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A boa-fé objetiva e seus institutos

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Agenda 26/10/2006 às 00:00

4) DEVERES ANEXOS OU LATERAIS

A boa- fé objetiva também é fonte das denominadas obrigações anexas ou laterais, também denominados deveres anexos. A doutrina os divide em três grupos a saber: deveres de lealdade e cooperação, deveres de proteção ou cuidado e deveres de informação ou esclarecimento.

Conforme antes referido, o enfoque a ser conferido ao contrato não mais é aquele que tem em perspectiva o interesse exclusivamente individual. Também como já mencionado, é hoje inegável que contrato repercute indiretamente também em relação a terceiros. Disto decorre que deve ser aplicado o princípio da eficácia dos contratos, de forma que se busque sempre a solução que permita a validade e eficácia da relação negocial, preservando-a. Em função disso, cumpre as partes cooperarem na busca deste desiderato, cientes de que é a manutenção da avença que, em linha de princípio melhor atende aos seus interesses, e permite que os objetivos secundários do contrato na distribuição de riquezas sejam alcançados.

Diante desta constatação, cumpre as partes colaborarem em auxílio mútuo para que a o contrato atinja sua finalidade, ainda que, eventualmente, tenham um, ou mesmo os dois lados, de ceder, de fazer concessões tendo em mira a razoabilidade e a proporcionalidade.

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O dever de proteção e cuidado dirige-se imediatamente ao objeto da prestação, mas a ele não se limita, incidindo também em relação aos próprios contratantes.

Por fim, há o dever de esclarecimento e informação, que pode ser invocado ainda que a hipótese não se amolde ao artigo 147, pois a informação a respeito do objeto da prestação ou da forma como esta se executará é elemento imprescindível para que o contratante possa fiscalizar o cumprimento da avença.

A violação dos deveres anexos caracteriza a quebra positiva do contrato, ou seja, o chamado "adimplemento ruim", que é fonte de obrigação, embora não contamine a validade do contrato.


5- CONCLUSÕES

O direito civil passa por uma reformulação de sua matriz, objetivando adaptar seu conteúdo a uma nova realidade social e jurídica. Esta reformulação perpassa pela constitucionalização do direito civil. Daí não se deve extrair, contrario sensu, a ilação de que o direito civil estivesse à margem da Constituição.

Como cediço, todo o arcabouço legislativo infraconstitucional encontra fundamento de validade na Constituição, e o direito civil, ou mesmo o direito privado, não refoge a esta premissa. O que se quer dizer com a constitucionalização do direito civil é que este ramo da ciência jurídica passa a ter sua disciplina conduzida pelo prisma da preocupação em dar concretude e efetividade aos valores constitucionais. No atual momento, a influência destes valores no âmbito do direito civil tem por conseqüência a inserção de uma perspectiva publicista, permeada pela ética e pela consideração das repercussões múltiplas dos atos negociais no estame social.

Especificamente na área das obrigações e especialmente na disciplina dos contratos, a aplicação do princípio da boa-fé objetiva representa uma das mais visíveis manifestações desta constitucionalização, derrogando, por vezes, o princípio da ampla liberdade contratual que ancestralmente norteou o regramento dos contratos.

A doutrina e a jurisprudência criaram e sedimentaram institutos através dos quais a boa-fé objetiva encontra sistematização e aplicação efetiva. Infelizmente, tais institutos não são tratados com a freqüência e profundidade que deveriam nos meios jurídicos.

Foi objetivo do presente trabalho, sem pretensões maiores, exatamente trazer à lume estes institutos e tecer algumas considerações sobre eles. É preciso que não olvidemos sua importância, pois é certo que sua aplicação será cada vez mais comum, e é dever do jurista estar atento do seu tempo.


NOTAS

  1. A propósito, ver o meu "Conhecendo o novo Código Civil". Série completa (3 partes). Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 826, 7 out. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7234>
  2. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante, 2a edição, Editora revista dos Tribunais, São Paulo, 2003, p. 910.
  3. Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, Leis Civis Comentadas, Editora revista dos Tribunais, São Paulo, 2006, p. 213.
  4. Novo Código Civil Comentado, Coordenador Ricadro Fiuza. 1aedição, 8a tiragem, Editora Saraiva, São Paulo, 2003, p. 374.
  5. Julgado em 19/07/2005.
  6. Código Civil Anotado, 3a edição, editora Saraiva, São Paulo, 1997, p. 108.
  7. Agravo de Instrumento nº 70010323012, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, julgado em 22/11/2004.
  8. Diretrizes Teóricas do novo CC brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 217-219.
  9. Apelação Cível nº 70003607231, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Armando Bezerra Campos, Julgado em 18/10/2002.
  10. Apelação Cível nº 70005342332, Décima Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Helena Ruppenthal Cunha, Julgado em 14/05/2003. No mesmo diapasão: Apelação Cível nº 70001911684, Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Isabel de Azevedo Souza, Julgado em 04/12/2000.
  11. Da Boa Fé no Direito Civil, Livraria Almedina: Coimbra, 1984, v. II, p. 821/822
  12. Nery Júnior, Nelson; Nery, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 236.
  13. A boa-fé no Direito privado: Sistema e Tópica no Processo Obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 469
  14. Julgado em 09/08/2006.
  15. Julgado em 28/03/2006.
  16. Julgado em 13/12/2005.
Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. A boa-fé objetiva e seus institutos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1212, 26 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9087. Acesso em: 2 nov. 2024.

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