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A inconstitucionalidade da confissão no acordo de não persecução penal

O artigo é um estudo da inconstitucionalidade da confissão no ANPP, eis que fere a isonomia, colocando inocentes em desvantagem processual.

RESUMO

O presente estudo tem como objetivo debater quanto a inconstitucionalidade da confissão no Acordo de Não Persecução Penal, instituído pela Lei 132.964/2019. Como é sabido, o instituto é uma norma inovadora em nosso ordenamento jurídico, com intenção primária de incentivar a justiça consensual no Brasil, assim como feito outrora nas inovações da Lei 9.099/95, esta que contém os institutos da Suspensão Condicional do Processo e da Transação Penal. Todavia, já nasce grandes problemáticas quanto a exigência do requisito da confissão, eis que boa parte da doutrina brasileira entende pela sua inconstitucionalidade. Neste estudo, trataremos como inconstitucional a confissão pelo motivo dela destinar o Acordo de Não Persecução Penal, somente aos réus que de fato cometeram o crime e excluindo aqueles que precisam lutar árduos anos para provar sua inocência, enquanto aquele infrator resolve desde logo sua situação processual. Assim sendo, nota-se imprescindível a adequação do Acordo de Não Persecução Penal ao manto da Constituição Federal, para que não seja tão injusto e fira princípios constitucionais, já que o País na qual vivemos, ainda vive sob o prisma de um Estado Positivista.

Palavras-chave: Confissão, Acordo de Não Persecução Penal, Inconstitucionalidade.

THE UNCONSTITUTIONALITY OF CONFESSION IN THE CRIMINAL NON-PERSECUTION AGREEMENT

ABSTRACT

The present study aims to debate the unconstitutionality of the confession in the Penal Non-Persecution Agreement. As is well known, the institute is an innovative norm in our legal system, with the primary intention of encouraging consensual justice in Brazil, as was done in the past in the innovations of Law 9,099 / 95, which contains the institutes of Conditional Suspension of the Process and the Criminal Transaction. However, major problems are already being born regarding the requirement of the requirement of confession, behold, a good part of Brazilian doctrine understands by its unconstitutionality. In this study, we will treat the confession as unconstitutional on the grounds that it destines the Criminal Non-Persecution Agreement, only to the defendants who actually committed the crime and excluding those who need to fight hard years to prove their innocence, while that offender resolves his procedural situation right away. . Therefore, it is essential to adapt the Non-Criminal Persecution Agreement to the mantle of the Federal Constitution, so that it is not so unfair and violates constitutional principles, since the country in which we live, still lives under the prism of a Positivist State.

Keywords: Confession, Non-Criminal Persecution Agreement, Unconstitutionality, Plea Bargaining, Delation, Relieve, Favoring, Defendants Confessed, Procedural arrears, Pre-Procedural.

INTRODUÇÃO

O Brasil por anos tenta adequar seu modelo jurídico positivista para um modelo mais negocial, de modo que resolva as lides sem a participação direta do Estado propriamente dita, mas como um fiscalizador da legalidade e da constitucionalidade

Por isso, debater quanto a inconstitucionalidade da confissão no Acordo de Não Persecução Penal se mostra pertinente, já que quando exigida na norma processual penal para conceder tal benefício, acaba por ferir princípios básicos em nossa Constituição Federal.

Para aplicar o instituto é de suma importância que os requisitos básicos do artigo 28-A do Código de Processo Penal estejam preenchidos, tais como: não ser caso de arquivamento, ter o réu confessado o crime, não ter a conduta sido praticada com violência e grave ameaça e, por fim, a pena mínima ser inferior a 4 (quatro anos).

O problema é que, por vezes, pode acontecer de o réu ser acusado de um crime que não cometeu e ser a sua conduta compatível com os requisitos do Acordo de Não Persecução Penal.  Partindo desta premissa, tendo como base o requisito da confissão, seria mais benéfico e justo o réu confessar um crime que não cometeu, visto que a lei estaria favorecendo mais o réu confesso? É questão que será debatida neste artigo científico, onde procuraremos destrinchar suas respostas, apontar diferentes caminhos doutrinários e possíveis resoluções. 

O tema em comento, trará em discussão ainda, os impactos que poderá causar o Acordo de Não Persecução Penal caso exigido o requisito da confissão, tendo em vista que diferente da transação penal, que não importa se o sujeito é ou não o autor do crime, no Acordo de Não Persecução Penal exige que o autor confesse sua conduta caracterizada como crime.

O debate a este tema poderá servir como evidenciação nos impactos que poderão causar a sua aplicação obedecendo tais requisitos, eis que não pode um acusado inocente estar em desvantagem com aquele réu que confessou tal conduta, que por vezes, podendo ser até mais grave.

Deste modo, o debate ao tema é precioso e razoável, na qual utilizamos pesquisas doutrinárias e bibliográficas de grandes juristas, além de pesquisas científicas, dando mais ênfase, a pesquisa qualitativa e criteriosa para um melhor trabalho.

2 BREVE EVOLUÇÃO ACERCA DA JUSTIÇA NEGOCIAL.

Atualmente no Brasil, como se sabe, vigora uma Constituição que veio para abrir leques a visões diferentes das outorgadas anteriormente a população brasileira. Como prova disso, são as várias positivações no tocante aos direitos tidos como fundamentais.

Quanto as [3]normas infraconstitucionais, o que marcou mais nesse século, falando de uma forma pré-processual, foram as justiças negociais, ou melhor, o incentivo do Estado para que as partes resolvam seus conflitos antes de onerar o poder judiciário brasileiro.

Talvez o marco inicial e de sucesso inclusive, apesar de não ser deste século, seja a lei 9.099/95, no qual principalmente no âmbito processual penal, serviu para desafogar o judiciário de vários procedimentos considerados de fácil resolução. Neste sentido, aqueles crimes de menor potencial ofensivo com pena maior abstrata de até dois anos, seriam direcionados agora ao procedimento sumaríssimo, conforme prescreve o artigo 61 da lei em referência.

Art. 61.  Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. (BRASIL, Lei 9.099/95, artigo 61, nova redação dada pela lei 11.313 de 2006)

se ter uma ideia, a redação inicial do artigo previa o rito para os crimes de até 1 (um) ano, vindo posteriormente em 2006 sofrer importante alteração que consolidou de vez o sucesso deste tipo de justiça negocial.

Mas qual seria essa justiça negocial? Bom, trata-se da transação penal e da suspensão condicional do processo, a primeira contida no artigo 76 e a segunda no artigo 89 da lei, em que o Ministério Público, observado requisitos necessários do instituto, principalmente o histórico do infrator, oferecerá o benefício.

Deste modo, independentemente se o acusado é de fato autor do crime ou contravenção, ou se simplesmente não cometeu qualquer conduta, será agraciado com o benefício sem se pronunciar quanto a sua autoria.

Noutro turno, passados alguns anos com o sucesso do estilo de justiça negocial no Brasil, utilizando também paradigmas de vários países de modelo, surge então o Código de Processo Civil de 2015, em que ficou ainda mais evidente o incentivo do poder judiciário para que as partes não deem início a um processo propriamente dito.

Por fim, talvez o tema que gerou mais discussão pós Carta Magna, os legisladores estreiam o Acordo de não Persecução Penal, inspirado no [4]plea barganing dos Estados Unidos.

Como melhor definição desta evolução, utilizamos uma passagem do artigo de Pedro Faraco Neto e Vinicius Basso Lopes (2020), que define muito bem o que descrevemos até aqui:

Sendo assim, o Brasil caminha para uma adoção do processo penal com viés utilitarista, abandonando o modelo epistêmico de processo, e passando-se a adotar um modelo consensual. Um dos expoentes dessa transição é o acordo de não persecução penal que inicialmente não possuía respaldo legislativo (stricto sensu), uma vez que se encontrava regulado somente pela Resolução 181/17, do Conselho Nacional do Ministério Público, alterado pela Resolução 183/18. Tal acordo surgiu para suprir a necessidade de acordos não só para crimes de pequeno potencial ofensivo, mas também para os de médio potencial, com vistas a dar maior celeridade à justiça penal, tal qual a Lei 9.099/95.

Neste diapasão, observa-se que foi preciso muito trabalho e insistência para conseguirmos ter uma justiça mais célere, mesmo que usando outros modos. Imperioso ressaltar, que o Estado nunca conseguiu seguir com amplitude o princípio da razoável duração do processo.

Por isso, é importante, mesmo ainda com a barreira do direito privativo processual da União, adequarmos e apararmos possíveis arestas na prática processual, utilizando a justiça negocial da melhor forma possível, sem que enseje possíveis inconstitucionalidades.

3 A CONFISSÃO NO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL.

          Como é cediço, o Código de Processo Penal exige requisitos obrigatórios para que o acusado se beneficie do acordo de não persecução penal disposto no artigo 28-A e um destes é que o acusado confesse formal e circunstancialmente a prática do crime.

Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente.

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Neste sentido, o acusado que tiver cometido algum crime que se encaixe na redação do artigo terá a oportunidade de não ser processado desde que confesse a autoria delitiva do crime.

          Este instituto é fruto do [5]pacote anticrime, Lei 13.964 de 2019, criado inicialmente pelo antes ministro Sergio Moro e que sofreu diversas alterações pelo legislativo e pelo judiciário, mais especificamente o Superior Tribunal de Justiça.

          O acordo já está vigente no ordenamento jurídico, inclusive sendo aplicado em diversos processos que se iniciaram a partir da criação da norma, tendo em vista que o acordo inicialmente, observando o artigo 2° do Código de Processo Penal, teve aplicação imediata sem prejuízo daqueles atos que já foram anteriormente praticados no processo.

O grande problema é a obrigatoriedade de o acusado confessar a prática criminosa. Pela interpretação da norma, somente aqueles réus confessos terão o benefício da aplicação do acordo de não persecução penal.

Todavia, operadores do direito já começaram a divergir sobre a obrigatoriedade da confissão, entendendo que o acordo poderia ser proposto mesmo que o acusado não tenha confessado o crime nos moldes do artigo 28-A do CPP.

Em recente publicação da revista gaúcha da defensoria pública do estado do Rio Grande do Sul (2020, ano 11, n° 26), foi possível perceber de forma mais cristalina isso:

Ademais, de forma alguma a confissão, mesmo que formalizada e circunstanciada, é exigida como parte do acordo. A confissão é um ato, o acordo outro. O artigo 28-A do CPP não previu a necessidade de o mesmo acompanhar o acordo levando à homologação e não deve ser interpretado diferentemente.

Logo, ainda haverá divergências quanto a sua obrigatoriedade, mas o que é sabido é que caso seja obrigatório tal instituto, ela se tornará inconstitucional.

Assim sendo, já de antemão observamos o quão a lei neste sentido deu mais benefícios ao praticante do crime propriamente dito do que aquele que tenta com todas as suas forças provar sua inocência em juízo.

Isto porque caso realmente o acusado não tenha praticado a conduta que lhe está sendo imputada, terá de passar por todo um tramite processual lento e extremamente danoso para provar sua inocência, fato ainda que poderia causar vários danos em sua vida pessoal.

Possuindo este entendimento, destacamos novamente os ensinamentos de Aline Correa Lovatto e Daniel Correa Lovatto (2020, ano 11, n° 26), que citam discorrem sobre o tema:

Acontece que se trata de um acordo ilegítimo por si só ao exigir a confissão dessa forma. A ponderação da negociação entra a confissão, verdadeira ou irreal, para atingir a possibilidade de não se ver processualmente acusada, parece à pessoa mais uma pressão psicológica do que propriamente um benefício, ainda mais claro quando a ótica é a do sujeito inocente que acaba por tendo de optar entre dois caminhos danosos. Trata-se de imposição de uma situação tido por negocial, mas que apenas transparece o desequilíbrio relacional entre as partes.

A redação, só reforça o que está em comento, visto que caso haja imposição da condição de confessar a conduta formal e circunstancialmente, a saída com menos consequências é uma confissão irreal e falsa.

Inicialmente o acordo tentava fazer uma analogia, mesmo que distinta, do famoso plea bargaining dos Estados Unidos da América, possuindo ainda praticamente que os mesmos requisitos.

Neste o acusado poderia barganhar sua pena em troca de uma delação do crime, não se confundindo com a famosa delação premiada já existente no ordenamento jurídico. Entretanto tal instituto foi retirado do projeto inicial do então Ministro da Justiça.

O doutrinador Guilherme Nucci (2020, p. 222), descreve em sua obra, observando com qualidade que:

Acordo de não persecução penal: trata-se de mais um benefício previsto para autores de crimes menos relevantes, não se confundindo com o plea bargain do direito norte-americano, pois este é amplo e irrestrito.

Neste caso entendemos que realmente poderia ser útil a confissão, pois seria fundamental para uma investigação criminal que o acusado cooperasse e em troca receberia um benefício.

Mas veja que a intenção supracitada é com relação a ajudar na obtenção de elementos para coibir a prática criminosa e neste segundo é um benefício aos que já cometeram a infração.

Seguindo esta lógica, concluímos então que é mais fácil o acusado confessar uma prática delituosa do que esperar uma persecução inteira para provar sua inocência, já que o acordo não gera reincidência e já pode resolver sua pendência processual já de início.

Em seu artigo científico, o Doutor Rodrigo Cabral (2019) foi certeiro quando menciona logo no início que:

Constata-se, também, que a investigação criminal no Brasil é, em termos gerais, um grande fracasso. Em regra, a autoria e participação, em delitos somente é identificada quando existe prisão em flagrante dos envolvidos. A demais, verifica-se que os casos que efetivamente chegam as Varas Criminais têm, normalmente tramitação morosa e sofrem infindável número de incidentes e dificuldades burocráticas. Obter uma sentença penal com trânsito em julgado, parece algo quase inalcançável para os delitos graves

Exemplo disso seria um acusado do crime de furto, em que a pena é de 1 a 4 anos, que de antemão já se exclui a possibilidade de procedimento sumaríssimo que contém os benefícios de transação penal e suspensão condicional do processo.

No nosso exemplo acima citado, o acusado é primário e não cometeu o crime em que está sendo acusado, mas deseja provar sua inocência e mostrar para todos que não é pessoa de praticar crimes, veja o quão preterido foram os cidadãos de bem em relação aos criminosos.

Vamos adiante, imagine-se ainda que o crime que o acusado do nosso exemplo cometeu furto qualificado e tenha em seu meio a tese de princípio da insignificância como matéria de defesa.

É sabido que os Tribunais Superiores entendem que não cabe insignificância no furto qualificado, então poderia ter a possibilidade do acusado ser condenado de um crime tão brando e outros que cometeu crimes de repente mais graves serem beneficiados.

Com isso chegamos à conclusão que acontecerão várias fraudes processuais em torno do acordo de não persecução penal, de pessoas que preferem confessar uma conduta visto ser mais benéfico.

4 DAS DISCUSSÕES QUANTO A SUA INCONSTITUCIONALIDADE

Importante salientar que o acordo de não persecução tinha como intenção basilar assemelhar-se ao plea bargaining dos Estados Unidos, como pode ser descrito em passagens supracitadas, pois muito embora contenha poucas semelhanças na prática, tem como finalidade a delação para que se evite a prática de mais crimes.

Todavia foi uma tentativa fracassada quando colocou o texto atual em vigência, tendo em vista que na prática o que vem ocorrendo, é a confissão como requisito para conceder o benefício do ANPP.

O renomado doutrinador Guilherme Nucci (2020, p. 222 e 223), descreve a confissão do acordo de não persecução penal como:

“Confissão formal e circunstanciada: demanda o dispositivo uma confissão do investigado, representando a admissão de culpa, de maneira expressa e detalhada. Cremos inconstitucional essa norma, visto que, após a confissão, se o acordo não for cumprido, o MP pode denunciar o investigado, valendo-se da referida admissão de culpa. Logo, a confissão somente teria gerado danos ao confitente”.

Não compartilhamos da perspectiva do doutrinador quanto a [6]exclusividade de inconstitucionalidade, mas entendemos que realmente o requisito exigido se torna inconstitucional do ponto de vista que viola, de certa forma, o princípio da dignidade da pessoa humana em sua obrigatoriedade quando direciona benefícios a condutas mais graves no ordenamento jurídico.

Ora, se a intenção seria a delação do crime para coibir a prática criminosa, neste caso está fazendo o oposto, ou seja, está tranquilizando aqueles que possuem affair para cometimento de crimes que possuem agora mais um instituto despenalizador na lei processual penal.

Os ensinamentos de Rogério Sanches Cunha (2020, p. 129) quanto a produção de prova contra si mesmo, se mostram mais realísticas com o que será aplicado na prática:

“Importante alertar que, apesar de pressupor sua confissão, não há reconhecimento expresso de culpa do investigado. Há, se tanto, uma admissão implícita de culpa, de índole puramente moral, sem repercussão jurídica. A culpa, para ser efetivamente reconhecida, demanda o devido processo legal. Não sem razão, diz o §12 que “A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do §2°, deste código”.

Caso a prova da confissão seja usada em eventual descumprimento do acordo, se criará uma insegurança jurídica gigantesca, deixando de termos uma importante inovação para um verdadeiro retrocesso jurídico penal.

Para reforço desta tese, a revista trincheira, formada pelo promotor Saulo Murilo de Oliveira Mattos (2019, ano 3, n° 7, p. 12 e 13), possui entendimento consonante.

Não há relação de interdependência entre o ato de não denunciar e o ato de confessar. Para evitar uma persecução penal ou mesmo suspendê-la, a confissão é irrelevante. [..] a confissão é expediente probatório de baixíssimo valor epistêmico. Longe de um conto de fadas normativo (art. 197 do CPP), não é confrontado com as demais provas do processo. (REVISTA TRINCHEIRA DEMOCRÁTICA DO ESTADO DA BAHIA, 2019, ano 3, n° 7.p 12 e 13).

Assim sendo, as posições doutrinárias supracitadas parecem ser as mais consonantes com a ordem jurídica, mesmo que na maioria das vezes a confissão outrora realizada, sirva como um marco inicial das investigações.

Todavia, mais danoso que instaurar um procedimento utilizando de uma prova extremamente fraca que não é ainda absoluta, é dar mais ênfase e benefícios a infratores confessos do que aqueles que são inocentes.

Ora, mais parece uma salada mista de várias cabeças pensantes o instituto do que uma inovação boa para os direitos fundamentais na Constituição. Ficou muito claro que o legislador quis mais um instituto para diminuir as demandas, que já estão excessivas, ajudando assim que processos importantes de fato como crimes graves sejam julgados com razoável duração processual.

Mas o que fica de maior questionamento é por qual motivo colocou então como requisito a confissão para se oferecer o acordo, já que não faria o maior sentido quando analisamos o soerguimento quanto a evolução do instituto na prática.

Com outro entendimento, mas seguindo a linha da inconstitucionalidade, Emanuel dos Santos Costa Rufino (2019), publicou um artigo científico com o entendimento que a confissão em um primeiro momento não é circunstanciada, mas somente dada de uma forma simples:

Questão que se revela importante aos nossos olhos, consiste na espécie de confissão que pode ensejar o acordo. Como se sabe, a confissão pode ser simples, quando o investigado admite a prática do crime de modo espontâneo, sem qualquer outra alegação, ou qualificada, onde o investigado admite a culpa em relação ao fato principal, mas levanta outras circunstâncias que podem excluir a sua responsabilidade. Nessa perspectiva, pensa-se que a confissão qualificada exige o trâmite judicial conflitivo, com o devido processo legal, uma vez que o reconhecimento das circunstâncias levantadas pelo investigado pode resultar em exclusão da sua responsabilidade. Assim, entende-se que somente a confissão simples é apta para a formalização do acordo.

Não obstante a isso, o próprio dispositivo nos denota que a confissão deverá ser circunstanciada, ou seja, seria mais uma celeuma para discutirmos em torno deste requisito causador de tanta polemica desde sua criação.

Se formos olhar a óptica do alicerce da lei, como bem-dito anteriormente, a ideia do legislador foi se inspirar no plea bargaining dos Estados Unidos da América, com propostas de diminuir demasiadamente as cadeias superlotadas brasileiras.

O doutrinador Marllon Sousa (2019) descreve muito bem de onde provém o dispositivo e seu sucesso em passagem citada:

Estes números sugerem que o procedimento de plea bargaining foi responsável por resolver 89,5% de todos os casos criminais nos tribunais federais estadunidenses no período examinado. Além disso, considerando a proporção de réus condenados que se declararam culpados (plead guilty) ou condenados por juízes togados ou pelo tribunal do júri, o equilíbrio da equação é surpreendente: plea bargaining representaram 97,7% de todas as condenações em processos criminais nas cortes federais dos EUA durante o mesmo período de 12 meses. Esses números podem indicar por que o plea bargaining se tornou uma característica essencial do sistema de justiça criminal dos EUA.O domínio das negociações no processo penal dos Estados Unidos pode funcionar como uma justificativa para a adoção do modelo de plea bargaining em muitos países ao redor do mundo que importaram tal prática jurídica em seus sistemas legais.

O sucesso tão desejado no Brasil certamente não se mostrará possível devido a quantidade de mutação que sofreu o projeto. Na realidade, olhando sobre o prisma da prática no dia a dia, ficou realmente como uma transação penal do rito sumário e ordinário, eis com uma ressalva: a exigência de confissão.

Destarte, temos então um requisito que na prática, isto se for realmente exigido como o texto legal prescreve, só favorecerá aquilo que a Constituição não prega, indo de encontro com princípios basilares que por anos árduos foram adquiridos pelos brasileiros em um contexto histórico

Após destrincharmos de uma forma material quanto os caminhos problemáticos do instituto em questão, partimos a analisar em específico as violações que a confissão no acordo de não persecução acaba violando quando dá mais benefícios a um réu confesso do que um inocente que busca provar que não incorreu em nenhuma conduta.

O primeiro deles, está entre os mais importantes princípios constitucionais já postos por nossos legisladores, pois por ele é possível destrincharmos vários outros princípios extremantes importantes, tais como o contraditório e a ampla defesa.

O Juiz Federal e Jurista Marllon Sousa (2019) possui entendimento quanto a definição do que seja o devido processo legal:

O devido processo significa que o Estado deve respeitar todos os direitos fundamentais do acusado desde o início das investigações, passando pela ação penal, até a eventual execução da pena. Se houver qualquer desrespeito por parte dos órgãos estatais aos direitos do réu, o sistema legal deve estabelecer medidas de proteção do cidadão em face de ações arbitrárias ou ilegais realizadas pelos agentes do estado abusando de seu poder.

Quando o Acordo de Não Persecução Penal dá mais celeridade a processos de infratores para que “limpem” seu histórico de maneira mais ágil, se mostra nítido que o devido processo legal foi violado. Ora, precisar esperar todo o rito processual penal para provar sua inocência, está criando embaraços no princípio do contraditório e da ampla defesa.

Em ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela [7]Abracrim, questiona diversos pontos na lei 13.964/19, e uma delas é quanto a sua Inconstitucionalidade. Todavia, a Adin segue a mesma ideia já suscitada por doutrinadores, que é a questão da produção de prova contra si mesmo, na qual viola o princípio da presunção de inocência.

Exige-se, porém (caput do art. 28-A), que o investigado “confesse” a prática de crime para a propositura do referido acordo (conditio sine qua non), violando, inegavelmente, o princípio da presunção de inocência (inciso LVII do art. 5o da CF), e mais que isso, sem o crivo da presença ou participação do Poder Judiciário na celebração do acordo. Essa exigência de “confissão” da prática do crime pelo investigado (que pode, inclusive, nem conseguir celebrar o acordo, mesmo tendo confessado), pela não satisfação de outros requisitos ou condições - que é condição legal indispensável para a admissão do “acordo de não persecução penal”.

Como já exposto, há inúmeros caminhos que incidem inconstitucionalidades, é fato, como é a supracitada na Ação Direta de Inconstitucionalidade. Não obstante, acabamos sempre voltando a ideia de a confissão não ser uma prova absoluta, podendo o réu inclusive se retratar dela.

Por isso, a pessoa inocente estar em desvantagem em um processo para com um réu confesso, nos parece um problema bem mais grave que este, já que pode ser resolvido com interpretações jurisprudenciais. Porém, sanar o vício na qual estamos debatendo neste artigo, parece ser algo mais trabalhoso, pois teria que revogar um requisito que consta como obrigatório.

Pior ainda é que poderá haver quem [8]incentiva a prática de confissões falsas e irreais, o que se mostra ainda mais perigoso, já que haver-se-á um conflito entre o contraditório legítimo e confissões falsas.

Exemplo disso seria fulano que é acusado de um crime de furto. Todos os requisitos do ANPP batiam perfeitamente, todavia ele é inocente, não quer ter de passar anos na justiça para provar tal qualidade. Temos aqui então um princípio do devido processo legal pesando, pois não é justo que ele tenha um contraditório bem mais ferrenho e demorado enquanto com uma simples audiência pré-processual se resolva quanto a outros acusados.

Válido lembrar que a ampla defesa também acaba se encaixando no instituto, tendo que vista que está enraizada no escorço do devido processo legal. No caso em comento, a título de exemplo, temos violações a ampla defesa quando há tratamento diferentes aos acusados, principalmente mais benéfico que ele tenha incorrido realmente na conduta.

Quanto união dos institutos, o Ministro Alexandre de Moraes (2008, p. 23) orienta a seguinte redação em sua obra:

O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito a defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal). O devido processo legal tem como corolários a ampla defesa e o contraditório, que deverão ser assegurados aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, conforme o texto constitucional expresso (art. 5º, LV).

Por fim temos a Constituição Federal em seu artigo 5°, inciso LV, que positiva de maneira cristalina o princípio do Contraditório e da Ampla defesa, independente do crime cometido pelo acusado. “Art. 5º, LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; ”.

Observado isso, o próprio titular da ação penal, o [9]parquet, em referência ao vernáculo jurídico, começa também a observar suas lacunas e inconstitucionalidades. Como prova disso, o Ministério Público do Ceará (2020, ano 12, n° 2), publicou um artigo científico que tem uma consonância muito grande com o que é discutido até aqui, quando menciona que:

A confissão, por sua vez, não é averiguada no momento da ratificação judicial, pois seria entrar no mérito da causa e ao homologar o acordo, o Judiciário apenas analisa as condições de legalidade e voluntariedade, reafirmando a necessária dispensa da confissão em fase pré-processual, a nível de ANPP, já que é trabalhada em fase processual, a título de mérito, demonstrando ferimento ao artigo [10]8º, §2º, da Convenção Americana de direitos Humanos, recepcionada pela Constituição Federal brasileira, ao trazer o devido processo legal como forma devida de averiguação de culpa, consequentemente preservando também a presunção da inocência

Observa-se, que para que haja presunção de inocência é preciso haver averiguação de culpa e para haver averiguação de culpa é imprescindível a isonomia processual. Não havendo isso, a Justiça processual do Brasil acaba não observando o princípio da Convenção que foi adentrada e ratificada em nosso ordenamento.

Outro dispositivo da Convenção que também acaba sendo ferido, é o artigo 8°, §1°, já que como dito por várias passagens neste artigo, a mora processual é um grande problema para que o acusado prove sua inocência, visto que não pode beneficiar-se do Acordo de Não Persecução Penal quando inocente.

1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

Sendo assim, depois de analisar possíveis problemáticas, que inclusive já se começa a aparecer na prática, acaba por violar juntos a ampla defesa e o contraditório por todos os motivos expostos, sendo imprescindível que sane tal problema para que não acarrete ainda mais violações constitucionais supervenientes.

Por isto, a melhor alternativa para resolução seria desconsiderar o requisito da confissão, ou, pelo menos, pacificar um entendimento justo e que não fira dispositivos constitucional e convencionais.

Para isso, o melhor entendimento seria conceder o benefício a todos aqueles que encaixam no artigo, mas sem a confissão, já que assim haveria isonomia processual. Por outro lado, a confissão serviria como um ganho a mais dentro da concessão do benefício, como multa menor ou prestação de serviço mais branda.

CONCLUSÃO

Observando sob a égide da evolução, observou-se o quanto a justiça negocial no Brasil, teve como referencias as justiças negociais de outros países, principalmente quando se fala na barganha processual, traçando como ponto inicial a Lei 9.099/95, percursora para um possível sucesso na composição de seus conflitos.

Também pode-se deparar com a notória comparação entre a barganha processual americana, conhecido como plea bargaining, com a tentativa de adequar o Acordo de Não Persecução Penal em seus moldes, utilizando a confissão como uma espécie de delação.

Foi possível também, no cerne central idealística do artigo, debater quanto a inconstitucionalidade da confissão, principalmente pontuando que sua exigência acabaria beneficiando mais réus confessos do que inocentes, estes que acabariam por ficar anos na mão da mora jurisdicional, tentando provar uma inocência sem nenhuma garantia de tal feito.

Evolui-se na questão das confissões falsas, que acabariam sendo mais benéficas do que aguardar a mora processual, principalmente quando se fala dos benefícios do acordo, já que pode utilizar dele após o interregno de 5 anos sem acordar uma Transação Penal, Suspensão Condicional Processual ou o próprio Acordo de Não Persecução Penal.

Já na questão dos princípios violados pelo tema em debate, evoluiu-se na questão do ferimento ao devido processo legal, já que a norma não concede a ampla defesa a todos quando beneficia alguns com melhores saídas, especialmente quando este é o réu confesso da conduta tida como crime.

Houve evolução no debate quanto ao devido processo legal, adentrando também na Convenção de Direitos Humanos, que tem como ideologia basilar a verificação da culpa, visto que esta verifica a presunção de inocência e não está em consonância com a confissão no Acordo de Não Persecução Penal, pois se a lei dava mais benefício ao infrator que o inocente, não se mostra aplicável o princípio na norma penal brasileira.

Tendo como resolução para grandes problemas futuros que virão com a obrigatoriedade da confissão, a solução mais razoável é a sua adequação, para que o Acordo de Não Persecução Penal se adeque ao máximo possível com a Transação Penal dos Juizados Especiais e consequentemente conceda o acordo a todos os que se enquadrem nos requisitos, com exceção da confissão. Caso o acusado opte ainda assim pela confissão, teria mais benefícios dentro do cumprimento dele. Desta forma, teríamos o devido processo legal respeitado, além de estarmos diante de uma isonomia constitucional.

                                                               REFERÊNCIAS

NUCCI, Guilherme, 19° edição, Código de Processo Penal comentado, 2020.

CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira, artigo de opinião, tema: Um panorama sobre o acordo de não persecução penal. online, Disponível em: https://www.editorajuspodivm.com.br/cdn/arquivos/2a36cfc8306908148b233995a76a4532.pdf

CUNHA, Rogério Sanches, Pacote Anticrime, 2020, comentários às alterações no CP, CPP e LEP.

SOUSA, Marllon. Plea Bargaining no Brasil. Salvador: Editora JusPodivm, 2019

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23 ed. São Paulo – Atlas, 2008

RUFINO, Emanuel dos Santos Costa, monografia no tema “introdução dos mecanismos de consenso na justiça criminal brasileira: o acordo de não persecução penal”, 2019, Recife.

NETO, Pedro Faraco e LOPES, Vinícius Basso, artigo científico. Artigo científico ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENALA retroatividade da lei penal mista e a possibilidade dos acordos após a instrução processual, 2020.

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Supremo Tribunal Federal. ADI n° 6304/DF. Relator: Celso de Melo, disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5843708.


[3] Normas que estão abaixo da Constituição Federal.

[4] Instituto de origem da commow low, que significa barganha processual. Consiste em um benefício concedido aos acusados em troca de informações a respeito daquele crime.

[5] Alterações feitas na legislação penal brasileira em 2019 com intuito de combater o crime organizado e diminuir a incidências de demandas no judiciário brasileiro.

[6] Em nossa concepção é o menor dos problemas quando da obrigatoriedade da confissão. No Direito penal brasileiro já se entende que a confissão não é uma prova absoluta, assim ela será um prova muito pouco frutífera em uma possível condenação.

[7] Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas.

[8] Entendemos como uma das consequências dessa inconstitucionalidade da confissão, visto que quando o acusado se encontra com um processo extremamente moroso e danoso, prefere uma confissão irreal. Assim sendo, além do cerne principal do trabalho, ou seja, a inconstitucionalidade da confissão por dar mais benefícios a réus confessos, nos deparamos também com essa consequência tão danoso a justiça penal brasileira.

[9] Expressão francesa muito utilizada no Brasil para se referir ao representante do Ministério Público.

[10] 2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.  Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade [...].

Sobre os autores
Igor Cardoso Venâncio

Graduando em Direito no Centro Universitário Una Bom Despacho.

Rodrigo Márcio de Oliveira

Graduando em Direito no Centro Universitário Una Bom Despacho.

Informações sobre o texto

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