não ser de competência da Justiça Federal o caso tratado nos presentes comentários não está de acordo com a jurisprudência acerca da matéria.
A incompetência da Justiça Estadual do Estado de Mato Grosso decorre do fato de ter sido a infração ambiental geradora da acusação apurada e investigada pelo IBAMA, o qual fiscalizou a pessoa jurídica autuada e lavrou contra a mesma auto de infração, possuindo assim a autarquia federal interesse na solução do processo criminal. Em razão disto, jamais a denúncia poderia ter sido recebida pelo MM. Juiz de Direito integrante da Justiça do Estado de Mato Grosso, por ser um caso de competência da Justiça Federal conforme demonstra a mansa e pacífica jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
"PENAL. CRIME AMBIENTAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. POSSÍVEL LESÃO A INTERESSE DE AUTARQUIA FEDERAL.
- Este Superior Tribunal de Justiça já consolidou o entendimento no sentido de que os crimes ambientais devem ser julgados, em regra, pela Justiça Estadual, surgindo a competência da Justiça Federal apenas quando houver configurado, em tese, violação de bens, serviços e interesses da União Federal ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas.
- Instaurada ação penal com base em auto de apreensão lavrado por agentes do IBAMA, sendo autuados o paciente e sua empresa pelo transporte de madeira sem a devida autorização da autarquia federal, resulta presente a possível ofensa a interesse da mesma entidade pública, o que atrai a competência da Justiça Federal para processamento do feito" (11).
"CRIMINAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME CONTRA A FAUNA. MANUTENÇÃO EM CATIVEIRO DE ESPÉCIES EM EXTINÇÃO. IBAMA. INTERESSE DE AUTARQUIA FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
...
II – Compete à Justiça Federal, dado o manifesto interesse do IBAMA, o processamento e julgamento de ação penal cujo objeto é a suposta prática de crime ambiental que envolve animais em perigo de extinção" (12).
3. A CONCLUSÃO
A decisão comentada merece ser prestigiada no tocante a concessão da ordem pleiteada em Habeas Corpus a qual determinou o trancamento da ação penal por inépcia da denúncia.
No tocante ao posicionamento de ser de competência da Justiça Estadual, data maxima venia, o mesmo deve ser revisto por existir interesse da União Federal na solução do processo criminal implicando a competência da Justiça Federal.
São Paulo, 30 de julho de 2006.
s.m.j.
Fernando Dantas Casillo Gonçalves - Advogado em São Paulo. Bacharel pela Faculdade de Direito da USP. Especialista em Direito Tributário pela PUC/SP. MBA em Direito da Economia e da Empresa pela FGV. Especialista em Direito Empresarial Internacional pelo CEU/SP. Professor do Curso de Direito Tributário Aplicado na IOB-Thompson/SP. Professor no Curso Gestão Estratégica de Impostos na Trevisan/SP. Membro-fundador do Instituto de Pesquisas Tributárias (IPT/SP). Membro do Conselho Consultivo da Associação Paulista de Estudos Tributários (APET/SP). Membro do Conselho Editorial das Revistas IOB de Direito Administrativo e de Direito Tributário.
NOTAS
1- TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 1º volume. 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994. pág. 344.
2- CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2001. pág. 127.
3- Tribunal Pleno do STF. INQ nº 1.578-4-SP. Relatora Ministra Ellen Gracie. v.u. j. 18/12/2003.
4- 5ª Turma do STJ. HC nº 41.542-RS. Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima. v.u. j. 03/05/2005.
5- 6ª Turma do STJ. HC nº 37.695-SP. Relator Ministro Hamilton Carvalhido. v.u. j. 12/04/2005.
6- 6ª Turma do STJ. EDcl no HC nº 13.037-SP. Relator Ministro Hamilton Carvalhido. v.u. j. 15/08/2000.
7- 1ª Turma do STF. RHC nº 85.658-6-ES. Relator Ministro Cezar Peluso. v.u. j. 21/06/2005.
8- 1ª Turma do STF. HC nº 73.590. Relator Ministro Celso de Mello. v.u. j. 13/12/1996.
9- 2ª Turma do STF. HC nº 83.554-6-PR. Relator Ministro Gilmar Mendes. v.u. j. 16/08/2005.
10- 6ª Turma do STJ. RMS nº 16.696-PR. Relator Ministro Hamilton Carvalhido. v.u. j. 09/02/2006. DJU de 13/03/2006.
11- 6ª Turma do STJ. HC nº 18.366-PA. Relator Ministro Vicente Leal. v.u. j. 05/03/2002. DJU de 01/04/2002.
12- 3ª Seção do STJ. CC nº 37.137-MG. Relator Ministro Felix Fischer. v.u. j. 12/03/2003. DJU de 14/04/2003.