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Descriminalização e legalização da interrupção voluntária da gravidez

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Examina-se o fenômeno do aborto como direito à escolha, discutindo-se a descriminalização e a legalização de sua prática a partir da análise de suas consequências.

Resumo: O presente trabalho desenvolverá o tema relativo ao aborto como direito à escolha, e seu objetivo será estabelecer uma discussão sobre a descriminalização e a legalização de sua prática. Embasando o fenômeno do aborto e suas consequências correspondentes a um esforço válido e fundamental para compreendê-lo, para relacioná-lo às questões de saúde e de direitos humanos. O tema em tese envolve diversos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal da República, visando o direito à vida, à liberdade, à igualdade e a saúde, vide art. 5º da CF/88. Para isso, o trabalho traçará considerações sobre o aborto (história, conceito, tipologia e legislação), sobre a mulher e a maternidade no Brasil (questão feminina, feminismo e influência da perspectiva religiosa sobre a questão do aborto) e sobre a assistência social e o direito à vida (direitos, políticas públicas e posicionamento do CFESS) através de pesquisas bibliográficas qualitativas e exploratórias.

Palavras-chave: : Aborto, Legalização, Direito de Escolha.


INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988, prevê em seu Artigo 5º o direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade. Neste contexto, o aborto vem trazendo consigo inúmeras discussões, o aborto induzido é considerado crime, tipificado no Código Penal Brasileiro, e com a finalidade de proteção à vida humana intrauterina, e em certos casos, protegendo a vida é a integridade da gestante.

Por meio deste trabalho, busca-se ilustrar em quais situações as mulheres optam pela prática do aborto, e em quais aspectos as mulheres são levadas a óbito ou sofreram lesões de diferentes gravidades, além de políticas públicas a serem intituladas acerca da descriminalização do aborto e a obrigatoriedade da legalização do procedimento para assim assegurar os direitos femininos em sua exatidão.

Com o objetivo de mostrar de quais maneiras a descriminalização e a legalização da interrupção voluntária da gravidez, salvaria uma quantidade expressiva de mulheres que se submetem a essa prática.

Assim, por meio desta metodologia de pesquisa bibliográfica, para a construção desde presente artigo, será analisado a opinião de doutrinadores, o embasamento em artigos, súmulas e jurisprudências, acerca do aborto.

Para mais, será feita uma análise documental da legislação vigente no Brasil, sobretudo a Constituição de 1988. e o Código Penal de 1940. com o propósito de compararmos as interpretações doutrinárias a respeito das leis acima citadas.

A importância do conhecimento acerca desse tema para o acadêmico de Direito, visto que seja grande a divergência doutrinária, apesar de que as decisões proferidas pelos tribunais, são pautadas no direito fundamental à vida do nascituro, e o legislador não pode ser negligente a conjuntura de que a liberdade e a assistência à saúde da mulher também são Direitos Constitucionais. Ainda, como objetivo a obtenção de conhecimento sobre a questão do aborto no Brasil e a realidade enfrentada pelas mulheres, que optam por interromper a gravidez indesejada.

Por fim, há de se aprofundar mais a respeito do tema (história, tipologia e legislação), mulher é maternidade, questões femininas e feminismo, a influência da perspectiva religiosa em relação ao aborto.


1. CONTEXTO HISTÓRICO E A INFLUÊNCIA DA RELIGIÃO

Antes de adentrar no objeto essencial desse trabalho, que é a Descriminalização e Legalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, será feita uma breve explanação do que é e o porquê surgiu o Aborto.

A palavra aborto teve sua origem no latim abortus, derivado de aboriri (perecer), ab significa distanciamento e o oriri nascer (Koogan & Houaiss, 1999). A prática do ato é consideravelmente antiga, era utilizado como a forma de contracepção e preservado como prática privada até o século XlX, percorrendo por questões morais, éticas, legais e religiosas, das quais se mantém até os dias de hoje.

Por tanto, o aborto é a expulsão do embrião ou feto, de forma espontânea ou provocada, sendo considerado inviável antes de 20. semanas completas de gestação (Kunde e Sabino, 2009), sendo considerado aborto espontâneo quando interrompido, natural ou acidental; e provocado quando a causa da expulsão do feto é em decorrência da ação humana.

Segundo Marques e Bastos (1998), Schor e Alvarenga (1994), a prática do aborto é antiga e conhecida em todas as épocas e culturas, tendo um sentido e significado específico em cada uma delas. Sobre isto Pattis (2000) afirma que o aborto foi exercido por todos os grupos humanos até hoje conhecidos, embora esses grupos possuam concepções, motivações e técnicas abortivas completamente diferentes. Há registro de que o aborto acontecia desde a antiguidade, havendo menções a ele no Código de Hamurabi, criado pela civilização babilônica no século V a.C. Neste código o aborto era referido como crime praticado por terceiro, e caso a prática abortiva resultasse na morte da gestante, o alvo da pena era o filho do agressor. O Código Hitita, criado no século XIV a.C., também considerava crime o aborto praticado por terceiros, sendo a pessoa punida com uma pena pecuniária, cujo valor dependia da idade do feto (Teodoro, 2007).

Teodoro (2007) e Riddle (1992), aduz ainda que existem menções ao aborto nos escritos egípcios sobre contracepção que datam de 1850. a 1550. a.C., nos quais se falava de receitas com ervas cujas propriedades químicas, descobertas com a ciência moderna, poderiam ser contraceptivas ou causar à mulher aborto e infertilidade. De forma geral, os povos antigos - como os assírios, os sumérios e os babilônicos - possuíam leis que proibiam o aborto por razões de interesse social, político e econômico.

Na Grécia Antiga o aborto era realizado como forma de limitar o crescimento populacional e mantê-lo estável. Era uma prática bastante utilizada pelas prostitutas e defendida pelos principais pensadores da época, como Platão e Aristóteles. Apesar de as civilizações grega e romana permitirem o aborto, este poderia ser considerado crime quando ferisse o direito de propriedade do pai sobre um potencial herdeiro. Isso acontecia porque tais civilizações eram patriarcais e o homem detinha poder absoluto sobre a família e precisava de um herdeiro para sucedê-lo no poder. Neste sentido, o aborto era considerado crime devido a um interesse político, não havendo referência ao direito do feto à vida (Rebouças; Dutra, 2011).

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Com o surgimento do cristianismo, a prática do aborto passou a ser indiscutível. A partir do século XIV, São Tomás de Aquino nos trouxe a ideia de que o feto não teria alma, passou-se a ter uma maior tolerância por parte da Igreja quanto a pratica do delito. Na própria Bíblia Sagrada não existe uma referência direta a pratica do aborto, a não ser em caso de adultério ou aborto acidental. A Bíblia faz referências aos costumes judaicos sobre o direito de defender a honra e a dignidade. Desta forma, se o homem suspeitasse que sua mulher fosse infiel deveria levá-la a um sacerdote, o qual era instruído a dar-lhe a água amarga da maldição, como citado em Números 5:27-28:

Se ela se contaminou e foi infiel ao seu marido, logo que a água amarga da maldição entrar nela, seu ventre ficará inchado, seu sexo murchará, e a mulher ficará maldita entre os seus. Se a mulher não se contaminou, se estiver pura, não sofrerá dano e poderá conceber (Bíblia Sagrada, 1990, p. 148).

Considerando que se a mulher abortasse ao beber a água amarga ela seria culpada de adultério, o que é contraditório, na medida em se condena o aborto, mas utiliza-se de um "método" abortivo para julgar uma possível mulher infiel. Foi somente em 1869. então, que a Igreja Católica declarou que o feto possui alma, e por isto passou a condenar o aborto e os métodos contraceptivos.

Sant’Ana (2005), por sua vez, dispõe que “partindo do princípio de que o direito à vida é um dom recebido de Deus e que os homens são apenas administradores dela, existe um consenso entre as crenças religiosas no que diz respeito ao caráter sagrado da vida, consequência, proíbe-se qualquer intervenção do homem sobre ela. Desta forma, muitas religiões são contra a interrupção voluntária da gravidez, mesmo que o feto seja portador de alguma anomalia fetal incompatível com a vida.

Por outro lado, Zimmer (2010) retrata que “o dogma religioso diz que a vida começa a partir da fecundação, e este tem sido o principal argumento para o aprofundamento da restrição e até mesmo à tentativa de se acabar com o direito definitivo da interrupção da gravidez.”

Marques e Bastos (1998) esclarece que somente na década de 1970, através do aprofundamento nos estudos acadêmicos, de que o aborto passou a ser problematizado como uma questão social, e não mais como um desvio moral. Foi por meio desses estudos que se mostrou um aumento na pratica do aborto, tendo relação com a pobreza e a falta de planejamento familiar. Na década de 1980. o feminismo se insere na redemocratização do país, tendo como principal avanço a criação de delegacias especializadas, reconhecendo a mulher como vítima de violência. Na área da saúde, foi criado o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM), envolvendo temas como planejamento familiar, sexualidade e aborto.

Sendo assim, a convicção de que existe vida desde a concepção, foi criada para suprir os anseios da própria religião, e, por isso não deve sobrepor aos direitos das mulheres e da liberdade individual, além de que é um direito fundamental declarado na CF/88, não devendo, portanto, servir de base para as inúmeras decisões do Supremo Tribunal Federal.

Maria José Rosado Nunes destaca, em seu artigo “Aborto, maternidade e à dignidade da vida das mulheres”, que: “essa defesa inconstitucional da vida é pregada pela religião, uma vez que, para os devotos, o aborto não tem história” (p.23). Nesse sentido, os Estados democráticos devem assumir a responsabilidade de legislar para a sociedade, impedindo que as crenças religiosas influenciem o trabalho político.

Vale ressaltar que com o avanço da medicina, tornou-se possível detectar no feto a presença de anomalias genéticas que possam comprometer a vida da gestante e da criança após o nascimento, como por exemplo a anencefalia, uma anomalia resultante de uma má-formação cerebral. Diante dessa constatação muito se discute sobre a possibilidade de realizar um aborto nessa situação, contudo em 2012. o Supremo Tribunal Federal, baseando-se nesses argumentos, deu-se em sede da Arguição de Descumprimento de Preceito Federal ADPF-54, autorizando o aborto no caso de mulheres com diagnóstico de gravidez anencefálica.

De certa forma a descriminalização do aborto do feto anencefálico, nos mostra uma abertura no Poder Judiciário, considerando os avanços nos costumes e valores da sociedade, tal como no meio cientifico e tecnológico, porém está reforma é dificultada pelo Poder Legislativo, que ainda leva em conta questões culturais, religiosas e morais em um Estado que se diz laico

Nesse sentido, o movimento feminista afirma que o que falta para a descriminalização do aborto é sensibilizar camadas mais amplas da sociedade civil, devendo-se manter essa temática sempre em pauta e em debate.


2. DIREITO AO CORPO FEMININO

A lógica deste trabalho é a inclusão da mulher como figura de direito, numa apresentação dos paradigmas enfrentados por questões de gênero e a abordagem de uma nova percepção do papel que a mulher ocupa na sociedade.

David Le Breton, em sua obra (A sociologia do corpo, 2007) reconhece que há uma ideia de sacralidade no corpo humano, na vida e ainda, aspectos morais, religiosos e dogmáticos que explicam a contínua e insistente forma de tentar controlar o corpo feminino, fruto do patriarcado balizador de uma suposta postura que o ser feminino deve exercer.

A ideia de igualdade nos parece muito distante de ser efetivo na vida das mulheres, pela liberdade restrita que elas sofrem em razão da perpetuação de dogmas religiosos, conservadorismo em detrimento da saúde, em desencontro com o alcance de uma sociedade mais tolerante, equilibrada e justa. Entendemos assim, que o corpo da mulher deve ser controlado por ela somente.

Portanto, a proposta é analisar a desigualdade de gênero e buscar maneiras de cumprir o princípio constitucional da igualdade, rompendo com o patriarcado, com a religiosidade aplicada nas decisões e ainda, romper com valores sociais estabelecidos por homens, a excluir e punir os interesses das mulheres.

Como exemplo disto, podemos citar a aprovação do Projeto de Lei de Interrupção Voluntária da Gravidez (IVE, na sigla em espanhol) que no dia 30. de dezembro de 2020, foi ecoada pelo movimento feminista em todo o mundo, especialmente na América Latina, onde a massiva mobilização empreendida pelas militantes da Argentina é acompanhada, há anos, com admiração e esperança.

A legalização do aborto na Argentina foi comemorada por diversas organizações feministas no Brasil. Em um vídeo divulgado, a Marcha Mundial das Mulheres comemorou a aprovação da lei no país vizinho.

Segundo a militante Laura Salomé, a legalização do aborto significa:

“Uma missão cumprida. A campanha foi formada com este objetivo, para que o aborto legal fosse lei, para modificar o Código Penal e também para exigir que o Estado esteja presente e seja responsável pelo acesso igualitário à saúde, que é basicamente o que reivindicamos ao exigir a legalização do aborto” (Brasil de Fato | São Paulo (SP) | 30. de Dezembro de 2020).

Houve a modificação do artigo 85. do Código Penal da Argentina, que estabelecia a prisão de mulheres que recorressem à prática de interrupção da gravidez. O novo artigo define que “não é crime o aborto realizado com o consentimento da pessoa gestante até a 14ª semana do processo de gestação”. A lei inclui ainda a implementação da educação sexual integral, exigindo que o Estado argentino estabeleça políticas ativas para promoção e fortalecimento da saúde sexual e reprodutiva.

A World Health Organization [WHO] (Fatos sobre o aborto induzido em todo o mundo, janeiro de 2012), estima-se que uma entre cinco gravidezes no mundo terminam em aborto. De 1.000. mulheres em idade fértil (15-44 anos), 29. induziram o aborto. Aproximadamente 33% dos 205. milhões de gravidezes que ocorrem no mundo anualmente são indesejados e 20% acabam em aborto provocado. Cerca de 5. milhões de mulheres, no mundo, são internadas por complicações pós-aborto, provocando 13% das mortes maternas, a maioria delas em países em desenvolvimento. Nesses países, mais de 100. milhões de mulheres casadas desconhecem a necessidade de contracepção e alegam não usar contraceptivos devido aos efeitos colaterais e à crença de que não sofrem o risco de ficar grávidas.

As mulheres brasileiras explicitam que, mesmo as que praticam o aborto, mostram-se favoráveis à preservação de uma legislação punitiva dentre os casos de interrupção da gravidez, havendo, assim, um forte sentimento de culpabilidade relacionado às práticas de aborto que envolve essas mulheres.

No Brasil, é de praxe que apareçam adversários aos projetos da lei que propõem a legalização ou a descriminalização do aborto, invocando seus princípios cristãos para a afirmação de sua prática como um ato julgado como pecado. Essa posição é apresentada como uma maneira de reflexão para o pensamento de todos os membros das igrejas, onde raramente são mencionadas as diversidades existentes de forma particular na igreja católica.

O importante é perceber que muitos católicos estão à frente da instituição mesmo que fingindo uma ética que seja viável e generosa para o mundo de hoje, referido a valores religiosos. Mesmo assim, mulheres de baixa renda invocavam sua fé religiosa para justificar seus comportamentos na área de reprodução, onde a igreja se recusava e permanecer.

Por fim, quando é falado da liberdade que a mulher tem sobre seu corpo, é possível pensar que uma sociedade não pode ser definida como livre se seus componentes não possuem o direito pleno de autonomia. Pensar na utilização do próprio corpo como decisão particular foge do discurso de reconhecimento e conquista que os direitos fundamentais a pessoa humana propõe. As normas impostas pela sociedade limitam ações e tecem caminhos que padronizam modelos de conduta coletiva, onde se julga saber o que de fato é adequado.


3. O ABORTO COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Talvez a maior dificuldade que se encontre ao analisar a questão do aborto no âmbito constitucional seja o fato de que a própria Carta Magna não foi explícita ao tratar do assunto, cabendo às leis inferiores a tarefa de dispor sobre o assunto. José Afonso da Silva ao tratar do assunto, dispõe que,

“A Constituição não enfrentou (o tema aborto) diretamente. Houve três tendências no seio da Constituinte. Uma queria assegurar o direito à vida, desde a concepção, o que importava em proibir o aborto. Outra previa que a condição de sujeito de direito se adquiria pelo nascimento com a vida, sendo que a vida intra-uterina, inseparável do corpo que a concebesse ou a recebesse, é responsabilidade da mulher, o que possibilitava o aborto. A terceira entendia que a Constituição não deveria tomar partido na disputa, nem vedando nem admitindo o aborto. Mas esta não saiu inteiramente vencedora, porque a Constituição parece inadmitir o abortamento. Tudo vai depender da decisão sobre quando começa a vida”. (SILVA, 2014, p. 205.)

Neste mesmo sentido Ricardo Cunha Chimenti (2008) e outros, salientam que:

O Constituinte de 1988, não esclareceu se garante o direito à vida desde a concepção ou somente após o nascimento com vida. Não tendo optado por nenhuma das duas hipóteses, significa que a questão pode ser tratada pela legislação infraconstitucional. Foi o que ocorreu quando o art. 2º do CC/2002 assegurou, desde a concepção, os direitos do nascituro. Reconheceu-se, portanto, a existência da vida intra-uterina. (CHIMENTI, Ricardo Cunha; SANTOS, Marisa Ferreira dos; ROSA, Márcio Fernando Elias; CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Constitucional. 5ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2008)

A omissão da CF/88 dá margem a uma ampla discussão doutrinária e social, uma vez que, cabe à legislação infraconstitucional decidir pela proteção da vida intra-uterina. A hierarquia de normas leva ao questionamento da sobreposição ou não dos direitos fundamentais, tais quais o direito à liberdade, dignidade da pessoa humana e a autodeterminação.

O direito à dignidade da pessoa humana consiste em um:

(...) valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável na própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres vivos.(MORAES, P. 20)

A proibição do aborto representa uma clara limitação à dignidade da pessoa humana.

A mulher que se encontra em situação de gravidez, teria, ao menos em tese, o direito de optar por ter ou não o fruto dessa gravidez. Decidir pela continuidade da gestação ou não, representaria a autodeterminação consciente em sua expressão fatídica.

Contudo, assegurar a dignidade da pessoa humana nesse caso, representaria de mesma forma, negar o direito à vida ao nascituro. Encontra-se aí, um claro conflito de direitos fundamentais.

Já direito à liberdade é conceituado por Ricardo Cunha Chimenti, e outros (2008), como “é o direito à escolha, à opção, ao livre-arbítrio, ao poder de coordenação consciente dos meios necessários à realização pessoal”.

A concepção do direito à liberdade, implica em dizer que dá a mulher gestante o direito de escolha, podendo decidir pela continuidade ou não da gestação. O livre-arbítrio representaria o poder de que cada indivíduo possui de decidir por si só e dar sequência às suas ações

A questão é de extrema complexidade, devendo ser analisada levando-se em conta a ponderação e o princípio da razoabilidade. Por mais que no âmbito jurídico pareça pacificada a questão, o tema vai muito além do que nosso ordenamento permite ou proíbe, deve-se verificar a sociedade como se apresenta hoje.

3.1. DIREITOS FUNDAMENTAIS X ABORTO

O ponto forte sobre o qual o aborto recai é o direito à vida, que é direito fundamental explícito em nossa Constituição Federal, que em seu art. 5º, caput, destaca,

Art. 5º. – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

A relevância de tal direito assim como o tratamento constitucional dado pelo nosso ordenamento jurídico não deixa dúvidas quanto à inviolabilidade do direito à vida. Para a efetiva realização deste direito fundamental é importante se definir qual o parâmetro que o direito adota para definir vida.

Segundo José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros Editores, 19ª ed., 2001, pág. 200):

Vida, no contexto constitucional (art. 5º, caput), não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante autoatividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte. Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida. (AFONSO Da Silva, 2001, P. 200)

Para tanto, é importante lembrar que a questão do início da vida é tema de ampla discussão na doutrina, mas não podemos dizer que se encontra pacificada hoje.

Sobre as autoras
Andrísia Presley Machado Silva

Graduada em Direito pelo Centro Universitário UNA e Pós-Graduanda em Direito Internacional na Cruzeiro do Sul Virtual.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Andrísia Presley Machado; CORREIA, Débora Maria Brites. Descriminalização e legalização da interrupção voluntária da gravidez. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6531, 19 mai. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/90392. Acesso em: 5 nov. 2024.

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