A incidência de contribuições previdenciárias sobre remunerações pagas a exercentes de mandatos eletivos passou a decorrer do disposto na alínea "h" do inciso I do art. 12 da Lei n.º 8212/1991, introduzida pela Lei n.º 9506/1997, abaixo transcrita, que qualificou esses agentes políticos como segurados empregados do Regime Geral da Previdência Social:
"Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
I - como empregado:
h) o exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não vinculado a regime próprio de previdência social;"
Em 19/9/2004, o preceito acima transcrito foi revogado pelo dispositivo contido na alínea "j" dos mesmos inciso e artigo da Lei n.º 8212/1991, introduzida, já sob a égide da alteração promovida pela Emenda Constitucional n.º 20/1998 no art. 195, I, "a", do Texto Maior (permitiu a incidência de contribuições sobre o rendimento de trabalho pago a pessoas físicas sem vínculo empregatício), pela Lei n.º 10887/2004:
"Art. 12. ..................................................................
I - ............................................................................
j) o exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não vinculado a regime próprio de previdência social;"
Ocorre que o preceito da alínea "h" do inciso I do art. 12 da Lei n.º 8212/1991 já fora declarado, incidentalmente, inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n.° 351717/PR ocorrido em 8/10/2003 (DJ 21/11/2003).
Posteriormente, o Senado Federal, em função desse julgado, expediu a Resolução n.º 26, de 21/6/2005, que suspendeu a execução do preceptivo inscrito na aludida alínea "h" do inciso I do artigo 12 da Lei n.° 8212/1991, em conformidade com o art. 52, inciso X, da Constituição Federal. A Resolução em foco entrou em vigor na data de sua publicação.
A doutrina, quase uníssona, preleciona que os efeitos da Resolução do Senado Federal que suspende a execução de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal são erga omnes e ex nunc. Por todos, cite-se Pedro Lenza [01]:
"Assim, desde que o Senado Federal suspenda a execução, no todo ou em parte da lei levada a controle de Constitucionalidade de maneira incidental e não principal, a referida suspensão atingirá a todos, porém valerá a partir do momento em que a resolução do Senado Federal for publicada na Imprensa Oficial.
O nome ajuda a entender: suspender a execução de algo que vinha produzindo efeitos significa dizer que se suspende a partir de um momento, não fazendo retroagir para atingir efeitos passados. Assim, por exemplo, quem tiver interesse de ‘pedir de volta’ um tributo declarado inconstitucional, deverá mover a sua ação individualmente para reaver tudo antes da Resolução do Senado, na medida em que ela não retroage.
Assim, os efeitos serão erga omnes, porém, ex nunc, não retroagindo."
Entretanto, invocando os princípios da razoabilidade e da eficiência, nada impede que o Poder Executivo, diante de prolação, pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle difuso, de decisão definitiva de inconstitucionalidade de preceito legal, expeça orientação geral para a Administração deixar de cumprir o mandamento cuja presunção de validade foi trincada.
Tal providência pode ser adotada se o Poder Executivo entender que os fundamentos da decisão inter partes emanada da Corte Máxima foram convincentes e vislumbrar a sólida possibilidade de esses fundamentos serem reiteradamente veiculados por decisões judiciais posteriores.
Foi com base nesses princípios constitucionais que o art. 77 da Lei n.º 9430/1996 autorizou o Poder Executivo deixar de exigir tributos federais que não tenham passado, mesmo incidenter tantum, pelo teste da constitucionalidade:
"Art. 77. Fica o Poder Executivo autorizado a disciplinar as hipóteses em que a administração tributária federal, relativamente aos créditos tributários baseados em dispositivo declarado inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, possa:
I - abster-se de constituí-los;
II - retificar o seu valor ou declará-los extintos, de ofício, quando houverem sido constituídos anteriormente, ainda que inscritos em dívida ativa;
III - formular desistência de ações de execução fiscal já ajuizadas, bem como deixar de interpor recursos de decisões judiciais."
Regulamentando este mandamento, o Poder Executivo expediu o Decreto n.º 2346/1997, que, consolidando normas de procedimentos a serem observados pela Administração Pública Federal em razão de decisões judiciais, verbaliza em seu art. 1º e §§ 1º e 2º:
"Art. 1º As decisões do Supremo Tribunal Federal que fixem, de forma inequívoca e definitiva, interpretação do texto constitucional deverão ser uniformemente observadas pela Administração Pública Federal direta e indireta, obedecidos os procedimentos estabelecidos neste Decreto.
§ 1º Transitada em julgado decisão do Supremo Tribunal Federal que declare a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, em ação direta, a decisão, dotada de eficácia ex tunc, produzirá efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, salvo se o ato praticado com base na lei ou ato normativo inconstitucional não mais for suscetível de revisão administrativa ou judicial.
§ 2º O disposto no parágrafo anterior aplica-se, igualmente, à lei ou ao ato normativo que tenha sua inconstitucionalidade proferida, incidentalmente, pelo Supremo Tribunal Federal, após a suspensão de sua execução pelo Senado Federal."
(grifamos)
A regra catalogada no §2º acima reproduzido é, iniludivelmente, equivocada do ponto de vista da melhor interpretação do art. 52, X, da Constituição Federal. Mas, de outro lado, encerra uma opção administrativa legítima.
Sustentando-se nesse dispositivo regulamentar, a então existente Receita Federal do Brasil expediu o Ato Declaratório Executivo n.º 60, de 17/10/2005, que possui a seguinte partitura:
"Art. 1º A suspensão, pela Resolução nº 26 do Senado Federal, da execução da alínea ‘h’ do inciso I do art. 12 da Lei nº 8.212, de 1991, acrescentada pelo § 1º do art. 13 da Lei nº 9.506, de 1997, produz efeitos ex tunc, ou seja, desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional.
Art. 2º Fica vedada a constituição de créditos com fundamento na norma declarada inconstitucional, bem como deverão ser retificados ou cancelados os créditos já constituídos.
Art. 3º São devidas as contribuições decorrentes de valores pagos, devidos ou creditados ao exercente de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não vinculado a Regime Próprio de Previdência Social, de acordo com a alínea "j" do inciso I do art. 12 da Lei nº 8.212, de 1991, acrescentada pela Lei nº 10.887, de 2004, com eficácia a partir de 19 de setembro de 2004."
(destaquei)
Posteriormente, o Ministério da Previdência Social expediu a Portaria n.º 133/2006, a qual reproduziu a redação do aludido ato declaratório.
Nesse passo, em face dos fundamentos acima anotados, todos os lançamentos fiscais que cuidem da exigência de contribuições previdenciárias incidentes sobre remunerações pagas a exercentes de mandato eletivo, abrangendo o período que se estende até a competência 08/2004, não podem subsistir.
A partir da competência 09/2004, tais contribuições são exigíveis.
Notas
01 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, 8ª edição, São Paulo: Editora Método, 2005, p.102.